Xingu!, do artista Sérgio Macedo, é declaração de amor e grito de alerta contra extermínio de cultura nativa
O mercado de HQs para adultos está - até segunda ordem - em franca expansão no Brasil. Isso é bom também para os autores nacionais, que estão conseguindo colocar seus trabalhos nas prateleiras das livrarias em edições - senão luxuosas - bem-cuidadas e atraentes para o leitor adulto.
Nessa seara, um dos lançamentos mais interessantes em 2007 é o álbum Xingu!, do artista mineiro Sérgio Macedo. Lançado na França em 1988, só agora chega ao Brasil.
Macedo é um daqueles grandes artistas brasileiros que o Brasil não conhece, até por que vive, desde 1982, na ilha de Moorea, na Polinésia Francesa.
Dono de um perfeito registro fotográfico e cores deslumbrantes em aquarela, ele já publicou dezenas de álbuns de HQ na Europa, em oito línguas diferentes, angariando muitos fãs, admiradores e prêmios. Suas ilustrações e HQs já adornaram as capas e páginas de algumas das maiores revistas alternativas da Europa, como Actuel, Circus, Metal Hurlant, Rock & Folk e muitas outras.
Há dez anos, ganhou o conceituado Benjamin Franklin Award, nos Estados Unidos, como a melhor obra multicultural de 1997, escolhido entre 1.100 livros, pelo álbum Lakota : An Illustrated History. Em 2007, ganhou o tardio reconhecimento da comunidade quadrinística brasileira ao receber o Troféu HQMIX, na categoria Grande Mestre.
IN LOCO - O álbum em questão, Xingu!, nasceu de uma estadia de dois meses do autor com sua esposa, a coreógrafa taitiana Nita, na aldeia Kayapó Metuktire, liderada pelo lendário cacique Raoni, ou Rop-Ni, como é chamado no dialeto da tribo, em 1987.
Lançado na França logo no ano seguinte, Xingu! é o testemunho de Sérgio diante da grandeza de um povo frente às adversidades e crueldades praticadas pelo homem branco contra os povos nativos brasileiros. É um álbum que rompe com a visão romântica que se tinha até algum tempo atrás, das índias de "lábios de mel". Aqui os lábios são esticados e botocados, como os de Raoni.
Francamente impressionado, especialmente pela figura imponente e a liderança firme do famoso cacique, retratado com admiração e enorme respeito, o artista faz sua declaração de amor à cultura indígena e um grito de alerta contra o seu extermínio.
Na história em si, o leitor acompanha o aventureiro-alter ego de Macedo, o misterioso Vic Voyage, que estrela quase todos os seus álbuns, em visita ao Brasil, ir com um amigo à reserva do Xingu.
Lá ele toma conhecimento da cultura local, o modo de vida indígena e os conflitos por terra, madeira e caça que atormentam os nativos. Voyage até distribui um sopapo aqui e outro ali nos bandidos (madeireiros e caçadores), mas a estrela do álbum é mesmo a comunidade indígena, seus chefes e guerreiros.
Ao longo de todo o álbum, vemos como vivem os Kayapós, suas caças, danças, pinturas corporais, lendas e credos, magnificamente retratados na arte primorosa do autor. Por conta disso, muitos trechos de Xingu! valem por uma aula ou mesmo um documentário sobre os índios daquela região.
O ponto fraco do álbum é que o tempo não foi muito generoso com esse didatismo, tornando sua narrativa algo dura, datada. O próprio Macedo admitiu, em entrevista por telefone, que fez o álbum "para gringo ver, para instruir e denunciar aos estrangeiros o extermínio da cultura e dos povos indígenas brasileiros. Na época, eu nem imaginava que esse trabalho ia sair no Brasil algum dia", contou.
Uma outra característica de Xingu! é que suas ilustrações, provavelmente inspiradas nas muitas fotografias batidas pelo autor na aldeia Kayapó, deixam a HQ com um jeitão de álbum de fotos posadas com balões de diálogo, o que endurece ainda mais a narrativa.
Por exemplo: nas páginas 54 e 55, há um importante debate entre os líderes indígenas, que fazem discursos inflamados em defesa da sua terra - mas as ilustrações não expressam toda a raiva que falas como "Quem não sair, a gente mata, come vivo", proferida por Raoni, expressam.
Esses detalhes, contudo, não invalidam o prazer de ler e contemplar uma obra tão apaixonada e esteticamente bem resolvida quanto Xingu!. Encarando-se dessa forma, fica a impressão de que, mais do que oferecer um mero entretenimento, o que o autor queria mesmo era falar dos índios e das questões que os cercam.
AR LIVRE - Adepto da vida ao ar livre e da prática do surfe, Macedo segue uma filosofia de vida que vai na contramão do modo de vida ocidental. Morou na Europa ainda nos anos 70 e foi embora de lá por não suportar "o clima de museu e o niilismo crescente dos europeus".
"Lá tem muita cultura e estrutura, mas eles não sabem rir, o pessoal é meio deprimido", disse. "Eu moro na Polinésia, que é um arquipélago formado por 130 ilhas, e todo mundo vive bem lá, não há criminalidade. Eu vivo de short e sem camisa, ao ar livre", acrescenta.
De volta ao País depois de uma longa ausência, Macedo lamenta a crescente idiotização proporcionada pelos meios de comunicação. "O Brasil é um país lindo, mas a violência e o controle cerebral que a TV faz nas pessoas, é algo de assustador", declarou.
Sérgio não tem lido muita HQ. "Os roteiros são muito sombrios e pessimistas. Tem desenhistas brasileiros muito bons, mas que apenas copiam estilo dos super-heróis americanos e mangás japoneses. Não tenho saco. Gosto de ler coisas positivas, que proponham soluções", concluiu.