Há algumas semanas, Salvador ganhou um novo espaço para baladas de música eletrônica, com uma proposta bem específica.
Batizada Hox (fotos acima e abaixo: Fábio Peixoto), esta casa no Rio Vermelho é exclusivamente dedicada aos estilos menos comerciais do gênero, além de – garantem as sócias que respondem pelo local – não ficar restrito ao público GLS, tradicionalmente visto como o grande frequentador de clubes do tipo.
“Nossa intenção foi mesmo diferenciar a proposta da casa tanto das boates gays quanto dos espaços heteros mais comerciais, que tocam música eletrônica em um dia da semana, sertanejo no dia seguinte, axé no outro e daí em diante”, detalha Silvia Passos, sócia da Hox ao lado de Márcia Franco – a mesma do Off Club, tradicional reduto GLS local, que no momento conclui uma reforma.
“Márcia está há muito tempo nessa cena. Ela mesma sentia isso, os DJs com quem conversamos também e até uma pesquisa de mercado nos disse a mesma coisa: havia uma lacuna para uma casa nesses moldes, para o público heterossexual de Salvador. Daí resolvemos transformar o Franco Café na Hox”, afirma Silvia.
Com o novo Off Club previsto para reabrir já no mês que vem, as sócias pensaram de forma bem pragmática: “Não poderíamos abrir uma boate para concorrer com a gente mesmo”.
De fato, a proposta é bem-vinda, mas fica uma questão delicada: como direcionar um espaço público de diversão noturna para uma parcela de público de determinada orientação sexual (no caso, heterossexual)?
“Esse controle é feito a partir da escolha dos DJs e dos promoters. Os promoters atraem público para casa, certo? Se eu pego um promoter da cena GLS, ele atrai público GLS. Se for um cara da cena hetero, ele atrai o público dele. Na Hox trabalhamos com promoters que passaram por casas como o Clube Ego, Twist Pub e Tarantino Bar, por exemplo”, explica Silvia.
Segundo Silvia, para diferenciar um clube GLS de um clube hetero, até a decoração conta: “O público GLS exige mais brilho, mais cor. Se você trabalha com tons cinza, grafite, metálicos, identifica mais com o hetero. O próprio som do DJ difere. O DJ gay é mais bate-cabelo. Toca Rihanna, Lady Gaga, Madonna. Aí o hetero sabe que não é a praia dele”, ensina.
Entre DJs e produtores de festas eletrônicas da cidade, a proposta parece ter sido bem recebida, ainda que haja uma certa descrença quanto à orientação hetero da casa.
“Na teoria, o que eles defendem é OK. Mas na prática, acho complicado”, observa Zedu Carvalho, produtor da festa La Funhouze.
“Diante de toda a carga simbólica do nome de Márcia Franco, que é tão identificada com o GLS, e até pelo fato de a Hox ser bem do lado da San Sebastian (outro reduto GLS), acho que vai ser bem difícil elas fugirem disso”, opina Zedu.
Já a DJ e cientista social Adriana Prates (ao lado, foto Marcela Pimenta), uma veterana da cena local, lembra que música eletrônica e cultura gay estão intimamente ligados. “Está em vários livros sobre a cena disco, como ela serviu de contexto de formação da cultura gay”, diz.
Apesar de interessante, a estratégia para se definir a orientação sexual de uma casa noturna não é tão importante quanto o fato que a sua própria existência evidencia: “Hoje, em Salvador, você tem lugares lotados tocando música eletrônica todas as semanas, para diferentes públicos. Salvador tem oferta”, nota Adriana Prates.
Nem tudo, óbvio, são flores fluorescentes. “Claro que uma cena forte mesmo, diária, que se sustenta comercialmente, só existe no Brasil em São Paulo. Aqui, as coisas só começam a acontecer a partir de quinta-feira. E sim, tem balada toda semana. Mas só se a pessoa não for muito seletiva. Se for, já complica um pouco”, vê Adriana.
Provavelmente, o DJ mais badalado da cidade hoje, Mauro Telefunksoul (foto: Fábio Peixoto) é residente da Hox aos sábados, com a festa Concept, na qual mostra seu trabalho mais autoral.
“O lance da Hox é a oportunidade que vai dar aos DJs autorais, mais acostumados às raves do que às casas noturnas”, acredita.
“Agora, Salvador tem uma casa para DJs com repertório mais autoral e não uma simples parada de sucessos. Por que a música eletrônica dançante é isso: o DJ tem, sim, que trazer novidades, e não se limitar tocar o que já toca exaustivamente por aí. DJ que é DJ pesquisa”, reivindica Mauro.
Além de pesquisar, ele aponta como fundamental, para um DJ de responsa, produzir suas próprias tracks: “Essa é a parte que mais me interessa: a produção. Tocar uma música na pista e depois nego perguntar e você dizer: ‘é minha’. Isso é o melhor de tudo”, vibra o DJ.
Mauro e Adriana foram membros do Pragatecno, coletivo (
“Esse conceito de música eletrônica não-comercial é muito discutível. É que hoje em dia tudo circula, né”?, observa Claudio Manoel, DJ e jornalista, fundador do Pragatecno.
“Acho importante que o Hox surja com esse discurso, apesar de todos os clubes – fora os de rock ou pagode – tocarem música eletrônica. O que falta é conseguir imprimir esse conceito na casa para apontar um caminho que forme, definitivamente, esse publico que prefira um som menos comercial. Espero que ela não se apresse pela grana e que tenha gosto pela estética e a cultura do DJ, em sua forma mais ampla”, conclui.
Em tempo: o Pragatecno não está "desativado": "Nos retiramos de producões sistemáticas de festas, mas os DJs continuam atuando, aqui e em outras cidades. E Mauro e Adriana continuam, inclusive tocando em Salvador. Nossa atenção tem se voltado a incentivar a produção musical e oficinas, exatamente para alimentar a cena em outros aspectos", informa Claudio Manoel.
O Pragatecno, me corrigiu Adriana Prates, "não está desativado, apenas não temos feito festas de forma sistemática como fazíamos antes, temos nos dedicado a lançar a produção musical de nossos membros (inclusive fora do Brasil) através do selo Putz Records. Também realizamos oficinas e workshops de discotecagem e produção. E ainda fazemos festas de vez em quando".
EXTRA: ENTREVISTA COM DJ NAZCA (DANILO MATOS), DA SOONONMOON
Falar de música eletrônica na Bahia é falar, necessariamente, dos coletivos Soononmoon e Pragatecno, grupos pioneiros estabelecidos em meados dos anos 1990.
Sobre o Pragatecno, ficamos sabendo mais acima. Quanto ao Soononmoon, este continua realizando - ou melhor, materializando - raves enormes em sítios afastados, geralmente pros lados de Camaçari, Lauro de Freitas ou da BR 324.
Nesta entrevista, Nazca (foto Caroline Paternostro), que também foi vocalista da extinta banda Arsene Lupin (do folclórico guitarrista Adriano Batata Amado), fala brevemente do cenário eletrônico atual, da Hox e do processo de profissionalização do coletivo que integra.
Recentemente, abriu-se no Rio Vermelho uma nova casa - a Hox -
exclusivamente dedicada à música eletrônica e performance de DJs - além
de ser, garantem as sócias que respondem pelo espaço, dirigida ao
público de música eletrônica em geral e não apenas ao público GLS. Como
vc vê esse fato? Ele sinaliza uma evolução de mercado? O que isso
significa para vc, como pioneiro da cena eletrônica local?
DJ Nazca: Acredito
que Salvador tem uma carência gigante de um club somente dedicado à
música eletrônica. Já era tempo do Hox aparecer. Desejo que tenham
sucesso na empreitada, variando as noites para cada uma das cenas mais
ativas na música eletrônica na cidade: psytrance, house, techno,
dubstep. hip hop. Acredito que se houver uma política de festas mais
diversificadas e uma boa divulgação, teremos com a Hox um importante
passo para acena eletrônica de Salvador.
Apesar ter uma oferta razoavelmente constante de festas e noites de
música eletrônica, Salvador também oferece qualidade nesse campo? Ou é
só quantidade? O que difere uma boa festa de música eletrônica de uma
ruim?
DJN: Existe sim qualidade na cena eletrônica de Salvador. Boas festas, bons DJs, bins núcleos, cenários exuberantes. Tem o Carnaval cada vez mais eletrônico. Faltava um club. Vamos ver se o Hox muda um pouco essa história. A quantidade de eventos eletrônicos em Salvador é apenas um sinal de que essa cena chegou com força e pra dar uma chacoalhada no pobre entretenimento da Salvador de hoje em dia.
Sabemos que um DJ dos bons não apenas toca música, mas também a produz. Sei que vc produz. Como é esse desafio para vc? Vc procura agradar seu próprio gosto antes ou ao dos frequentadores de suas festas?
DJN: Eu
ainda não produzo a minha música. Sou apenas DJ. Músico? Não. Maestro
sim. Na verdade, amo ser DJ, amo contar a minha história em 60 minutos,
evoluir um som, criar uma narrativa de sons abstratos e sentimentos. E
como DJ, existe uma parte que é entreter aquelas pessoas, deixarem elas
dançando, se divertindo. Por outro lado, existe a intenção estética do
DJ, de mostrar para aquelas pessoas a sua linha de som, o seu conceito, a
sua definição de um som bombástico para a pista de dança. Existe o
equilíbrio entre essas duas tendências.
Como pioneiro do cenário com a Soononmoon, como vc vê a passagem desses
anos todos? Houve uma evolução local? Como foi o processo de
profissionalização da Soononmoon, produzindo festas grandes como as que
vcs produzem?
DJN: Sim, vejo com muitos bons olhos esses
novos tempos do nosso cenário eletrônico local. Depois de muito
cultivar, desde quando a Soononmoon começou em 1997, hoje vemos uma cena
madura, crescente, que atrai novos adeptos a cada materialização. Com a
Internet e com as redes sociais e as novas ferramentas de
compartilhamento de informação, vemos essa galera mais nova querendo um
som eletrônico, ao invés de buscarem os mesmos ritmos de outros
Carnavais.
8 comentários:
Chico, só um comentário: música eletrônica, como você bem sabe, não é exclusividade dos DJs (que aliás fizeram excelente serviço), e muito antes dos coletivos aparecerem esta já existia na Bahia, talvez sem o alcance que teve do final dos 90 pra cá. Cacau Celuque, meu finado amigo-irmão Edu Silva e muitos outros, que já nos anos 80 produziam coisas muito a frente. Um abraço, andré t.
Taí, André. Eu não sabia, não. Juro por Jah. Como diz um amigo meu aqui do periódico, "Wim Wenders e aprendenders"!
É que esse assunto dispara uma série de sentimentos em mim, desde que comecei a mexer com isso em algum momento da primeira metade dos anos 80, mas no momento em que conheci o Edu Silva e o Cacau Celuque, percebi que o buraco era MUITO mais embaixo. De repente essas pessoas falavam sobre construção de novos instrumentos e novas interfaces homem-máquina, para abrir novos horizontes, e faziam acontecer. Claro que o que eles faziam era bem menos comercial do que o DJ moderno menos comercial faz, e na época não existiam casas noturnas, ou sequer público para isso. Era taxado simplesmente de música de robô.
andré t
Música de robô. Claro. Faz todo sentido, quando pensamos em Kraftwerk.
Que história absurdamente do caralho.
http://andrebarcinski.blogfolha.uol.com.br/2013/07/22/nove-partiram-apenas-um-chegou/
Dava um filmaço. Além desse doc que já existe, claro.
Atrasado, mas ainda vale:
RIP Dominguinhos.
http://www.dominguinhos.art.br/v2/
Tive a honra de assistir um show dele no único São João que passei no interior em toda minha vida, em Amargosa, junho de 1992. Certamente, a melhor memória daquela noite fria do cão.
Pena que nunca rolou a oportunidade de entrevista-lo.
O espetacular Deolinda é assunto no SY:
http://www.screamyell.com.br/
Fico de cara com a vitalidade criativa do fado pop dessa banda.
Olha que nunca ouvi fado. Mas a linguagem mezzo pop mezzo erudita mais a intensidade dos arranjos e da vocalista, a incrível Ana Bacalhau (sério!) me renderam de vez.
Ouçam Musiquinha, Medo de Mim e Parvo Que Sou e me digam se estou errado.
Me impressionou mais do que qualquer coisa do Brasil que ouvi ultimamente.
Caralho, parece sacanagem.
Os portugas se apresentam em Pernambuco e SP esta semana:
http://www.deolinda.com.pt/
Festival de Inverno de Garanhuns.
Cadê que não teve uma série TCA ou ninguém esperto o bastante para traze-los a Salvador? Cadê? Merda.
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