Em 1967, um disco transformou o rock em grande arte
Essa semana, uma notícia agitou os fãs dos Beatles: deu no jornal The Times que, em comemoração aos 40 anos de lançamento do disco Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band (1967), uma seleção de bandas do novo rock britânico se reunirá no estúdio Abbey Road para regravar o LP, nos mesmos equipamentos analógicos em que o disco foi gravado.
Bandas como Oasis, The Killers, Razorlight, Travis e Kaiser Chiefs, entre outras, serão supervisionadas pelo mesmo Geoff Emerick que foi o engenheiro de som do LP original, lançado no dia 1º de junho de 1967.
Naquele ano, após quatro meses de "laboratório" nos estúdios da EMI em Abbey Road, Sargeant Pepper's caiu como uma bomba - não apenas na sociedade inglesa, mas no mundo inteiro.
ENCONTRO COM BOB - Tudo começou em Nova Iorque, em 1964, quando os Beatles se encontraram com Bob Dylan.
Já existia uma admiração mútua entre eles. Dylan, um músico essencialmente acústico, admirava as guitarras estridentes dos Beatles. Já estes últimos - especialmente John Lennon - admiravam as letras irônicas e socialmente conscientes de Dylan.
Quando foram a Nova Iorque, Lennon pediu ao jornalista Al Aronowitz que o apresentasse a Dylan. Este encontrou-os no Hotel Delmonico, e foi logo oferecendo um cigarro de maconha aos Beatles, que até então só usavam anfetaminas para virar as noites tocando nos shows e consideravam maconha coisa pesada, restrita a vagabundos e músicos de jazz.
Dylan riu e acendeu o tal cigarro, passando-o para Lennon, que passou para Ringo Starr, que fumou tudo sozinho. Mais cigarros foram enrolados, muitas risadas ecoaram pelos corredores do Delmonico e muitas idéias foram trocadas naquela noite.
Depois deste encontro lendário, Dylan adotou a guitarra elétrica, gerando álbuns fundamentais como Highway 61 Revisited (1965) e Blonde on Blonde (1966). Já os Beatles começaram ali a abandonar o iê iê iê e os terninhos pretos, partindo para caminhos totalmente diferentes e revolucionários, gerando álbuns como Rubber Soul (1965) e Revolver (1966).
Revolução que culminaria no mais ousado e extraordinário disco de todos os tempos: Sargeant Pepper's Lonely Hearts Club Band (1967), o LP que transformou o rock, até então considerado um gênero menor, em "grande arte".
CORETO - Em 1966, os Beatles estavam exaustos. E de basicamente tudo: das fãs histéricas que não paravam de gritar e sequer ouviam a música, da agenda lotada de apresentações, da correria, das músicas ingênuas do início da carreira.
Era hora de mudar, ou então seria o fim. Inspirado em uma bandinha de coreto, Paul McCartney surgiu, no final de 1966, com a música que seria o título do álbum, e foi logo sugerindo ao maestro George Martin, que produzia os discos dos Beatles desde seus primórdios, que fizessem um LP inteiro como se eles fossem a própria banda do Sargento Pimenta.
Martin se espantou com a proposta inusitada, mas encarou o desafio.
SWINGIN' LONDON - É preciso lembrar que, naquela altura, Londres era um verdadeiro caleidoscópio de criatividade em praticamente todas as áreas, sendo aquele período lembrado até hoje como Swingin' London.
A transgressão estava em toda parte: nas minissaias de Mary Quant, no movimento Free Cinema de Lindsay Anderson (If...) e Tony Richardson (A Taste of Honey) e nas figuras loucas que circulavam pela Carnaby Street, centro da psicodelia e de uma intensa vida noturna.
Era a época dos Animals de Eric Burdon e do Pink Floyd de Syd Barret, entre muitas outras bandas que marcaram a época. Londres respirava psicodelia nos clubes, ruas e parques.
Ainda assim e apesar de tudo isso, a capital inglesa ainda tinha características comuns à qualquer província, como uma classe média careta que achava tudo aquilo um absurdo - e as bandas de coreto que inspiraram Paul McCartney.
Todo esse momento histórico e suas contradições foram traduzidos pelos Beatles em Sargeant Peppers.
BARÔMETRO - Quando o disco foi lançado, foi um assombro geral. Nunca se tinha visto nada como aquilo. Era rock misturado com vaudeville, instrumentos indianos e cravos renascentistas, que por sua vez, faziam a cama para as orquestrações que evocavam um clima circense.
Tudo isso embalado por uma promiscuidade de geniais truques de estúdio engendrados por George Martin e Geoff Emerick, que sobrepunham tapes em reverso e interligavam gravadores, tudo para dar conta da criatividade desembestada dos Fab Four, então deslumbrados com as possibilidades do LSD.
O mais surpreendente é que, no fim, toda essa orgia sonora fez sentido - como nenhum outro disco até então fizera antes.
Na época, as letras foram consideradas pelo jornal The Times como um "barômetro dos nossos tempos". Um exemplo era a comovente She's Leaving Home, onde um casal de meia idade lamentava a fuga de sua única filha de casa: "O pai ronca enquanto a mãe veste o robe / e pega a carta ali jogada / Em pé sozinha, no alto da escada / ela desaba e grita 'papai, nosso bebê foi embora! / Como ela pôde ter agido tão impulsivamente / como ela pôde ter feito isso comigo?'".
Era ao mesmo tempo uma crônica do dia-a-dia e uma metáfora para a própria trajetória dos Beatles, que em breve deixariam a EMI para criar sua própria gravadora, a Apple.
Na capa do artista Peter Blake, igualmente genial, os Beatles posam em trajes de bandinha de coreto, em meio à diversas personalidades como Oscar Wilde, Bette Davis, W.C. Fields e Aleister Crowley, entre muitos outros.
Ópera - Existem muitas outras interpretações, histórias e anedotas que cercam esse monumento da música, coisa para encher uma enciclopédia.
"Sgt. Pepper's me soa como uma ópera psicodélica, com abertura, final e um coda" (seção conclusiva de uma composição), observa Sérgio Cebola Martinez, baixista da banda Berlinda e beatlemaníaco desde os cinco anos.
Outra autoridade local em Beatles, Fábio Cascadura, vai além e define o disco como "um divisor de águas. Não só o rock, mas a própria cultura ocidental se divide entre antes e depois de Sgt. Peppers. Ele não vai deixar de ser moderno nunca", arremata.
Matéria publicada no jornal A Tarde de 14 de abril de 2007. Texto sem a edição do jornal.
Blog (que, nos seus primórdios, entre 2004-05, foi de um programa de rádio) sobre rock e cultura pop. Hoje é o blog de Chico Castro Jr., jornalista formado pela Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia. Atualmente, é repórter do Caderno 2+ do jornal A Tarde, no qual algumas das matérias vistas aqui foram anteriormente publicadas. Assina a coluna Coletânea, dedicada à música independente baiana. Nossa base é Salvador, Bahia, a cidade do axé, a cidade do terror.
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7 comentários:
Puxa, o Jabor é tão esperto, né? Tão ético! Tão... babaca!
http://www.gazetadosul.com.br/default.php?arquivo=_noticia.php&intIdConteudo=73005&intIdEdicao=1129
Chico, meu velho, parabéns pela matéria, essa é pra guardar e as porra! Parafraseando aquela cançao: you´re getting better all the time, man!
Quanto à Jabor...você ainda perde tempo com essa figura?
Theatro de Séraphin, cenas dos próximos capítulos:
http://pocketradio.podomatic.com/
Esse disquinho tb foi um dos responsáveis pela pirada geral no outro gênio da época, Brian Wilson, que depois de ter feito sua obra prima, Pet Sounds, de 66, a viu ser superada pelos ingleses sem dó nem compaixão. A diferença é que enquanto com os Beatles, havia, Paul, John, George Harrison, George Martin e, também, é claro, o pequeno Ringo, com os Beach Boys, a criação era por conta de Brian, e só ele. Aí ficou foda.
Opa, voltamos. Não tenho a menor idéia ainda do que aconteceu. Mas alguma coisa ainda está estranha. Tentei postar umas micro-resenhas e até agora, nada delas aparecerem.
Cebolitos, obrigado. Eu tive bons mestres...
hoje(terça) tem camisa de venus na mtv as 8:30 no jornal da mtv.
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