O delegado Jean Baptiste Adamsberg é uma figura rara na literatura policial - seja ela clássica ou contemporânea.
Ele troca os nomes de lugares e pessoas. Chama o restaurante Javali Veloz de Javali Azul e Exército Furioso de Exército Curioso.
Está aprendendo a conviver com um filho de 28 anos, que até outro dia ele nem sabia que existia.
E utiliza recursos da polícia para investigar quem está torturando os pombos de rua que aparecem com as pernas amarradas pelos arredores da delegacia.
Criado pela escritora francesa Fred Vargas (pseudônimo de Frédérique Audoin-Rouzeau, vista acima na foto de Marcello Casal Jr., da Agência Brasil), Adamsberg é um dos personagens mais interessantes da literatura policial contemporânea.
Na sua aventura mais recente, O Exército Furioso, Adamsberg e seus assistentes Danglard (alcoólatra, erudito e ciumento), Veyrenc (novato, alvo do ciúme do último) e Retancourt (obesa e braba) investigam três casos simultaneamente.
O primeiro dá título ao livro e parte de uma lenda medieval.
O Exército Furioso é um grupo de fantasmas descarnados que, quando são avistados em algum vilarejo, levam seus piores habitantes com eles.
Em Ordebec (na Normandia), uma bela mulher os avista.
Logo, os aldeões mais odiados de Ordebec, como um caçador cruel e um vidraceiro, começam a aparecer barbaramente assassinados.
A lenda do exército furioso (The Wild Hunt, em inglês) existe em toda a Europa continental, tendo sido retratada em inúmeras telas e gravuras ao longo dos séculos.
Esta ao lado, belíssima, diga-se de passagem, chamada Åsgårdsreien, é do norueguês Peter Nicolai Arbo (1831-1892).
O segundo caso é o assassinato de um dos homens mais ricos da França, incendiado dentro do próprio carro.
O suspeito é um jovem incendiário - já fichado pela polícia - de origem árabe, que atende pela alcunha de Momô Mecha-Curta.
Todas as evidências apontam para ele, mas Adamsberg tem lá suas dúvidas, o que o leva a empreender a jogada mais arriscada de sua carreira para provara inocência do rapaz no caso e prender o verdadeiro responsável.
O terceiro caso é o do torturador de pombos. Adamsberg leva um pombo ferido para sua casa e seu filho, Zerk, é quem cuida dele ao longo de todo o livro.
Enquanto isso, o investigador envia o barbante utilizado no "crime" para a perícia - torcendo para que ninguém questione a mobilização de recursos da polícia na investigação.
O princípio Scooby-Doo
Com habilidade fora do comum, Vargas costura as três tramas simultaneamente, fazendo parecer às vezes que se trata de um único caso. O que não é.
Em Ordebec, Adamsberg e seus assistentes vão encontrando uma galeria de personagens adoráveis, como uma encantadora senhora de 80 anos que mora sozinha, um conde decadente, um chefe de polícia local com mania de grandeza e uma família pra lá de estranha – todos com um passado obscuro em comum.
Segredos que Adamsberg vai desenterrando até desvendar o assassino serial que se aproveita de uma antiga lenda para agir livremente – uma espécie de “princípio Scooby-Doo”, aqui utilizado com muito mais profundidade, claro.
Em outro nível de leitura, O Exército Furioso traz um enfoque muito interessante à dualidade campo versus cidade – ou superstição versus racionalidade, ao contrapor policiais de Paris e aldeões ligeiramente caipiras do noroeste francês.
Mas sempre com muita leveza, de forma que, uma vez iniciada a leitura, dificilmente ela será abandonada antes de sua conclusão.
O EXÉRCITO FURIOSO / FRED VARGAS / Tradução: Dorothée de Bruchard / Companhia das Letras / 408 p. / R$ 49,50 / www.companhiadasletras.com.br
Blog (que, nos seus primórdios, entre 2004-05, foi de um programa de rádio) sobre rock e cultura pop. Hoje é o blog de Chico Castro Jr., jornalista formado pela Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia. Atualmente, é repórter do Caderno 2+ do jornal A Tarde, no qual algumas das matérias vistas aqui foram anteriormente publicadas. Assina a coluna Coletânea, dedicada à música independente baiana. Nossa base é Salvador, Bahia, a cidade do axé, a cidade do terror.
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