Produção poética de Charles Bukowski começa a chegar ao Brasil
É fácil gostar ou até mesmo detestar Charles Bukowski. Difícil mesmo é ignorá-lo. O escritor e poeta mais sujo, amoral, beberrão - e, ao mesmo tempo, cheio de compaixão, personalidade e lirismo - da América só agora tem sua obra poética sendo publicada aos poucos no Brasil. Algumas editoras estão se encarregando da tarefa, e o lançamento mais recente, O amor é um cão dos diabos (L&PM) é talvez o melhor deles até agora.
Trata-se de um volume lançado na época em Bukowski, morto por leucemia em 1994, começava a angariar fama e fortuna nos EUA - por volta de 1978 -, como o poeta preferido dos desajustados, e rodava o país fazendo suas famosas leituras em auditórios de universidades.
Com poemas escritos entre 1974 e 1977, O amor é um cão dos diabos é, como todos os seus livros, um compêndio de suas experiências cotidianas, entre bebedeiras, visitas de amigos chatos e mulheres insanas, sessões de leituras e, claro, suas idas ao hipódromo para apostar nas corridas de cavalos - talvez sua maior paixão depois da birita, mulheres, música clássica e literatura.
O livro é dividido em quatro partes: mais uma criatura atordoada pelo amor, eu e aquela velha: aflição, Scarlet e melodias populares no que restou da sua mente.
Tematicamente, a única que tem alguma unidade é Scarlet, na qual narra em uma sequência de esplêndidos poemas ora cômicos ora angustiados, um tórrido affair com uma destrambelhada mulher ruiva com um problema de mau-hálito. Fato abordado também no romance Mulheres, onde esta personagem, uma das mais engraçadas do livro, é chamada de Tammy.
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De resto, O amor é um cão dos diabos é o Velho Buk no seu melhor: lírico e terno sob um texto seco e direto como um bom vinho, impiedoso com os malas que o atormentavam e narrativo como em seus melhores contos.
Sua produção de romances e contos, aliás, já era bem conhecida pelos apreciadores de literatura marginal no Brasil.
Livros como Misto-quente, Mulheres, Factótum e Cartas na rua, além das coletâneas de contos Fabulário geral do delírio cotidiano, Crônica de um amor louco e Numa fria eram um must nas prateleiras dos jovens descolados entre os anos 80 e 90.
Mas seus poemas, que perfazem a maior parte de sua produção literária, só começaram a chegar a partir de 2003 na terra de Olavo Bilac - para desgosto dos admiradores deste último.
Isso porque a poesia do Velho Safado - como ele assinava uma coluna no jornal independente Open City - é, na verdade, muito semelhante à sua prosa. Eterno enfant terrible, Bukowski prescindia da forma poética acadêmica, jogando-a na lata do lixo e escrevendo como queria, do jeito que queria.
Nada de rimas, redondilhas, sonetos ou decassílabos, por favor. Isso ele deixava para os acadêmicos e perseguidores da forma perfeita. Para Bukowski, a forma era o que menos importava. Seus versos eram livres e cheios de vida por si mesmos.
Salvo engano, pode-se dizer que Bukowski fazia poesia para aqueles que detestam poesia. Muito semelhantes aos seus próprios contos, os poemas do Velho Safado estavam mais para narrativas e reflexões ritmadas do que ele vivia no seu dia-a-dia do que para exaltações ao espírito humano, por exemplo.
Seu desprezo às regras acadêmicas e o apego à estética essencialmente mundana valeu a Bukowski uma carteirinha honorária de poeta beatnik para o resto da vida. Há décadas, seu nome é equivocadamente associado à turma de Jack Kerouac, Allen Ginsberg e William Burroughs.
Porém, além do gosto pela poesia, a rebeldia e o álcool, pouco havia de comum entre o Bukowski e a rapaziada do Pé na Estrada.
Ele sempre se identificou muito mais com a chamada Geração Perdida de Ernest Hemigway e F. Scott Fitzgerald, que agitou Paris nas décadas de 20 e 30, do que com a festiva trupe de Kerouac - ainda que os tenha conhecido e se dado bem com todos eles.
Nascido em Andernach, na Alemanha em 1920, filho de um soldado americano e uma mulher alemã, Henry Charles Bukowski teve uma juventude infernal (narrada depois em Misto-quente), graças ao rigorosíssimo pai militar e à um agressivo problema de acne. Escreveu seis romances, centenas de contos - alguns já adaptados para o cinema - e milhares de poemas.
Muito imitado mas nunca igualado, deve ter dirigido aos pretensos imitadores a frase que se lê na sua lápide em Los Angeles : “Don‘t try“. (Nem tente).
Editoras pequenas do Sul publicam poemas do autor Com exceção d'O amor é um cão dos diabos (editado pela tradicional editora gaúcha L&PM) e da ótima coletânea bilíngüe Os 25 Melhores Poemas de Charles Bukowski (Bertrand), os livros de poemas do Velho Safado no Brasil vão chegando aos poucos, via 2 pequenas editoras do Sul: a Spectro, de Florianópolis (SC) e a 7 Letras, de Curitiba (PR).
A primeira com boa vantagem: desde 2003, publicou os volumes Hino da Tormenta, Tempo de vôo para lugar algum, Vida desalmada e À toa em San Pedro. A casa curitibana só publicou em 1999 Essa loucura roubada que não desejo a ninguém a não ser a mim mesmo amém. Com distribuição restrita, só é possível adquirir estes livros nos próprios sites das editoras (abaixo).
http://www.spectroeditora.com.br/autores/bukowski/bukowski.php
http://www.7letras.com.brTRECHO:conheci muitas mulheres
e em vez de pensar
quem está trepando com ela agora?
eu penso
nesse instante ela está aborrecendo terrivelmente outro desgraçado
(...)
estou sozinho afinal sem estar sozinho
percebo uma tomada na parede
veja, eu venci.(Derrota, pág 105).
O amor é um cão dos diabos
Charles Bukowski
L&PM
304 p. | R$ 35
www.lpm-editores.com.br