terça-feira, dezembro 17, 2019

BELO E FURIOSO (MA NON TROPPO)

Casapronta fecha 2019 com um dos melhores  do ano: Como a fúria da beleza do sol

Casapronta e Pablues (último à direita), foto Rafael Santos
Senhoras e senhores, é uma honra escrever esta última coluna este último post de 2019 (sim, voltamos em 8 de janeiro) dando destaque para um dos melhores discos que o colunista ouviu este ano: Como a Fúria da Beleza do Sol, da banda feirense / cachoeirana Casapronta.

Projeto paralelo de Pablício Pablues Jorge, da fundamental banda feirense Clube de Patifes, o Casapronta estreia em álbum cheio com uma obra que demonstra a absoluta maturidade artística de seu líder, ainda um ilustre desconhecido para muitos fora de seus redutos entre Feira (onde vive) e Cachoeira (onde estuda).

Em Como a Fúria..., Pablues logrou produzir aquele tipo de obra que somente grandes artistas são capazes: é profundamente (local)  baiana, mas também absolutamente universal.

Partindo de seu gênero de escolha há mais de 20 anos, o blues, Como a Fúria... se espraia pelo rock ‘n’ roll, pelo folk e pela Bahia (atenção: não necessariamente pelos ritmos baianos) como poucos foram capazes antes. Os paralelos mais evidentes para o colunista são Raul Seixas e Fábio Cascadura.

Além da competente banda que o acompanha, formada por Ígor Skay e Rodrigo Borges (guitarras), Rafael Razz (baixo) e Luiz Neto (bateria), o álbum traz participações igualmente iluminadas de Martin Mendonça, Isa Roth, Marcia Porto, Julio Caldas, Pedro Pondé, Juli, Roça Sound e outros não menos cotados.

“Desde que montamos o Casapronta determinamos que não ficaríamos presos a rótulos, deixando livre o processo criativo e que a música imperasse”, afirma Pablues.

“O rock n roll é o alicerce do Casapronta, junto tem o folk, que é um expressão que venho adotando faz um tempo, o blues é a vida, e a Bahia é o estado onde a gente entendeu, desde pequeno, que é necessário respeitar as diferenças aprendendo com elas ao mesmo tempo. Então, tem Bahia, rock, folk, blues e uma pitada de dendê”, acrescenta.

Encontro em Cachoeira

O fato é o seguinte: enquanto muito roqueiro arrependido se traveste de mpbista e muito roqueiro camisa preta se apega à estereótipos mortos, Pablues encontrou um saudável caminho do meio, evitando a caricatura que são aqueles dois extremos. Mas não se trata de fórmula. É uma mistura de talento com maturidade.

“A minha ida pra Cachoeira, enquanto estava na graduação em Museologia, me favoreceu muito a entrar em contato mais comigo e perceber a música baiana mais de perto, bem no seu berço”, conta.
Lançado o disco, Pablues & Cia meterão o pé na estrada no Ano-Novo. Em fevereiro passam por Salvador.

Ouça já.



BÔNUS: ENTREVISTA COMPLETA COM PABLUES

Ao mesmo tempo que é rock 'n' roll, o disco é profundamente baiano, algo que muita gente do rock tem dificuldade em aceitar / cultivar, mas está na raiz do rock local desde Raul Seixas, passando pelo Cascadura. Foi pensado como um manifesto mesmo ou simplesmente aconteceu assim?

Pablues e Casapronta, foto Rafael Santos
Pablues: O Casapronta é um banda, que um dia foi projeto, que relutei muito em trazer às vida. Que medo era esse? Tinha receio de não conseguir fazer nada que fosse tão bom quanto ao trampo que desenvolvo no Clube e seus 21 anos de estrada. Isso me atrapalhava bastante. Mas eis que um dia a coisa acontece e o Casapronta tá aí caminhando para o seu terceiro em 2020. Esse disco foi uma surpresa pra mim. Quando pensei em gravar... a ideia era um ep com 3 canções, gravadas no violão e elementos estranhos de percussão. Um folk bicho grilo. Daí, em meio ao processo de gravação, o ep foi tomando outra direção dando espaço pro disco. Desde que montamos o Casapronta determinamos que não ficaríamos presos a rótulos, deixando livre o processo criativo e que a música imperasse. O rock n roll é o alicerce do Casapronta, junto tem o folk que é um expressão que venho adotando faz um tempo, o blues é a vida, e a Bahia é o estado onde a gente entendeu, desde pequeno, que é necessário respeitar as diferenças aprendendo com elas ao mesmo tempo. Então, tem Bahia, tem rock, folk, blues e uma pitada de dendê no disco “COMO A FÚRIA DA BELEZA DO SOL”. Gosto d’uma frase de Raul, quando ele fala: “Não importa o sotaque e sim o jeito de fazer”. O Casapronta tem seu jeito de lidar com o rock e com a música. Os temperos usados na mistura é muito bem pensando, sem perder a mão, buscando não azedar nada nesse caldeirão de influências e sentimentos. Venho já há um tempo tentando fazer a música com mais liberdade, sem estar preso a alguma norma ou rótulo, deixando sair bem mais “eu” nas composições e interpretações. A coisa fica mais leve e fluida. Faz tempo que deixei pra trás aquela sisudez do roqueiro bravo, tradicional, e intransigente. Não que eu seja contra, não é nada disso, gosto ainda de muita coisa que ouvia e que me influenciou, e que muito ainda influência, mas quis tentar soar diferente. A minha ida pra Cachoeira, enquanto estava na graduação em Museologia, me favoreceu muito a entrar em contato mais comigo e perceber a música baiana mais de perto, bem no seu berço. Essa música baiana perpassa pelo reggae, samba de roda e afins, samba de terreiro de candomblé, a música que está nas pessoas, no conversar, no caminhar e no simplesmente ser baiano. A gente quando é novo sai de casa querendo descobrir o mundo, sustentando bandeiras que nem sequer nas guerras tivemos. Mais tarde alguns conseguem perceber que o único mundo não desbravado foi o seu, o interior. Interior de interior, cidade de onde vem, de onde nasceu, mas também o seu interior, seu “eu”. Pra que maior descoberta? E assim a gente vai se reinventando, se redescobrindo e vendo possibilidades outras que a vida apresenta, inclusive a maneira de fazer música. Então, o Casapronta tá nessa caminhada de fazer música como der na telha, uma espécie de #folkbluesrockexperinceforall. A gente tem auto rotulado nossa música como “música mundana”, acho que assim define. Esse disco é parte de um processo que a gente não sabe bem como vai se desenrolar, mas sabemos que vem muita coisa diferente pela frente, sem perder nossa essência, sem soar nada forçado, nem tampouco piegas. Aí tenho que citar Raul de novo: “Não sei onde estou indo, mas sei que estou no meu caminho”. Quanto a soar como um manifesto? De repente sim. Hoje em dia pra gente sair do mais do mesmo, pensar fora da caixa, ser fora da curva, é muito arriscado. Mas arriscado pelo que os outros podem pensar ou falar. Não estamos muito preocupados com esse tipo de risco. Eu venho do rock como formação musical básica. Mas também já fui zabumbeiro de banda de forró tradicional, tenho máximo respeito pela cultura do nordeste. Meu pai tinha uma loja de discos em Cruz das Almas onde a música baiana e o axé music, eram campeões de venda, então lá em casa era isso que rolava bastante, além de clássicos como Altemar Dutra, Nelson Gonçalves e afins. Sem contar que os meninos da banda, cada um traz suas referências pra dentro da musicalidade do Casapronta, e assim vamos construindo nosso universo e esperamos que o público entenda nossa proposta. O Casapronta posso dizer que um caldeirão de bruxos. Soul suspeito, mas tá bonito o “negoço”.

O disco está cheio de participações muito bacanas, de gente daqui de SSa e daí de Feira. Como foi reunir essa galera em torno desse disco?

Pablues: Bicho, essas participações, nem eu mesmo acredito que conseguimos colocar tanta gente foda nesse disco. A ficha demorou de cair. Quando começaram a chegar as primeiras canções da mixagem pra gente aprovar, é que a coisa foi se tornando real. O primeiro foi Martin Mendonça, né? Broder dos tempos do Callypso e um cara que sempre tive um máximo respeito e também por ser um dos caras que leva a música até as últimas consequências. A gente sempre se fala, ele de lá e eu de cá, e trocamos algumas ideias. Uma vez o Casapronta fez um show com o projeto dele em Serrinha em 2018. Ele adorou o som da banda. Daí convidar pra fazer a guitarra em “o visitante de carvão”, foi fácil. Gravou de lá de Sampa e me mandou. Ficou foda. Aí pensei em convidar uma galera, cada um pra cada música. Pow, foi loucura, mas deu tudo certo. Julio Caldas no banjo e bandolin, Pedro Pondé e sua “calma pra recomeçar”, sangue bom. Roça Sound, o novo fenômeno de Feira de Santana com seu sound e seu “mete dança”, putz, ficaram foda as participações. Juli, uma menina aqui de Feira também, que vai aparecer pra geral muito brevemente, participa em “Não tem mais volta”, um mix dicotômico, o hard e o suave, falando do encontro das vozes. Ficou linda a canção. Muitos amigos ainda participam e cada um deixou sua marca e nos apontou possibilidades para com nossa música. Muito aprendizado envolvido e principalmente, muita amizade e respeito. Sou muito grato a todxs que dedicaram um tempo pra visitar o Casapronta no disco. Véi, você num tem noção, é muita gente “bala” nesse disco e em todo o processo. Jera Cravo mixou o bagulho, imagina? O cara manda super bem. Grande amigo. Eu tenho um amigo no Canadá rsrsrs. Eu sinceramente não esperava ter essa galera no disco, não. Mas cada convite foi aceito de bate pronto, e vieram, vieram bonito. Muito feliz em poder ser respeitado por toda essa galera, e isso é saber que nossa história no meio da música vale o quanto pesa, e ter parceiros assim, como o Casapronta tem é bom demais. A palavra chave é: felicidade.

De fato é inescapável neste momento, mas o disco saiu também muito político. Pode comentar? 

Pablues: O disco tem seus momentos. Começa com uma intro tratando de uma assunto que muita gente passa em silêncio, que é a depressão e todas essas síndromes que destroem as pessoas por dentro. O caos interior de cada um, que bagunça tudo. Mas a gente mostra que tem um jeito, tem uma saída. Não chega a ser auto ajuda, mas é real. O amor é tema recorrente sempre, o produto que mais vende no mundo. Tem amor no disco. Duas canções (Une Versos e Meu sangue tem dendê) tem como tema a religiosidade, mais especificamente a religião do candomblé, e uma outra (O visitante de carvão) de forma bem humorada, trata da intolerância e do preconceito. É necessário falar sempre que possível desses assuntos. O mundo anda tão estranho e o Brasil vem acompanhando com suas intolerâncias, preconceitos,  racismos e demais crimes que são praticados contra o povo de santo, o povo preto, nossa gente “baiana”, que tanto fez por essa território. O Casapronta tem filhos do candomblé em sua formação, não todos, e entendemos que estamos numa guerra pra combater esses crimes contra os direitos“humanos”, e com nossa arma é a música, contribuindo com a conscientização daqueles ignorantes conservadores preconceituosos. Religião também é política. Discutir religião e política se faz necessário e urgente. E a gente fecha o disco com uma pedrada na vidraça, contra as violências, policial e do sistema, que calam, humilham e assassinam nosso povo preto e pobre, aqueles que levantam as vozes, nossas crianças, nossos jovens e seus direitos de ir e vir. Tudo isso velado por uma fé que mata através da bíblia e milícias na política, uma “ordem e progresso” pra poucos. Isso é histórico, né? São centenas de anos clamando por justiça e liberdade. Ainda bem que a arte resiste. Resistiremos.

A sonoridade ficou também muito bem resolvida, com uma alquimia entre o blues folk mais tradicional e um clima - não diria ritmos - bem baiano. Como foi trabalhar isso no estúdio?

Pablues: Tomei a liberdade pra produzir o disco. Quis colocar ali muito do que acredito e aprendi ao longo desses anos fazendo música autoral com o Clube e vivências com outros amigos e artistas. O folk é ponto de partida do trabalho com o Casapronta. Nomes como Neil Young, Jackie Greene, Bob Dylan, Carlos Posada, Ortinho, Renato Godá, e o maior artista do Brasil que é Raul Seixas, foram algumas de nossas referências para “startar” o projeto e o disco. As músicas, todas, já tocava no violão nas rodinhas de prosa e afins, e vez outra rolava nos ensaios. Algumas já estavam no repertório do Casapronta, como as versões de “Retalhos” de Posada e “É demais” de Sine Calmon. Então, basicamente os outros instrumentos foram sendo colocados em cima dessas bases de violão. Pode parecer simples, mas deu um trabalhinho. Muita coisa ficou tudo dentro do esperado, outras, a mágica aconteceu no estúdio – Estúdio Netuno em Feira de Santana, do querido PV – nos  surpreendendo, encaixando como uma luva. Esse clima de “Bahia” que você tanto fala, a gente deixou chegar numa boa. Até pra fazer o disco soar “livre”, sem amarras, mostrando realmente o que é que a Bahia pode ter. Tem rock? Tem. Tem folk? Tem. Blues, samba reggae e beat eletrônico? Tem sim, senhoras e senhores. A Bahia é possível em todos os ritmos, mundos e universos. Nós temos a Bahia bem guardada, tem que mostrar mais. Sem preconceitos. A música em primeiro lugar. Foi de uma certa forma bastante tranquilo fazer essa mistura inicial e montar esse repertório, até porque o técnico do estúdio, Pv (Paulo Vitor), contribuiu muito com as observações e deixando as coisas mais fluidas possíveis. Foi uma verdadeira vivência esse tempo no Estúdio Netuno. Temos um bom disco. Estamos felizes com o resultado.

Quais os planos do Casapronta? Tá rolando shows em Feira, outras cidades? E Salvador? Quando rola?

Pablues: O plano principal é poder divulgar o disco nos shows. As plataformas digitais já estão fazendo a parte delas e temos recebido um feedback maravilhoso. O nosso foco agora são os shows. É no palco que vemos a coisa funcionar “à vera”. Fizemos apresentações em Feira de Santana na Cervejaria Sertões e no Feira Noise divulgando o disco. Com esse período de festa e férias a coisa dá uma parada obrigatória. Já estamos montando a agenda para 2020,em circular no interior da Bahia, através de contatos de produtores parceiros – Feira, Serrinha, Cruz das Almas, Camaçari - e em Salvador devemos nos apresentar em fevereiro. Esquentar o couro subindo o Nordeste é nossa pretensão, além de tomar um sereno na terra da garoa. Uma coisa de cada vez, afinal os tempos atuais requerem cuidado e atenção. Os planos foram traçados...

O Clube de Patifes ainda existe? Tem planos?

Pablues: O Clube de Patifes ainda existe, sim. Demos uma recuada pra cada um resolver assuntos pessoais, pois é tempo de mudanças pra todos da banda. Mas não estamos parados totalmente. Em novembro, mês que completamos 21 anos de banda, fizemos um show no Feira Noise e foi vibrante, com direito a música nova no repertório. Iniciamos as gravações do nosso novo disco, intitulado “Macumba”, nos Estúdios T, em Salvador, com o queridíssimo André T, e já temos música nova gravada. O Clube de Patifes lança o primeiro single no começo de 2020. A música já tá pronta e se chama “Bebi com um Deus”. Vem coisa nova aí. Os planos são os mesmos: Trazer nossa música à vida e ocupar nosso espaço nesse “latifúndio cultural”.

Soledad (CE): sábado no Intercenas. Ft Julia Moraes
NUETAS

Eric Assmar e Ícaro

O prodigioso Eric Assmar convida Icaro Britto para uma session de blues no Solar Gastronomia Rio Vermelho.  Sexta-feira, 20h30.

Josyara e Soledad

Josyara é a última atração de 2019 no Intercenas Musicais. A baiana convida a cearense Soledad para show de abertura e participação. Sábado, 20 horas, no  Commons Studio Bar. R$ 10 (promocional), R$ 15 (lista), R$ 20 (porta).

Overdose sábado

A banda Overdose Alcoólica comanda a primeira edição do Samba Canção Fest recebendo uma pá de convidados e a banda Cães. Sábado, 17h, no   Bardos Bardos Casa da Trinca (Rio Vermelho). Sugere-se colaboração de R$ 10. Bagaceira e rock ‘n’ roll no talo.

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