Nova Orleans é aqui – ou qualquer lugar em que ouvidos felizardos ouçam Locked Down (recém-lançado no Brasil), o novo e espetacular álbum do xamã, macumbeiro vudu, ex-cafetão, ex-viciado e veterano gênio da música, Dr. John (na foto de Lisa Houlgrave).
Para que fique claro logo de início: excetuando-se a remota possibilidade de um retorno dos Beatles (ou do Led Zeppelin), será este o disco a encabeçar as mais confiáveis listas de “Melhores Álbuns de 2012”.
Razões para isto não lhe faltam. Na ativa desde o final dos anos 1950, Malcolm John “Mac” Rebennack, Jr., o Dr. John, é criminosamente pouco conhecido no Brasil, mas na sua quebrada – o calorento e colorido sul dos Estados Unidos – é adorado e reconhecido como uma referência.
Sua música reflete como poucas a riqueza cultural daquela região e pode ser comparada a um prato tradicional da culinária cajun (descendentes dos colonizadores franceses da Louisianna), o gumbo: um cozidão picante que leva carnes, mariscos, legumes, arroz e embutidos.
No seu trabalho, o bom Doutor mistura, com a habilidade de quem conhece muito bem o seu quintal, elementos de blues, jazz, big bands, zydeco (som típico de N.O, de forte influência francesa), boogie woogie e rock.
Aos 13 anos, foi pupilo do lendário Professor Longhair (1918-1980), um dos pianistas que formataram o som de Nova Orleans.
Logo estava atuando como pianista e guitarrista, acompanhando ao vivo e em estúdio diversos artistas locais, como Frankie Ford, Joe Tex e o próprio Longhair.
A vida louca de Nova Orleans, contudo, era demais para alguém tão jovem e talentoso. Logo, estava injetando heroína na veia (vício que só largou em 1989) e pior, traficando.
Não parou por aí: chegou mesmo a gerenciar um bordel e até uma clínica de abortos ilegais. Destruiu bares em brigas, trocou tiro com a polícia e foi em cana.
Em 1965, saiu da cadeia e deixou a cidade em direção a Los Angeles.
E foi lá que Mac Rebennack, Jr. se tornou Dr. John (ao lado, na foto de Jim Marshall), persona que ele criou inspirado nos antigos medicine shows, charlatões fantasiados de índio que percorriam os Estados Unidos do século 19, início do século 20, vendendo frascos de remédios do tipo “cura-tudo”.
Após uma estreia arrasadora em 1968 com o clássico álbum Dr. John, Night Tripper: Gris Gris, engatou uma carreira estável, inluente e de relativo sucesso, com mais de duas dezenas de álbuns lançados desde então.
Megagumbo gourmet
O que nos traz de volta à 2012, quando o bom Doutor oferece aos nossos ouvidos mais um frasco de maravilhas curativas para a mediocridade reinante: Locked Down é uma sequência de dez socos direto no estômago à base de jams de funk, blues, jazz e rock, temperados com o afrobeat da hora e encimados por letras furiosas contra o governo, Wall Street, Ku Klux Klan, CIA e outras instâncias venenosas, entoadas na sua voz característica: anasalada e surrada.
Mais: tudo em Locked Down soa urgente, vibrante, agora. Aí entra a mão do produtor, ninguém menos que o jovem Dan Auerbach, guitarrista e vocalista de uma das melhores – senão a melhor – banda da atualidade, The Black Keys.
Aqui, Auerbach mostra todos os truques que aprendeu com Danger Mouse (produtor dos últimos três CDs dos BK) para fazer com que o som eminentemente vintage de Dr. John soe atual.
(Ao lado, Auerbach, o guitarrista Brian Olive e Dr, John no estúdio em Nashville, foto de Alysse Gafkjen).
A principal característica que fãs de longa data do Doutor vão notar aqui é que o homem deixou o piano – seu instrumento de preferência – de lado para rechear suas composições com os acordes psicodélicos providos por teclados Hammond e órgãos Fender Rhodes e Farfisa.
Adicione-se a isso as guitarras funky de Auerbach e Brian Olive, baixo acústico, flautas, sax barítono, percussões e os vocais das McCrary Sisters e o megagumbo do Doutor João está pronto para ser degustado.
Da entrada com Locked Down à sobremesa, com God’s Sure Good, um repasto para gourmet nenhum botar defeito.
Locked Down / Dr. John / Nonesuch - Warner / R$ 34,90 / www.nonesuch.com / www.nitetripper.com
Blog (que, nos seus primórdios, entre 2004-05, foi de um programa de rádio) sobre rock e cultura pop. Hoje é o blog de Chico Castro Jr., jornalista formado pela Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia. Atualmente, é repórter do Caderno 2+ do jornal A Tarde, no qual algumas das matérias vistas aqui foram anteriormente publicadas. Assina a coluna Coletânea, dedicada à música independente baiana. Nossa base é Salvador, Bahia, a cidade do axé, a cidade do terror.
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19 comentários:
Os bons tempos voltaram? Recruta Zero, Popeye, Riquinho e Gasparzinho todos de volta ao lugar de onde nunca deveriam ter saído, as bancas de revista:
http://www.universohq.com/quadrinhos/2012/n15082012_02.cfm
Só pra dar uma arejada.
Os Walking Dead podem começar a caminhar por telas mais extensas...
http://omelete.uol.com.br/walking-dead/series-e-tv/walking-dead-serie-pode-ganhar-um-longa-metragem/
Com o perdão do trocadalho péssimo...
A artista Jill Thompson (uma das muitas a trabalhar em Sandman) está vendendo artes conceituais do filme que não rolou.
http://omelete.uol.com.br/quadrinhos/sandman-confira-artes-conceituais-para-o-filme-que-nao-saiu/
900 dólares, tá baratinho....
O genial Steve Carell, aos 50 anos, no auge de uma carreira quase brilhante...
http://fernandaezabella.blogfolha.uol.com.br/2012/08/16/admiravel-mundo-novo-de-steve-carell/
Miguel Cordeiro
parabéns, maravilha de matéria, Chicão!! acrescentando que álbuns de Dr John foram lançados no Brasil no início dos anos 70, e o LP de 1972, Gumbo, repercutiu em terras tupiniquins, até mesmo boas vendagens nas lojas de discos de Salvador que ficavam localizadas no Edifício Fundação Politécnica, na Av. Sete. logo depois a música Right Place Wrong Time, do LP de 1973, foi um hit diário por vários meses nas rádios AM de Salvador - Rádio Cruzeiro e Rádio Bahia, e esta canção tocava direto nas festas da época. anos depois Dr John apareceu no filme The Last Waltz, do grupo The Band, estraçalhando com a interpretação de Such A Night. já em 1983, tive a oportunidade de assistir Mr. Mac Rebenneck no Lone Star Café, casa noturna de Nova York que ficava na Quinta Avenida, e aí pude comprovar o talento do cara num show recheado de boogie woogie e bourbon, para deleite do público formado por velhos roqueiros, cowboys urbanos e também a garotada ligada em punk, new wave e pós punk. durante toda sua carreira Dr John lançou trabalhos bacanas e se envolveu com músicos mais jovens, inclusive a turma dos ingleses do Supergrass. a lamentar apenas a impressão de que Dr John recebe destaque agora por ser produzido por integrantes do Black Keys, uma banda legalzinha, porém hypada em demasia. nada a reclamar, pois nunca é tarde para reconhecer este cara que é uma lenda viva do rock.
Amy Farrah Fowler, a "namorada" de Sheldon em Big Bang Theory, sofreu um acidente de carro e pode perder um dedo.
http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/1137974-atriz-de-the-big-bang-theory-sofre-acidente-de-carro-e-quase-perde-dedo.shtml
Minha vida acaba de perder o sentido!
Valeu, Miguel!
Mas deixa eu te dizer um negócio: acredito que vc leia este blog com certa regularidade, daí vc sabe que de hype eu tb tenho horror.
Só que, sinto lhe informar, no caso do Black Keys, o hype - que nem vejo tanto assim, pelo menos aqui no Brasil, que dirá em Salvador Shitty, lá fora é outra história - é plenamente justificado.
E se vc ouvir esse álbum todo, vai perceber como a produção do menino do BK foi FUN-DA-MEN-TAL na construção da sonoridade do disco.
Historinha: logo que recebi o disco, levei para casa para ouvir. Daqui a pouco minha senhora vem de lá do quarto e me pergunta: "É disco novo do Black Keys"?
Por aí vc tira do que esse cara, dessa banda supostamente hypada, é capaz.....
Brigadão pelo elogio e pelo relato da night novaiorquina. Adoro ouvir essas histórias. Abraço!
O senhor ou a senhora dona de casa tem aptidões atléticas? Sabe cantar? Sabe dançar? Sabe lutar kung fu? Sabe controlar um robô cor de rosa que luta kung fu? Não deixe de se candidatar a um papel no musical Yoshimi Battles The Pink Robots, baseado no maravilhoso álbum homônimo dos "um-dia-já-fomos-geniais" Flaming Lips!
http://www.spin.com/articles/meet-yoshimi-and-other-characters-from-the-flaming-lips-musical
Massa, Chicão!
Greetings from the blues city. Vou postando rapidinho só pra dar o toque que estaremos conferindo Dr. John em Nashville no evento gratuito Live On The Green dia 6 de setembro. O Black Keys vai estar num período de brecha da turnê então pode rolar uma participaçãozinha especial no show.
Depois te conto!
oi Chico.
beleza de post. gosto muito do Dr. John. menos os anos 90. tenho Gris-Gris em LP e cd. é inclassificável. não dá pra colocar em nenhuma categoria. nem ele mesmo conseguiu depois repetir totalmente aquele som. até porque, reza a lenda, que ele gravou às pressas numa sobra de tempo de uma sessão de estúdio de Sonny & Cher, aproveitando equipamentos, músicos, etc. e aí ficou aquela mistura de New Orleans com a psicodelia.
também gostei bastante do disco novo. mas achei mais próximo da produção dos anos 70 do próprio Dr. John do que do Black Keys. por sinal, não fosse de dezembro do ano passado, iria reivindicar o posto de melhor disco pra El Camino. mas acho que você anda muito agoniado com essa coisa de melhor do ano. há pouco tempo foram os Rockets nas HQs. pô, ainda tamos em julho! Led e Beatles duvido, mas o novo de Dylan vem aí!
abs,
Guido.
O baixista de Elton John se matou. Diz que foi logo depois dele receber o set list da turnê.
"O que? Nikita de novo? Nãããããooo"!!!
Bang!
http://content.usatoday.com/communities/entertainment/post/2012/08/bass-player-bob-birch-elton-john-band-member-dies-at-56/1
Massa, Daniels! Morando em Memphis, Dr. John e Alabama Shakes (entre outros) de graça... você e Bel é que são felizes, man! Volte sempre pra nos deixar com mais inveja!
Guidovski, esse negócio de lançar disco em dezembro não dá certo, esculhamba com as listas de Melhores do Ano...
Mas acho que vc esqueceu de arrancar uma folha do seu calendário, man! Já estamos em agosto!
Na verdade, não fico agoniado com essa coisa de melhores do ano, não! É só um truque vagabundo pra conferir mais impacto no texto... Caguei pros melehores do ano. É só uma forma um tanto clichê de dizer que uma coisa é espetacularmente boa..... Preciso é me livrar desses tiques jornalísticos de merda.
Pô, eu lembrei de corrigir de julho pra agosto logo depois. mas, pelo visto, a mensagem não passou pela moderação. só pra poder me dar uma esculhambada, né? ;-)
quanto aos melhores do ano, ainda vai ter o novo do ZZ Top produzido por Rick Rubin! será que sai por aqui?
Guido
Guidão, juro que só recebi aquela mensagem....
Desculpem pela heresia / imaturidade / ignorância (tudo junto), mas devo confessar que ZZ Top com Rick Rubin me deixa mais animado & curioso do que o Dylan novo.....
Pronto, Guidão, apareceu "o filme do ano"!
Cockneys versus Zombies!
http://www.bleedingcool.com/2012/08/16/win-a-pair-of-tickets-to-the-world-premiere-of-cockneys-vs-zombies/
Humor inglês e zumbis! O que pode ser melhor do que isso, senhor?
Disgusting!
Garth Ennis dá a sua palavra final sobre o que ele pensa de super-herois na edição final de The Boys:
http://www.bleedingcool.com/2012/08/16/the-boys-72-appears-to-be-garth-ennis-final-word-on-superheroes/
Resume-se a isso: flusssshhhh!
Download recomendado:
http://www.iguessimfloating.net/2012/08/mp3-night-panther-fever.html
"Feeeever!..."
Dr. Who, a série mais surtada da TV mundial. Basta uma olhadinha nas fotos da sétima temporada pra ver o quanto:
http://omelete.uol.com.br/doctor-who/series-e-tv/doctor-who-divulga-mais-fotos-da-setima-temporada/
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