Enquanto há quem só compartilhe ignorância e selvageria travestida de música, o primeiro Recôncavo Jazz Festival chega à Praça da Aclamação de Cachoeira com o lema “Compartilhando a boa música”.
Discussões estéreis e politicamente corretas sobre o que é ou não boa música à parte (de preferência, bem longe), o importante mesmo é que, além de trazer boas atrações locais e nacionais, o festival promove um encontro que promete ser histórico, botando no mesmo palco o saxofonista norte-americano Joshua Redman (leia sua entrevista abaixo) com o orgulho da casa, a Orkestra Rumpilezz.
Além do festival, eles se apresentam dia 22 no TCA, em São Paulo (dias 25 e 26) e Belo Horizonte (28).
ENTREVISTA: JOSHUA REDMAN
Como surgiu a parceria com Letieres Leite e a Orkestra Rumpilezz? Já tinha ouvido falar deles? O que achou do som?
Joshua Redman (photo by Siebe van Ineveld): A colaboração foi ideia do meu primo, (o norte-americano) Eric Taller (da produtora Ginga P.). Honestamente, acho que ainda não tinha ouvido falar muito, até que Eric me deu um CD e me falou muito animado sobre eles e sua música. Fiquei interessado numa possível colaboração com eles em algum momento. Devo admitir que sou meio ignorante em relação a música brasileira, quer dizer, conheço a música de algumas das suas lendas, mas não sou tão versado assim. É triste dizer, mas é que gostaria de saber mais. E estou ansioso pela viagem para aprender sobre a música daí, em particular, a tradição baiana e a música brasileira em geral. Tudo que já ouvi, eu adorei então gostaria de aprender amais. Logo da primeira vez que ouvi o CD (da Orkestra Rumpilezz) eu adorei. Achei muito original, com todos aqueles sopros e tambores, sem a seção rítmica tradicional com baixo, piano, guitarra, etc. Achei incrível a forma com que Letieres conseguiu produzir tanto lirismo, tanta melodia e conteúdo harmônico apenas com sopros, estou realmente impressionado com esses ritmos poderosos, é incrivel, é uma música incrivelmente sofisticada. E olha que, quando ouvi pela primeira vez algumas faixas, eu não conseguia sequer distinguir o tempo em que eles estavam tocando. Mas só a forma sofisticada com que os ritmos se entrecruzam... Aquilo realmente me tocou e eu sinto ali uma conexão verdadeira com a tradição da música africana. Quero muito tocar com eles em vários niveis, mas especialmente pela educação rítmica que vou angariar.
Você já veio ao Brasil antes, mas nunca à Bahia, estado com a maior população afrobrasileira e a maior influência africana sobre a cultura. O que espera encontrar, ver, ouvir, comer?
Bem, minhas expectativas são para ouvir, aprender, ter experiências, me divertir e, especialmente, fazer fortes conexões musicais e pessoais. Só quero estar aberto a grande música e ao povo, quero conhecer a boa comida, mas me tornei vegetariano recentemente, então não sei se poderei comer todas as opções da cozinha baiana. Só espero poder sair da experiência mais sábio e inspirado.
Às vezes, músicos como você e, digamos, (o pianista) Brad Melhdau trazem influências de outros gêneros ao jazz. Melhdau gravou Radiohead e você, Eric Clapton e Led Zeppelin. Isso é muito incomum?
JR: Não acho que seja incomum. Sim, eu e Brad somos mais abertos a gravar e tocar músicas fora da tradição do jazz desde o início, mas acho que, hoje, a maioria dos músicos de jazz tem a mente bem aberta. O jazz é uma música aberta, é parte da própria tradição do jazz estar aberto a influências de fora. É muito natural trazer músicas que crescemos ouvindo, de dentro ou de fora do jazz.
É que as vezes o jazz parece meio fechado numa concha...
JR: Não acho que fica na concha. Os músicos de jazz... alguns são muito focados no âmago da coisa, na tradição da linguagem. Eu acho que isso é ótimo, eles fazem um ótimo trabalho. E todo músico deve buscar o que é bom, natural, verdadeiro e honesto para si. Se é natural para você trabalhar apenas com a tradição do jazz, é o que você deve fazer para criar música com paixão. Mas se assim como eu, é natural para você olher para fora do jazz em busca de inspiração, então é isso que você deve fazer.
Você já tocou com uma lista classe A, indo dos Rolling Stones a B.B. King, de Herbie Hancock a Stevie Wonder. Tem alguém com que gostaria de tocar mas ainda não teve chance?
JR: Me sinto tão abençoado, tão sortudo na minha carreira, já que pude trabalhar com tantos grandes músicos, tanto mestres como esses que você mencionou, quanto muitos outros dentro do jazz, como Charlie Haden, meu pai, Dewey Redman, Milt Jackson, Clark Terry, Herbie Hancock, Roy Hinds, Pat Metheny, McCoy Tyner, Chick Corea, todos eles me deram a honra. Além da benção de tocar com grandes músicos da minha própria geração, como Brad Melhdau, Christian McBride, Brian Blade, Greg Hutchinson, Larry Goldings, Kevin Hayes, a lista é enorme. É por isso que eu toco, acho que não teria me tornado músico se não tivesse tido essas oportunidades, eu devo tudo a eles: apoio, incentivo, influência. Mas sim, claro, adoraria tocar com (o pianista) Keith Jarret, apear de saber que nunca vai acontecer, mas devo dizer. Mas sou muito grato por todas as oportunidades que já tive.
O jazz é um gênero musical nascido e criado nos Estados Unidos. Mas é lícito dizer que hoje, se trata de música universal, como blues ou rock?
JR: Sim, com certeza, jazz é uma música que é americana, especificamente de origem afro americana, mas com certeza se tornou uma música do mundo. A primeira parte da história do jazz, eu acho, é provavelmente a que teve os músicos, mais influentes e importantes – e eram afroamericanos ou americanos –, no sentido de desenvolver a linguagem. Agora o jazz se tornou uma música mundial, você encontra músicos de jazz literalmente em cada esquina do globo, eu acho isso maravilhoso. Nesse estágio de evolução, o jazz é agora interativo, coletivo e abarca tudo o que pode, diferentes perspectivas, diferentes conceitos.
Hoje há grandes músicos de jazz que jamais pisaram em Nova York, Nova Orleans ou Chicago. Como você vê esse fenômeno de desterritorialização? O que há de bom e de ruim nisso?
JR: Acho que é ótimo, é música mundial, a informação musical viaja tão rápido, é uma revolução tecnologia que a nova geração sofreu. Você não precisa ir até Nova York para ouvir grandes bandas de jazz nova iorquinas, põe na tela da internet e um segundo e ouve. Sim, é uma globalização do jazz que se acelerou muito, eu acho maravilhoso. A internet acelerou tudo. Em geral, acho muito bom. Há mais informação musical acessível instantaneamente para mais músicos. O aspecto negativo... eu acho que (o jazz) é, em algum nivel, uma música do povo e das comunidades, e que deveria ter mais algum... sentido de conexão com o seu lugar, em um sentido físico. O jazz é a música da cidade, da vila, da vizinhança, as pessoas tocam e ouvem juntas em um local. Eu acho que com todos os avanços na tecnologia, que são maravilhosos e permitem a tráfego de informações, não podemos perder de vista a importância que o jazz tem na existência em espaços físicos, no sentido de agregar pessoas em comunidade, para tocar e ouvir. É importante preservar isso, mesmo no meio de todos os avanços tecnológicos. O excesso de informação também pode gerar uma perda de foco. Lembro que, quando estava crescendo, significava tanto comprar um disco na loja. Você pegava aquele disco, botava para tocar, tinha uma relação física com o disco e a música. E agora tem tanta música – e tudo linka a outra coisa. Então, acho mais difícil as pessoas ouvirem música com foco e atenção, a consequência é ter menos profundidade. Mas acho que os músicos mais sérios e dedicados sabem como usar as ferramentas tecnológicas a seu favor.
Recôncavo Jazz Festival: programação
Dia 23 de agosto (quinta-feira): Filarmônica Minerva Cachoeirana (BA), - Joshua Redman (EUA) & Orkestra Rumpilezz (BA).
Dia 24 de agosto (sexta-feira): Filarmônica Lyra Ceciliana (BA), Saravá Jazz Bahia Sexteto (BA), Esdra Neném Ferreira (MG)
Dia 25 de agosto, sábado: Filarmônica 25 de Junho, Mondicá Trio (BA), Retro_Visor (BA, foto de Solange Valadão), Suíte para os Orixás (MG)
Apresentações solo: Além dos shows na Praça, preste atenção nas apresentações de músicos de rua nas esquinas
Master classes: Os músicos Ricardo Cheib, Mauro Rodrigues e Esdra Neném Ferreira vão ministrar master classes na Sede da Lyra Ceciliana.
Veja mais detalhes no www.reconcavojazz.com.br
Entrevista publicada no Caderno 2+ do jornal A Tarde, no dia 16.08.2012
Blog (que, nos seus primórdios, entre 2004-05, foi de um programa de rádio) sobre rock e cultura pop. Hoje é o blog de Chico Castro Jr., jornalista formado pela Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia. Atualmente, é repórter do Caderno 2+ do jornal A Tarde, no qual algumas das matérias vistas aqui foram anteriormente publicadas. Assina a coluna Coletânea, dedicada à música independente baiana. Nossa base é Salvador, Bahia, a cidade do axé, a cidade do terror.
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7 comentários:
sempre que esse papo de boa música ou música ruim aparece eu lembro do velho carcamano:
"O rock and roll é a mais brutal, feia, desesperada e maléfica forma de expressão que eu já tive o desprazer de ouvir. Ele é escrito e cantado por estúpidos cretinos, com reiterações imbecis e letras hipócritas, obscenas, realmente sujas (...) (o rock and roll) consegue ser o hino militar de todos os delinqüentes de costeletas sobre a face da Terra."
Frank Sinatra, em uma audição no Congresso dos EUA, 1958.
e lembrar que o jazz e o blues (e o country/hillbilly/bluegrass e etc), já foi som de malandro, outsider, matututo...pensando bem eu gosto de música ruim...
"I dig that goddamn Rock 'n' Roll/ That kinda stuff that don't save souls"
já diziam o Cramps...
RIP Scott McKenzie."San Francisco" eh uma das minhas musicas de rock favoritas,o hino de uma geracao de jovens maravilhosa q chutou o saco da caretice dos republicanos!Infelizmente a California ja ha algum tempo vem passando por um processo de retrocesso em todos os sentidos,na minha opiniao devido sobretudo a quantidade de mexicanos q existe no estado,povo completamente tacanha e atrasado.A nao liberacao do casamento gay e a recente proibicao da maconha medicinal sao as maiores provas disso.
RIP Tony Scott.
http://omelete.uol.com.br/cinema/diretor-tony-scott-se-suicida-aos-68-anos/
Ei, o cara dirigiu Top Gun, o filme mays gay de todos os tempos! Gênio!
Tô brincando, o cara dirigiu um punhado de porcarias, mas tb filmes legais, marcantes, como Fome de Viver, True Romance (esqueci o título brasileiro), Jogo de Espiões e o Sequestro do Metrô 123 (ok, ese último não tão marcante assim).
Começou pretensioso com a estética publicitária oitentista de Fome de Viver (cortinas esvoaçantes, pombos, fumaça e as emblemáticas e vagarosas hélices de ventilador lançando sombras na cena, tudo isso aliás, gostos que ele compartilhava com o irmão, Ridley), terminou como um bom diretor pipoca....
Não sabia que o Sott tinha filmado "amor a queima roupa" (true romance), na verdade não tinha me tocado...é um roteiro de tarantino...nunca vi fome de viver...vi pedaços, tem bowie, uma ponta de william dafoe...
e Old School vc acha mesmo que são os mexicanos atrasados?
ou vc fala de mexicanos norte americanos? gostaria de saber sua explicação...sobre a maconha acho que muito "xicano" deve incensar...e num levaria tão fé nos hippies assim não como vc disse...
http://soundcloud.com/retro_visor/sagrado
Não sou fã desse cara, mas isso que ele escreve aqui é verdade verdadeira:
http://www1.folha.uol.com.br/colunas/luizfelipeponde/1139800-basta.shtml
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