quarta-feira, novembro 27, 2013

PERFIL: ANTONIO CEDRAZ

Mais premiado quadrinista baiano, consagrado Mestre do Quadrinho Brasileiro (Prêmio Angelo Agostini), Antonio Cedraz pulou a fogueira do câncer e agora anuncia a volta do personagem que lhe deu fama: Xaxado e sua turma ganham tiras inéditas e desenho animado em 2014 

Antonio Cedraz e o mandacaru que tem em casa. Foto: CCJr.
Aos 68 anos, o cartunista baiano Antonio Cedraz está começando tudo de novo. E felicíssimo por isso.

Sertanejo forte danado, passou os últimos cinco anos travando uma luta feroz contra um câncer que começou no reto, passou para o intestino e chegou ao fígado.

Mas agora, depois de longo tratamento que incluiu radioterapia e um par de cirurgias, garante, está livre: “Agora é só acompanhar direitinho, periodicamente”, sorri.

“Uma doença dessas é uma prova e tanto. Minha vida sempre foi de luta e sonho. E nesse período eu descobri tanta coisa boa em minha vida. A lição que ficou foi a fé em Deus, que não pode esmorecer nunca. E o apoio da família e dos amigos. Só assim para um tratamento desses dar certo”, ensina Cedraz.

Nascido em Miguel Calmon (a 360 quilômetros de Salvador), distrito de Jacobina, cidade aonde foi criado, Cedraz é, muito provavelmente, o mais importante e premiado quadrinista da região Nordeste (exceção feita ao paraibano Mike Deodato, que desenha para a Marvel e é adorado nos EUA, mas aí é outro papo).

Seis vezes ganhador do Troféu HQMix, a mais importante premiação dos quadrinhos brasileiros, Cedraz é o criador da Turma do Xaxado – que para olhares menos atentos, poderia parecer uma mera adaptação nordestina da Turma da Mônica.

Uma segunda olhada, contudo, mostra uma criação que derruba qualquer tipo de suspeita. Terna e mordaz, a verve demonstrada em cada uma de suas tiras pode ser lida em dois níveis: a infantil, sempre com uma piadinha divertida. E a adulta, com forte conteúdo de crítica social, especialmente relativa às questões nordestinas.

Com a produção de tiras interrompida desde que descobriu que estava doente, Xaxado terá uma volta triunfal em 2014, com a retomada da produção de material inédito e até uma série de desenhos animados.

“O Xaxado sempre me surpreende”, diz Cedraz, sem esconder o entusiasmo do pai orgulhoso pela cria.

“Agora a Candida Liberato (produtora do animador baiano Chico Liberato) está produzindo 26 episódios de um minuto, para serem exibidos na TVE e na TV Brasil. Ainda não sei para quando”, afirma.

“E ano que vem vamos produzir tiras inéditas. Eu mesmo vou produzir algumas,  e outras, eu terceirizo”, conta Cedraz.

Isto não é um chapéu

Criado em 1998 a pedido do jornalista Sérgio Matos, então editor do caderno Municípios (hoje extinto) em A TARDE, o Xaxado foi um vencedor desde o início.

“Sérgio gostou na hora. Imediatamente após a publicação, comecei a receber cartas, telefonemas e emails de toda a Bahia”, diz.

Basicamente, um menino com chapéu de cangaceiro, Xaxado nasceu da preocupação de Cedraz em valorizar  a cultura brasileira.

“O Xaxado é um quadrinho tipicamente brasileiro. Um dos poucos”, acredita.

“O chapéu para mim simboliza o Nordeste. Aí criei uma história em que Xaxado ganhava do seu avô o chapéu, que ele recebeu do próprio Lampião”, conta.

Animado, Cedraz viu a ótima recepção para o personagem e sua turma como uma deixa para abrir seu próprio estúdio.

“Éramos eu, Tom Figueiredo (roteiros) e Sidney Falcão (desenhos). Depois veio o Vitor Souza (cores). Os Três Mosqueteiros, que como manda a tradição, são quatro. No caso, o D'Artagnan era eu mesmo”, diverte-se.

O personagem era tão querido na redação do jornal que gerou até disputa. “Eu tinha outro para mostrar à Susana Varjão (então editora do Caderno 2), mas ela disse que só queria ‘o cangaceirinho’. Aí tive que criar outro personagem para o Sérgio: Gabola, um malandro”, relata Cedraz.

No ano seguinte, 1999, Cedraz lançou a primeira coletânea de tiras do Xaxado na Bienal do Livro da Bahia.

“O livrinho concorreu ao HQMix de cara. E ganhou! Foi um orgulho duplo, por que além de ganhar o  prêmio, eu estava entre meus ídolos, que são o Maurício de Souza e o Ziraldo. Aí deslanchou”, relata.

Depois desse, Cedraz ganhou mais cinco trofeus HQMIx, sua obra se tornou objeto de estudo acadêmico dentro e fora do Brasil, Xaxado ainda é republicado no Caderno 2+ d’A TARDE e em jornais de Minas Gerais, Pernambuco, Ceará e São Paulo, além de aparecer em uma edição da revista francesa La Bouche du Monde.

E mais: em 2008, o FIQ (Festival Internacional de Quadrinhos), de Belo Horizonte, um dos principais eventos da área do Brasil, fez uma grande homenagem a Cedraz.

“Eles fizeram estátuas em tamanho natural dos personagens do livro Lendas e Mistérios (um dos premiados com o HQMix), além de uma exposição de tiras em tamanho grande e em Braille, foi bonito demais”, conta Cedraz.

Na semana passada Há algumas semanas, a primeira edição da Fliquinha (setor infantil da Festa Literária de Cachoeira), teve em Cedraz seu primeiro grande homenageado.

“No início, editora nenhuma queria publicar Xaxado. Hoje, os livrinhos infantis e HQs do Xaxado são publicados por quatro editoras diferentes do Brasil”, afirma.

Todo  herói tem sua Origem

Nada mal para quem começou desenhando por diletantismo, ainda nos anos 1960.

“Meu pai era de Conceição do Coité. Ele era tropeiro, ou seja: andava pelo sertão com uma tropa de dez burros e saía vendendo mercadorias de lugar em lugar”, relata Cedraz.

“Um dia, ele chegou no engenho do meu avô materno em Miguel Calmon, para comprar rapadura. Como a rapadura não estava pronta, ele teve de esperar três dias. Nesse meio tempo, conheceu a filha do dono, minha mãe”, conta.

O menino Cedraz, nascido algum tempo depois desse encontro, cresceu amando ler as revistas em quadrinhos da EBAL (Editora Brasil-América) e os cordeis de mestres do sertão, como Rodolfo Coelho Cavalcanti, além dos clássicos da literatura universal.

“Aos 16 anos, encontrei um rapaz de Jacobina, Uílson Miranda, desenhando na porta de uma livraria. Nunca tinha visto ninguém desenhando na minha frente, imagine. Adorei os desenhos dele e me perguntei se seria capaz também. Comprei lápis e papel, fiz meus desenhos e fui mostrar para Uílson. Ele disse que estavam melhores do que os dele, mas acho que foi só para me incentivar. Mas deu certo, por quer não parei mais”, ri Cedraz.

Logo Cedraz estava criando historinhas e pendurando no mural da escola. Com a cobrança dos colegas por mais histórias, Cedraz teve a ideia de mandar para o jornal A TARDE, “aos cuidados da página Criança, editada pelo Adroaldo Ribeiro Costa,  que foi meu grande incentivador”, cita.

O personagem Lubio foi seu primeiro personagem publicado em A TARDE. “Quando eu vi que ele tinha publicado, mandava mais três ou quatro. Peguei e mandei também para uma editora de São Paulo, a Edrel, que publicava revistinhas de piadas e cartuns. Eu era ousado. Aonde eu via que tinha jornal, revista, editora, eu mandava meu material”, conta.

Funcionário do Banco Econômico, nunca parou de desenhar e criar nas horas vagas.

Nos anos 1970, era o principal cartunista do Joba, suplemento infantil do Jornal da Bahia e criou o personagem Joinha, seu primeiro sucesso.

“O Joba marcou muita gente. E o Joinha está na gaveta, esperando para ser republicado”, diz.

 Com as graphic novels de Mauricio de Souza fazendo um baita sucesso, a pergunta que encerra essa matéria não poderia ser outra: ideias para alguma HQ adulta?

“Tenho ideias para HQ adulta, mas não quero tirar o foco do Xaxado”, conclui.

www.xaxado.com.br

Perfil publicado na revista Muito do dia 17 de novembro.

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