Paulo: maior compositor erudito vivo e motivo de orgulho para a Bahia |
Referência da música de concerto baiana, o professor da Universidade Federal da Bahia (Ufba)
Hoje, amanhã e depois, a Orquestra do Estado de São Paulo (Osesp) executa peça de sua autoria.
Intitulada Cabinda: Nós Somos Pretos, a obra foi encomendada a Lima
pela própria Osesp e será executada na Sala São Paulo, uma das melhores salas de concerto do mundo, sob a regência da premiada nova-iorquina Marin Alsop, titular da Osesp desde 2012.
Membro da Academia Brasileira de Música, Paulo conta que recebeu a
encomenda para a Osesp em abril de 2014.
“O convite foi do diretor artístico
Arthur Nestrovski e da Marin Alsop. A demanda é que
fosse uma obra ao mesmo tempo brasileira e contemporânea”.
“Mas não se trata de nacionalismo ou coisa do gênero, mas do lugar
de fala, que deixa marcas no discurso”, diz.
A majestosa Sala São Paulo. Foto site Osesp |
Requisitado, Paulo só pôde se dedicar à composição da encomenda
meses depois do pedido, pois além dos afazeres usuais do professor, ainda teve
de concluir outra obra para o Prêmio Funarte de Composição Clássica, a ser
apresentada na XXI Bienal de Música Brasileira Contemporânea.
“Mas a partir de outubro do ano passado passei a trabalhar
intensamente na encomenda da Osesp. Foram cinco meses de trabalho pesado”,
afirma.
Tradição baiana
“Fazer uma obra sinfônica não é brincadeira, não. São 50 páginas de partitura, cada uma com 25 cliques (escolha de notas. No computador, cada nota é um clique). No total, são mais de dez mil cliques, ou seja, dez mil escolhas”, diz.
Esteticamente, Paulo segue a tradição da escola baiana estabelecida
há mais de 50 anos na Ufba.
“Sempre fui muito cativado pela economia de meios da
tradição ocidental e africana, um tipo de minimalismo que está em Mozart e
Brahms, mas também em Caymmi e nos ritmos africanos, no qual você desenvolve uma
ideia ao máximo, com um mínimo de elementos”, explica.
“Mas nessa peça eu fiz isso de uma maneira torta. É um painel de referências negras. Já fiz outras obras em que ela vem toda de uma referência, como Pega Essa Nega e Cheira ou Bahia Concerto. No caso de Cabinda, o trabalho da peça é justamente entrelaçar essas referências de forma que não permita ao ouvinte dissocia-las, criar um todo no qual as referências acontecem de maneira orgânica.
Usei uma
técnica que é uma espécie de tecido conjuntivo, ligando uma ideia a outra em
ciclos de intervalos crescentes e decrescentes”, explica.
Marin Alsop rege a Osesp. Foto site Osesp |
"Acabei com uma ideia de gamela onde cabem muitas coisas, uma metáfora ou alegoria da sociedade brasileira. Você ouve com igual organicidade os ambientes e as texturas de referência, sem que soe como colagem. Isso é que é desafio e ontem no ensaio com a Osesp eu vi que funcionou, que tudo o que eu planejei, saiu como eu queria. E foi apenas o primeiro ensaio", comemora Paulo.
"Já o titulo vem do maculelê, do grito 'Nós somos pretos' da Cabinda de Luanda (capital da Angola). Vem de uma noção de que, na verdade, a África é que colonizou o Brasil. Tem um musicólogo amigo meu, Gerard Behague, já falecido, era professor da Universidade do Texas, ele uma vez disse que a África civilizou o Brasil pela ética e pela estética. Somos alfabetizados pela estética do ritmo. Quem não sabe ritmo na Bahia é uma espécie de analfabeto. E a ética é tao importante quanto, por que os dominadores não podem nos ensinar ética, e sim os dominados, é a ética através da construção de sua emancipação. Esse sentido dialético ressoou forte em mim e essa peça um reconhecimento disso. Está lá no Maculelê, que ocupa a parte central da obra", detalha.
“Os baianos eruditos trabalham muito com isso desde os anos 1960
até hoje, com o movimento da OCA (Oficina de Composição Agora). Aliás, a Bahia é
o único lugar do Brasil que tem 50 anos de uma tradição erudita, um movimento
contínuo, que passa de uma geração para outra”, afirma.
OCA: Paulo, Espinheira, Túlio, Joélio, Porchat, Guilherme, Lia e Paulo Rios |
"Em Salvador ainda não temos convite, mas ainda ouviremos, assim que Osba puder superar alguns problemas, pois está faltando músico na Orquestra, o velho problema. O problema é os gestores públicos não entendem que isso não é gasto: é investimento. Nossas orquestras de referência, Osba e Osufba, vivem nessa luta", lamenta.
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