sexta-feira, março 30, 2012

JOGOS VORAZES: NOVA SAGA ADOLESCENTE, AGORA SEM TANTA CARETICE E COM CRÍTICA SOCIAL

A boa notícia a respeito  de Jogos Vorazes, a nova franquia adolescente milionária que, espera-se, faça tanto sucesso quanto a Saga Crepúsculo, é que se trata de um produto bem melhor do que este último.

Longe da caretice anódina e tediosa que impregna o romance de Bella e Edward, JV tem no papel central uma heroína forte e decidida, que não pensa só em casar, mas em sobreviver – e, de quebra, proteger aqueles que ela julga serem mais fracos.

Ambientado em um futuro distópico, JV se passa em um perverso reality show no qual 24 jovens devem lutar até a morte e só reste um vivo.

Assim como Crepúsculo, Jogos Vorazes tem sua origem em uma série de livros (da autora Suzanne Collins) que venderam milhões e se tornaram mania mundial entre os adolescentes.

Katniss Everdeen (interpretada com dignidade pela princesinha Jennifer Lawrence) é a jovem que se oferece para participar dos Jogos Vorazes, no lugar da irmã caçula, sorteada por azar.

Hábil no arco e flecha – ela vive no chamado Distrito Doze, uma zona rural e pobre dos Estados Unidos pós-apocalíptico – Katniss logo se torna uma das favoritas na competição.

Diferente de Crepúsculo, JV não passa uma mensagem religiosa e conformista por debaixo de um romance chove-não-molha. No filme, Katniss acaba percebendo que seu verdadeiro inimigo não são os outros competidores, e sim, o sistema que cria uma sociedade profundamente desigual e sádica.

A lição que fica é que, justamente quando quebra as regras, quando vai contra o socialmente aceito e esperado, é que ela começa a virar o jogo.

Há momentos açucarados? Sim, mas nada que cause hiperglicemia – e a crítica à sociedade contemporânea está lá, mesmo que velada.

No fim das contas, a sociedade do filme a da vida real são praticamente iguais. Há os muito pobres e os muito ricos, há o grande público - uma massa de manobra programada apenas para consumir e esquecer.

Talvez a maior diferença esteja no fato de que, no filme, os mais ricos conseguem se vestir e se comportar de forma ainda mais patética e ridícula do que os da vida real.

Mas a gente chega lá.

Jogos Vorazes / dir.: Gary Ross / Com Jennifer Lawrence, Josh Hutcherson, Woody Harrelson, Stanley Tucci, Donald Sutherland  e Lenny Kravitz

quinta-feira, março 29, 2012

MILLÔR (1924-2012): JORNALISTAS E CARTUNISTAS BAIANOS LAMENTAM PERDA

Se, nas palavras de outro gênio brasileiro, "toda unanimidade é burra", Millor Fernandes era a exceção que confirmava a regra.

Por que só há dois tipos de pessoas incapazes de admirá-lo: os ignorantes e os canalhas.

Entre os humoristas, cartunistas e jornalistas baianos, não há quem não sinta sua perda.

Contemporâneo de Millor, o articulista Hélio Pólvora lamenta: “É mais uma figura de proa da minha geração que desaparece. Acompanho-o desde a época em que, na revista O Cruzeiro, ele se declarava licenciado pela Universidade Livre do Méier, e nos encantava com  sua irônica crítica erudita das mazelas nacionais”, diz.

Naturalmente, com o avançar da idade, Millor foi ficando mais amargo – algo que não passou despercebido: “Nos últimos anos, acentuou o desencanto. Havia no seu riso um travo de angústia”, notou Pólvora.

“Ainda assim, continuava a punir pelo riso. E sabia, também, rir de si mesmo – o que é fundamental.  Para mim, Millor sempre foi o melhor dos antidepressivos”, arremata.

Cartunista de A TARDE, o mineiro Cau Gomez esteve pessoalmente com ele em duas ocasiões e lembra com carinho e admiração do mestre.

A primeira vez foi em 1989. “Eu só tinha 18 anos e estava expondo em um evento de humor no Memorial da América Latina (SP). Ele me perguntou aonde eu tinha conseguido imprimir meu trabalho a jato de cera, algo que nem se usa mais. Millor não tinha medo de computador, numa época em que os artistas ainda tinham muito preconceito”, lembra.

Na segunda vez, já um artista premiado, Cau se encontrou com o humorista em uma recepção na casa de Jaguar (um dos fundadores do Pasquim).

“Fiquei muito impressionado com duas coisas: a intensidade do azul dos seus olhos e sua inteligência aguda. Ele ficou brincando com meu cabelo rastafari e explicando o que significavam as palavras rasta e  soteropolitano. Era uma inteligência superior”, afirma.

Cau lembra ainda um fato pouco citado sobre Millor: ele inventou o frescobol. “Teremos que fazer  um minuto de silêncio antes das  partidas de frescobol no fim de semana”, avisa.

Quem também relata uma história muito reveladora sobre Millor – o homem – é o jornalista baiano Gonçalo Júnior: “Não faz muito tempo, quando perguntaram ao Millôr o que ele achava de Ziraldo e Jaguar - colegas d’O Pasquim - terem conseguido indenização e aposentadoria como vítimas da ditadura militar, ele disse que, na época, lutava por idealismo, não por investimento numa caderneta de poupança”.

“Falamos muitas vezes por telefone e sempre me impressionou o raciocínio rápido que tinha, em tempo real, para fazer tiradas e trocadilhos. O humor era algo nato nele, não elaborava, vinha na lata, quase sempre genial”, conta.

Já o jornalista e poeta baiano Florisvaldo Mattos destaca o caráter múltiplo do artista: “Millor aliava o humor à filosofia, à arte e à literatura. Teve uma carreira extraordinária desde os tempos d’O Cruzeiro, com sua seção Pif Paf. Um cronista insubstituível, sempre presente nos momentos cruciais da vida nacional”, observa.

Quem também lamenta a perda é o  cartunista baiano Flávio Luiz, que destaca sua ironia fina: “Millor era biscoito fino para as massas, do tipo que não se pratica mais. O humor hoje é grosseiro, tipo Rafinha Bastos, Danilo Gentilli. Millor, não. Era preciso até uma certa bagagem para apreciá-lo. Ele era um filósofo que fazia humor”, conclui.

Matéria publicada hoje mesmo no jornal A Tarde. Aqui ela aparece não-editada.

segunda-feira, março 26, 2012

PARAÍSO DE ZAHRA, INFERNO TOTALITÁRIO

Massacrado por um regime sangrento que mistura extremismo religioso com política de opressão linha-dura, o Irã, a antiga Pérsia das Mil & Uma Noites, tem uma grande parcela da população que, felizmente, não compactua com tudo isto e busca manter a dignidade e a individualidade.

Isso vem sendo expressado com muita veemência na última década e meia, especialmente através do cinema e dos quadrinhos.

Este último teve uma obra chave para entender o Irã atual, o premiado Persépolis (2000), de Marjane Satrapi, adaptado em um longa de animação em 2007.

Agora chega às livrarias uma obra que é quase uma sequência de Persépolis: O Paraíso de Zahra.

Se a obra de Satrapi mostrava a tomada de poder do regime islâmico, a Guerra Irã-Iraque e a consolidação do regime dos aiatolás,  O Paraíso de Zahrah é ainda mais urgente: mostra o Irã agora, de junho de 2009 para cá, quando uma eleição de resultados duvidosos manteve o polêmico Mahmoud Ahmadinejad no cargo de presidente.

Em Teerã, em  meio aos intensos protestos contra a fraude eleitoral – e a repressão brutal das milícias islâmicas Basiji – um jovem de 19 anos chamado Mehdi desaparece.

No livro, acompanhamos a via-crúcis de sua mãe, Zahra, em busca do paradeiro do filho entre hospitais, necrotérios, gabinetes de burocratas corruptos e cemitérios clandestinos.

Tudo é narrado pelo irmão de Mehdi, Hassan, que inicia um blog para documentar os absurdos kafkianos que se sucedem a partir daí.

Painel do Irã contemporâneo

Criada pela dupla Amir (roteiro) e Khalil (desenhos), O Paraíso de Zahra é uma HQ única, que leva a experiência de Persépolis alguns passos adiante, se equilibrando entre a ficção e a denúncia, entre o entretenimento e o jornalismo em quadrinhos com rara habilidade.

Uma graphic novel que já merece figurar ao lado de clássicos como Maus (Art Spiegelman), Palestina: Uma Nação Ocupada (Joe Sacco) e a já citada Persépolis, entre poucas outras.

Isso por que O Paraíso de Zahra não se limita a meramente protestar contra um regime opressor.

Os autores, anônimos por razões óbvias, criam um painel riquíssimo da vida iraniana contemporânea, retratando não só a luta heroica de uma família em busca da verdade, mas também mostrando o dia a dia de pessoas comuns em Teerã, seu senso de humor e sua forma altiva de lidar com a opressão violenta praticada por seus próprios semelhantes.

Publicada em capítulos na internet, atraves do site zahrasparadise.com, a HQ já foi lida por milhões de pessoas de 125 países ao redor do mundo.

Em tempos de Primavera Árabe, O Paraíso de Zahra é leitura essencial e urgente para ajudar a entender o mundo de hoje – e o melhor: de uma forma repleta de êxito artístico,  que passa longe do didatismo acadêmico ou da linguagem técnica dos articulistas internacionais.

Caprichada, a edição nacional, da editora Barba Negra, traz um glossário de termos iranianos / islâmicos e um posfácio com informações sobre a feitura da obra,  as eleições de 2009 e diversos dados da Anistia Internacional sobre execuções.

O Paraíso de Zahra / Amir e Khalil / Barba Negra - LeYa / 272 p./ R$ 39,90/ www.editorabarbanegra.com.br / www.zahrasparadise.com

quinta-feira, março 22, 2012

NOUVELLES MUSICALES DE FRANCE

Pouco conhecida e divulgada no Brasil, a cena pop francesa é rica e consistente como poucas no mundo não-anglófono.
Agora, três grandes representações da moderna música pop da França acabam de ter seus álbuns lançados no Brasil: os duos de música eletrônica Air e Justice e a cantora Charlotte Gainsbourg.

O primeiro já pode ser considerado um dos maiores nomes do pop francês de todos os tempos. Formado por Nicolas Godin e Jean-Benoît Dunckel, o Air tem no currículo um dos melhores álbuns dos anos 1990: Moon Safari (1998).

Curiosamente, agora eles “retornam” à Lua, com este disco, uma trilha sonora para o filme Viagem à Lua (1902), de Georges Méliès, a partir de uma versão colorida à mão que estava perdida há décadas e foi encontrada em 1993 na Filmoteca da Catalunha (Espanha).

O que de fato, parece um projeto sob medida para a dupla, conhecida pela enorme criatividade na criação de sons que remetem à uma certa “ficção científica do passado”, por assim dizer, graças à uma bem azeitada relação entre elementos eletrônicos vintage e instrumentos orgânicos.

Ainda não foi desta vez que Godin e Dunckel superaram o clássico absoluto que é Moon Safari – mas a dupla segue firme em uma carreira sem manchas na discografia. Para os apreciadores, disco novo do Air é sempre algo a ser conferido.




Disco music e rock de arena

Já a dupla Justice, formada pelos parisienses Gaspard Augé e Xavier de Rosnay, é mais recente e pratica uma música eletrônica mais convencional, orientada para a pista de dança – apesar de, ainda assim, esbanjarem personalidade.

Basta  lembrar de D.A.N.C.E., hit (também célebre  pelo famoso “clipe das camisas’) que os lançou ao estrelato mundial em 2007, já no primeiro disco, Cross.

Em Audio, Video, Disco, eles passam pela proverbial “prova do segundo álbum”  ao criarem uma salada sônica das mais inusitadas, conjugando a classe disco de Giorgio Moroder com uma certa grandiloquência derivada do rock de arena dos anos 1970.

Há muitos riffs de guitarra que parecem ter sido pescados do Queen ou do Blue Öyster Cult.

O resultado dividiu a crítica estrangeira e, ainda que tenham comprometido de certa forma o caráter dance music que o caracteriza, o Justice ainda apresenta faixas boas para a pista, como Helix e Horsepower.




Linhagem nobre

Já a cantora e atriz Charlotte Gainsbourg (Melancolia) tem a arte no sangue. Seu pai, Serge Gainsbourg (1928-1991), foi uma lenda da música – e da própria vida – francófona.

Stage Whisper, seu novo álbum, reúne oito faixas que não entraram no seu disco anterior, o elogiado IRM (2010), mais onze faixas ao vivo.

No exterior, a edição vem com um DVD do show, mas a Warner brasileira, pelo visto, preferiu não arriscar e encarecer o produto...

A maior parte das faixas é de autoria do produtor de IRM, Beck Hansen – mas ainda há algumas outras, parcerias inusitadas de  Jarvis Cocker (Pulp), com os conterrâneos do Air, que produziram seus CDs anteriores.

Há ainda uma surpreendente (e bela) versão ao vivo de um clássico de Bob Dylan, Just Like a Woman.

Para quem ainda não conhece, é uma ótima introdução à obra de Mademoiselle Gainsbourg.




Le Voyage Dans La Lune / Air / Aircheology - Virgin - EMI  / R$ 29,90 / www.aircheology.com

Audio, Video, Disco / Justice / Ed Banger Records - Because Music - Warner Music Brasil / R$ 27,90

Stage Whisper / Charlotte Gainsbourg / Because Music - Warner Music Brasil / R$ 31,90 

Créditos fotos:

Air: Wendy Bevan


Justice: Paul Heartfield


Charlotte Gainsbourg: Jean-Baptiste Mondino

terça-feira, março 20, 2012

ESPECIAL FC: MOSTRA BRITÂNICA NO SHOPPING, DOCTOR WHO NA CULTURA E STEAMPUNK NO BRASIL


A ficção científica é um gênero com muitos pais e mães, mas com poucos locais de nascimento. Há quem sustente,  com razão, que o Reino Unido é a maternidade por excelência da FC, dada sua longa tradição em romances do gênero. Para provar a tese, chega a Salvador, a partir de hoje até 1º de abril, a exposição British Sci-Fi

A mostra é composta, basicamente, por extensos paineis que contam a história da FC ao longo das décadas e objetos como bonecos e máscaras.

Promovida pelo curso de inglês Cultura Inglesa, a exposição British Sci-Fi tem curadoria do expert paulista Rogério Campos.

Inicialmente, ela foi pensada para integrar a programação do festival anual de cultura britânica da escola, o Cultura Inglesa Festival, que acontece todo mês de maio em São Paulo e conta com shows, festas, exibições de filmes e mostras.

“Soube que tinha essa mostra de FC e aí achei que tinha apelo popular. Solicitei e eles [Cultura Inglesa de São Paulo] cederam o material para uma turnê pelo Brasil”, conta Steve Barlow, coordenador da escola de Recife.

“A mostra vai passar por dezenove cidades e Salvador é a sétima a recebe-la”, acrescenta.

“O conteúdo  é exibido de duas formas: paineis com enfoque nos autores e uma linha do tempo, que mostra a evolução da FC. Os leigos podem ter uma boa ideia de onde um autor como HG Wells (Guerra dos Mundos) e uma obra como  2001: Uma Odisseia no Espaço  se encaixam na história da ficção científica”, explica Steve.

Frankenstein: origem

Já Laerte Mello, coordenador do Cultura Inglesa Festival de São Paulo, conta que não é um entusiasta, mas que acabou se entusiasmando com o assunto.

“Por isso contratamos o Rogério Campos, especializado em FC. Aí acabamos descobrindo que a ficção científica começou lá atrás, em 1818, com Frankenstein, de Mary Shelley”, lembra.

“Na mostra, a linha do tempo mostra isso com clareza – e como ela foi saindo da literatura  e entrando na música, no cinema, HQs e seriados”, diz.

Exposição British Sci-Fi / Salvador Shopping:  19 a 25 de março (Piso G1) / Salvador Norte Shopping: 26  de março a  1º de abril (Piso L2) / Horário de Funcionamento dos Shoppings / Grátis

Doctor Who, finalmente, no Brasil

 
Um clássico bem britânico é o seriado Doctor Who (BBC), no ar desde os anos 1960. Em São Paulo, a mostra teve até palestra de um dos roteiristas.

Coincidentemente, o seriado – uma nova versão do clássico dos anos 1960, no ar desde 2005, com o ator Christopher Eccleston no papel título –  estreou ontem mesmo, na TV Cultura.

Assistam de segunda a sexta-feira, sempre às 20h20.

A série acompanha as aventuras de um homem misterioso, capaz de viajar no tempo e no espaço, resolvendo os casos mais estrambóticos e cruzando com seres extraterrestres e personalidades históricas.

O detalhe interessante é que a "nave" em que o Doutor viaja é esta cabine de telefone dos anos 1950, que era usada pelos transeuntes para chamar a polícia em caso de necessidade.

Pequena por fora, a cabine se revela uma nave espacial (e "temporal") gigantesca por dentro.

Objeto de culto, Doctor Who é um fenômeno de cultura pop, que, apesar de pouco conhecido no Brasil, só encontra paralelo com Star Trek.

Saiba mais aqui, aqui e aqui.



PUNK À VAPOR

A Máquina Diferencial, livro-gênese do subgênero steampunk, chega ao Brasil em excelente edição da Aleph

Um dos gêneros mais ricos da literatura, a ficção científica gera inúmeros outros subgêneros derivados. Dois dos mais recentes são o cyberpunk e steampunk.

O primeiro já é razoavelmente bem conhecido e tem no livro Neuromancer (1984), de William Gibson, sua gênese.

Foi o mesmo Gibson, ao lado de outro adepto do cyberpunk, Bruce Sterling (O Consertador de Bicicletas) quem gerou o steampunk.

O marco inicial é o livro A Máquina Diferencial (1991), que finalmente, ganha edição brasileira, via editora Aleph.

Ambientado em uma espécie de realidade paralela, o universo steampunk combina a tecnologia a vapor da Era Vitoriana e da Revolução Industrial.

Daí a denominação steam + punk, ou seja, punk a vapor – com muita fantasia, ação e intriga política em uma  delirante salada cultural.

Computador vitoriano

Em A Máquina Diferencial, Gibson e Sterling lançaram as bases do subgênero, hoje muito em voga no cinema e nos quadrinhos, vide obras como A Liga Extraordinária (HQ e filme), Van Helsing e As Loucas Aventuras de James West, entre outros.

De certa forma, esses últimos filmes do detetive Sherlock Holmes, dirigidos por Guy Ritchie, incorporam muito da estética steampunk, também.

No livro, uma leitura difícil de se largar depois que se pega o ritmo, o leitor acompanha uma densa trama de intriga política em torno da máquina do título – o computador da Era Vitoriana, 100 anos antes de sua invenção, o que dá ao Reino Unido, poder mundial absoluto.

(Na "vida real", a máquina diferencial foi criada em 1820 pelo matemático inglês Charles Babbage e é apontada como o primeiro protótipo de computador, visto na imagem em P&B ao lado).

Entram em cena a filha de um agitador ludita executado, um misterioso jornalista, um paleontólogo e a filha do poeta Lorde Byron, envolvidos em um turbilhão de disputas pelo poder.

A Máquina Diferencial / William Gibson e Bruce Sterling / Aleph / 456 p. / R$ 55 / www.editoraaleph.com.br

A ilustração steampunk mais acima é do artista Michael Dashow. Conheça.

Ah! No Brasil já tem uma ruma de doido cultuando o steampunk. Vejam: www.steampunk.com.br/

sábado, março 17, 2012

BUSTER, HC MELÓDICO DE PRIMEIRA LINHA, É OUTRA BANDA AFINADA NAS GUERILLA GIGS

O rock ultraindependente de Salvador parece estar entrando em uma nova fase, mais pró-ativa e consciente – é o seu próprio movimento occupy, digamos.

Como já foi divulgado antes neste blog, o coletivo TomanacaraHC (e mesmo bandas “solitárias” como a Não & Proliferação, também já vista por aqui) vem promovendo shows gratuitos em ruas e praças da cidade. Mais notadamente no Largo de Santana (Dinha) e na Praça do Skate (Imbuí).

E uma das bandas mais ativas (e apreciadas) em torno do TomanacaraHC é a Buster, quarteto de hardcore melódico fundado em 2003, mas que só caiu “na estrada” mesmo a partir de 2008.

“A Buster era um power trio. Eu fui o último a chegar, em 2005”, relata o baixista Rodrigo Velázquez, o Doug.

Ele conta que Danilo (Nunes, guitarra), Gustavo (Guerra, bateria) e Thiago Nogueira (guitarra e voz) “já se conheciam do colégio, da rua, já que moravam todos na Cidade Baixa.

Depois de algum tempo, viram que precisavam de mais um na banda. Soube disso através do Dieguito (Vivendo do Ócio). Aí eu conheci os caras e me juntei a eles”.

Não espere: se organize logo

A partir de 2008, com o lançamento da primeira demo virtual com apenas duas faixas, a banda começou a despontar no circuito.

“Nossa praia é essa mesmo: HC melódico, skate rock, trilhas de filmes de skate e surf. Esse é o som que a gente se amarra”, afirma.

Com letras em inglês, a Buster lançou no ano passado o primeiro EP, Choose Any Direction, com seis faixas.

“Nossas maiores influências são estrangeiras mesmo, de hardcore californiano. E também achamos que as letras não soaria tão legais em português”, justifica.

Agora acaba de sair a coletânea sulista Manual de Resistência Vol. 3. “Esse disco foi organizado pelo Nenê Altro, da banda paulista Dance of Days. Somos a única banda do Norte / Nordeste no CD”, conta.

Sobre as guerilla gigs locais, o baixista acredita que “é um protesto contra a falta de oportunidade. Então  vamos tocar na rua, puxar gato mesmo, fazer na cara dura. Senão não tocamos nunca. Se você quer tocar, não espere. Meta a mão, organize com outras pessoas e faça seu show você mesmo”, conclui.

Ouça:

Não-fãs de hardcore melódico costumam correr léguas de bandas do estilo. A  local Buster, porém, tem a  habilidade incomum de conferir  pegada universal no som e agradar até quem não é adepto. Experimente. Buster / Choose Any Direction / Baixe: www.tramavirtual.uol.com.br/buster

quarta-feira, março 14, 2012

MOZ, 9 DE MARÇO DE 2012, FUNDIÇÃO PROGRESSO, RIO DE JANEIRO


Depressão adolescente embalada ao som de The Smiths foi um privilégio que só quem era jovem nos anos 1980 pôde degustar em primeira mão.

Mas como toda banda original, seu legado sobrevive ao tempo e segue seduzindo. Na Fundição Progresso, Morrissey atraiu tanto coroas daquele tempo, quanto novos fãs.

A abertura ficou por conta da cantora e tecladista Kristeen Young, que fez um show chatérrimo! Alguém precisa avisar à mocinha que tudo o que ela faz hoje Bjork já fez antes, uns 15 ou vinte anos antes.

Quem estava na - desnecessária e inaceitável - área vip garante que ela pagou peitinho direto.

Como eu estava meio longe do palco, perdi o melhor do show, se é que vcs me entendem....

Após mais de meia hora de suplício com essa histericazinha mala, vem uma sequencia de clipes que é a cara do Morrissey: Sparks, Françoise Hardy, Velvet, Nico solo, sei lá mais quem e, claro, New York Dolls!

A essa altura eu já tava ficando mais animado.

Aliás, que lugar do caralho a Fundição Progresso. O espaço do show é só um entre vários que tem lá. Gigante, tem pizzaria e as porra!

De repente, as cortinas caem e lá estava a banda, já no palco. A galera urra. Morrissey entra, novos urros. First of The Gang To Die começa automaticamente.

Muito profissional, o mancuniano fez um show tecnicamente redondo – o homem parece incapaz de desafinar –, acompanhado de banda bastante competente, mas pouco elegante: em sungas amarelas e só.

Menos o veterano guitarrista Boz Boorer, que estava de drag queen - grafinha!

Ainda que o público já estivesse ganho logo de saída, Morrissey se esforçou,  emocionando a multidão com suas canções solo e um punhado de clássicos dos Smiths, como How Soon Is Now?, Still Ill, Please Please Please Let Me Get What I Want e There Is a Light That Never Goes Out, em  versões vigorosas.

O ritmo de celebração porém, foi quebrado em algumas ocasiões, como na panfletagem vegan Meat Is Murder (aí o telão exibe vacas e frangos trucidados) e algumas canções mais recentes (e não tão brilhantes), como  When Last I Spoke To Carol e Black Cloud.

Mas hits como First of The Gang To Die (abertura do show) Everyday is Like Sunday, Let Me Kiss You, You Have Killed Me e I'm Throwing My Arms Around Paris garantiram o status de “inesquecível” ao show.

Outra coisa sensacional é o gestual do cara. São meneios, acenos, gestos amplos e curtos – tudo com uma classe britânica difícil de chegar junto. Moz é o cara, sério mermo!

Confesso que não chegou a ser um dos melhores shows que já vi na vida etc e tal. Mas valeu cada centavo.

Um daqueles shows que falam direto com o adolescente deprê que eu fui. Um acerto de contas. Uma forma de dar adeus (ou ao menos, um tchauzinho) a mim mesmo, versão de 25 anos atrás. Afinal, minha depressão adolescente foi amplamente embalada ao som desse cara e sua ex-banda.

Mas interessante foi a coincidência da visita do Príncipe Harry ao Rio no mesmo dia, em busca de investidores para a Olimpiada de Londres.

“Ele veio buscar o dinheiro de vocês. Por favor, não deem”, alertou o anti-monarquista convicto. Recado dado!


Foto Felipe Panfili / AgNews

Veja mais imagens deste show aqui.

terça-feira, março 13, 2012

OS DIÁRIOS DO PAPA: L&PM SOLTA NOVA EDIÇÃO ENCAIXOTADA E BIOGRAFIA

Se Humphrey Bogart gostava de alardear que estava sempre três doses de uísque a frente do resto da humanidade, o pop artista Andy Warhol, cuja morte completou um quarto de século no último dia 22,  partilhava de dilema parecido.

Mas no seu caso, parece que o adiantamento em relação aos meros mortais se media não em mililitros, mas em anos-luz.

Não precisa nem recorrer ao clichê de sua frase mais profética e famosa (“No futuro, todos terão direito a 15 minutos de fama”): no You Tube mesmo há um vídeo de Andy Warhol em que ele aparece, em 1985, pintando a cantora Debbie Harry (Blondie) em um programa do computador Amiga, então muito em voga.



O vídeo simboliza bem o espírito do genial papa da pop art: em 1985, nos primórdios da computação gráfica, muito antes da Internet ou mesmo da febre do design gráfico via Photoshop / Corel Draw, lá estava Drella (apelido íntimo que juntava Drácula com Cinderella e resumia sua personalidade) em pessoa, fazendo arte pelo computador.

Para marcar a data no Brasil, a editora gaúcha L&PM recoloca no mercado seus famosos Diários, agora em versão pocket em dois volumes (que podem ser adquiridos juntos em uma caixinha) – além de  uma  biografia inédita: Andy Warhol (240 pgs., R$ 18), da Doutora em Filosofia Mériam Korichi.

Publicados pela mesma L&PM em 1989, os Diários de Andy Warhol constituem um registro inestimável e trazem a público a visão do agitadíssimo dia a dia de um artista único e original, em mais de 1,1  mil páginas que respiram  a  Nova York pré-11 de setembro – e em vários níveis.

Desde a rua, aonde encontrava os artistas que colocava sob sua asa, como Keith Haring e Jean Michel Basquiat, até as boates e coberturas mais chiques, aonde convivia e fofocava com o jet set internacional em peso: astros do rock, realeza europeia, personalidades da TV, cinema e teatro, jornalistas, escritores, supermodelos, milionários e malucos em geral.

Editados pela sua secretária particular, Pat Hackett, ela conta na introdução que esses diários não eram exatamente escritos por Andy, mas metodicamente ditados à ela mesma, todo santo dia, pessoalmente ou por telefone, estivesse ele aonde estivesse.

Estão lá suas viagens, relações comerciais, o dia a dia da redação da badalada revista Interview (fundada em 1969 por Warhol), nights em boates, teatros, festas e restaurantes, caminhadas pela cidade e inúmeras outras ocasiões.


Claro, em quase todas as páginas há trechos impagáveis, coisas só poderiam acontecer com alguém como ele mesmo, narrados no seu estilo fleugmático inconfundível. Um exemplo, de 1º de dezembro de 1976: “Comentamos como (o fotógrafo Richard) Avedon é horrível, ela (China Machado, modelo) disse que ele tira o que quer de uma pessoa e depois joga fora. Eu concordei e daí todo mundo gritou comigo, dizendo que eu faço a mesma coisa”.

Aproprie-se de imagens

Natural de Pittsburgh, filho de imigrantes eslovacos, Andrew Warhola (nascido em 6 de agosto de 1928), se mandou para Nova York ainda em 1949, aonde atravessou a década seguinte trabalhando como ilustrador de anúncios.

Em 1964 iniciou o movimento  pop art, apropriando-se de imagens comerciais como latas de sopa e caixas de sabão em pó para questionar o que é e o que não é considerado “arte”.

O arquiteto e artista visual baiano Almandrade acredita que sua abordagem permanece atual como nunca: “Nós últimos 25 anos o mundo mudou muito, mas todo trabalho artístico que tem um investimento conceitual, como o de Andy Warhol continua produzindo questionamentos atuais”.

“O momento em que ele surge foi de transição, da modernidade para a contemporaneidade, a era da reprodução mecânica de mídias. Diante de tantas imagens, o artista não precisa criar mais uma imagem:  ele se apropria de uma. Então ele nos ajuda a compreender esse momento em que a imagem passa a ter mais importancia do que o real. A lata de sopa Campbell's deixa de ser a lata de sopa e passa a ser imagem. O mundo deixa de ser real e pasa a ser imagem, por que o real não interessa mais. Ele antecipou isso: é o mundo da imagem. Ela é mais forte do que o real. As imagens de Warhol são congeladas no tempo”, observa.

Diários de Andy Warhol / Andy Warhol, editado por Pat Hackett / L&PM / 624 p. (vol. 1),  544 p. (vol. 2) / R$ 29 (cada), R$ 58 (caixa)

Andy Warhol / Mériam Korichi / L&PM / 240p. / R$ 18 / http://lpm.com.br

quinta-feira, março 08, 2012

ÁGUAS E MICRO-RESENHAS DE MARÇO

Tirem as crianças da sala...

...que a conversa é de adulto. O que acontece quando uma lenda viva do jazz de Nova Orleans (e sua puta big band) é colocado na mesma sala que uma lenda viva do blues? Resposta óbvia: mágica. Este é o encontro de Wynton Marsalis com Eric Clapton: uma reunião de músicos  exercitando, em arranjos riquíssimos, clássicos do repertório sulista, como Ice Cream (arrasador), Forty-Four e The Last Time. Outra lenda viva, Taj Mahal, surge e arrepia em Corrine, Corrina e Just  a Closer Walk With Thee (tema dos animados cortejos fúnebres de Nova Orleans). Nem precisava ter incuído o cavalo de batalha claptoniano Layla. Mas já que incluíram... valeu, tá?  Show é o caramba – isso aqui é uma aula, meu senhor. Wynton Marsalis & Eric Clapton Play the Blues – Live from Jazz at Lincoln Center / Warner / R$ 49,90 (DVD+CD)



Rock ortodoxo e genético

Lançado em outubro de 2011, quase ninguém deu bola para este segundo CD do Beto Lee – maldade, pois é um belo disco de rock ‘n’ roll no estilo clássico que celebrizou sua genitora (Rita) em tempos áureos. Ortodoxo, atira em diversas vertentes do gênero, acertando quase sempre, como na faixa-título, rockão que lembra Made in Brazil ou Barão Vermelho dos bons tempos. O disco segue em alta com Tente Acreditar em Mim, Eu Quero Desapego e Encrenca (mais devagar, com bom arranjo vocal). Mama Lee ganha tributo sincero com a regravação de Corista de Rock (faixa de 1976). Beto Lee / Celebração & Sacrifício / Som Livre / R$ 19,90



One hit wonder da hora

Alguém aí lembra de uma banda chamada EMF? Não, né? Garotos, estouraram mundialmente em 1991, com o hit Unbelievable – agora lembraram, né? Claro, nunca mais fizeram sucesso na vida. A banda norte-americana Foster The People é como um EMF: o one hit wonder da hora. No ano passado, o trio de Los Angeles emplacou geral o sucesso de verão (no hemisfério norte), Pumped Up Kicks, cançãozinha ordinária de arranjo raquítico com letra enviesada sobre pedofilia. No disco cheio, demonstram quão imaturos ainda são. Além de Pumped Up Kicks (OK para a pista), pouca coisa se salva. Call It What You Want soa até melhor que o hit. E só, né? (E outra coisa: sou do tempo que o "The" ficava antes do nome da banda, e não no meio, como essa aí e aquela outra, Cage The Elephant - que pelo jeito, entraram na fila duas vezes quando estavam distribuindo nomes ruins para bandas de rock). Foster The People Torches / Star Time - Sony /  R$ 26,90


Indie MPB que não chateia

Bem elogiado pela crítica, Fábio Goes teve este disco, seu segundo, incluído em diversas listas de Melhores de 2011. De tom intimista, o som passeia entre o indie e a MPB com dignidade e evitando clichês – o que já é muita coisa. Talento promissor. Fábio Goes / O destino vestido de noiva / Vendas: www.fabiogoes.com








Jack & A Tchurma Beat

O fascínio de Kerouac e sua tchurma beatnik sobre mentes jovens e influenciáveis parece mesmo imorredouro. Aqui, o quadrinista paulista João Pinheiro presta homenagem sincera e até mesmo tocante, mas que peca na idealização excessiva do ídolo. Mas há bons momentos, como o frenético trecho da viagem de carro. Kerouac, / João Pinheiro / Devir/ 112 p./ R$ 25/ www.devir.com.br









Prosa rica como a Amazônia, de um mestre do Norte

Publicado em 1886, este livro é a única obra de ficção do jornalista paraense José Veríssimo (1857-1916). Inclui o antológico O Crime do Tapuio, considerado um exemplo perfeito do Naturalismo brasileiro, graças ao antagonismo sociedade versus natureza. Cenas da vida amazônica / José Veríssimo / WMF Martins Fontes/ 328 p./ R$ 48/ www.martinsfontespaulista.com.br  



Sexo, tédio, drogas etc

Ícone da literatura pop dos  anos 1980, Abaixo de Zero marcou época ao retratar o vazio de uma geração de jovens norte-americanos bem nascidos, afundados em tédio, drogas, sexo e rock ‘n’ roll. Em 1988, foi adaptado ao cinema, com um jovem Robert Downey Jr. no papel principal. Agora, chega em bem vinda edição pocket. Abaixo de Zero / Bret Easton Ellis / L&PM / 176 p. / R$ 15 / www.lpm.com.br






  

O corno e o Ricardão

Escrito em apenas três meses de 1869, durante uma fase de vacas magras, este Dostoiévski mostra o surreal encontro entre um marido traído e o suposto “Ricardão”. As consequências deixam os personagens à beira da loucura (e do crime). Considerado um dos trabalhos mais refinados do gênio russo, é um texto encharcado de ironia. O Eterno Marido / Fiódor Dostoiévski / L&PM / 176 p. / R$ 14 / lpm.com.br








Da vida - inclusive sexual - dos anões

“Verticalmente prejudicado”, como dizem os politicamente corretos, o humorista carioca Gigante Leo escreve com leveza sobre a vida dos anões: suas dificuldades, vantagens, presença na cultura pop, mitos, curiosidades (incluindo sexo) e até uma seção só de piadas de anão. O Grande Livro dos Anões / Gigante Leo / Matrix / 104 p. / R$ 19,90 / www.matrixeditora.com.br









Salada pop que agrada

Terceira parte da série de HQs  A Torre Negra, baseada na obra de  Stephen King, Traição mostra o jovem pistoleiro Roland Deschain às voltas com as visões aterrorizantes de uma tal Toranja de Merlin, espécie de bola de cristal psicodélica. FC, faroeste, terror e fantasia numa senhora salada com a arte elegante e exuberante de Jae Lee (Inumanos). A Torre Negra HQ - Vol. 3: Traição / P. David, R. Furth, J. Lee, R. Isanove / Suma de Letras / 152 p. / R$ 59,90 / www.objetiva.com.br







Clássico espremido

Boa (e detalhada) adaptação em quadrinhos da epopeia ao redor do planeta protagonizada por Phileas Fogg e seu ajudante Jean Passepartout. Indicado para jovens e estudantes, só tem um porém: o formato menor que o original, que “espreme” desenhos e textos, prática recorrente da editora. Ainda assim, é um bom início para a coleção de clássicos em HQ. A Volta ao Mundo em 80 Dias / Julio Verne, Chrys Millen (adaptação) / L&PM / 60 p. / R$ 25 / lpm.com.br








Duelo de gigantes: Borges versus Dante

Escritos nos anos 1930, os brilhantes ensaios dantescos do brujo argentino vem se somar à inesgotável fortuna crítica d’A Divina Comédia. A edição ainda traz um ensaio sobre Shakespeare e três contos – os últimos redigidos antes de sua morte, em 1986. Nove Ensaios Dantescos & A Memória de Shakespeare / Jorge Luis Borges / Companhia das Letras / 104 p. / R$ 29,50 / www.companhiadasletras.com.br








Musa almodovariana

Adorada por Almodovar, que incluiu duas de suas canções em A Pele Que Habito, a cantora espanhola Concha Buika  chega ao Brasil com esta coletânea que compila faixas de seus quatro álbuns. De entonação dramática, sua bela voz é emoldurada em arranjos de elegância cubana (alguém falou Buena Vista Social Club?), em cha cha chas, rumbas, tangos e cumbias. Adorável. Buika / En Mi Piel / Warner / R$ 31,90








Veteranos sem talento

O 311 é uma daquelas bandas norte-americanas branquelas que misturam rock com funk, punk, metal e rap – e acabam não fazendo nenhum desses estilos de forma minimamente satisfatória. Com vinte anos de carreira, nem a produção do experiente Bob Rock dá jeito nesses caras. A sonoridade não é ruim, há até bons timbres de guitarra, mas as músicas entram por um ouvido e saem direto pelo outro...  311 / Universal Pulse / Deckdisc / R$ 21,90







Hollywood city cops
 
A capital da indústria do cinema conta com uma elite única de policiais: a Divisão de Relações Comunitárias. Quando um de seus  oficiais, o aspirante a ator (claro) Nate Weiss se envolve com a femme fatale (claro de novo) Margot Aziz, um intrincado golpe se desenrola e abala toda Hollywood. Os Corvos de Holywood/ Joseph Wambaugh / Record / 416 p. / R$ 52,90 / www.record.com.br

 







Mangás de bolso

A série Pocket da L&PM estreia no concorrido mercado de mangás com Solanin, obra cultuada e premiada no Japão, aonde já foi até adaptada para o cinema. No gênero drama, conta a história de Meiko, jovem auxiliar de escritório que decide largar o emprego e perseguir o sonho de se tornar estrela da música pop. Já saíram dois volumes. Solanin (Vols. 1 e 2) / Inio Asano / L&PM/  216 e 224 p. / R$ 15 e R$ 16 / lpm.com.br







Samba com sabedoria

De 1969, o LP Meu Samba, Minha Vida foi um dos últimos registros do sambista carioca  Cyro Monteiro (1913-1973), agora de volta às lojas em CD. Muito popular entre as décadas de 1930 e 40, Cyro foi um dos cantores preferidos de Vinícius de Moraes – muito provavelmente pela pureza do seu samba e pelas letras a primeira vista ingênuas, mas carregadas de sabedoria popular, como Tristezas Não Pagam Dívidas, de Ismael Silva: “Pois ninguém deve chorar / Só por causa de amor / E nem se lastimar/ Por causa disso eu não vou me derrotar”. Belo registro. Cyro Monteiro / Meu Samba, Minha Vida / Copacabana - EMI / R$ 17,90



Os anos 1990 voltaram?

Quem deu a melhor definição para este disco de retorno da banda noventista Bush foi o crítico Mikael Wood, da revista gringa Spin: “viva la grunge manifesto”. Marola final do tsunami que se levantou de Seattle e engolfou o planeta, o Bush fazia mais sucesso com as meninas do que com os marmanjos, graças ao vocalista  galã Gavin Rossdale, mas tinha um ou dois hits legais. Neste retorno, faz sua profissão de fé como banda de pós-grunge em faixas de certo apelo, como All My Life e She’s A Stallion. Mas o CD como um todo soa... extemporâneo. Para dizer o mínimo. Bush / The Sea of Memories / Zuma Rock Records - Lab 344 / R$ 37,90



Parece, mas não é Restart

É difícil levar a sério a banda Never Shout Never quando se vê as fotos do seu idealizador, que começou como projeto solo: Christofer Drew parece um clone / sósia do cantor do Restart. Com o disquinho no aparelho, porém, é possível perceber que o rapazinho tem mais ambições na vida do que ganhar dinheiro fácil e fazer jovenzinhas histéricas arrancarem os cabelos. Em diversas faixas, a banda exibe uma bem-vinda influência do Queen, com intrincados arranjos vocais e timbres de guitarra chupados de Brian May. Precisa comer muito feijão ainda, mas começou direitinho. Never Shout Never / Time Travel / Reprise - Warner / R$ 27,90



Lehane rules

Um dos melhores nomes da ficção policial contemporânea, Dennis Lehane aborda aqui uma intrincada trama envolvendo tráfico de bebês, produção de metanfetamina, pedofilia, identidades falsas  e o roubo de uma relíquia. Na função, o detetive Patrick Kenzie, o mesmo do livro Medo da Verdade. Estrada Escura / Dennis Lehane / Companhia das Letras / 336 p. / R$ 37 / companhiadasletras.com.br







1984 made in China

Banido da China, este elogiado romance tem sido comparado a 1984 de George Orwell, graças ao clima sombrio de vigilância do estado sobre o cidadão. Ambientado no futuro próximo, mostra o escritor Lao Chen e sua namorada, Xi, tentando descobrir o  que aconteceu durante 28 dias que sumiram do calendário, em meio a euforia generalizada da China superpotência. Os anos de fartura - China 2013 / Chan Koonchung / L&PM / 280 p. / R$ 44 / lpm.com.br

quarta-feira, março 07, 2012

PORCAS, PARAFUSOS, BORRACHAS E UM PIANO PARA JOHN CAGE


Um compositor erudito da vanguarda do século 20, um piano com diversos objetos meticulosamente inseridos entre suas cordas e três musicistas apaixonadas por esta obra.

Estes são os ingredientes do álbum / projeto Preparado em Curitiba: John Cage - Sonatas e Interlúdios para Piano Preparado.

Para quem não conhece, o norte-americano John Cage (1912-1992) foi um dos maiores nomes da música erudita avant-garde  do século passado.

Criadas entre 1946 e 1948, as Sonatas e Interlúdios para Piano Preparado foi um dos pontos altos de sua produção.

E foi este o material escolhido pela idealizadora e diretora musical Vera di Domênico, as pianistas Lilian Nakahodo e Grace Torres, para homenageá-lo no seu centenário de nascimento.

Trata-se  de uma série de vinte peças curtas, entre dois e seis minutos, em que a melodia fica em segundo plano em favor da harmonização dos silêncios e das inusitadas sonoridades percussivas extraídas do “piano preparado” – no caso aqui, um Bösendorfer cuidadosamente preparado com a inserção,  entre as cordas, de parafusos, porcas, borrachas e outros objetos.

Antes que puristas se horrorizem com um suposto estupro pianístico, Vera garante que o instrumento não sofre qualquer dano: “As pessoas  às vezes tem uma impressão pavorosa, mas tudo é colocado delicadamente. Não se fura o piano, não se quebra cordas. Esse processo existe há 60 anos, e é totalmente profissional”, esclarece.

E o som resultante, que poderia parecer agressivo, “é justamente o contrário: é um som delicado, sutil. E o piano sai ileso do preparo”, garante.

Até por que John Cage deixou uma bula,  determinando exatamente aonde cada peça se encaixa no instrumento.

Mesmo assim, da primeira vez em que ela, Lilian e Grace tentaram preparar o piano, não foi tão fácil: “É uma bula  delicada, com tudo especificado. Por exemplo: entre as cordas 2 e 3, a um quarto da ponte, vai um parafuso de móvel sem ponta,  de tamanho médio. Então levamos um tempinho para achar todo os objetos especificados”, conta.

Agora, porém, com todo o material coletado, as pianistas podem preparar qualquer piano de cauda em questão de duas horas.

“Depois  elas ensaiam por uma hora e meia e o recital está pronto para começar”, diz.

Curitiba, Alemanha e Brasil

Após o lançamento do CD em Curitiba (18 de janeiro último), viabilizado pela Fundação Cultural municipal, o trio já levou o espetáculo para um dos centros da música erudita na Europa, os Tage für Neue Musik (Dias da Música Nova) em Darmstadt (Alemanha), realizados desde 1955, em 4 de fevereiro último.

“O concerto teve um público muito legal. Muitas pessoas que estavam lá eram pessoas que conheceram pessoalmente o John Cage, quando ele esteve  em Darmstadt. Eles vieram  nos procurar e foi uma experiência muito bonita”, relata.

“Agora queremos levar o concerto para outras cidades do Brasil –  salas, mas também universidades, já que estamos no seu centenário”, acrescenta.

Vera não esconde seu desejo de mostrar essa música tão diferente ao público baiano: “Salvador mesmo, nós adoraríamos ir. Só precisamos de um piano de cauda, nem precisa ser cauda inteira, pode ser um quarto. E sempre fazemos um bate-papo depois do recital. As pessoas podem se aproximar e conhecer o piano preparado”, sugere.

Cage, que era zen-budista, se inspirou nas orquestras de Gamelão (Indonésia) e nas nove rasas (estados emocionais da filosofia hindu), para criar estas peças, as quais Vera define como “fundamentais na história da literatura pianística mundial. Apesar de soar muito diferente, ele tinha um sistema de escrita genial, perfeitamente lógico e coerente”, conclui.

Preparado em Curitiba: John Cage - Sonatas e Interlúdios para Piano Preparado / L. Nakahodo e G. Torres / MCK / R$ 32,90

Crédito fotos Vera di Domênico, Grace Torres e Lílian Nakahodo: Andressa Cor / Divulgação.