terça-feira, agosto 14, 2007

HUMOR NA RESERVA ANIMAL

Chega ao Brasil Liberty Meadows, uma das melhores tiras de jornal da atualidade, ainda ignorada no Brasil


Quem gosta de ler as tiras dos jornais - e também quem as publica - não sabe o que está perdendo, mas pode saber agora. Liberty Meadows, uma das melhores séries dos últimos tempos, totalmente ignorada pelos periódicos brasileiros, teve sua primeira coletânea, Éden, lançada este mês no Brasil.


A série foi criada pelo coreano naturalizado americano Frank Cho, mais conhecido por aqui como o desenhista de algumas séries de super-heróis para a Marvel, como Vingadores e Shanna - A Mulher-Demônio, além de ainda ilustrar muitas capas para as revistas de diversos personagens da mesma editora. Entre os leitores de super-heróis, seu nome já era um dos mais quentes dos últimos anos, por conta de seu traço realista perfeito, elegante e - especialmente - suas belíssimas e voluptuosas mulheres.


Porém, seu trabalho como tirista de humor, responsável por lançar seu nome para o público e as grandes editoras americanas, permanecia inédito em língua portuguesa - até agora. Em Liberty Meadows, Cho surpreende quem o via apenas como um grande desenhista, apresentando um trabalho de altíssimo nível na difícil arte de produzir uma (boa) piada em apenas três ou quatro quadrinhos diários.


Liberty Meadows é o nome de uma reserva animal particular - e o cenário onde se desenvolve a ação da tira - que recebe espécimes em extinção ou maltratados, seja por desastres ecológicos ou antigos donos.


A reserva é habitada por um punhado de animais falantes engraçadíssimos, como Ralph, um urso anão ranzinza e metido a inventor; Leslie, um sapo-boi hipocondríaco; Truman, um patinho que sofre de stress pós-traumático depois de um derramamento de óleo em sua lagoa; Dean, um porco boa-vida, fumante, beberrão e pretenso conquistador; e Oscar, um cachorrinho-salsicha (daschund) que é o melhor amigo de Truman - e o único animal da reserva que não fala nem se comporta como um ser humano.


Com tantos bichos problemáticos, alguém teria de lidar com eles e ajudá-los a superar seus traumas. Brandy, uma linda psiquiatra de animais e Frank, o atrapalhado veterinário da reserva, assumem seus cargos logo no início do livro, fornecendo tanto as "escadas" para as piadas dos bichinhos, quanto o ponto de identificação para os leitores. Brandy teve seu visual claramente inspirado na atriz Lynda Carter (aquela que fazia a Mulher Maravilha do seriado de TV dos anos 1970) e deixa Frank babando desde a primeira tira em que aparecem juntos.


A tensão sexual entre os dois personagens é outro ponto de partida para Cho criar divertidas situações, onde o tímido veterinário invariavelmente acaba se dando mal, já que Brandy, como costumam fazer as mulheres muito bonitas, ora se faz de desentendida, ora não dá mole, mesmo.


Uma das vantagens de se ler as tiras em sequência no livro, e não apenas uma por dia no jornal, é perceber o ritmo constante do humor fortemente influenciado pelas sitcoms televisivas que Cho aplica nas piadas. É difícil segurar o riso com as diversas tiradas cômicas vividas pelos animaizinhos e suas contrapartes humanas.


Ao longo de suas páginas, Cho cria várias "deixas" para os personagens soltarem suas neuroses. Ora é um apresentador de TV canastrão que vai à reserva gravar um programa, ora é um esquilo do mal que resolve atormentar os bichinhos, ou algo do gênero.Algus coadjuvantes que aparecem volta e meia, como o gordo zelador Tony, o sorveteiro Al ou o administrador Julius também têm seus momentos.


Este último, por exemplo, tem uma rixa pessoal com Khan, um matreiro peixe-gato que habita a lagoa da reserva. Cho aplica neste "conflito" a dinâmica - e até mesmo os diálogos - do entrevero entre o Capitão Kirk, do seriado Jornada nas Estrelas e seu mais clássico vilão, não por acaso, chamado "Khan", extraídas do filme Star Trek II - A Ira de Khan. O resultado, para fãs ou não de Star Trek, é hilariante.


Citações à cultura pop, aliás, é outra grande ferramenta nas mãos de Cho para fazer humor, e seriados televisivos são um de seus assuntos preferidos. Em uma sequência passada numa festa de Halloween, Cho fantasia Brandy de Xena, a Princesa Guerreira (ele parece ter fixação em morenas de olhos azuis) e Frank, de Gabrielle, sua parceira nas aventuras da série de TV, com direito a peruca loira e tudo.


Com o desaparecimento de grandes mestres das tiras de jornal como Charles Schulz (Snoopy, falecido) e Bill Waterston (Clavin & Haroldo, aposentado), pouca coisa surgiu nos úlimos anos em termos de boas tiras estrangeiras nos jornais brasileiros. Salva-se um Dilbert e olhe lá. O resto é o mesmo de sempre: Hagar O Horrível, Recruta Zero, Mago de Id, AC... Todos são fantásticos e já têm seu lugar reservado na história dos quadrinhos, mas uma renovação não seria nada mal. E Liberty Meadows seria um bom começo.


Vale chamar atenção também para o excelente trabalho de edição e adaptação da pequena editora HQ Maniacs para o álbum, com direito ao formatão de luxo, sobrecapa envernizada, papel brilhante, galeria de capas em cores e um extenso guia de referências que detalha todas as citações de cultura pop (e são muitas delas) ao longo do livro - tudo por um preço bastante justo e não exorbitante. O resultado é um álbum que vale - e muito - o seu preço. Que venham logo os próximos volumes.


Liberty Meadows - Livro 1: Éden
Frank Cho
Image / HQManiacs
132 pgs / R$ 32,90
www.hqmaniacs.com

Matéria publicada no jornal A Tarde de 15 de agosto de 2007. Texto sem a edição do jornal.

6 comentários:

Franchico disse...

Quem quiser conhecer melhor o trabalho de Frank Cho, suas pin-us e LM, no site oficial tem material de montão, inclusive várias tiras. Em inglês.

http://www.libertymeadows.com

cebola disse...

Claro que vou conferir...um cara que chama sua personagem de Shanna só pode ter todo meu apreço, huhuhuhuuuu...e ainda por cima Mulher Demônio!!! eita porra!!!

Franchico disse...

Sir Bola, Shanna A Mulher-Demônio, foi criada ainda nos anos 1940 (se não me engano). A série de Frank Cho, publicada na revista Marvel Max em 2005 foi uma bela retomada da personagem. A série teve alguns problemas com a cesura dentro da própria Marvel por que os seios enormes da personagem insistiam em ficar pulando pra fora do biquíni de oncinha toda hora.

Leitores mais velhos devem se lembrar dela como a companheira de Ka-Zar, que teve uma série muito legal com desenhos de Brent Anderson publicada na revista do Homem-Aranha, ainda na década de 80.

A série de Cho é do caralho como uma aventura de ação alucinante sem muito comprometimento. Fora que o cara desenha pra caralho, com destaque para a própria Shanna e os muitos dinossauros que ele jogou contra a pobre boazuda...

cebola disse...

E aí, Chicrumb é ou não é o google dos quadrinhos??

Confiram lá pueblo:
http://www.fotolog.com/bandaberlinda

abçs

Franchico disse...

No aniversário dos 30 anos da morte (????) de Elvis, vamos relembrar a letra da fantástica música Elvis Is Dead, do Livingo Colour (coretsia do blog do Jamari França):

"Elvis was a hero to most, but that's beside the point. A black man taught him how to sing. And then he was crowned King. The pelvis of Elvis was too dangerous for the masses. They cleaned him up and sent him to Vegas. Now the masses are his slave. Slave? Yes, slave. Even from the grave Elvis's dead. Presley was a good performer. On stage he was electrifying. When he got ill, his fans got sick and moaned he had died. To all you pimps makin' money on his name: how do you sleep, don't you feel ashamed? He went through the test, he's out of this mess, be my guest and let him rest."

Só para deixar claro, adoro Elvis, mas para mim, o Rei do Rock não é outro senão Little Richard, Primeiro e Único!

Não por acaso, o próprio Ricardinho canta (ou rappeia) na segunda parte de Elvis is Dead....

Franchico disse...

Amanhã tem matéria no periódico da Tancredo Snow Avenue a propósito - com uma pequena colaboração minha, falando especificamente sobre sua carreira no cinema. Amanhã eu posto por aqui tb...