terça-feira, maio 06, 2014

PANTERAS NEGRAS DO TERREIRO

Aliando tradições afrobaianas à força do hip hop de combate, o trio Opanijé já foi elogiado por Chuck D. (Public Enemy) e se firma como o grande nome do gênero na Bahia

Opanijé: Lázaro Erê, Rone Dum Dum e DJ Chiba. Foto: Filipe Cartaxo
Todo grito de povo oprimido / escravizado comove. Quando esse grito é emitido com sensibilidade artística sofisticada e consciência de sua origem e  história, transcende tudo e se torna a trilha sonora de revoluções.

É imbuído dessa sensibilidade  que trio soteropolitano de hip hop Opanijé surge no cenário: um grito que clama pela revolução, a frente da sua época e ancestral ao mesmo tempo.

O Opanijé vem com um discurso verbal e musical afiado como navalha – Panteras Negras da Soterópolis pós-derrocada da proverbial cortesia baiana, Public Enemy no terreiro.

A referência ao cultuado grupo norte-americano do rap combativo old school não é a toa.

Em junho do ano passado, o MC do Public Enemy, Chuck D., escreveu em sua conta de Twitter: “Excelente isso que o rap pelo mundo a fora tem feito, deixando o mainstream dos EUA parecerem ultrapassado”, seguido do link para o clipe da faixa Se Diz no You Tube (19.498 visualizações até domingo).

Formado em 2005 pelos irmãos Lázaro Erê e Rone Dum Dum com o DJ Chiba D, o Opanijé casa o hip hop de combate com as muitas tradições afro baianas de forma incrivelmente harmoniosa em seu primeiro CD autointitulado, lançado no início de 2014 pelo selo local Garimpo Música, em parceria com o Conexão Vivo (via Fazcultura) e o produtor baiano andré t.

O nome, Opanijé, é tanto um toque quanto uma dança sagrada do candomblé, além de uma sigla criada pelos rapazes: Organização Popular Africana Negros Invertendo o Jogo Excludente.

“Gostem ou não, o Opanijé é isso. Não estamos aqui para agradar a indústria ou seguir tendências. Somos o que somos”, reivindica Lázaro.



Esclarecimento é essencial

No disco, verdadeira joia da música baiana recente, o trio de discurso forte e trato cortês aborda as questões de sempre (racismo, exclusão, pobreza, violência, fome e até o machismo) com objetividade e virulência poucas vezes vista.

“Ser oprimido não tem poesia como você pensa/ Ideia neonazista que se alastra feito doença/ Pensaram que a gente iria assistir calado na defensiva/ Enquanto vocês transformam mães-pretas em mortas-vivas”, mandam os MCs, em Encruzilhada, faixa que abre o CD com arrepiante cântico para Exu.

Reunidos no estúdio de andré t, o  repórter quer saber o que diz o cântico.

Rone, simpático e circunspecto em seus trajes rituais, assovia e olha para o teto, como se não fosse com ele.

O repórter insiste. Rone ri e cede. “É um cântico que pede permissão para saudar a Exu. Exu diz que o canto é bom e permite. A voz que você ouve é de Mestre Erenilton, o maior alabê da Bahia. Por isso essa música abre o disco”, explica.

Opanijé, foto Antonio Terra
Crias tanto do cursinho do Instituto Cultural Steve Biko, quanto das reuniões do hip hop no Passeio Público, o trio representa no discurso e na postura, o ideal do negro esclarecido em uma cidade cuja burguesia “branca” ainda os vê não como um exemplo a seguir, e sim como ameaça ao status quo.

“Gostamos muito de ler e buscamos escrever bem. Na escola, eu fazia questão de só tirar 10 em Gramática”, diz Rone.

“Essa formação veio através do movimento negro, na sede da Unegro, aonde lemos muito Cuti Silva, Lande Onawale, Agostinho Neto e o próprio Steve Biko”, enumera.

“Teve uma professora, Edenice Santana, que nos incentivou muito. Ela e a galera do Unegro nos botaram para ler as biografias de Malcolm X, Martin Luther King etc”, conta Lázaro.

Esse nível de formação e consciência se traduz nas letras do grupo, rendendo trechos como este, da faixa A Cura: “Sociólogos, antropólogos sempre tentando explicar/ Médicos e até biólogos tentaram inferiorizar/ Eugenia não deu certo nem para quem acreditava”.

Outro dado importante para entender o Opanijé é que o trio teve contato com o hip hop em seu primeiro momento, quando o estilo ainda era, essencialmente, uma forma de expressão de contornos subversivos, e não trilha sonora para clipes “ostentação”.

“Comecei a ouvir rap na virada dos anos 1980 para os 90, com o LP Hip Hop Cultura de Rua (1988), que foi o primeiro do gênero produzido no Brasil”, conta o DJ Chiba.

“Depois foi Public Enemy, Run DMC, Beastie Boys. Isso mudou minha vida. Por que não era só a música, era estilo de vida, era politizado, falava de exclusão social, drogas etc”, acrescenta.

“Ô, saudade”, ri Lázaro.

“O curioso é que o público ligado em rap por aqui na época era o pessoal do rock. Hoje o rock local é que quase não tem público”, percebe andré t, atento ao papo.

Estrada longa

Soraia Oliveira, da Garimpo, conta que até 2007 já tinha ouvido falar no Opanijé, mas que não conhecia.
“Foi Chiba quem entregou um CD demo deles para Pedro, meu sócio. Pedro me disse que era demais e que devíamos ir ao show que ia ter no Pelourinho”, relata.

Depois do show, ela disse que tinha uma proposta para o trio. Levou um ano para se reunirem novamente.

“Mas só começamos a trabalhar mesmo em 2009. Em 2011 passamos no edital do Fazcultura para fazer o CD. Aí sugeri o andré t”, diz.

"Eu pedi referências do que eles queriam no som do disco, aí um dia Chiba veio aqui e me trouxe um HD com 30 gigabytes de música. Aí eu disse, 'pô, peraí, né'? ", ri andré.

"No começo do processo demorou um pouco para a gente se entender. Tivemos muitas reuniões só de conversa, em que não se gravou uma nota sequer", conta o produtor.


A produção do álbum levou mais dois anos, foi trabalhosa, burocrática (por conta da papelada para liberar os samplers utilizados) e envolveu um monte de convidados importantes, mas valeu a pena.

A questão dos samplers foi alvo de acalorados debates entre os músicos, o produtor e a empresária do selo. "Tivemos mil conversas sobre isso. 'Ah, fulano sampleou num sei quem e não deu em nada'. Sim, mas pode dar para você. Tem o selo, o cara manda um advogado bater lá", reflete andré.

"No fim, resolvemos substituir tudo o que fosse possível (com músicos tocando no estúdio, no lugar dos samplers) e acionamos Soraia para arrancar os cabelos e conseguir a liberação do que era imprescindível", relata.

"Teve gente que pediu para mandar um trecho, tipo vai que fulano virou evangélico, entende? Aí fomos enxugando o que dava. Acabou que tem coisa aí que ainda hoje estamos liberando, mas lançamos o CD assim mesmo. Aí botamos no encarte: 'Se alguém se sentir prejudicado com a utilização de sua música, por favor nos procure'", conta Soraia.

Coalhado de participações luxuosas, o CD do Opanijé conta com Ellen Oléria em Aqui Onde Estão; os rapers G.O.G., Aspri e Gomez na faixa Sangue de Angola e Gomez e X em O Que Eu Quiser; Orquestra Rumpilezz, em Deus que Dança; Robertinho Barreto (Baiana System), DJ Márcio Cannibal e Sereno Loquaz na faixa Vamuinvadi, Heider Soundcista em Encruzilhada; e o grande percussionsita e também alabê Gabi Guedes em diversas faixas.

Com passagens sempre elogiadas em vários palcos do Brasil, o Opanijé é uma das maiores promessas musicais da Bahia.


www.facebook.com/OpanijeOficial

Opanijé / Garimpo Música / R$ 22 (aqui) / www.garimpomusica.com.br


10 comentários:

Rodrigo Sputter disse...

Grande Chiba...amigão de longas datas...desde a época da saudosa coringa...curiosamente, a 1a vez que ouvi os caras, foi no woodstock favela, um festival de rock, isso nem lembro mais quando foi...tem anos...a galera do rap e do rock, no começo do rap aqui, era todas coligadas, amigas, ainda são, mas é interessante isso, sempre achei que tem tudo a ver uma coisa com a outra...as raízes musicais são as mesmas, creio que a galera da velha guarda do rap todas praticamente colavam nos shows de rock, muitos vieram do rock...que era (e é) uma música de resistÊncia na época...como o movimento punk aqui foi, muita gente do rap atualmente, era (é) punk, anarco punk, vide Robson Véio...rock, reggae, rap, entre outros sons, tem tudo a ver...não devia ser separado...aqui não é sp que se separam em guetos separatistas musicais...aqui é Salvador e todo mundo tá junto no mesmo barco, na mesma opressão, alguns mais, outros menos...tirando leite de pedra e fazendo o som, passando a idéia...contra tudo e todos...fazer uma música diferente da que é mostrada pela grande mídia local é tarefa árdua...tem que ter estômago pra continuar fazendo...

Rodrigo Sputter disse...

Grande Banda!
Falei tanto dos camaradas e da relação rock/rap local que esqueci de falar do som...
Espero que continuem fazendo o som que fazem e pq não viver disso?
viver da arte não e errado.
se vender pra fazer o que querem que façamos que é bizarro...tocar, produzir só pra isso...
Lázaro tb é camarada gente boa, o outro bróder saco pouco...mas Lázaro e Chiba, principalmente, são gente boa demais...e talentosos é claro...quase peguei o som deles no dia do disco lá na cultura, mas a namorada tinha que sair mais cedo, deveríamos ter ficado, pq o compromisso dela atrasou...peguei o show dos jónsons, "acústico", por sinal, muito bom...

Franchico disse...

RIP Dick Ayers.

http://omelete.uol.com.br/quadrinhos/dick-ayers-artista-de-sargento-fury-morre-aos-90-anos

Rodrigo Sputter disse...

é...todo mundo deixando esse planeta careta...e o pior...não tão deixando pessoas "a altura" e muitas das que tem talento, são engolidas pelo mundo, e não aparecem...poucas, como vc (lá ele) Chicão é que salvam essa cidade...jornalista que saca das cousas, que consome - no bom sentido - cultura, e vive e escreve do que gosta, embora trampo, seja sempre trampo...até viver num harém feminino deve dar trabalho e nem sempre dos bão...o que resta por aí são pseudo-babacas que acham q sacam pra caralho e num sabem de zorra nenhuma...que mundo vai restar-nos?

Franchico disse...

Possa crer, Sputter.

Esses caras são foda pra caralho - talento monstro.

E olha que quem tá falando aqui é um cara que deixou de ouvir rap há uns 20 anos....

Rodrigo Sputter disse...

na verdade Chico, eu tava falando das pessoas que estão indo embora desse planeta...e claro que existem talentos mil aí para serem descobertos e trampando...mas é dura essa tarefa...as vezes não ter $$ nem pra pegar o buzão pra ir ensaiar, tocar...ter um material decente pra fazer sua música...fora os problemas de relação entre as pessoas...enfim, nenhuma novidade...mas os nosso "heróis" estão indo embora...rapaz, vi ontem Macca comparando um embuste chamado one direction aos beatles, dizendo ele que é fan da banda...bom, nunca fui muito fan do macca mesmo, embora seja um dos mestres da música, amo Beatles, mas sempre achei macca um almofadinha...ehhehehehe...mas dessa vez ele passou dos limites...

Franchico disse...

Sim, claro!

É que meu comment foi em resposta aos seus dois primeiros, sobre o Opanijé....

Mas é isso, Sputter, meu sentimento hj é de desesperança absoluta em relação ao futuro, bicho.

Veja só quanta monstruosidade rolou só no último fim de semana: uma mulher inocente espancada até a morte pelos vizinhos por suspeita de bruxaria, um torcedor de futebol morto por uma privada arrancada de um banheiro público e atirada a esmo de 20 metros de altura, mais uma professora morta a tiros em Salvador (diante do filho de 4 anos), um outro morto (em Brasília) por um assaltante de 11 anos (que já tinha outros homicídios nas costas) e 200 garotas sequestradas da escola na Nigéria por muçulmanos fundamentalistas e vendidas por 12 dólares cada.

E depois venham me dizer que estamos em 2014.

2014 é o caralho. Estamos em 1014, em plena idade média, isso sim.

Não, eu não acredito nem um pouco em uma chance de redenção para esta humanidade.

Sim, eu sou um niilista. Só tento não pensar muito nisso para poder seguir em frente, trabalhando e produzindo para sobreviver.

Ernesto Ribeiro disse...

Curioso: todos os crimes abomináveis que você citou foram cometidos por pessoas religiosas --- no caso que destruiu mais vidas, foi cometido em nome de Deus: 300 meninas cristãs vendidas como ESCRAVAS por fanáticos de uma religião MEDIEVAL que ordena a escravidão e foi fundada por um traficante de escravos, Maomé.


Estamos em 1014 porque a "Era de Ouro" para ambas as religiões foi exatamente a Idade das Trevas.

Ernesto Ribeiro disse...

Quanto a ser um niilista:


Indica um mundo não feito de pólos opostos e inconciliáveis, mas de faces complementares de uma mesma—múltipla, mas única—realidade. Logo, bem e mal, angústia e prazer, são instâncias complementares da realidade - instâncias que se alternam eternamente. Como a realidade não tem objetivo, ou finalidade (pois se tivesse já a teria alcançado), a alternância nunca finda.


Na verdade, você não é um niilista. É um desiludido, como tantos cidadãos brasileiros conscientes.


EU é que sou niilista. Sempre fui desde os meus 13 anos, quando constatei que esse país de merda não tem jeito mesmo e que minha única vida já nasceu condenada a ser um desperdício. Confirmei que respondo por esse termo niilista aos 18 anos, quando estudava Filosofia, ao ler os clássicos de Ivan Turgueniev, Nietzsche e Emil Cioran.


Quanto a não pensar muito nisso para poder seguir em frente:


Por essa lógica, ser um niilista que "pensa muito nisso" implicaria em ficar PARALISADO.


Na verdade, não é nada disso.


O que nos paralisa seria a DEPRESSÃO causada pela descrença, desesperança, desespero, frustração e impotência diante do Mal dominante aqui no Inferno chamado Terceiro Mundo.


A melhor reação a isso é a FÚRIA.


"Raiva é uma energia."

(John Lydon)

Ernesto Ribeiro disse...

Sputter, infelizmente, o Paul Maccaco está certo, comparando um embuste chamado one direction aos Beatles --- OUTRO embuste, conforme as palavras do próprio John Lennon.

Como sempre, o buraco é MUITO mais embaixo.