Editora L&PM lança na sua coleção Pocket coletânea dos melhores trabalhos do cartunista Angeli em sua revista Chiclete com Banana, registro definitivo de uma época
Nos anos 80, quem não gostava da revista Chiclete com Banana (absolutamente nenhuma relação com a banda), bom sujeito não era. Ou então era membro do TFP, PFL, PT, PMDB, PC do B ou qualquer outra siglazinha maligna. Desde seu primeiro número, lançado em maio de 1985, a Chiclete imediatamente se tornou o refúgio de anarquistas, inconformados e desconfiados de todas as correntes.
Em cada uma de suas tiras, HQs ou artigos em texto, o cartunista Angeli destilava, com brilhante maestria e o humor agressivo que o tornou famoso, toda sua raiva e desprezo contra tudo o que o irritava: políticos, o rock brasileiro da época, empresários, tribos urbanas, jornalistas, socialites, medalhões da MPB, a classe média, economistas, farristas e por aí vai.
Parte da sua inesquecível (e incrivelmente atual) produção da época é agora resgatada pela coleção L&PM Pocket, da editora gaúcha homônima. Primeiro foi Rê Bordosa - Do começo ao fim, lançada no ano passado. No início do ano, saíram Os Broncos também amam, Walter Ego - O mais Walter dos Walters e ainda em abril sai E agora são cinzas.
Os Broncos também amam é uma coletânea de historietas, textos e artigos ilustrados onde o cartunista desfiava sua visão daqueles anos de Nova República. Sem contar com os personagens fixos da revista, como os imortais Bob Cuspe, Rê Bordosa ou Os Skrotinhos, Angeli preenchia páginas e páginas mensais com suas observações do cotidiano brasileiro a partir da sua vivência em uma São Paulo cinza, esfumaçada, poluída e habitada por uma fauna mais do que exótica.
CRÔNICA - Como destaca o jornalista baiano Gonçalo Júnior no prefácio da edição, "assim como os cronistas e aventureiros que relataram suas viagens pelo mundo entre os séculos XVI a XIX, esse artista paulistano registra suas impressões do caos de um período fundamental para a história brasileira nos últimos cinqüenta anos: a década de 1980".
A afirmação é corretíssima. Até mesmo jovens que não viveram a época podem ter uma boa idéia do que foram aqueles anos apenas lendo a Chiclete com Banana. Estão lá, devidamente esculachados, todos os tipinhos inúteis (definição do próprio Angeli) que pululavam alegre ou melancolicamente pelos becos, bares, redações e lares brasileiros.
Para quem era adolescente, tinha espinhas na cara e se sentia marginalizado na escola naquela segunda metade da década, era praticamente uma religião abrir aquela revista em preto & branco, impressa em papel jornal e se deparar com artigos do quilate de Somos todos idiotas.
Era a própria vingança dos inconformados: "Muitos pensam que não, mas no meio cultural também existem muitos idiotas. Alguns deles com livre trânsito pelos meios de comunicação. Acham-se donos da verdade e da razão. Escrevem bestessélers, cantam para grandes multidões, são críticos implacáveis e se levam muito a sério. Pronto! Taí a idiotice!".
Ou então: "Não existe idiota que não goste de mexer com mulher na rua, aparar o bigode, comprar carro do último tipo, escutar rock carioca, grudar em gente famosa, falar alto em festas, namorar mulher mais alta, achar-se um sujeito genial, ler coluna social e, principalmente, fingir que não é tão idiota assim", estocava, com a precisão de um mosqueteiro dos infernos.
TURFE - Como se vê, a classe média, com sua eterna mania de grandeza e mentalidade tacanha, era um dos principais alvos do cartunista. Na historieta Todo homem tem direito a um peru, ele registrava a franca decadência econômica da burguesia na ressaca do Plano Cruzado.
No Natal do cidadão médio, não havia mais castanhas, nozes, presentes ou árvore decorada, mas (como todo idiota) ele insistia acreditando no Papai Noel.
Cartunista do jornal Folha de São Paulo desde aquela época, Angeli tinha na chamada intelligentsia paulista, representada principalmente pelos jornalistas Paulo Francis, Matinas Suzuki e Pepe Escobar, outro alvo preferencial para seus mísseis humorísticos.
Francis era o modelo - e também a obsessão - do personagem Benevides Paixão, um repórter medíocre que mofou durante anos na coluna de turfe, mas que sonhava em se mandar para o exterior e posar de colunista influente: "Odeio cavalos. Meu talento está acima de qualquer pangaré. É impossível a redação do jornal não reconhecer isso, porra! Não agüento mais bauru com Coca-Cola nesse sujinho aqui ao lado da redação. Meu negócio é Nova Iorque. O diretor do jornal prometeu pensar numa transferência. Estou ansioso", escrevia o iludido colunista de turfe em seu diário.
Segundo Gonçalo Júnior, esse personagem fez tanto sucesso, que virou até nome do Centro Acadêmico da Faculdade de Jornalismo da PUC-SP, tal era sua identificação com as primas-donas da Folha.
O rock 'n' roll posudo e colorido dos anos 80 também levava bordoada direto. Ora era o clima fútil das danceterias, como na genial historieta The Fate of mankind ("Berlim puro!") que era impiedosamente dissecado e ridicularizado, ora era a absorção do rock em si pela sociedade careta, como na sequência de charges A onda agora é esse tal de rock 'n' roll.
Numa das mais engraçadas, Angeli denuncia a mercantilização do estilo a partir da figura de três investidores da Bolsa de Valores. "Eu aplico no Open", diz o primeiro. "Eu, no Over", fala o segundo. "E eu, no rock!", arremata o terceiro.
Catalisador - Com seu humor inteligente e ao mesmo tempo acessível, direto e incisivo, Angeli fez escola, abrindo caminho para sua própria geração e influenciando decisivamente a leva seguinte de cartunistas e quadrinistas brasileiros.
Pouco depois da Chiclete com Banana, foram lançadas nas bancas as revistas Circo, Geraldão e Piratas do Tietê, sendo as duas últimas, dos colegas Glauco e Laerte, hoje tão medalhões do humor gráfico e urbano quanto o próprio Angeli. Na década seguinte, surgiriam nomes como Adão Iturrusgarai e Alan Sieber, clara e declaradamente influenciados pelo paulistano eternamente em crise.
Adão foi tão puxa-saco (no bom sentido) do trio, que acabou convidado para se integrar ao grupo Los Tres Amigos, o grupo de pistoleiros mexicanos formado por Angeli, Glauco e Laerte, em diversas HQs criadas coletivamente.
Hoje, vista com a perspectiva de vinte anos passados, é possível dizer que a Chiclete com Banana foi para os anos 80 o que o Pasquim foi para os 70: o último refúgio da sensatez, o centro do inconformismo, o último bastião do jornalismo descomprometido com a notícia, mas comprometido com a crônica do seu próprio tempo. O squat definitivo dos outsiders. Sem Angeli, os anos 80 teriam sido ainda piores, muito piores.
Matéria publicada no jornal A Tarde de 7 de abril de 2007. Texto sem a edição do jornal.
16 comentários:
Retificação: chamar o Pasquim de "último refúgio da sensatez" (ou algo parecido) foi um pouquinho demais. Desculpem, eu realmente me excedi, me entusiasmei. A Chiclete com Banana me tira do sério desde o número 1. Vejam bem, eu só tinha 13 anos e era um marginalzinho de merda num colégiozinho religioso de merda, então, eu sou suspeito.
Depois do Eric Carr, mais da família Kiss bate as botas.
http://br.noticias.yahoo.com/s/reuters/070408/entretenimento/cultura_gente_morte_kiss_pol
Pelo menos não foi ninguém ainda da formação clássica...
Sora, we are not pendurado, ainda.E Chicao, seus textos na Tarde estao sensacionais, este sobre o revista Chiclete com Banana consegue traduzir muito daquele momento.
Valeu, Bramis, Sora. Pena que minha festinha já tem data pra acabar, no dia 31 próximo...
Papo matador entre Cebola e Miguel Cordeiro no blog de Miguel.Dois vermes do rock juntos.E Cebleuris, Hold Steady è Springsteen revisitado.
o link do blog de miguel è : http://www.miguelcordeiroarquivos.blogger.com.br/
podes crer, Brama, é muito, mas não só, certamente, e vai ver é por isso mesmo que gostei tanto.
PUTAQUEPARIUPUTAQUEPARIUPUTAQUEPARIU!!!!!::
http://www.youtube.com/watch?v=_jmIYyskDM8
Onion News:
nasceu agora a pouco Gabriel, filho do baterista e dublê de pin up, Dantas, e Márcia!! sorte e rock pra Gabriel!!
Pô, muito bom aquele vídeo do Dr. Feelgood, Onions! Grande banda!
Creindeuspai!
è isso Cebleuris. O Feelgood foi uma banda fundamental pro punk.Muito se fala da estetica nova-iorquina, o visual de Richard Hell, o down to basics dos Ramones, mas, os riffs de Wilko Johson foram tão fundamentais quanto, tinha um "edge", que johnny ramone não tinha. Alem dos Feelgood's terem dois discos imbativeis: Down By The Jetty, e Malpractice.
ainda a rifarama de Wilko Johnson na extraordinaria She does it right.
http://www.youtube.com/watch?v=rViBFgjChH0&mode=related&search=
Pueblo, baixei um vídeo de 28 minutos do dr feelgood em 75, ao vivo, que é absolutamnete absurdo de bom. os que já viram aqui em casa ( Candido, Marcio, Batata, Yara, os casca, etc...), todos, ficaram de cara com tanta brutalidade live!! Lee Brileux É possuído, e sua indumentária faz parecer q os terninhos dos cachorro grande acabaram de sair da lavanderia, além de ter uma puta de uma voz, uma puta presença e tocar uma gaita do caralho! A não-coreografia de mr. Wilko Johnson e mr. John B. Sparks são um hilariante capítulo à parte!! Por Deus, vou fazer um bem à humanidade e copiar pra quem quiser! Pidam-me e vos atenderei!!( mídia na mão, héim, galera?)
felicidades ao trio: dantas, márcia e gabriel!
"SERES HUMANOS COM DEFEITO DE FABRICAÇÃO". Essa é a definição perfeita dos personagens de Angeli. Tipinhos típicos de São paulo, a mais urbana e industrial cidade do Terceiro Mundo.
Bob Cuspe, Rê Bordosa, Walter Ego, tipos pós-tudo, a modernidade da urbanidade.
1985-1991; no colégio 2 de Julho, eu e meu comparsa Emerson Cabelo éramos os ÚNICOS (por isso andávamos sempre juntos) a gostar de tudo isso ao memso tempo: PUNK ROCK, HEAVY METAL, ROCKABILLY, CAMISA DE VENUS, a revista CHICLETE COM BANANA e a loja de discos NOT DEAD (o antro dos punks de Soterópolis, para onde marchávamos por meia hora toda tarde ao sair do colégio).
Eu e Cabelo perdemos a conta de quantos dias passávamos fome, ao economizarmos o dinheiro da merenda escolar para comprar discos de rock e a revista Chiclete Com Banana. Tenho a coleção completa.
Nossos mestres eram Marcelo Nova na música e Angeli nos quadrinhos. Ambos de preto e óculos escuros. Bob Cuspe cantando "Eu Não Matei Joana D'arc" e Marcelo Nova do Camisa de Venus sendo comparado ao próprio Bob Cuspe. Tudo a ver. Era uma cultura completa.
Bons tempos aqueles.
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