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Interceptada pela reportagem do Caderno 2+ no aeroporto de Recife, de onde o grupo embarcou para São Paulo, a vocalista Ana Bacalhau (é, esse é mesmo o sobrenome da moça) se derreteu com a recepção do público em sua primeira apresentação no Brasil. “Foi maravilhoso, tudo que podíamos sonhar”, disse, por telefone.
“Há algum tempo que temos uma turma de fãs brasileiros que queriam que viéssemos. Quando conseguimos marcar, ficamos muito contentes e ansiosos para saber como os brasileiros iriam acolher nossa música. Ontem (a entrevista foi na sexta-feira) foi uma descoberta para os dois lados”, relata Ana.
Para quem ainda não conhece, o Deolinda é, possivelmente, a melhor porta de entrada para os brasileiros conhecerem a nova (e sim, vibrante) música popular contemporânea da pátria-mãe do Brasil.
E assim, quem sabe, corrigir injustiça histórica, já que eles conhecem a MPB muito mais do que os brasileiros conhecem a MPP.
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Formado em 2006, o Deolinda atualizou o fado e a música folclórica, quase sempre a partir de um olhar irônico e crítico para a sociedade em tempo de crise econômica e de identidade.
Uma abordagem que soa universal e que, transposto o sotaque, poderia muito bem falar do Brasil.
O que é absolutamente surpreendente no Deolinda é que, para soar atual, em nenhum momento seus músicos abriram mão dos tradicionalíssimos instrumentos acústicos.
Desde a formação, já lançou três álbuns: Canção ao Lado (2008, iPlay), Dois Selos e Um Carimbo (2010, EMI Music Portugal) e Mundo Pequenino (2013, resenha ao lado).
“Os dois guitarristas (Pedro da Silva Martins e Luís José Martins, violonistas) são irmãos. E eu sou prima deles. Já o contrabaixista (José Pedro Leitão) é meu marido”, conta Ana.
“Logo que começamos, vimos que conseguíamos criar um som distinto e pessoal, com caráter, mas que também trouxesse nossas raízes e tradições de um ponto de vista atual, contemporâneo, mais próximo de nossa geração”, diz Ana.
“Foi essa premissa nosso ponto de partida: com os instrumentos acústicos e tradicionais, fazer uma música de agora, moderna, com um som característico do Deolinda. E acho que conseguimos”, acredita.
Emoção ao vivo
E conseguiram mesmo. Duas de sua canções, Movimento Perpétuo Associativo e Parva Que Sou, ganharam status de hinos.
A primeira, como uma espécie de hino nacional alternativo. E a segunda, como hino da geração portuguesa que hoje está na casa dos 30 anos.
A letra de Parva é um tapa na cara: “Sou da geração sem remuneração / E nem me incomoda esta condição / Já é uma sorte eu poder estagiar / Que parva que eu sou! / E fico a pensar / Que mundo tão parvo / Que para ser escravo é preciso estudar”.
“O interessante é que Parva Que Sou não está em nenhum dos nossos CDs”, conta Ana.
“Estreamos ela em salas de concerto em Lisboa e Porto. Tínhamos um show linear e queríamos cantar algo novo no final. Tocamos Parva Que Sou. O publico emocionou-se imediatamente. As pessoas se levantaram, algumas choraram. Foi tão forte e emotivo para nós, que até erramos”, ri.
“Depois do concerto, todo mundo começou a falar. Botaram vídeos no You Tube, falou-se muito nos jornais, nas ruas, na TV. Foi um momento único na nossa carreira”, diz.
Ciente de que o Deolinda encabeça um novo momento da música portuguesa, Ana espera que os brasileiros conheçam não só o trabalho do seu grupo: ”Acho que há um caminho agora, pois há muita vontade dos dois lados. E esse momento que estamos vivendo é muito rico, com propostas muito variadas além do fado, que trabalham a matriz tradicional, mas com som moderno, como Os Azeitonas, Dead Combo, Samuel Úria e outros projetos”, recomenda.
Fã de MPB, Ana espera voltar ao Brasil para se apresentar no Rio e em Salvador: “Aqui há um mundo a descobrir. Ontem (25), ouvi um pouco de frevo com Elba Ramalho e fiquei deslumbrada. Ela é demais, não”?, conclui.
RESENHA: MUNDO PEQUENINO É MODERNIDADE SEM PREGUIÇA
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