Antonio Cedraz (1945-2014). Foto: Chico Castro Jr. |
”A vida é o que acontece enquanto fazemos planos”, disse certa vez o autor de Imagine durante uma entrevista.
Em novembro do ano passado, o quadrinista baiano Antonio Cedraz delineou diversos dos seus (muitos) planos para este jornalista, durante uma entrevista para a revista Muito.
Após um longo período de combate ao câncer, Cedraz curtia um momento positivo: estava em remissão e planejava retomar a produção das tirinhas da Turma do Xaxado, interrompida desde que iniciara o tratamento, alguns anos antes.
Mais: tinha em vista a produção de uma série de animações do Xaxado para a TV e outras publicações infanto-juvenis de cunho educativo.
Conversei durante um par de horas com Cedraz na sala de sua casa, em Brotas.
Quando terminamos, o lépido cartunista me ofereceu uma carona de volta para o jornal. Ia acertar alguma exposição do Xaxado em um shopping da região do Iguatemi / Av. Tancredo Neves.
Na saída, notei o majestoso mandacaru que adorna a saída de sua garagem. O estalo foi imediato: “Cedraz, posso tirar uma foto sua na frente dessa planta?”.
Apressado, ele concordou e posou do jeito que estava: chaves do carro na mão, a fralda da camisa parcialmente dentro das calças. Saquei o celular e cliquei duas vezes.
O retrato íntimo, seguido da carona, foi a última vez que vi Cedraz pessoalmente. Algumas semanas depois, soube por amigos em comum que o câncer tinha voltado. “A vida é o que acontece enquanto”...
Ainda nos falamos por telefone depois disso, mas nem por um segundo senti medo ou tristeza em sua voz.
Esta semana, Cedraz nos deixou, engrossando a lista que fará de 2014 um ano farto de perdas incalculáveis para a cultura e o jornalismo baianos: João Ubaldo, João Carlos Sampaio, André Setaro, Antonio Cedraz.
E que pare por aí, pois já está de mau tamanho.
Xaxado é nossa Mafalda
Tudo isto posto, afirmo que, antes de lamentar a perda de Cedraz (algo inevitável), prefiro celebrar sua brilhante passagem por este planeta.
Maior nome dos quadrinhos baianos, era da Bahia que ele tirava inspiração para suas criações, mas ao mesmo tempo, era também aqui que tinha menos reconhecimento – não que tivesse mágoa por isso. Não havia lugar no seu peito para ressentimento.
Ainda assim, foi múltiplas vezes premiado com o Trofeu HQMix, maior premiação dos quadrinhos brasileiros.
Foi consagrado Mestre do Quadrinho Nacional pelo Prêmio Ângelo Agostini, outra importante premiação.
Viajava constantemente pelo país, recebendo homenagens em feiras e convenções de quadrinhos.
Sua obra é objeto de estudo por pesquisadores, mestrandos e doutorandos no Brasil e no exterior.
Enfim: um raro baiano contemporâneo reconhecido nacionalmente por algo mais do que um belo par de pernas ou uma dancinha de gosto duvidoso.
“Meus próximos projetos são para contar a história de Maria Felipa e de Caramuru. O que não falta na Bahia é assunto: Guerra dos Alfaiates, Revolta dos Malês, Cosme de Farias... Eu quero é dar ênfase à nossa história, à nossa cultura”, disse ele a este jornalista durante uma de suas (muitas) entrevistas.
Não sei em que pé ele deixou estes projetos – ou mesmo se chegou a inicia-los. O que ele já deixou já é o bastante para içá-lo à condição não só de Mestre do Quadrinho Nacional, mas da própria cultura baiana.
Mais importante do que agora pensar em estátua ou dar-lhe um nome de rua, é se certificar que sua obra não será esquecida ou relegada ao mofo das prateleiras.
É levar sua obra, tão importante e cheia de significados, universal e acessível tanto para crianças quanto adultos, às escolas públicas e privadas, centros culturais – aonde for.
Por que Xaxado está para os baianos como Mafalda está para os argentinos.
Em suas tiras aparentemente infantis, Cedraz e a valorosa equipe do seu estúdio fizeram todas as perguntas que não ainda cansamos de fazer: por que nosso povo vive na miséria, na fome e na ignorância enquanto a classe política goza de todas as benesses? Por que a seca? Por que o racismo? Por que a igreja? Por que os coronéis? Por que você isso? Por que eu aquilo?
Tudo sem abrir mão da leveza, do humor, da inteligência. Isso, definitivamente, não é pouco.
Talvez por tudo isso eu, inconscientemente, tenha tido o impulso de pedir a ele para posar com o mandacaru.
Era óbvio que se tratavam de semelhantes: sertanejos fortes, talhados para prosperar na adversidade.
Nunca o esqueceremos.
5 comentários:
Chico, quem foi que desenhou aquele quadrinho "seu" sobre 2 de Julho?
Eu te mandei uns links sobre como Salvador era linda no século 19, mais linda que na época de Caymmi. Dorival e Carybé...a praça riachelo, o cais das amarras...covardia...a coisa vai ficando cada vez mais feia...
Morre o Homem, fica O Artista...assim espero, que descanse em paz o Cedraz...eu tinha algo pra falar no momento, mas fugiu-me...se eu lembrar eu digo...
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O bom e velho Antônio Cedraz teria gostado muito dessa homenagem, Franz. É um ato cívico. Parabéns.
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Quando eu faço um comentário apressado, cometo erros ás vezes primários Confundi o nome da segunda vocalista da banda Lou, Danny Nascimento, com o nome do baterista, Jera Cravo.
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Andréa Gabriel falando decidida e articuladamente numa fala brilhante sobre mulheres no rock:
Lou ao vivo, em entrevista no programa TV Revista
Linda e inteligente. Tenho orgulho de ter sido colega dela na faculdade.
https://www.youtube.com/watch?v=q3x7Qfq7acI
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6 faixas do álbum da Lou --- DEVIR:
https://myspace.com/loudevir/music/songs
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