quarta-feira, junho 27, 2018

O INVENTOR DO SERTÃO

Livro com autobiografia resgatada por Gonçalo Júnior e disco-tributo trazem de volta a lembrança e a obra de Catulo da Paixão Cearense, nome incontornável da cultura brasileira

Imagens cortesia da Editora Noir
Certos artistas são tão basilares para a cultura de um país que acabam por ser esquecidos, tão entranhada é a sua produção na própria alma do povo.

O compositor, escritor e poeta Catulo da Paixão Cearense, que ganhou recentemente dois lançamentos que buscam resgata-lo, é com certeza um desses casos.

Tratam-se de um livro e um disco. O livro é Música e Boemia: A Autobiografia Perdida de Catulo da Paixão Cearense (Editora Noir), enquanto o disco é A Paixão Segundo Catulo (Selo Sesc).

O livro é um resgate histórico inestimável do autor de Luar do Sertão, cortesia do incansável jornalista e pesquisador baiano Gonçalo Júnior.

Nele, podemos ler 31 textos escritos pelo próprio Catulo, a título de memórias, para a revista literária Vamos Ler!, publicados entre fevereiro e outubro de 1943.

“Foi por acaso (que me deparei com os textos do Catulo). Adquiri uma coleção com mais de 600 volumes da Vamos Ler!, revista importantíssima nas décadas de 1930 e 40, a mesma que lançou Clarice Lispector como jornalista e ficcionista em 1942”, conta Gonçalo.

“Fui olhar a coleção para ver o que havia de interessante ali. E me deparei com a autobiografia de Catulo, publicada em capítulos. Fui atrás do resto e constatei que saíram 31 capítulos, entre fevereiro e outubro de 1943. Ele parou porque sua saúde piorou. Tinha, então, 80 anos de idade”, relata.

Há pelo menos duas grandes razões para apontar Música & Boemia como um dos grandes lançamentos literários do ano no Brasil.

A primeira razão é óbvia: trata-se do relato autobiográfico de um artista importantíssimo para a própria formação da cultura brasileira.

“Catulo é o pai da nossa cultura popular. Foi ele quem ressuscitou o cordel nesse período. Foi dele a primeira música caipira gravada em disco, Caboca de Caxangá (1913)”, lembra Gonçalo.

Para Gonçalo, Catulo é tão importante para a cultura brasileira, que, sem ele, é bem possível que esta tivesse se mantido puramente urbana, sem a brejeirice sertaneja que desaguou em representações como Luiz Gonzaga e Guimarães Rosa.

“Costumo dizer que (a poética do Catulo) foi seminal, no sentido que trouxe para os versos o modo de falar do povo. Arrisco a dizer que sem Catulo, não teria existido o escritor Guimarães Rosa e seu Grande Sertão: Veredas. Sem ele, talvez o forró não tivesse existido, nem Patativa do Assaré ou Luiz Gonzaga”, afirma.

“Esse é apenas um aspecto. O outro é a riqueza melódica de seus versos e de sua música. E, por último, há o valor poético, de primeira grandeza. A sua capacidade engenhosa de construir versos com impressionante riqueza vocabular aparece em Caboca de Caxangá, considerada a primeira música caipira gravada em disco”, reitera Gonçalo.

Encharcado de Parati

A segunda razão para ler estas memórias é aspecto documental da sua época, lugar e figuras históricas.

Nascido em São Luís do Maranhão em 1863 e morto em 1946, Catulo se mudou com a família para o Rio de Janeiro –  então Capital do Império – em 1880.

Em suas memórias, pode-se pescar muito do que era viver naquela metrópole entre as últimas duas décadas do século 19 e as duas primeiras do século seguinte.

“A riqueza de informações que esses relatos trazem é impressionante. É como acender um refletor na escuridão de um estádio”, afirma.

“Uma época pouco documentada na área de música, por exemplo. A maioria dos livros se limita a relatar a história do Carnaval. E as memórias musicais de Catulo jogam luzes de modo revelador sobre a época”, conta Gonçalo.

Para finalizar, uma terceira razão para ler estas memórias: Catulo era um pândego.

Suas lembranças são encharcadas de Parati (cachaça), suas noites eram de festa em festa, nas quais ele era – invariavelmente – a estrela principal, sempre acompanhado de seu violão.

Entre apresentações nos grandes salões da República Velha, ou varando madrugadas pelas vielas do Rio antigo, Catulo sempre tinha um causo hilariante, uma cantiga delicada ou uma doce poesia na manga.

“Eu organizei e editei o livro para que sua história e legado sejam redescobertos. Catulo é o coringa da cultura brasileira”, afirma.

Workaholic notório, Gonçalo tem sempre diversos projetos em andamento ao mesmo tempo. "Em julho, sai a biografia do pornógrafo Carlos Zéfiro. E espero, até o fim do ano, publicar, finalmente, a saga do Bandido da Luz Vermelha, pronta desde 2013. No momento, escrevo a de Jacob do Bandolim", conclui Gonçalo.

A Paixão Segundo...

Apesar da vasta produção musical, Catulo em vida não deixou nem um ai sequer gravado, muito menos um acorde de violão.

Sua produção sobreviveu graças às partituras que eram largamente vendidas ao público antes da popularização da indústria fonográfica e  discos 78 rotações.

Desta forma, as canções de Catulo vem sendo gravadas há mais de um século por inúmeros artistas. A Paixão Segundo Catulo, CD recém-lançado pelo Selo Sesc, é a mais recente produção dedicada à obra do maranhense.

Produzido pelo flautista e saxofonista Mário Sève, reúne diversos artistas interpretando canções de Catulo em versões ortodoxas, sem muita “mudernage” e ressaltando as melodias e a poesia de homenageado e seus parceiros.

Liderados por Sève, artistas do porte de Joyce Moreno (Ontem Ao Luar), Leila Pinheiro (Flor Amorosa), Cláudio Nucci (Cabocla de Caxangá), Mariana Baltar (Luar do Sertão) Alfredo Del-Penho (Amenidade) e Carol Saboya (Você Não Me Dá).

Um tributo sincero, que afaga ouvidos e corações.

Música e Boemia: A autobiografia perdida de Catulo da Paixão Cearense / Catulo da Paixão Cearense / Noir/ 252 p./ R$ 49,90

A Paixão Segundo Catulo / Vários Artistas / Produzido por Mário Sève / Selo Sesc / R$ 20




terça-feira, junho 26, 2018

FORMALIDADES À PARTE...

Os Informais estreiam bonito em CD produzido por André T. Show dia 4 no Eva Herz

Informalizando na foto de Bruno Costa
Banda que impressiona pelo entusiasmo de suas apresentações ao vivo, Os Informais estreiam em álbum cheio fazendo bonito, com um daqueles discos de rock que voltam a nos fazer acreditar no gênero, tão combalido hoje em dia.

O show de lançamento é no dia 4 (quarta-feira), no Teatro Eva Herz da Livraria Cultura e você pode garantir sua entrada enviando um email com seu nome para banda.

Na audição, não é difícil perceber as referências utilizadas pela banda e seu produtor, o craque André T.

Aqui e ali ouvem-se ecos de Beatles (Hey Mãe), Red Hot Chili Peppers (Jeitinho Brasileiro), Barão Vermelho (Big Bang), Cascadura (Meu Novo Berço) e por aí vai, mas com unidade, mantendo a identidade prafrentex da banda.

Naturalmente, o resultado final deixou a rapaziada felizona. “Nos surpreendeu. Não podemos negar que o processo não foi tão simples assim, a começar por todas as variáveis envolvidas até começarmos de fato a gravação. A formação mudou, tivemos perdas pessoais, mudanças de roteiro, enfim, foi árduo”, revela Daniel Calumbi, vocalista.

“Mas, inevitavelmente, nos envolvemos emocionalmente e nos conectamos de corpo e alma no processo criativo. Escutar esse álbum é contar a nossa história de vida”, diz.

Louco obcecado

Certamente, ajudou muito ter um produtor do calibre de André T. orientando a banda, formada por rapazes ainda jovens, no estúdio.

“André T foi uma peça fundamental nessa busca. Além de ser um profissional eficiente, é um louco obcecado por música, do nosso jeitinho. É um cara que te traz referências musicais a todo momento e  um cardápio variado, de dar água na boca. Nos acompanhou desde o início, fizemos algumas audições e fomos construindo juntos um caminho lindo”, relata Daniel.

“Passamos por dificuldades, como todo processo de produção, onde pessoas se envolvem verdadeiramente para alcançarem um resultado recompensador,  conseguimos transformar problemas em soluções e temos a consciência que produzimos um disco visceral”,  afirma o vocalista.

Com o disco na rua (leia-se plataformas digitais), o quarteto encara agora a parte mais difícil: divulga-lo.

“Estamos com shows agendados em algumas cidades da Bahia, festivais e projetos. Nossa missão é levar nosso som para o Brasil, quebrar fronteiras mesmo. Temos certeza que esse álbum vai gritar alto para todo mundo ouvir. Naturalmente já estão surgindo convites bem legais e estamos nos movimentando de forma inteligente. Fizemos recentemente um show épico com o Raimundos em Salvador e podem esperar que muita coisa boa vai acontecer este ano”, conclui Daniel.

Os Informais / Show de lançamento: dia 4 de julho (quarta-feira), 19h30 /  teatro Eva Herz (Livraria Cultura, Shopping Salvador) /  gratuita (envie seu nome: osinformais@gmail.com)



NUETAS

Copa com Acústicos

Quarta-feira tem jogo do Brasil e no Groove Bar a animação fica por conta da session Acústicos Groove, com o DuoPop (Peu Gazar e Davi Melo), 14 horas. Na quinta-feira, o Acústicos Groove retorna com Luizinho Melo, 20 horas. Free.

Sarapa, Duda, Doc’s

Sexta tem happy hour (com sarapatel!) no Bar dos Bardos. Som ao vivo por Duda Spínola. No sábado é a vez da banda The Doc’s lança seu EP. 14 horas, pague quanto quiser.

Esquentar motores

Já vistos nesta coluna – individual e coletivamente –  Soft Porn, Aurata, Mapa e DJ Ivan Motoserra fazem show no Mercadão.cc  como preparação para a turnê que farão por oito cidades do Sudeste em julho. 23 horas, R$ 10.

quinta-feira, junho 21, 2018

FASCÍNIO PELO POVÃO

Autor de Tungstênio, HQ cuja adaptação para as telas estreia hoje nos cinemas, Marcello Quintanilha tem trabalhos novos e antigos resgatados na coletânea Todos os Santos 

Tira para o jornal O Estado de S. Paulo
Estreia hoje no circuito nacional de cinemas o filme Tungstênio, de Heitor Dhalia. Trata-se de uma adaptação da história em quadrinhos de mesmo nome do quadrinista niteroiense Marcello Quintanilha.

Ao mesmo tempo, chegou às livrarias e comic shops o álbum Todos os Santos, uma coletânea de trabalhos anteriores do artista.

O timing para este lançamento – méritos para a editora Veneta e Quintanilha – não poderia ser mais perfeito.

Residente em Barcelona, de onde colabora para jornais e revistas das duas margens do Atlântico, Quintanilha é hoje, muito provavelmente, o mais importante quadrinista brasileiro de sua geração.

Profundamente autoral (ao contrário de muitos colegas, que se limitam a desenhar super-heróis para as editoras estrangeiras), o artista tem angariado o absoluto respeito de crítica e público – além de prêmios no Brasil e fora dele – graças a pegada naturalista com que faz a crônica, ora irreverente, ora poética, das pessoas simples do povo, aliada a uma estética realista de beleza  inegável.

HQ de 1991: premiada, porém inédita
Álbuns como  Sábado dos Meus Amores (Conrad, 2009), Almas Públicas (Conrad, 2011), Talco de Vidro (Veneta, 2015) e Hinário Nacional (Veneta,  2016), além do próprio Tungstênio (Veneta, 2014) são obras comparáveis aos melhores momentos da literatura nacional contemporânea.

Neles, o quadrinista  apresenta um verdadeiro desfile de tipos brasileiros bem populares de forma muito legítima e sem folclore, mas com muita atenção ao linguajar e maneirismos típicos.

À todos, Quintanilha oferece a mesma tinta, generosidade e um olhar sempre atento às contradições.

Desta forma, Todos os Santos cumpre um serviço aos leitores ao resgatar parte de sua obra pregressa que, ou estava inédita, ou havia sido publicada em revistas e jornais, muitos deles no estrangeiro.

Aqui, há HQs curtas, ilustrações editoriais, tiras de jornal (produzidas em 2010 para o Estado de S. Paulo) e até suas HQs iniciais, de quando começou no ramo aos 16 anos (em 1988), desenhando histórias de gênero (kung fu e terror) para as revistinhas da saudosa Editora Bloch.

HQ de 1988, para a revista Mestre Kim, da Editora Bloch
Além do trabalho gráfico, enriquecem a bela edição em capa dura da Veneta um prefácio de Aldir Blanc, uma entrevista de Quintanilha para a influente revista inglesa ArtReview conduzida pelo igualmente influente jornalista Paul Gravett e mais um texto de Márcio Paixão Júnior, mestre em Comunicação pela UnB.

Inspirado por Salvador

Na entrevista com Gravett, a chave para entender o fascínio de Quintanilha com os tipos populares.

“Venho de uma família de classe baixa e me criei em um bairro operário decadente.  Sou filho de um ex-jogador de futebol e uma professora primária. Meu entorno expressava a rotina de outras tantas  famílias oriundas de núcleos de pescadores ou pequenos comerciantes, militares de baixa patente ou funcionários públicos de baixo escalão”.

Pronto. Em poucas palavras, o próprio autor descreve a fauna humana que povoa suas HQs. Um exemplo bem claro está na própria Tungstênio.

Em outra entrevista – desta vez, a este mesmo Caderno 2+, em julho de 2014, Quintanilha contou que teve a inspiração para a HQ quando esteve em Salvador dez anos antes, para produzir o álbum Cidades Ilustradas: Salvador (Casa 21, 2005).

“A ideia para o argumento surgiu à partir de uma sucinta notícia transmitida pela Rádio Sociedade (então AM), que costumo acompanhar por internet”, contou.

“Girava em torno de uma dupla que havia sido detida nas imediações do Forte Monte Serrat por pescar com explosivos. Antes que pudesse perceber, estava criando um enredo em torno do fato. Sim, contei com o apoio do material levantado quando de minha estadia aí em 2004”, disse.

Em Todos os Santos, a capital baiana segue presente na obra do niteroiense, em uma das tiras para o Estado de S. Paulo. Um deleite.

Todos os Santos / Marcello Quintanilha / Veneta/ 112 páginas/ R$ 84,90

quarta-feira, junho 20, 2018

O PUNK MORREU PRA QUEM TÁ MORTO

Antifascismo, futebol raiz e punk rock: são os Antiporcos na área

Dudu, Paulo, Lucas e Tripa 77. Foto Murilo Assis
Formada por veteranos de outras bandas da cena punk / hardcore local, a Antiporcos se caracteriza pelo estilão clássico e pelo caráter combativo e antifascista.

Não a toa, seu novo trabalho se intitula Contra o Genocídio do Povo Negro.

Com cinco faixas, o novo EP tem basicamente dois assuntos: a exclusão e o racismo estrutural que marcam o desenvolvimento da sociedade brasileira e o futebol.

Pelos títulos das faixas dá pra ter uma ideia da pegada: Contra o Genocídio do Povo Negro, Batem Primeiro Perguntam Depois, Caminhando Pelas Ruas, Hooligans e Ódio Eterno ao Futebol Moderno.

“(Esse tema veio do) Cotidiano né? Não precisa ter um acontecimento específico ou ver noticiários. Basta andar e observar um pouco a sua volta que verá o quanto a cidade mais negra do país é preconceituosa. A banda é formada por quatro caras negros, que cotidianamente passam por situações discriminatórias, até um tanto agressivas por parte do estado”, afirma o vocalista Eduardo Felipe Teixeira Lima, o Dudu.

“Por fim, o tema do Genocídio do Povo Negro é algo que tem obrigação de ser difundindo por todos, inclusive no punk. Claro, a questão da Chacina do Cabula nunca foi esquecida por nenhum de nós e fizemos questão de registrar na letra”, acrescenta o cantor, que também é advogado.

"É um tema que precisava ser falado, sendo nós uma banda punk do estado mais negro e dos mais violentos do Brasil", afirma Paulo Sérgio (guitarra).

"Não faço parte de nenhum movimento Negro. Contudo, estou ligado a grupos de Ação Antifascista que atua na capital, que acaba abarcando questões raciais também", completa Dudu.

Conectada ao grupo local Ação Antifascista Salvador, a banda utiliza o punk como veículo de difusão de ideias  contra o racismo, o machismo, a homofobia e exploração do homem pelo homem.

“Partimos da necessidade de utilizar o punk rock como instrumento de reação a opressão praticada por aqueles que se encontram hierarquicamente superior na sociedade, seja de forma econômica, jurídica ou social”, afirma Lucas Pellegrini (baixo).

“Até porque não vemos muitas bandas falando sobre isso”, acrescenta.

Mané Copa!

Apaixonados por futebol, os Antiporcos também sempre abordam o tema em suas letras.

“Atualmente, quase tudo (está errado no futebol). Acabaram com a festa nos estádios, expulsaram as camadas menos abastadas com  ingressos absurdos, a forma de jogo está cada vez menos empolgante”, afirma.

“Muito cacique, corrupção e gentrificação”, resume Paulo Sérgio.

"Vou dar a mesma resposta que dei ao mano da empresa em que revelamos as telas de serigrafia pra pintar nossas camisas, o futebol está sendo monopolizado pelos grandes capitalistas, de início, o legado da copa foi um futebol caro e usurpado do povo. As arenas cobram caro pro povo que não pode pagar pelo ingresso, piorou pra consumir aquela cerveja quente e cara e o hotdog seco... estamos perdendo o direito de torcer", completa Pellegrini.

A prova de que realmente entendem de futebol é cabal: não estão nem aí pra Copa.

“Eu não curto seleção brasileira. Minha seleção é o Esporte Clube Vitória”, diz Dudu.

“Só torço pela seleção do Esporte Clube Bahia”, ecoa Pellegrini.

“Não torço, mas ficarei feliz se o Brasil chegar longe na competição. A camisa do Brasil foi apropriada pelos coxinhas, mas cada um é livre pra usar a camisa que quiser”, contemporiza Paulo.

No momento, a banda tem feito poucos shows, já que um deles está com a filha ainda bem pequena e outro, com um bebê a caminho nos próximos dias.

"Atualmente não (tem rolado shows). Temos feitos mais shows locais, questão familiar mesmo. Paulo tem uma filhinha, eu estou com o meu filho previsto pra nascer agora final de Junho, acaba que temos de conciliar as coisas. Quando surge algo realmente legal pra tocar fora, nos organizamos e fazemos. Como foram nossas últimas idas, em 2017, para os interiores de Pojuca e Catu, onde temos uma galera que curte nosso som e sempre nos apoia", relata Dudu.

"A banda tem tocado pouco fora de Salvador, mas pretendemos fazer um show de lançamento em breve, e possíveis shows no interior e em Aracaju", acrescenta Paulo.

"Novamente estamos passando pelo processo de chegada de mais um integrante pra nossa banca, O guri de Dudu tá prestes a nascer então, agora que lançamos na web e os discos estão na pista pra vender, camisas no forno pra sair, stickers, gravuras, o foco é movimentar esse material pra tentar fazer um caixa pro próximo EP que está pronto e o nascimento de Gabriel. Quando der a gente lança ao vivo, isso fica sempre bem definido entre a gente internamente", conclui Pellegrini.

Facebook: @antiporcos1312



NUETAS

Gigito com chope

Sexta-feira é dia de comemorar a vitória (ou a derrota, ao gosto do freguês) da seleção no Bardos Bardos com o fantástico Gigito e seu bluegrass desapegado. Acompanhe com um chope artesanal da casa. 18 horas, pague quanto quiser. O Bardos Bardos fica à Travessa Basílio de Magalhães, 90, Rio vermelho.

O niver de Raul

No dia 28 próximo (uma quinta-feira), aniversário de Raul Seixas, pelo menos dois eventos prestarão tributo ao maior roqueiro brasileiro de todos os tempos. No Rio Vermelho as bandas Fridha e Hottafyah se apresentam no Palco Raulzito a partir das 16h20. Já na Praça Pedro Archanjo (Pelourinho), a banda Arapuka e convidados fazem uma Raulzada, comemorando os 10.073 anos do Maluco Beleza. No dia 28, a partir das 19 horas, entrada gratuita. E viva Raul, poxa!

sexta-feira, junho 15, 2018

SÓ O AMOR CONSTRÓI - MESMO ENTRE OS MARGINAIS

Cinema: Stay Sick, novo filme de Alexandre Guena e Coletivo Os Sádicos, tem lançamento hoje, na Sala Walter da Silveira

O cinema marginal baiano está vivo e bem nos filmes do diretor Alexandre Guena. Hoje, ele lança sua nova obra, Stay Sick (literalmente, “Permaneça Dodói”), com um evento na Sala Walter da Silveira.

Junto ao filme, assinado por Guena à frente do coletivo Os Sádicos, serão exibidas duas outras obras suas: Walterville (cine-instalação premiada no Festival Nacional 5 minutos) e 1964 (de 2010).

Além dos filmes, haverá discotecagem do DJ BigBross e bate-papo com membros da produção, Tatiana Trad (artista Multidisciplinar e Mestra em Cultura e Sociedade - UFBA) e Rodrigo Araújo (professor de Filosofia do IFBA).

Stay Sick reafirma a veia autoral de Guena ao povoar a tela de personagens absolutamente amorais e à margem de qualquer tentativa de integração à sociedade.

Com 12 minutos em P&B, Stay Sick narra a trajetória da família Foxy (pai, mãe e bebê) pelas ruas de Salvador, entre pequenos assaltos, delírios à beira-mar e fartas doses de conhaque com leite e Sucrilhos.

A linguagem não engana: Guena é devoto confesso  da Nouvelle Vague, neo realismo italiano, John Cassavettes e (claro) Cinema Novo.

“É por ai mesmo. Adoro todas essas escolas de vanguarda. Acrescentaria o Cinema Marginal e o Dogma 95. Mas acredito que estamos apontando para algo novo e particular”, afirma.

“A originalidade sempre foi um ponto forte em todos os filmes do coletivo Os Sádicos. Porém, neste filme, as influencias estão mais claras, assim como existe um maior dialogo com o publico”, acredita.

Romance de rua

Se não há moral entre os personagens interpretados por Caio Graco e Raabe Aimi, o mesmo não se pode dizer do amor. À sua maneira, Stay Sick é um filme muito  romântico.

“É tudo fictício. Amo a ficção. A farsa. Bolei Stay Sick após conhecer a namorada do meu amigo Caio Graco. Eles eram tão lindos e malucos que fiquei alucinado pra filmar aquela paixão entre os dois. Isso está gritando e ardendo na tela”, afirma Guena.

“É um filme extremamente romântico ao seu modo. Imaginei eles constituindo família – e nesse menage a trois de ideias acabou se tornando um filme formidável”, acredita.

Apesar da premissa ousada, é lícito dizer que não há nenhuma cena assim, chocante no filme, no que tange ao sexo e violência.

A transgressão está no próprio conceito de um casal jovem com um bebê de colo cometendo assaltos sem qualquer consequência ou culpa.

Mas afinal de contas, quem são Os Sádicos? Guena responde em inglês: "'Sadistics' project eludes definition - Sadistics' films are a thrust of candid violence and über reality that pierce through your skull like a bullet - they've a life of their own. Shocking, daring, underground-rears-up-its-ugly-head movies: that's Sadistics".

Sempre ativo, Guena conta que está com a gaveta abarrotada de roteiros.

“Quem faz cinema não pode ficar parado. Tenho diversos roteiros na gaveta, escrevo muito mais do que filmo, e estou criando um filme onde um homem faz tatuagem no seu próprio corpo sozinho em sua casa”, conta.

“Também tem um projeto com Mariella Santiago que deve sair do papel em 2019. Agora estou preparando oficinas. Uma delas com meu amigo argentino Martin Fox Douglas e Marcos Pierry - que deve se chamar Fique Rico Fazendo Cinema Underground”, conclui.

Stay Sick Party / Exibição dos filmes Stay Sick, Walterville e 1964 / Com DJ Big Bross e bate-papo com Tati Trad  e Rodrigo Araújo  / Hoje, 19 horas  / Sala Walter da Silveira / R$ 10 e R$ 5

quarta-feira, junho 13, 2018

MAPA, AURATA E SOFT PORN PEGAM ESTRADA PARA OITO CIDADES DO SUDESTE. ANTES, SHOWS NO MERCADÃO CC

Rapaziada da Soft Porn, Aurata e Mapa junta, foto Lincoln Fonseca
Entupir um carro de instrumentos e bagagens  e pegar a estrada para sair tocando pelo Brasil. Toda banda de rock que se preze tem que, pelo menos uma vez, passar por esse ritual de iniciação.

Que o digam os Honkers, Cascadura e outras cujos nomes se perderam na purple haze do tempo.

Desta vez, são três nomes da novíssima cena local que encaram o desafio: MAPA, SOFT PORN e Aurata.

Trata-se da  NHL Tour 2018 Invisible Drums, que   vai passar por oito cidades do Sudeste entre 5 e 15 de julho: Vitoria (ES), Gov. Valadares, Montes Claros e Belo Horizonte (MG), São José dos Campos, Taubaté e  São Paulo (SP), fechando a viagem no Rio de Janeiro.

A iniciativa é dos próprios músicos (claro), em parceria com o bravo produtor local Kairo Melo, da NHL Produções Artísticas.

“Depois de passar mais de dois anos recebendo bandas de fora do estado em Salvador e programando algumas mini-turnês para estas mesmas bandas pelo interior da Bahia, resolvemos fazer valer o tal do intercâmbio cultural e fomos bater à porta das bandas que ajudamos a tocar por aqui”, conta Kairo.

“O pontapé inicial foi na última vinda do Bike (SP) a Salvador. Eles são uma das bandas mais bem articuladas da cena nacional e nos ajudaram bastante com vários desses shows. Quem também agilizou quase todo o estado de Minas Gerais foi o mestre Vitor Brauer e sua Geração Perdida”, detalha.

Para  esquentar os tamborins, as três bandas se apresentam dois sábados de junho (neste próximo e no dia 30), no Mercadão CC, nova  casa de Messias GB (brincando de deus).

“Serão como ensaios abertos e um pedido de benção ao nosso público para esse novo formato de show. Porque durante toda a turnê faremos um tipo diferente de apresentação, onde os três projetos solo estarão no palco, tocando juntos músicas dos três projetos”, conta o produtor.

“Os shows do Mercadão serão as primeiras experiências nesse novo formato,  serve pra firmar a ideia e apresentá-la ao nosso público antes do Brasil. Pra isso também convidaremos amigos geniais para nos acompanhar. O do dia 16  vai ter a participação da lenda Ivan Motosserra comandando as pickups”, acrescenta.

Aprendizado

Um detalhe que facilitou bastante é que as três bandas da tour são projetos solo que se utilizam de bateria eletrônica – daí o título Invisible Drums (literalmente, bateria invisível).

Além da experiência incrível de rodar pelo país levando sua arte a outros públicos, músicos e produtor aproveitarão para ampliar seus horizontes e fazer contatos importantes.

“Acho até que essa parte dos contatos tende a ser mais importante na visão geral. Vamos conhecer como funcionam outras cenas, aprender como é realmente um show na Rua Augusta (SP). E ainda por cima acompanhados de produtores e bandas que admiramos. Acho que a palavra chave  é aprendizado”, conclui.

NHL TOUR 2018 INVISIBLE DRUMS / Com  MAPA, SOFT PORN e Aurata / Sábado e dia 30 (sábado), 23 horas / Mercadão CC (Rio Vermelho) / R$ 10 

ENTREVISTA: CAIRO MELO (NHL PRODUÇÕES ARTÍSTICAS)

Como surgiu essa oportunidade?

Cairo Melo:  A oportunidade não surgiu, nós fomos atrás dela. hehehe. Depois de passar mais de dois anos recebendo bandas de fora do estado em Salvador e programando algumas minis-turnês para estas mesmas bandas pelo interior da Bahia, além de termos realizado nossa primeira tour pra o Centro-oeste em 2017, resolvemos fazer valer o tal do intercâmbio cultural e fomos bater a porta das bandas que ajudamos a tocar por aqui. O pontapé inicial foi na última vinda do Bike(SP) a Salvador. Eles são uma das bandas mais bem articuladas da cena nacional e nos ajudaram bastante com vários desses shows. Quem também agilizou quase todo o estado de Minas Gerais foi o mestre Vitor Brauer e sua Geração Perdida. Eu irei apenas nos finais de semana, de avião, enquanto a galera pega a estrada e passará mais de duas semanas circulando por esse Brasilzão.

A turnê é toda de carro? Vocês vão em um carro de passeio mesmo ou pelo menos conseguiram uma van?

CM: Sim, a turnê será toda de carro.Carro de passeio mesmo. Isso só é possível por serem três projetos solos. Mais uma das vantagens do Invisible Drums. hehehe

Imagino que dá um trabalhão coordenar as datas e locais todos, com o tempo hábil para chegar em cada local. Como foi essa parte do trabalho?

CM: E bota trabalhão nisso. Para você ter ideia só conseguimos fechar todos os locais e bandas de apoio agora, a um mês do início da turnê. É um trabalho pesado, mas gratificante, é aquela coisa de chegar e falar, na cara de pau mesmo, chama uma banda, se não der certo com esta, pede indicação de uma banda amiga, fala com um produtor local e se dispõe a qualquer acordo, aquela coisa. A questão do tempo hábil, planejamos a turnê levando em consideração o caminho e sempre pensando em quanto tempo leva de uma cidade pra outra. Isso não chegou a ser um problema. No geral, encontramos ótimos parceiros entre produtores que sempre quisemos trabalhar e bandas que sempre quisemos tocar.

Além de fazer shows, imagino que essas viagens são uma garnde oportunidade de fazer e estreitar contatos. Como a NHL e as bandas pretendem aproveitar essa oportunidade?

CM: Com certeza, acho até que essa parte dos contatos tende a ser mais importante numa visão geral da Tour do que as apresentações em si. Afinal vamos conhecer como funciona outras cenas maiores do Brasil, poderemos aprender como é realmente um show na Augusta em São Paulo, por exemplo e ainda por cima acompanhados de produtores e bandas que sempre admiramos. Acho que a palavra chave dessa Turnê será aprendizado. Para fazer funcionar mesmo essa estreitação de laços, preferimos sempre fechar os shows com produtores que já trocávamos idea virtualmente, ou com bandas que já vieram tocar aqui. Para assim, fechar o ciclo de intercâmbio e ter certeza que seremos bem recebidos. Claro que tem também a ousadia de chegar e falar com uma casa de shows como a Audio Rebel no Rio de Janeiro e conseguir fechar o show lá. Não fazemos ideia como alguns shows podem ser, mas teremos certeza que aprenderemos muito com todos.

Os shows no Mercadão são uma forma de esquentar as turbinas? O que podemos esperar desses shows?

CM: São exatamente isso. Serão como ensaios abertos e um pedido de benção do nosso público soteropolitano para esse novo formato de show. Porque durante toda a turnê faremos um tipo diferente de apresentação, onde os três projetos solos estarão no palco, tocando juntos músicas dos três projetos (inspirado principalmente nas últimas turnês de Vitor Brauer, que se juntou com Jonathan Tadeu e Fernando Motta, outros projetos solos de BH, e circularam o Brasil tocando juntos músicas dos três). Os shows do Mercadão serão as primeiras experiências com esse novo formato, portanto serve pra firmar mesmo a ideia e apresentá-la ao nosso público antes do Brasil. Pra isso também convidaremos amigos geniais para nos acompanhar nesses shows, como o do dia 16, que vai ter a participação da lenda Ivan Motosserra comandando as pickups.

Me diga o que vc realmente queria dizer mas eu não perguntei...

CM: O que quero dizer é que espero que essa tour incentive as bandas e projetos de Salvador e da Bahia a porem o pé na estrada e arriscar mesmo. Porque é assim que tem sido feito pela maioria das bandas que vem chamando atenção na cena alternativa nacional e eu acredito ainda ser um método pouco explorado pelas bandas e projetos baianos. Acredito que o intercâmbio cultural é a única forma de manter viva a chama da música alternativa nacional e deve ser explorada em todos os sentidos. Queria deixar também o chamado para os shows do Mercadão porque estes shows nos ajudarão a visualizar a recepção do público além de nos ajudar a tirar uma graninha que pode ajudar a encher pelo menos o primeiro tanque. hehehe

NUETAS

Barba cabelo bigode

Bem ativa nos últimos meses, a banda Flerte Flamingo se apresenta nesta quinta-feira em local inusitado, a Jack Navalha Barbearia e Bar (Av. Marques de Leão, 639, Barra). 19 horas, R$ 10

Honkers desplugado

Os fabulosos The Honkers estreiam set acústico (ou pseudoacústico) sexta-feira, na Tropos. 21 horas, pague quanto puder.

Paraíba orquestral

O Quinteto da Paraíba se apresenta de sexta-feira a domingo na CAIXA Cultural, dentro da série de concertos Brasil Orquestral, com curadoria do  diretor teatral Gil Vicente Tavares e do maestro Carlos Prazeres (Osba). No repertório, um cruzamento entre as músicas nordestina e de concerto. Além dos músicos, a bailarina e coreógrafa Bárbara Barbará também se apresenta. Sexta e sábado às 20 horas, domingo às 19 horas. R$ 10 e R $5.

terça-feira, junho 12, 2018

UM NOVO (E BELO) CAPÍTULO

Dono de impressionante consistência na carreira de mais de 25 anos, Ronei Jorge lança amanhã, com show no Teatro Sesc Pelourinho, seu primeiro álbum solo: Entrevista

Os dois lados (dos muitos) de Ronei Jorge, em foto de João Milet Meirelles
Amanhã, o cantor e compositor soteropolitano Ronei Jorge inicia um novo capítulo de sua carreira de mais de 25 anos: Entrevista, seu primeiro disco solo, será lançado com um show no Teatro Sesc Senac Pelourinho.

Desde 1992, quando surgiu  à frente da banda punk tropicalista Mütter Marie, Ronei vem construindo uma carreira das mais singulares do cenário local – e também uma das mais consistentes.

Singular também é o lugar de Entrevista em sua carreira. Fora o fato óbvio de ser o primeiro disco solo de um artista sempre ligado à bandas (Mütter, Saci Tric, Ladrões de Bicicleta), a obra traz o inquieto músico explorando outras estéticas e sonoridades.

“Estou muito feliz. O disco ficou muito o que eu queria, e acho que o que a banda queria também. O som está muito bom. Adoro o resultado de mix e master, conseguiu dar mais evidência ao que havíamos feito nos ensaios”, diz Ronei.

O que salta aos ouvidos é que, aqui, Ronei canta pela primeira vez acompanhado ao longo de todo o disco pelas vozes afinadas da dupla Carla Suzart (baixo) e Aline Falcão (teclado, piano e sanfona).

Juntas, as vozes de Aline e Carla auxiliam Ronei a implementar uma estética específica que ele buscou para Entrevista, algo entre Tom Jobim e Itamar Assumpção, que se utilizavam muito das vozes femininas para pontuar as harmonias e cantar em contraponto.

“Tanto Carla quanto Aline  cantam muito bem, têm vozes muito bonitas, o que era fundamental pra esse trabalho”, nota o artista.

Completam a banda o guitarrista Ian Cardoso (que já toca com  Aline na ótima Pirombeira) e o baterista Maurício Pedrão, parceiro de Ronei desde os Ladrões de Bicicleta.

Juntos, o quarteto Carla - Aline - Ian - Maurício formam a banda Dziga Tupi, nomeada pelo próprio Ronei, que, confessa, não sabe trabalhar sem uma banda pra chamar de sua.

”Eu acho que eu não sei ficar sem uma banda. Eu fiquei vendo aquele grupo com uma sonoridade tão específica que não resisti e quis dar um apelido”, conta.

“Tem uma coisa também que me atrai que é artista solo que tem banda com nome: Caetano e Outra Banda da Terra, Djavan tinha em alguns discos a Sururu de Capote”, diz.

Fora da caixinha

Indefinível – como de resto, tem sido seus discos ao longo da carreira – Entrevista é bem a obra de um artista que não aceita se confinar em caixinhas ou prateleiras de gêneros ou estilos musicais.

Aqui e ali é possível pescar suas referências – Caetano, vanguarda paulista, Tom Jobim – mas em nenhum momento se identifica a vontade de soar igual a eles.

“Eu concordo que o disco não cabe em gaveta e isso reflete muito meu pensamento, acho que desde a minha primeira banda”, aquiesce.

“Eu tinha pensado em fazer um disco em que os arranjos tivessem mais uma presença narrativa para a canção do que um acompanhamento. Que dialogassem com a canção, fossem reafirmando ela ou até a contrastando. Um disco que tivesse as vozes femininas, que fosse orgânico, com senso de conjunto”, detalha.

Com a produção rebuscada de Pedro Sá – responsável pelo  antológico Frascos Comprimidos Compressas (2009), com os Ladrões de Bicicleta – Entrevista ainda se vale de algumas participações especiais: Moreno Veloso (voz e percussão), Joana Queiroz (clarinete e clarone) e Luana Carvalho (caxixi).

A bela capa é de outro ex-Ladrões, o guitarrista  Edson Rosa e é literalmente uma pintura. Uma embalagem à altura para tamanha beleza.

Ronei Jorge & Dziga Tupi: Entrevista / Amanhã, 20 horas / Teatro Sesc Senac Pelourinho / R$ 20, R$ 10

Entrevista / Ronei Jorge / Independente (com apoio do Fundo de Cultura, SecultBA e Sefaz) / Nas plataformas digitais / CD: R$ 20



ENTREVISTA COMPLETA: RONEI JORGE

Álbum finalizado e lançado, o que te passa na cabeça sobre a obra agora?

Pô gente, deixa o homem dormir! Foto JMM
Ronei Jorge: Estou muito feliz. O disco ficou muito o que eu queria, e acho que o que a banda também. O som está muito bom. Adoro o resultado de mix e master, conseguiu dar mais evidência ao que havíamos feito nos ensaios. A capa de Edson Rosa é um presente, uma arte maravilhosa e que tem tudo a ver com o disco. As participações enriqueceram bastante o trabalho. Tem um álbum ali. Um caminho estético bem definido. A equipe, tanto no estúdio quanto na pós, foi fundamental. O entendimento de Tadeu Mascarenhas na técnica, Igor Ferreira na mix e Daniel Carvalho na master fez tudo começar e terminar bem. Acho que o maior desejo é que as pessoas escutem e que ele possa reverberar de alguma forma. Que as pessoas tenham a chance de escutá-lo com calma, o que hoje é mais difícil. Ele é bem representativo para mim artisticamente e bem fiel ao som que eu e a banda estávamos fazendo durante os ensaios.

O que te levou a chamar Pedro Sá para produzir este disco - fora o fato de já conhece-lo e aos seus métodos de trabalho? Que características você buscava no produtor?

RJ: Eu gostei muito de ter trabalhado com ele no ‘Frascos Comprimidos Compressas’ da Ladrões. Ali, ele já tinha me apresentado coisas que admiro muito numa direção de trabalho. Ele tem uma tranquilidade no estúdio que tem a ver com sua atenção, a ansiedade passa longe; então, você não vê ali um cara que quer te entupir de informação, você vê um produtor que quer que você renda da melhor forma possível e que te dá indicações sensíveis, sutis e importantes de como fazer isso. O ouvido dele está sempre atento – ele tem um ouvido muito musical –, mas ele só vai fazer observações precisas e inteligentes, no momento certo. Pedro é um produtor de pé de ouvido, chega junto de cada músico, ouve, pergunta, tenta buscar com cada um o melhor caminho para a música, sempre a serviço dela, do resultado final. Todo mundo fica bem tranquilo e seguro. Eu acho isso muito precioso, porque você tem no estúdio alguém em que você confia e admira. Você tem um produtor que entende o que você quer como resultado e consegue fazer uma leitura muito inteira do seu trabalho e potencializa ele tanto no estúdio quanto no acompanhamento na pós-produção. Além disso, é um amigo, um cara que abraçou esse projeto de uma maneira muito bonita e séria. Mesmo com dificuldades que surgiram, ele enfrentou tudo de maneira muito corajosa.

Você tem uma forma muito peculiar de escrever sobre - e descrever - relacionamentos. Que pistas você poderia nos dar para entender de onde vem essa lírica tão particular?

RJ: A gente que tá dentro do processo não percebe muito isso. Inclusive, algumas leituras são muito interessantes sobre o que escrevo. Um amigo, dia desses, me definiu como um falso romântico. Como se meu texto falasse de quem vê a ilusão, sabe que ela existe, mas não deixa de se envolver com ela. Palavras dele. Eu acho que tem realmente muito disso. Agora, a matriz disso é mais difícil ainda de se identificar. Acho que tem um pouco da experiência pessoal e de audição e leitura de artistas que admiro. No final das contas, essas relações humanas acabam abarcando um pouco de tudo. As nossas virtudes e vícios, culpa e prazer estão nessas relações. É mais universal, amplo, mas acaba falando de um monte de coisa. Desde nossos sentimentos mais íntimos, até nossa relação com as coisas do mundo político, profissional etc.

Como se deu seu encontro com esses músicos extraordinários que são Carla Suzart, Aline Falcão e Ian Cardoso? Como avalia a contribuição deles para o resultado final do álbum?

Dziga Vertov: Aline, Ronei, Carla, Ian e Maurício, foto João Milet Meirelles
RJ: Eu sou realmente um cara de sorte. Veja, não tiro minhas qualidades como um observador, uma pessoa que gosta de agregar, mas poderia dar tudo errado. Eu acabei juntando pessoas de lugares bem diferentes, mas que tinham em comum o fato de terem uma personalidade musical muito marcante. Ian eu vi quando fui jurado do Caymmi, fiquei fascinado com o fraseado, a técnica e a liberdade. Ian é muito livre e despido de preconceitos. Aline veio depois da saída de Lívia Nery. Eu tinha visto Aline com o Pirombeira e qualquer pessoa fica maravilhado com ela. Aline tem um vocabulário musical incrível e muita sensibilidade. Tem momentos que você percebe que ela está totalmente entregue à música, ali é o mundo dela, ela toca como se estivesse conversando, com uma naturalidade impressionante. Sabe tudo e mais um pouco. Toca demais. Carla eu conheci através de João Meirelles. João convidou ela para tocar com a gente no Tropical Selvagem e eu já cresci o olho naquela musicista de percepção sensível. Carla toca baixo de maneira muito particular, melodioso e com pausas e notas muito inteligentes. Além disso, tem um senso de conjunto muito apurado. Tanto Carla quanto Aline também cantam muito bem, têm vozes muito bonitas, o que era fundamental pra esse trabalho. Pedrão também tem essa característica particular, uma assinatura, uma preocupação com o timbre do instrumento, com a ambiência. Ou seja, todos eles contribuíram de forma decisiva nos arranjos, seja por característica própria, ou por nossas conversas e nossos ensaios constantes. Eu levei para eles minha ideia inicial e fomos lapidando juntos. Eles trabalharam nas músicas intensamente.

O álbum ficou bem indefinível, um traço próprio de artistas que não se satisfazem em caixinhas. Ao mesmo tempo, isso pode ser um problema na hora de "se vender" como artista, vender shows etc? Como você lida com essa corda bamba, esse fio de navalha?

RJ: Eu tinha pensado bastante em fazer um disco em que os arranjos tivessem mais uma presença narrativa para a canção do que um acompanhamento. Que dialogassem com a canção, fossem reafirmando ela ou até a contrastando. Um disco que tivesse as vozes femininas, que fosse orgânico, com senso de conjunto. Com a banda, fomos fazendo tudo isso. Eu nunca pensei em como lidar com essa indefinição porque a composição aparece para mim como uma necessidade, consequentemente, todo o entendimento estético que vai abarcar essas canções também: os arranjos, timbres, produção, a arte e finalmente o disco, a obra. Depois de feito isso tudo, você percebe o tamanho do pepino. Eu concordo que o disco não cabe em gaveta e isso reflete muito meu pensamento, acho que desde a minha primeira banda.

O nome Dziga Tupi é uma referência tropicalista? "Tupi or no tupi", aqueles lances todos? O Dziga é do (cineasta russo Dziga) Vertov?

Eu acho que eu não sei ficar sem uma banda. Eu fiquei vendo aquele grupo com uma sonoridade tão específica que não resisti e quis dar um apelido. Tem esses lances de raízes; tecnologia; brasilidade; mundo; passado; futuro, essas aparentes contradições e isso tudo é meio tropicalista. Tem uma coisa também que me atrai que é artista solo que tem uma banda com nome: Caetano e Outra Banda da Terra, Djavan tinha em alguns discos a Sururu de Capote. Em relação ao nome, realmente eu parti do Dziga – sim, é o Vertov mesmo – por causa da relação com cinema que já tinha na Ladrões de Bicicleta. Fiz essa graça. Esse nome, que já é um apelido do diretor russo, tem uma sonoridade ótima. Assim como Tupi, que eu acho muito bonito. E é interessante pensar que teve uma TV Tupi. Mas, antes de tudo, é um apelido carinhoso, um nome afetuoso para esses músicos tão presentes nesse trabalho.

Saci Tric na revista Bizz 184 (nov 2000). Blog Disco Furado
Te conheci cantando na Mütter Marie, uma banda que em alguns momentos soava como Dead Kennedys, e ao longo das décadas você veio se refinando em suas bandas subsequentes. Você ainda se reconhece naquele início quase punk rock? O que o Ronei de 2018 diria àquele Ronei de 1992?

RJ: Diria: respire um pouco. Brincadeira. Acho que todas essas bandas foram importantes para minha formação. Ter encontrado com esses músicos – todos meus amigos até hoje – fez muito parte de minha formação. Desde a Mutter Marie, eu e meus amigos prezamos pela liberdade. Acho que a gente acabava não se enquadrando em nenhum gênero. E é interessante sua comparação porque o Dead Kennedys era uma banda que estava no punk, mas era meio fora da caixa. Na Mutter Marie, a gente de maneira torta já estava flertando com música brasileira. De uma maneira deliciosamente irresponsável, é verdade. Então, eu me reconheço nessa liberdade, nesse senso de coletividade, no desejo de estar constantemente burilando meu trabalho. Apesar de minha aparente tranquilidade, minha cabeça não tem muito sossego.

Tem planos de circular com este show pelo interior e outros estados? O que podemos esperar de Ronei e Dziga Tupi nos próximos meses?

RJ: Hoje, acho que não temos muito como prever o que acontece depois do disco pronto. Tem muitas variáveis possíveis. Essa coisa das plataformas digitais, da música passeando na internet, é um mundo muito vasto e muito imprevisível. O desejo de viajar com essa banda é imenso. Testar esse show, perceber novas possibilidades de interpretar essas e outras músicas, é o que queremos. Vamos ver como o disco e o show chegam nas pessoas.

sexta-feira, junho 08, 2018

A PENA DA GALHOFA DE UM BAIANO QUE "NÃO PRATICA"

Com cortejo saindo do Caboclo, Franciel Cruz lança hoje Ingresia no Icba

Em busca da moça do shortinho Gerassamba, Foto Sora Maia
Ao se deparar com a foto ao lado, o incauto leitor se detém por um instante, perguntando-se o que deve se passar na cabeça do retratado: a cotação do dólar? Eleições? O preço do combustível? Tsc. Na  cabeça do jornalista Franciel Cruz, que lança hoje seu primeiro livro, se passam  outras coisas.

Poucas delas são sérias – e nenhuma tão vulgar quanto os assuntos citados. Em Ingresia: Chibanças e Seiscentos Demônhos (P55), Franciel versa, com a verve que seus amigos e seguidores do Facebook conhecem, sobre um assunto de muito maior monta: aquilo que ele chama de “A Enigmática Chinfra Baiana”, título de uma das dezenas de crônicas do livro.

Fruto de uma bem sucedida campanha de crowdfunding – termo que detesta – Ingresia reúne os melhores textos publicados por Franciel em blogs e redes sociais na última década e meia. Tudo por insistência dos amigos.

“Amigo, você sabe, não é raça de gente. Então, este livro, na verdade, é uma forma de me livrar  deles. Ou, melhor da sua ladainha”, conta.

“Você tá num bar, querendo conversar sobre coisas importantes, tipo a cotação do bitcoin, e o cara fica em seu ouvido ‘Françuel, você tem que lançar livro, tem que lançar’... Quem porra aguenta isso? Não tem amizade que resista. Assim, o livro também é uma forma de preservar os amigos”, acrescenta.

Natural de Irecê, Franciel vem se tornando, ao longo das décadas, uma das maiores autoridades desta qualidade (ou defeito) indecifrável conhecido como “baianidade” – embora negue.

“Jamais serei autoridade em qualquer disgrama. Meu lugar de fala na baianidade é um samba-reggae de uma nota só: sou baiano, mas não pratico”, despista.

“Na verdade, este conceito do que entendemos de baianidade é esta ficção criada, especialmente pela dupla Caymmi & Jorge, com o auxílio pernicioso do Cabeça Branca. O fato é que esta baianidade se resume ao roteiro do dendê, mas a Bahia é muito maior do que isso”, afirma.

Tradicional de primeira

Com orelhas de Xico Sá, prefácio de Cláudio Leal e posfácio póstumo (escrito em 2014) por André Setaro, Ingresia desde já se configura em um dos lançamentos literários mais aguardados / badalados desta – como ele costuma dizer – “besta e bela província”.

Tão badalado que inaugura um novo – e desde já, tradicional – tipo de evento: o cortejo literário.

Em volta do carrinho de café multimídia da agitadora cultural Ana Dumas, Franciel, Núbia Rodrigues (que também lança seu livro infantil Sítio Caipora) e amigos sairão do caboclo do Campo Grande em direção ao ICBA, onde se dará a sessão de autógrafos.

“O livro bebe na fonte, com o perdão da má palavra, da iconoclastia. Então, quando Ana Dumas ofereceu o seu glorioso Carrinho Multimídia para animar a chibança, eu pensei logo em meter zuada”, diz.

“Conversei com Núbia e acertamos de marcar o primeiro e já tradicional cortejo literário. Sim, na Bahia é assim: a zorra nem começou direito e já é tradicional. Então, não sei o que será o cortejo literário. É o que acontecer. Vamos estar no pé do caboclo no Campo Grande chorando, caminhando, cantando e vendendo livro até chegar ao Pátio do ICBA, onde acontecerá o lançamento propriamente dito”, conclui.

Lançamento dos livros Ingresia, de Franciel Cruz, e Sítio Caipora, de Núbia Rodrigues / Hoje,  15h59 / Haus Kaffee (pátio do ICBA) / Gratuito

Ingresia: Chibanças e Seiscentos Demônhos / Franciel Cruz / P55/ Orelha: Xico Sá/ Prefácio Cláudio Leal/ 260 p./ R$ 30

ENTREVISTA COMPLETA: FRANCIEL CRUZ

Incentivado pelos amigos podemos entrar em diversas roubadas. Essa é uma delas?

Franciel Cruz: Totalmente. Amigo, como você bem sabe, não é raça de gente. Então, este livro, na verdade, é uma forma de me livrar  dos amigos. Ou, melhor dizendo: da ladainha deles. Porra. Você tá num bar, querendo conversar sobre coisas importantes, tipo, sei lá, cotação do bitcoin, e o cara fica em seu ouvido "Françuel, você tem que lançar livro, tem que lançar"... Quem porra aguenta isso? Não tem amizade que resista. Assim, o livro também é uma forma de preservar os amigos.

Seu estilo de cronista tem muita verve e neologismos. Que autores o influenciaram? Alguém é capaz de te influenciar?

FC: Sim. Sou totalmente influenciável. Exatamente por isso, me lenho todo. A pessoa amiga diz: vamos comer água e usar substâncias não recomendadas pela Carta Magna. E eu, todo trabalhado no influencialismo, aquiesço.  Mas na seara, digamos assim, literária óbvio que sempre rola umas influências, pois tudo acaba lhe (con) formando.  Dos tradicionais & consagrados, creio que Rubem Braga. Aliás, não compactuo com a avaliação de que ele é lírico, no sentido romântico. Na verdade, acho que o lirismo dele está mais próximo da violência, da aspereza. Óbvio que os críticos não concordarão comigo, graças a Jehová. A propósito, outra influência é Jehová de Carvalho. A Bahia precisa ler Jehová. É um cronista superior.  

Dizem que a baianidade foi uma invenção do trio ACM, Jorge Amado e Dorival Caymmi. Como uma autoridade no assunto, o que há de folclórico e o que há de verdadeiro nessa tal baianidade?

FC: Não faça isso comigo. Jamais serei autoridade em qualquer disgrama. Meu lugar de fala na baianidade é um samba-reggae de uma nota só: sou baiano, mas não pratico. Mas, derivo.  Na verdade, creio, este conceito do que entendemos de baianidade é, realmente, esta ficção criada, especialmente pela dupla Caymmi & Jorge, com o auxílio pernicioso do Cabeça Branca. O fato é que esta baianidade se resume ao roteiro do dendê, mas a Bahia é muito maior do que isso. Tem a Bahia do sertão, inventada por Elomar e cantada ancestralmente pelos repentistas. O que acho chato é que este baiano de Salvador passou a acreditar tanto nesta invenção que acabou se deixando levar pela enxurrada, perdendo um tanto assim da espontaneidade. Mas é do jogo também

Em diversos textos você fala das pequenas tiranias dos chamados "donos da cidade", sejam ricos ou pobres. Por que o baiano - ou pelo menos, o soteropolitano - tem essa tendência ditatorial de padaria?

FC: Rapaz, creio que acontece muito é que o baiano se acha muito importante, seja para o bem ou para o mal. Tem este negócio da chinfra, de tirar os outros pra otário. E isso acaba resvalando nesta coisa de achar que pode fazer o que bem entender sem se preocupar com o outro. Óbvio que, não necessariamente, isso é só ruim. Esta coisa de se achar dono da cidade tem seu lado positivo porque há uma identificação com a disgrama toda, o que torna muita coisa engraçada.

O que é um cortejo literário? 

FC: É outra ficção. O que aconteceu foi o seguinte. Eu não queria ficar preso ao empolamento literário. O livro bebe na fonte, com o perdão da má palavra, da iconoclastia. Então, quando Ana Dumas ofereceu o seu glorioso Carrinho Multimídia para animar a chibança, eu pensei logo em meter zuada. Minha amiga Núbia Bento vai lançar Sítio Caipora, no mesmo dia e local. (Aliás, comprem a obra dela. Ao contrário do Ingresia, é muito boa). Continuando. Pois bem. Quando Ana ofereceu o equipamento, eu conversei com Núbia e acertamos de marcar o primeiro e já tradicional cortejo literário. Sim, na Bahia é assim: a zorra nem começou direito e já é tradicional. Então, sinceramente, não sei o que será o cortejo literário. É o que acontecer na hora. Vamos estar no pé do caboclo no Campo Grande chorando, caminhando, cantando e vendendo livro até a chegada ao Pátio do ICBA, que é onde acontecerá o lançamento propriamente dito. 

Deu muito trabalho selecionar e editar as crônicas? Foi você mesmo que fez tudo isso, correto? Que tipo de cuidado - ou descuidado - te orientou nessa labuta?

FC: Eu fiz aquele tradicional trabalho de separar o joio do trigo. E claro, escolhi o joio. Muito joio e alguns trigos. A criatura vai lendo um bocado de coisa ruim e aí se depara com algo mais ou menos e pensa: este menino tem futuro. Mas para não deixar sua pergunta sem resposta (já vai ser a última questão, né?), seguinte. Eu praticamente havia perdido todas as coisas que rabisquei porque um abençoado, que não vou nem dizer o nome pra não dar azar, deletou a porra toda. Então, o trabalho inicial foi tentar relembrar o que já tinha escrito e onde poderia achar. Nesta labuta infeliz, reuni mais de 150 crônicas. E passei para Flávio Costa, autor do bom livro Caçada Russa (comprem, é bom, ao contrário do Ingresia), que fez uma seleção inicial. Depois fui relembrando de outras crônicas e contei com a leitura mais do que atenta de Davi Boaventura e, last but not least, Tom Correia. Óbvio que eles não têm culpa pelo resultado disgramado. Ao contrário, tentaram ajudar, mas sou teimoso. Então, o que me orientou foi a teimosia.   

Quando sai o próximo livro? Romance, contos ou autoajuda?

FC: Vou escrever o livro sobre o conceito que desenvolvi na feitura deste, chamado marquetingue-bulén. Nesta portentosa obra, vou ensinar as pessoas a venderem seus livros iguais aos mascates e cobrar iguais aos ciganos. Vai ser um fenômeno. 

quinta-feira, junho 07, 2018

GRANDE HOTEL

Promovido internacionalmente pela Sony, o duo português Dead Combo apresenta majestosa música instrumental em Odeon Hotel (com participação de Mark Lannegan), uma ponta de iceberg para os brasileiros descobrirem o novo pop d'além mar

Pedro Gonçalves e Tó Trips, foto Daniel Costa Neves
Donos de grande musicalidade – que nós brasileiros, certamente incorporamos em nossa história comum –, os portugueses só costumam ser lembrados pelo fado, o gênero luso por excelência.

O que muitos de nós aqui deste lado do oceano nem desconfiamos é que a cena pop portuguesa vive um de seus melhores momentos, gerando artistas que produzem uma música que soa muito nova, vibrante e intrigante para ouvidos desavisados – como os nossos.

Um exemplo perfeito é o duo instrumental lisboeta Dead Combo, que agora pode ser ouvido pelos brasileiros sem muito esforço, já que está tendo seu novo álbum, Odeon Hotel, largamente promovido nas plataformas digitais pela Sony Music, sua nova gravadora.

Antes de sabermos mais sobre Odeon Hotel, um breve histórico do Dead Combo, formado em 2002 pela dupla Tó Trips (guitarras) e Pedro Gonçalves (contrabaixo, kazoo, escaleta e guitarras).

O duo se formou após um encontro fortuito de Tó e Pedro depois de um show, quando o primeiro pediu uma carona ao segundo, sem saber que este também não tinha carro.

Voltaram ao Bairro Alto (centro antigo lisboeta) andando juntos e, quando lá chegaram, já tinham decidido gravar um álbum instrumental em homenagem ao icônico violonista pátrio Carlos Paredes.

Inicialmente underground mesmo em Lisboa, só começaram a ser notados por um público mais amplo a partir de de 2008, com seu quarto álbum, Lusitânia Playboys.

No som, a essência da guitarra portuguesa, mais inflências de música africana, da surf music e das trilhas sonoras western-spaghetti de Ennio Morricone.

Em 2012, começaram a ganhar notoriedade internacional ao aparecerem no episódio dedicado à Lisboa do programa Sem Reservas, do badalado chef e escritor Anthony Bourdain.

E agora chegamos à Odeon Hotel, que marca – o que se espera ser – uma virada na carreira do Dead Combo.

A começar pelo produtor, Alain Johannes, um requisitadíssimo profissional do circuito rock internacional, com discos de nomes como Queens of Stone Age, PJ Harvey e Chris Cornell no currículo.

Odeon Hotel também marca uma evolução clara no som do duo, que aqui soa mais "banda" do que nunca, com a incorporação de diversos músicos à sua linha de frente nas gravações e nos shows: Alexandre Frazão (bateria), Bruno Silva (viola d'arco), Mick Trovoada (percussão) e João Cabrita (saxofone).

Nos fones, o Dead Combo soa realmente renovado, mais universal, mas sem abrir mão de sua identidade. Algo que, de fato, era a busca do duo, conta Pedro Gonçalves pelo telefone.

"Sim, o próprio fato de contratarmos o Alain para produzir o disco tem um bocado a ver com o fato de que os outros discos foram sempre produzidos por nós. E estávamos nos sentindo um bocado estagnados dentro do mesmo sítio, estávamos prisioneiros de nossas ideias", conta o baixista.

"Daí chamarmos o Alain para nos libertar um bocado. Ele foi muito responsável pelos sopros e pela bateria ter um papel muito importante neste disco também. Foi graças a ele que se moldou este som do Dead Combo", acrescenta.

Dead Combo, foto Daniel Costa Neves
GENTRIFICAÇÃO LISBOETA - Além do produtor, outro convidado estrangeiro muito especial marca presença em Odeon Hotel: o vocalista Mark Lannegan, revelado em plena explosão grunge de Seattle pela banda Screaming Trees e hoje em uma cultuada carreira solo.

Lannegan agracia com sua característica voz cavernosa a única faixa com letra do album, I Know, I Alone, que nada mais é do que um dos poemas escritos em inglês por Fernando Pessoa, musicado pelo duo.

"O Lannegan apareceu primeiro, antes do Alain, neste disco. Nós o convidamos para gravar uma música. Mas aí passaram alguns meses e decidimos continuar a gravar o disco que já tinha umas três músicas prontas. Foi uns seis meses depois disso que decidimos terminar de gravar o disco, e então contratar um  produtor, daí falamos com Alain Joahnnes", conta.

Considerado pela imprensa lusa como o "menos português" dos álbuns do Dead Combo, Odeon Hotel reflete na verdade, o boom turístico e imobiliário vivido pela capital portuguesa nos últimos anos, com muitos de seus recantos tradicionais vivendo o já conhecido processo de gentrificação.

"Sim, de certa maneira os nossos discos tem acompanhado essa evolução da cidade. E esse também tem um bocadinho dessa atenção. Lisboa tem sido um bocadinho invadida pelo turismo em massa. Daí a piada do Hotel Odeon", conta Pedro.

"O sítio onde as fotos da capa e da divulgação foram tiradas é um antigo cinema em Lisboa que agora vai ser um condomínio de apartamentos de luxo. Então, o disco tem tudo a ver com esse processo de gentrificação, com as mudanças da cidade", acrescenta.

Com essa exposição internacional vitaminada via Sony Music, o duo luso agora espera se tornar mais conhecido mundo afora, incluindo o Brasil. "Esperamos que sim, a aposta é essa, agora vamos ver se conseguimos ganhar a aposta ou não", ri Pedro.

Na verdade, O DC já se apresentou no Brasil, mais precisamente em Recife, em 2011. Agora em 2018 já tem uma volta a Pernambuco garantida, com uma apresentação no festival MIMO, em Olinda.

"Já fomos ao Recife há muito tempo. E vamos no proximo festival MIMO, que agora também existe em Portugal. Mas vamos tocar no original brasileiro", conta.

Outro aceno da banda ao Brasil está em uma das faixas de Odeon Hotel: a melancólica faixa Dear Carmen Miranda – algo irônico, dado que a charmosa Carmen era portuguesa de nascença. "Sim é um aceno ao Brasil e à Carmen Miranda mesmo. É um aperto de mão, digamos, ao Brasil", diz Pedro.

Com a promoção digital – e esta nova vinda – do duo português ao Brasil, um dos efeitos que se espera é também dar a conhecer ao público a brilhante nova geração do pop português, que tem em nomes como Deolinda, Linda Martini e PAUS (assim mesmo, em maiúsculas) uma ponta de iceberg para os interessados vislumbrarem.

"Sim, poderia haver por parte do estado português um incentivo para exportar música que não seja só o fado. Claro que o fado é muito característico e é muito único, mas há muitas outras coisas além do fado que poderiam ser escutadas também, poderia haver um apoio nesse sentido", conclui Pedro.



Abaixo, dicas para conhecer outros nomes do novo pop português 

Linda Martini / Linda Martini (2018, Sony)

Quinto álbum da banda indie lisboeta, uma pancada como não se ouve mais de bandas similares no Brasil. Contemporâneo, combina guitarras pesadas, batidas quebradas e letras melancólicas. Destaque para Boca de Sal, É Só Uma Canção e Caretano.










Madeira / PAUS (2018, Sony)

O quarteto de formação inusitada (dois bateristas que cantam, tecladista e baixista) namora forte com o kraut rock e propôe um som bastante instigante em seu novo álbum grravado na Ilha da Madeira (daí o título). Vale ouvir a faixa-título e L123. Inusitado, vibrante.






Mundo Pequenino / Deolinda (2012, Universal Music)

O grupo mais tradicional dos aqui listados, o Deolinda combina uma forte influência do fado com uma farta dose de ironia, humor e algum romantismo, aliado aos vocais belíssimos de Ana Bacalhau (esse é o nome dela mesmo, sério) e os instrumentais acústicos extremamente sofisticados. Um primor. Ouça agora Musiquinha, Seja Agora, Semáforo da João XXI e Há-De Passar.






terça-feira, junho 05, 2018

CAPÃO, FEIRA E CONQUISTA NA MIRA DA VIOLA

Depois de passar por Cabo Verde, duo Viola de Arame volta a tocar pelo interior

Cássio e Júlio na Vila do Capão, sábado passado (02.06). Foto Flávia Maciel
Artistas solo e também de acompanhamento para diversos outros músicos, Júlio Caldas e Cássio Nobre voltaram a se apresentar em duo com seu projeto Viola de Arame.

Depois de lançar um belíssimo álbum instrumental em 2011 e percorrer diversas cidades, Cássio e Júlio se dedicaram mais às carreiras solo, além de garantir o pão em outras atividades.

Mais recentemente, estiveram na ilha de  Cabo Verde (na costa atlântica da África), participando Atlantic Music Expo 2018, evento que reúne produtores e artistas da África, Europa e Américas.

Daí essa nova série de apresentações pelo interior da Bahia, passando pela Vila do Capão (sexta-feira última), Vitória da Conquista (quinta-feira) e Feira de Santana (dia 15).

“A série de shows faz parte da contrapartida para o  Fundo de Cultura da Bahia (FCBA) pelo apoio recebido para participação na Atlantic Music Expo 2018”, conta Júlio.

“Durante essas apresentações, realizamos rodas de conversas sobre as ações de empreendedorismo voltadas para a difusão da música instrumental”, acrescenta.

Nas apresentações, Cássio e Júlio voltam ao formato duo, sem acompanhamento de baixo e percussão. “Tem músicas novas e músicas do disco Viola de Arame, lançado em 2011. O repertório retoma o formato duo acústico que inclui desde Jacob do bandolim até Beatles”, conta Cássio.

Para Salvador, por enquanto, não há previsão de shows.

“Estamos com esses shows programados e tentando articular apresentações em Salvador e na região metropolitana. Estamos abertos a convites”, afirma Júlio.

Mas quem curte o som bonitão do Viola não perde por esperar. “Estamos no momento compondo e estudando formas de angariar recursos para produção do novo álbum”, anuncia Cássio.

Viola de Arame, foto Maíra do Amaral
Priorizando o interior

Projeto à base da viola de arame, uma das muitas variações brasileiras do instrumento medieval português, o duo pratica um som majestoso, que investiga a tradição nordestina  e suas origens europeias.

Com centenas de apresentações realizadas desde seu início em 2008, o Viola de Arame sofre com as duras condições de trabalho que costumam encontrar em Salvador.

“Começamos a priorizar shows fora de Salvador porque percebemos que é difícil tocar na capital devido as condições ruins que são colocadas para o artistas realizarem seu trabalho e o público que não comparece, se compararmos com outros locais”, conclui Cássio.

Shows Viola de Arame: Quinta-feira, 21 horas: Café Society (Vitória da Conquista) / Dia 15,  21 horas: Cúpula do Som (Feira de Santana)



NUETAS

Skanibais e Tonha

Quinta-feira (dia 7) tem Skanibais e Forró Zé de Tonha no Velho Espanha (Barris). 19 horas, pague quanto puder.

Danilo faz Cazuza 2

O cantor Danilo Medauar volta a apresentar seu show  Todo Músculo que Sente, um tributo ao Cazuza.  Elaborado, o espetáculo tem direção de Lelo Filho  (Cia. Baiana de Patifaria), que trouxe sua equipe para  trabalhar na cenografia e iluminação. Quinta-feira,  20 horas, Teatro Módulo, R$ 60 e R$ 30. Doe dois quilos de alimentos e pague R$ 35.

Água Suja sábado

A incansável banda Água Suja faz jam session de blues com os convidados Lacerda (ex-Talkin’ Blues) e Celso Dutra. Sábado, 22 horas, na Varanda do SESI. R$ 30 (só em espécie).

Siege of Hate na Bahia

A banda cearense de metal extremo se apresenta sábado em Salvador com Aphorism, Deformity BR e Antiprofeta. No Club Bahnhof (Rua Guedes Cabral, 20, Rio Vermelho), R$ 25.