Martin Amis, 65 anos, filho do escritor Kingsley Amis. Foto: Tom Craig. |
Assim como nos filmes do ex-marido de Madonna, suas páginas são habitadas por brutamontes violentos, mulheres vulgares, viciados, beberrões e uma ou outra boa alma para equilibrar as coisas – todos se debatendo nas ruas dos subúrbios de Londres, entre pubs esfumaçados e a sarjeta.
Ledo engano. Apesar de divertidos, os filmes de Ritchie estão mais para um vão exercício de estilo do que para a declaração artística de relevância.
Por outro lado, o livro de Amis, lançado no Brasil pela Companhia das Letras, é um impiedoso raio-x da Inglaterra contemporânea – e por conseguinte, da sociedades ocidentais como um todo, com suas economias cambaleantes, desigualdade galopante e um senso de vale-tudo generalizado que parece permear tanto relações, quanto instituições.
A visão desencantada de Amis foi inclusive alvo de críticas em sua terra natal, com muitos resenhistas e intelectuais acusando-o de esnobismo e preconceito, dada a sua descrição pouco edificante das camadas menos favorecidas da população.
Pitbulls à base de Tabasco
Ilustração de El Cerdo para a Folha de S. Paulo |
Dono de dois pitbulls psicopatas, Joe e Jeff, alimentados a base de carne afogada em molho Tabasco para deixa-los ainda mais ferozes, Lionel vive de cobrar dívidas, receptação de bens roubados e partir crânios.
Na verdade, Asbo nem é seu sobrenome real. É Pepperdine. Ele adotou Asbo quando, ainda criança, recebeu essa classificação do serviço social. Em inglês A.S.B.O. significa Ordem de Comportamento Anti-Social.
Ele vive em um condomínio do subúrbio fictício de Diston com seu sobrinho, Desmond Perpperdine. Des, como é chamado, é o oposto do tio: sensível e inteligente, escreve até poesia, coisa que Lionel não entende.
“Às vezes você me deixa maluco, Des. Por que não vai para as ruas quebrar umas vidraças? Isso (escrever poesia) não é saudável”, recomenda.
Tudo leva a crer que a natureza violenta de Lionel – que se manifesta diversas vezes ao longo do livro – acabará por leva-lo a se tornar o “vilão” da história.
Amis é mais inteligente do que isso e dá um chapéu no leitor ao fazer do brutamontes o ganhador de um prêmio de 140 milhões de Libras na loteria. E aí, sim, surge o verdadeiro bad guy da narrativa de Amis: a imprensa britânica.
Dono de longa ficha criminal, subitamente transformado em milionário, língua solta incorrigível, Asbo se torna um prato cheio para os insaciáveis tablóides ingleses, que passam a perseguir o valentão por todo canto, ridicularizando-o nas manchetes hilariantes inventadas por Amis.
A graça do livro reside justamente em ver como até um sujeito que se considera invencível, praticamente de aço, tem seus nervos feitos em picadinhos pela implacável imprensa de fofocas britânica, uma indústria sem um pingo de ética, capaz até de grampear telefones de membros da família real, como se viu recentemente.
Fica claro que as críticas ferozes dirigidas a Amis por seu suposto esnobismo não se sustentam, já que, no fim, os personagens oriundos dos subúrbios são, em diferentes momentos, herois ou vilões, capazes de cometer erros e acertos.
Pleno de humor ferino e com olho clínico para o ridículo, Lionel Asbo pode até ser uma leitura fácil. Mas nunca é vã.
Lionel Asbo - Estado da Inglaterra / Martin Amis / Companhia das Letras / 360 p. / R$ 49 / E-book: R$ 34,50 / www.companhiadasletras.com.br
Leia um capítulo de Lionel Asbo ilustrado por Tiago El Cerdo para Folha de S. Paulo aqui.
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