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terça-feira, novembro 28, 2017

EXPERIMENTAÇÕES SÔNICAS

Nesta semana e na próxima, Salvador e Cachoeira sediam a primeira edição do CMC Festival 2017 - Ciclo de Música Contemporânea, com artistas de quatro países

Harris Eisenstadt. Foto William Semeraro
Música experimental, rótulo que espanta muita gente mas atrai outras tantas, é o mote do CMC Festival 2017 - Ciclo de Música Contemporânea, que acontece em Salvador e Cachoeira nesta semana e na próxima, com workshops e concertos  de artistas do Canadá, Alemanha, Suíça e Brasil.

O que talvez pessoas de má vontade com  “música experimental” não entendam é que, primeiro, o experimental de hoje pode ser o mainstream de amanhã.

Segundo: “Partimos do pressuposto de que o chamado ‘Experimental’ não se refere a um gênero musical específico, e sim a uma série de agenciamentos autônomos que envolvem a livre improvisação, arte sonora, noise, free jazz, etc”, afirma o músico e produtor Edbrass Brasil, organizador do CMC.

“A ideia do CMC é dar continuidade ao trabalho que desenvolvemos desde 2015, agora de forma mais ampliada, de inserção da Bahia no roteiro dos shows nacionais e internacionais de música experimental. Prezamos pela relevância de cada atração no contexto nacional/mundial e ao mesmo tempo buscamos trazer shows e artistas dispostos a trocar experiências com os artistas locais. A relação que estabelecemos com a cidade é essa de cumplicidade e confiança mútua. Nossos eventos são voltados para um público amplo e diverso, que gosta de música contemporânea e está aberto para outras expressões artísticas, como cinema, dança e teatro. Estamos bem animados com a receptividade do público, que compareceu em massa em todos os nossos eventos até agora”, acrescenta.

Ute Wassermann
Nesta primeira edição, o festival traz uma dezena de atrações em dois dias de concertos no Museu Nacional da Cultura Afro-Brasileira (MUNCAB, no Pelourinho).

Edbrass destaca dois nomes estrangeiros como atrações principais: “Os dois principais nomes do line up são figuras bem conceituadas no cenário mundial, como o baterista canadense Harris Eisenstadt e a cantora e artista sonora alemã Ute Wassermann”, conta.

“O Harris, além de ser compositor e baterista requisitado, acompanha John Zorn dentre outros, propõe um recorte no âmbito do chamado new jazz, unindo a tradição norte americana as suas pesquisas sobre a tradição cubana do Bata, por exemplo”, detalha.

Já Ute Wassermann é outra história completamente diferente: seu instrumento é a voz.

“Ela é conhecida por sua linguagem sonora extraordinária, de muitos sons e extremos. Cria técnicas para ‘mascarar’ a voz, usando assobios de pássaros, sons do palato ou objetos ressonantes, e também projeta instalações de som”, conta Edbrass.

"Na parte nacional, buscamos selecionar artistas que estão produzindo e circulando, seja no campo das artes sonoras ou cênicas, como também no plano crítico, teórico. A Isabel Nogueira e o Luciano Zanatta, ambos de Porto Alegre, fazem parte do Coletivo Medula, um grupo multimídia bem ativo. Eles estarão acompanhados de um dos pioneiros da 'guitarra preparada' no Brasil, Paulo Hartmann", continua Ed.

Mas as atrações locais também não deixam por menos e apresentam trabalhos interessantíssimos, como os duos locais Terra Vermelha e B.A.V.I.

Duo B.A.V.I. Foto Matheus Leite
“O primeiro é  formado pelo produtor José Balbino e o trompetista Mateus Aleluia Filho. E o Duo B.A.V.I. (Berimbau Aparelhado Violão Inventável) é  outro trabalho bastante original e inovador”, afirma.

Mas o xodó mais recente do organizador vem de Cachoeira: “É o Coletivo Novos Cachoeiranos, orquestra de jovens egressos das filarmônicas de Cachoeira, regidas pelo maestro Sólon Mendes. Eles buscam atualizar a linguagem do jazz com influências diversas como o atonalismo e o universo percussivo baiano. Simplesmente apaixonante este trabalho”, rasga Edbrass.

Investimento próprio

Com o CMC, Edbrass e seus parceiros afirmam estar inserindo a Bahia em um circuito de festivais do gênero que já vem rolando pelo Brasil.

"O CMC é uma oportunidade para o público baiano conferir de perto o trabalho de artistas que inovam em suas áreas de atuação. Além disso, é necessário lembrar que fazemos parte de um contexto nacional de Festivais de música experimental que acontecem entre novembro e dezembro em todo o Brasil: Novas Frequências (RJ), FIME (SP), IMPROFEST (SP), Rumor (PE), Kino beat (RS), Festival Música Estranha (SP), e agora o CMC!", enumera.

DJ Riffs. Foto Nara Gentil
Com foco na chamada produção afrodiaspórica, o CMC também mira numa certa desmistificação da música negra menos comercial ou de origem tradicional como sendo de interesse meramente etnomusicológico, e sim, coloca-la em seu nicho de merecimento, a saber, da música experimental.

"Não consideramos a música experimental como um gênero musical, mas um campo de ação em que vários gêneros podem ser encaixados. No Brasil temos grandes representantes negros ligados a música avançada. Os dois nomes mais conhecidos são os de Naná Vasconcelos e Itamar Assumpção. Estes dois representam e muito uma pesquisa que levou a música brasileira para outros patamar de radicalismo e inovação. O que acontece é que as obras dos artistas afro-brasileiros são comumente pensados pelo viés da etnomusiclogia, ligados sobretudo a ideia de 'tradição' e 'raiz', nunca como de invenção e vanguarda.... Se quisermos ir mais longe, podemos citar os grande sambistas da década de 40, que criaram um novo gênero musical e urbano, tendo muitas vezes que inventar seu próprio instrumento, como no caso do Bide, por exemplo, que criou um surdo com timbre e peso adequado a nova música que surgia na época. Não é demais lembrar também que engenheiros de som numa pequena ilha do Caribe, no caso a Jamaica, ainda nos anos 60, foi capaz de definir o futuro da música eletrônica no mundo, por meio das técnicas e recursos estéticos utilizadas na música 'dub'. Hoje em dia no Brasil, podemos citar os trabalhos de Juçara Marçal e Cadu Tenório, que no álbum Anganga, lançado em 2016, partiu de cantos de trabalho escravos, aliado a uma estética 'noise', ruidosa e deu muito o que pensar. Não podemos deixar de falar também da obra do Negro Leo, compositor maranhense, que investe no post-rock, mas mantendo traços e características do cancioneiro brasileiro. Tem coisas muitos boas sendo feitas no rap e no funk carioca, na Bahia temos o Atoxxxa, toda essa faixa de produção ligada ao que chamam de 'Guetto Tech' pode ser vista como uma experimentação estética", detalha Edbrass.

Duo Terra Vermelha
"Vivemos num momento em que a cena da música experimental no Brasil chama a atenção pela movimentação dos selos, artistas, festivais, além da já regular passagens de músicos tanto da Europa, quanto da américa latina e Japão, tornando a cena bem rica, diversa e descentralizada. Sobretudo, a Bahia tem uma história com a música de invenção, com a música de vanguarda, que nem a predileção pelo pulso, pelo ritmo pode ou precisa apagar, não é mesmo? Nós representamos a Bahia pelo Brasil e mundo afora por meio do selo fonográfico que produzo em parceria com Heitor Dantas, o Sê-lo! Netlabel. Depois de dois anos trazendo para Salvador artistas como Peter Brotzmann, Lee Ranaldo, Hans Koch, Peter Jacquemyn, Thomas Rohrer, sentimos a necessidade de reunir num mesmo evento um panorama representativo do cenário mundial e local. A missão do Festival é reforçar o conceito de intercâmbio artístico, investindo nas trocas (por meio de workshops), possibilitando ao público baiano acesso a uma programação de qualidade e inédita. O Festival tomou forma a partir das parcerias construídas durante estes anos com produtores de outros estados brasileiros, além das Instituições e plataformas estrangeiras como o Harmonipan (Mexico _ Chicago), Flotar (Programa de Mobilidade Artística (Mex), Goethe Institut e o Maritime College State University of New York (USA)", prossegue.

Mas o mais impressionante em todo este movimento é que, excetuando-se o apoio logístico “fundamental” (ressalta Edbrass) de instituições como o Muncab, Centro de Formação em Artes da Funceb (CFA), Centro de Cultura, Linguagens e Tecnologias Aplicadas (CECULT) da UFRB  e  Museu Afro Brasileiro (AMAFRO), o CMC não conta com patrocinadores ou verba de edital.

“Não encontramos ainda o nosso patrocinador, o que torna o Festival um grande investimento nosso, dependendo quase que exclusivamente da bilheteria e das colaborações com os artistas e técnicos envolvidos. Espero, sinceramente, que esta edição independente abra caminho para a  chegada do suporte financeiro que necessitamos. O mais importante é conhecermos a nossa vocação como um festival de pequeno porte voltado para uma outra escuta, para um outro jeito de se relacionar com a música e a geografia da cidade. Trazendo de volta a ideia de uma 'Bahia de Invenção', criando para isso um ambiente acolhedor, de relaxamento, num clima de museu muito vivo, sabe?”, conclui.

CMC Festival 2017 - Ciclo de Música Contemporânea / Workshops: Salvador (Centro de Formação em Artes da FUNCEB) de amanhã até quinta-feira e em Cachoeira  nos dias 4 e 5 / Concertos: Sexta-feira e sábado, 17 horas / Museu Nacional da Cultura Afro-Brasileira (MUNCAB, no Pelourinho) / R$ 40 e R$ 20 (Vendas: Sympla) / Programação, informações: www.cmc-festival-2017.webnode.com

ENQUANTO NÃO SAI TRABALHO NOVO, CONFIRA OS TIOS QUINTA-FEIRA NA VANDEX TV

Os Tios, foto de Joaquim Fauro. Faltou Huguinho, Zezinho e Luisinho
Vamos combinar: para dar a cara pra bater no palco, o contribuinte já tem que ter certo desprendimento, certo destemor.

Agora, subir no palco à frente do nome Os Tios é de fato a epítome do desapego.

Pois então, eis aqui, finalmente, a banda baiana Os Tios. “O nome Os Tios vem de comoção e longevidade”, afirma o fundador, baixista e cantor Anderson L.

“Comoção, porque se tocássemos mal, poderiam dizer: 'Ah, mas o que você esperava? Eles são tios, pô!” Se fôssemos bem, exclamariam: 'Uau, Os Tios botam pra lá!’ E longevidade, pois você não deixa de ser Tio”, explica.

Sem resposta diante de tão sagaz argumento (sem ironia), aviso que a banda, que pratica com certa competência um rock de caráter  ortodoxo, se apresenta nesta quinta-feira.

Mas você pode assisti-los sem sair de casa, já que se trata de mais uma transmissão ao vivo do programa Berlim Puro!, da VandexTV.

“O Evandro (Vandex) faz parte de um grupo de pessoas que acreditam no rock baiano e contribuem para a evolução e profissionalização do segmento”, afirma Anderson.

“Esse formato permite contato direto e imediato com os fãs de nosso trabalho,  do rock, do programa e curiosos, abrindo um leque muito bacana e oportuno. Para nós é um privilégio“, acrescenta.

Cadê o ‘Toca Raul’?

Banda formada por Anderson, Luis Campos (guitarra) e Akillas Gomes (bateria), Os Tios contam com um álbum cheio lançado em 2013, Pra Onde as Coisas Vão.

Agora, preparam para o início do ano que vem o lançamento de um novo EP, Malogrado.

“Sim, estamos finalizando nosso segundo trabalho, que terá cinco ou seis faixas mais uma de bônus, a ser lançado no primeiro trimestre de 2018”, conta.

Em Malogrado, Os Tios (ah, esse nome) esperam apresentar alguma evolução em relação ao álbum de 2013.

“Sim, ou evoluiríamos ou deixaríamos de existir como banda. Nosso som é uma constante transformação. Tivemos três guitarristas (André Poveda, Jenner Randam e agora Luis Campos) com três estilos diferentes, mas o viés do autoral e inovador se mantém”, garante Anderson.

Donos de louvável espírito de resiliência, Os Tios lamentam o pouco prestígio das bandas locais.

“Barreiras e dificuldades sempre vão existir. O que percebemos é a redução de público nos shows. Está faltando calor humano, olho no olho, ‘Toca Raul’”, conclui.

Show D’Os Tios no programa Berlim Puro! / Quinta-feira, 20h30, no www.vandex.tv / www.ostios.com.br

NUETAS

IPA Hop na quinta

O blues rock da IPA Hop (Rex, Uzeda & Candido) anima a night de quinta-feira na  Rhoncus. 21 horas, R$ 10.

BigBands aqui e ali

O Festival Bigbands 2017 encerra este fim de semana com duas noites de shows. Sexta tem  Dudé Casado (CE), Sanitario Sexy (Juazeiro) e Declinium (Camaçari), na Commons, R$ 10 (até meia-noite). Sábado é a vez de Duda Spínola, Irmão Carlos, Ayam Ubráis Barco e Ismera (Ilheus) na Feira da Cidade (Canteiro Central da Avenida Centenário). 17 horas, gratuito.

Jards com Farinha, sem Desprezo

Mestre da canção e do violão, Jards Macalé faz duas noites no Café-Teatro Rubi, sexta e sábado. Farinha do Desprezo no juízo às 20h30, R$ 80.

segunda-feira, novembro 27, 2017

PSICOPATAS DO CINEMA NO DIVÃ

Psicólogo baiano analisa o mecanismo que torna os filmes de terror tão atraentes em livro com lançamento HOJE

Leatherface e o balé da serra elétrica ao pô do sol
O brucutu com máscara de pele humana dança um balé macabro ao pôr-do-sol, empunhando uma serra elétrica manchada de sangue.

O êxtase profano que encerra O Massacre da Serra Elétrica (1974) deixou multidões fascinadas e horrorizadas ao mesmo tempo.

É este misto de masoquismo e adrenalina provocado nos espectadores que o psicólogo Zé Felipe Rodriguez de Sá analisa no livro O Terror no Divã (Editora Madras).

Subintitulado A Psicologia do Cinema de Terror em Quatro Séries Clássicas, o livro terá  lançamento com sessão de autógrafos nesta segunda-feira, na Livraria Cultura.

Em suas páginas, Zé Felipe analisa, à luz da psicanálise, folclore e criminologia, os filmes de quatro franquias clássicas do terror: a já citada Massacre da Serra Elétrica, Sexta-Feira 13, A Hora do Pesadelo e Halloween.

O livro, garante o autor, é perfeitamente acessível também aos leigos: “A psicologia, para mim, tem a obrigação de se comunicar com a sociedade. No meu caso, eu não escrevi só para psicólogos, psicanalistas e estudantes. Escrevi também para quem gosta desse tipo de filme e para quem gosta de cinema em geral”, afirma.

Guitarrista da pioneira banda baiana de doom metal The Cross, Zé vê paralelo entre o amor pelos filmes de terror e pelo metal.

Zé Felipe, baiano nascido no Uruguai, psicólogo e guitarrista. Ft Pedro Santana
"Afinal, os pais do heavy metal - o Black Sabbath - tiraram o seu nome de um filme de terror. Não vejo muita influência do terror no doom metal, mas tem outros subgêneros que são totalmente inspirados por esse tipo de filme... O death metal, por exemplo. Bandas como Deicide, Cannibal Corpse, Necrophagia, Mortician, Impetigo, e por aí vai", enumera.

Fábulas morais

Fã de filmes de terror desde a adolescência – “Um rito de passagem para a minha geração”, nota – Zé Felipe conta que nunca entendeu direito porque gostava tanto de toda aquela matança.

“Foi essa curiosidade que me levou a escrever o livro. Esses filmes falam de uma cultura (norte-americana), de um tempo (a transição entre a revolução sexual e o conservadorismo da era Reagan) e de medos universais, como morte, abandono, escuro, animismo etc”.

"Acho que a coisa vai além desse sado-masoquismo virtual. Esses filmes fazem a gente encarar traumas pessoais e enfrentar medos universais", acrescenta.

Vem daí um paralelo muito interessante que ele traça no livro: os filmes de terror são a versão contemporânea de contos do folclore europeu, os chamados cautionary tales, histórias destinadas a educar os jovens através do medo.

“Sean Cunningham,  diretor de Sexta-Feira 13, disse que o subgênero slasher (protagonizado por psicopatas assassinos) é uma atualização Hollywoodiana / adolescente para os contos dos Irmãos Grimm. Ou seja: eles dramatizam conflitos internos, inconscientes. Desenham o que não tinha cor nem forma”, afirma Zé Felipe.

“No caso específico de Halloween e Sexta-feira 13, eles falam dos perigos das drogas e sexo na adolescência, uma idade que a gente realmente não tem muito noção das coisas. E esse é o paralelo entre os slashers e os contos de fada: ambos são ‘fábulas morais’”, conclui.

Lançamento: O Terror no Divã / Hoje, 19 horas / Livraria Cultura (Salvador Shopping)

sexta-feira, novembro 24, 2017

OCUPAÇÃO SONORA NO CENTRO

No Coro de Rua, Lívia Nery comanda dois domingos de muito som na Barroquinha, com grandes convidados locais e nacionais

Lívia Nery, foto Davi Caires
Enquanto muitos ainda esperam que a  revitalização do Centro Histórico se dê por obra e graça das instâncias governamentais e / ou de empresários, há quem entenda que, para começar, é preciso que o público abrace e ocupe o Centro, “forçando” a ação de governos e empresas.

A cantora Lívia Nery parece disposta a  fazer sua parte com a realização do evento Coro de Rua, neste domingo e no dia 10 próximo.

Viabilizado através do Edital Arte Todo Dia Ano III, da Fundação Gregório de Mattos, o evento trará, nos dois dias, Lívia comandando um pequeno grupo de artistas (locais e nacionais) em um palco armado na escadaria da Rua do Couro, ao lado do Teatro Gregório de Mattos, na Barroquinha.

O evento, inédito no espaço em que será realizado, surgiu após um show de Lívia ali mesmo, no TGM.

Ministereo Público Foto Rafael de Bellis
“Foi justamente após um show na Barroquinha  que minha produtora Tatiana Lírio (Noarr Produções) e eu pensamos em como essa escadaria funcionaria bem para um evento com sound system”, conta Lívia.

“Um lugar lindo, de uma história tão antiga quanto a história da nossa cidade. Então idealizamos este projeto para ocupar a rua, o centro antigo, de uma forma que lhe seja natural, ou seja, com um projeto ancorado na cultura de rua, com a música como elo”, diz.

A única outra constante, alem da anfitriã, é o sound system Ministereo Público, que fará a conexão com a cultura jamaicana que dá o mote da ocupação.

"Bem, a cultura sound system nasce na Jamaica, levando os sistemas de som para a rua, num contexto em que o povo não podia frequentar os clubes com música ao vivo. Desse cenário surge uma vertente musical em que o som exclusivo e original , e o improviso da rua passam a ser os protagonistas.  Aqui na Bahia a coisa se desenvolveu de um jeito que o som também ocupa a rua, com os trios elétricos, os sons dos carros nos fins de semana, os carrinhos de café, e a música percussiva, também usando a rua como lugar de "ensaio". Ambos lugares tem forte conexão com a rua e com a música, ambos são pólos de diáspora africana. São ramificações de uma matriz semelhante. Esse projeto é um agradecimento a todo esse legado tão importante pra todos e todas", detalha a cantora.

Ocupar e não desaparecer

Áurea Semiséria, Foto Tamires Allmeida
Neste domingo, primeiro dia do Coro, Livia recebe no palco a cantora baiana Danzi Love Jah, a pernambucana Karina Buhr e a paulista  Mis Ivy. Quinze dias depois é a vez dos rappers locais Aurea Semiséria, Vandal e do carioca BNegão.

“Os artistas convidados são pessoas que já dialogam com nossa cena musical, sobretudo com o sistema de som do Ministéreo Público, que estará ‘amplificando’ o projeto. Chamamos de amplificação pois o coletivo levará seu paredão de som e sua pesquisa em música jamaicana”, conta Lívia.

“Karina Buhr e BNegão já se apresentaram neste contexto antes e dá muito certo. Cada artista vai assumir os microfones cantando em instrumentais de música jamaicana, ou suas próprias canções, com suporte dos DJs do Ministéreo. Eu vou interagir com todos também. Os artistas locais podem ser novos aos ouvidos do grande público, assim como eu também (risos), mas são conhecidos na cena que frequentam, como Áurea, uma mina do rap muito atuante na cena, e Danzi, cantora de reggae roots da cidade. Ah,teremos uma atração surpresa, revelada aqui pra você, que é Miss Ivy, uma cantora de dancehall de São Paulo que estará aqui e vai participar conosco. Ela é fervura!”, diz.

Realizado na rua, o evento, garante a artista, terá toda uma estrutura profissional para quem for curtir a tarde de domingo no Centro.

“É um evento de rua que está sendo realizado com o apoio da Prefeitura de Salvador, através da Fundação Gregório de Mattos, com toda a estrutura  montada. Vai haver uma feira de vinil, (barracas de) comida e bebida à venda, banheiros”, afirma.

BNegão, foto Leco de Souza
“Estamos nos inspirando no formato quermesse. Queremos criar um ambiente de máximo alto astral e paz para este fim de tarde ser realmente especial, com muita música, dança e cultura de rua”, conta.

Apesar de já estar atuando no circuito independente há alguns anos, Lívia ainda não lançou um álbum completo, apenas singles. "Tenho percebido que lançar um álbum é o resultado de uma gestação, gestar uma obra, e é sempre melhor quando ela pode acontece num mergulho criativo. Eu tenho vontade de experimentar esta imersão, mas, até o momento, trabalhando de forma totalmente independente e caminhando com várias frentes simultâneas (uma delas é o Coro de Rua), tenho encarado cada música como uma obra em si. Por isso lancei um 'single duplo' (risos) no início do ano, e tenho mais alguns engatados para lançar até o carnaval. Ainda acredito no álbum como formato de experiência musical e quero passar por esta realização criativa. Mas o single é mais adequando a minha realidade de produção e de escuta do público nestes tempos. E estou de bem com isso também. É provável que além dos singles eu lance um EP com duração menor que um álbum no ano que vem", observa.

Alvo de muitas críticas, a política de editais, ainda é, por enquanto, a única alternativa para os artistas independentes, que não contam com patrocínios privados. Lívia acredita que, se não é perfeita, a política pode ser melhorada, mas não extinta. "A estruturação de políticas públicas de cultura, pra nós, é algo recente em todas esferas. Os orçamentos para cultura ainda são cifras minguadas. E diante disso há o aprimoramento das formas de acesso a estes recursos. Há muito a melhorar, a ser desburocratizado, a ser fiscalizado. Mas o que não pode é parar, interromper, extinguir estes mecanismos. Temos nossas opiniões e avaliações acerca das políticas públicas para ocupação do espaço urbano e para a cultura, inclusive na nossa cidade, mas acreditamos que a resposta a isso é ocupar. É o que estamos fazendo. Mesmo com os recursos tradicionalmente escassos", afirma.

Karina Buhr, foto João de Holanda
Artista independente que tem circulado bastante (em setembro último, se apresentou em Chicago, EUA), Lívia ressalta a importância de apoiar eventos desse tipo: “Queria reforçar mais uma vez a importância de ocupar. De unir forças criativas para não desaparecer na cidade. Temos um público consumidor de música que não prestigia, não paga pra ver a prata da casa. Ao mesmo tempo, temos uma leva de bons artistas despontando no cenário nacional, nas redes, que não tem retorno real . Salvador ainda caminha a passos lentos pra uma estruturação que permita a cadeia produtiva da musica - em toda sua diversidade de estilos -  sobreviver dignamente”, conclui.

Coro de Rua – ocupação sonora do centro da cidade / Domingo, 15 horas / Com Livia Nery (BA), Danzi Love Jah (BA), Karina Buhr (PE), Mis Ivy (SP) / Dia 10 de dezembro, 15 horas / Com Livia Nery (BA), Aurea Semiséria (BA), Vandal (BA), BNegão (RJ) / Sound System: Ministereo Público / Rua do Couro (Escadaria da Barroquinha, Centro) / Gratuito

terça-feira, novembro 21, 2017

EX-SCAMBO, GRACO VIEIRA ESTREIA NOVO PROJETO BA_CO. SEXTA-FEIRA, NO FESTIVAL NO CAMINHO

Ba_Co: Nina Campos e Graco Vieira. Foto Douglas Mendes
Veterano guitarrista de bandas queridas do público como Inkoma, Scambo e Bailinho de Quinta, Graco Vieira está de projeto novo na praça.

Batizado Ba_Co (é underline mesmo, revisor!), trata-se de um duo com a baixista Nina Campos (da banda Macumba Love), que parte das células rítmicas do samba-reggae para criar um som híbrido com toques de rock e eletrônica.

Quem quiser conferir o novo som do Graco – e da Nina – tem uma excelente oportunidade nesta sexta-feira, na primeira edição do festival No Caminho, que ainda traz mais duas bandas de fora: a carioca Ventre e a gaúcha Dingo Bells.

Estreando banda e festival novos, Graco admite um friozinho na barriga: “Sim, a estreia de um projeto é sempre.... caótica (risos). Mas sei que as coisas vão se ajeitando com o tempo e que precisamos dar esse start, sair do digital e partir pros palcos”, afirma.

“Fiquei muito feliz com o convite de Marcelo Argôlo e Gabriele Jessi (produtores) pra gente estrear no festival No Caminho e torço muito para o sucesso dessa empreitada. Vejo verdade e vontade neles. Um festival de musica autoral é sempre importante pra circulação de bandas e projetos na cidade”, acrescenta Graco.



Composição de referências

Com cinco faixas disponibilizadas no Soundcloud, o Ba_Co apresenta uma proposta consistente, casando bem a guitarra (ora psicodélica, ora pesada) de Graco com  levadas que poderiam ter saído de um disco do Olodum.

Ba_Co. Foto Douglas Mendes
"O fim da Scambo foi inesperado, deixou um vazio. Mas esse vazio trouxe angústia e deu espaço suficiente para assumir um projeto completamente autoral. A gênese do Ba_Co: Minha infância e adolescência em Itapuã, nessa época eu gostava de dançar e foi ali que fui fisgado pelo Olodum, Timbalada, Edson Gomes, Gera Samba... Em 1999 passei a fazer parte do Inkoma, e entrei no mundo do rock baiano. Em 2006 me aproximei do grande mestre Ramiro Musotto e a Scambo gravou o seu melhor disco, com a produção dele, o disco que Nikima canta. Ver Ramiro produzir e tocar foi uma escola. Os anos que frequentei a UFBA, onde as musicas do Ba_Co começaram a surgir, principalmente nas discussões com Paulo Miguez e Renatinho da Silveira sobre o carnaval baiano e as matrizes africanas... O samba-reggae é um fetiche antigo, sempre gostei e sempre achei que poderia mesclar isso com as experiências que acumulei, seja no hardcore, no reggae, rock ou nas marchinhas e frevos do Bailinho”, conta.

Depois de compor e gravar algumas demos com a ajuda do sampler, Graco convidou Japa System (Baiana System) para ajuda-lo na parte eletrônica e Mario Pam (Ilê Aiyê) para acrescentar o peso dos tambores.

“Acho importante pontuar que o Ba_Co não é um projeto de samba reggae, é um composição de referencias de uma Salvador urbana e caótica, que me interessa e da qual faço parte. O início do processo de construção foi todo a partir do computador, como produtor, DJ, editando samples de percussão da Bahia e compondo riffs de guitarra. Com a primeira versão pronta senti que precisava do elemento orgânico da percussão e convidei Japa System para regravar alguns instrumentos. Durante minha pesquisa conheci o Mestre Mario Pam (Ilê Aiyê) que tem um conhecimento enorme da historia e ancestralidade dos ritmos afro baianos e que tem contribuído muito para expansão conceitual do projeto. No Ba_Co os tambores são tão importantes quantos os riffs de guitarra, as linhas de baixo, as letras e os beats eletrônicos”, pontua.

“Ao vivo, sempre quis a pressão do tambor. No show, vamos ter as bases eletrônicas e samplers, que fazem parte da essência do Ba_Co, mas também a percussão 'valendo'. Será um desafio, mas contaremos com dois grandes percussionistas, o mestre Mario Pam (Ilê Aiyê) e Nanny Sanntos (Cortejo Afro). No baixo e voz, minha parceira no projeto, Nina Campos. E eu na guitarra e cantando. Tocar com Nina é, sem dúvida, minha grande motivação pra colocar um projeto novo na rua”, afirma.

No estúdio, Graco e parceiro tiveram de lançar mão de uma certa alquimia para que a 'pressão' dos tambores não engolissem todos os outros instrumentos.

"Desde que comecei a produzir pro projeto, as musicas pintavam a partir de um riff de guitarra e as coisas iam se construindo ao redor. Então não tive tanta dificuldade em fazer soar bem... Todo o arranjo termina reforçando o riff. Optei por musicas harmônica e melodicamente muito simples, algo que sempre me agradou. Na minha pesquisa, percebi que as bandas que costumam gravar esses gêneros de musica soam gigantes ao vivo e quase sempre um pouco 'magras' nos discos. Minha solução foi colocar bases eletrônicas com bumbos e caixas, trazendo um caráter mais pop e uma linguagem mais moderna pras canções", detalha.

Lançada a banda, Graco e Nina seguem com um olho no mercado local e outro lá fora, de modo a aumentar as possibilidades de atuação.

"Os anos trabalhando com musica me deram a possibilidade de fazer um bom network, vou aproveitar isso pra colocar a banda pra rodar, é importante pra azeitar as coisas, ir dando corpo ao trabalho, pra gente ir testando e experimentando. A primeira musica que compus pro projeto, Paraguaçu, faz parte de uma coletânea chamada Bahia Music Export. O lançamento dessa coletânea fora do país imediatamente abriu uma porta e a mesma musica saiu em um compilação inglesa, The Rough Guide to Psychedelic Samba. Isso foi importante pra eu perceber o interesse e curiosidade dos estrangeiros pelo projeto. A segunda musica que compus,  Peixe (em parceria com Fabio Cascadura – que criou quase todas as letras comigo), foi uma das finalistas do XIII Festival da Educadora. Hoje, a faixa intitulada Oriente está concorrendo na edição 2017 do mesmo festival. Essas pequenas conquistas foram me fazendo perceber que existe algo de sólido ali. Minha ideia inicial  era lançar um EP, mas decidi lançar faixas separadamente, ir trabalhando com singles e depois juntar isso num disco, provavelmente no primeiro semestre do ano que vem", conclui Graco.

Festival No Caminho / Com Ventre (RJ), Dingo Bells (RS) e Ba_Co / Sexta-feira, 19 horas / Cine Teatro Solar Boa Vista /  R$ 25 (no Sympla)



NUETAS

Soraya e o Maldito

No show Doce Maldição, a cantora Soraya Aboim faz tributo ao maldito Sérgio Eu Quero é Botar Meu Bloco na Rua Sampaio. Sexta-feira, no Espaço Cultural Casa da Mãe. 22 horas, R$ 15.

Francisco, Jadsa...

A banda Francisco el Hombre (SP) se junta à cantora Jadsa Castro e ao DJ Camilo Fróes na festa Noites de Radioca. Sexta-feira, 23 horas, no Portela Café. R$ 30 (Sympla).

Música Solar Fest

O restaurante Solar (R. Fonte do Boi) realiza ao longo do mês seu Solar Music Festival. Esta semana tem Bago de Jazz (nesta quinta-feira e na próxima, dia 30), Candice Fiais & Soulshine Blues Band (sexta) e Grupo Barlavento (sábado). Sempre às 20h30, R$ 15.

sexta-feira, novembro 17, 2017

AMIGOS IMPROVÁVEIS

Ali Fazal e Judi Dench como Abdul e Victoria
Estreia: De Stephen Frears, Victoria & Abdul - O Confidente da Rainha narra a amizade entre a Rainha e um plebeu

Eis aqui um filme complicado –  mesmo para um veterano consagrado como Stephen Frears, diretor de grandes filmes como As Ligações Perigosas, Os Imorais e Philomena.

Victoria & Abdul - O Confidente da Rainha narra a história real da improvável amizade entre a mítica rainha da Inglaterra e um plebeu, indiano muçulmano.

Baseado no livro Victoria & Adbul: The True Story of the Queen’s Closest Confidant, de Shrabani Basu, o filme tem lá seus acertos.

Dame Judi Dench retoma com a classe de sempre o papel da Rainha Victoria, papel que já tinha interpretado no filme Sua Majestade, Mrs. Brown (1997), e Ali Fazal, que faz o Abdul, se equilibra bem na ambiguidade entre o puxa-saquismo e a sinceridade de seus sentimentos pela Rainha.

A rica reconstituição de época deve render indicações ao Oscar... 
Mas fica difícil embarcar na história de tão terna amizade entre a líder de um império sanguinário como foi o Britânico na época da dominação sobre a Índia, e um súdito dessa mesma nação oprimida.

No início do filme há o seguinte aviso: “Baseado em fatos reais – a maior parte” (“mostly”, em inglês), tornando ainda mais complicado – pelo menos para quem não leu o livro – saber o quanto da subserviência de Abdul era abjeta e o quanto da estima entre ambos era sincera.

De qualquer modo, o filme tem bom ritmo, uma produção luxuosa, excelentes atores e algumas cenas engraçadas, dado o choque cultural do inusitado encontro.

Se não convence muito pelo lado histórico, pelo menos pode ganhar lá suas indicações no próximo Oscar, dadas suas qualidades técnicas evidentes.

O Abdul e a Victoria da vida real. Foto Wikicommons
A amizade entre Victoria e Abdul começou em 1887, quando este foi escolhido, graças ao seu porte elegante para, representando seu país, presentear a Rainha com uma moeda cerimonial.

Ousado, Abdul lançou um “olhar 43” à senhora, que caiu nos seus encantos.

O resto é história. Ou não.

Victoria e Abdul - O Confidente da Rainha / Direção: Stephen Frears / Com  Judi Dench, Ali Fazal, Eddie Izzard, Michael Gambon / Livre

quinta-feira, novembro 16, 2017

SALVE A RAINHA

Juliana Ribeiro reúne 30 músicos artistas no palco do Vila Velha para celebrar o legado de Clementina de Jesus, a Rainha Quelé

Juliana Ribeiro, foto Dôra Almeida
30 anos depois de ter deixado este mundo, Clementina de Jesus ainda impressiona quem ouve sua voz e seus cânticos ancestrais. Amanhã, a cantora baiana Juliana Ribeiro presta seu tributo anual à Rainha Quelé e sua força agregadora, com mais de 30 artistas no palco do Teatro Vila Velha.

Este é o quarto ano que ela realiza este espetáculo – viabilizado desta feita por meio do edital Arte Todo Dia (Fundação Gregório de Mattos, Prefeitura de Salvador).

No palco, Juliana e banda receberão mais trinta artistas, reunindo músicos, poetas e transformistas, todos unidos na admiração e influência (direta ou indireta) de Clementina: Clécia Queiroz, Edil Pacheco, Gal do Beco, Grupo Barlavento, Lazzo Matumbi, Márcia Short, Pali Trombone, Rita Braz, Maviael Melo, Juracy Tavares, Ferah Sushine e Rainha Lou Lou são apenas alguns que estarão no TVV amanhã.

O mais legal é saber que toda essa movimentação surgiu a partir de um documentário e um desafio: “Em 2012, Chico Assis (coordenador do Cine-Teatro Solar Boa Vista) chamou alguns artistas para assistir o documentário Clementina de Jesus: Rainha Quelé (2011, de Werinton Kermes)”, conta Juliana.

“O filme é muito tocante, e quando ele acabou,  Chico nos provocou para que fizéssemos alguma coisa pela memória dela, que tem uma importancia extrema na cultura brasileira. Então eu também chamei outros artistas para participar de  um tributo”, conta.

E assim, em julho daquele mesmo ano, Juliana realizou seu primeiro espetáculo em homenagem à cantora carioca.

“Resolvemos fazer todo ano nessa data. Foram 40 artistas. Quase fico louca pra coordenar todo mundo, mas é que Clementina tinha esse espirito de coletividade, era uma agregadora natural. Não a toa, João Bosco, Paulinho da Viola, Martinho da Vila e muitos outros, todo mundo era fã dela”, relata Juliana.

Para organizar esse baba, a cantora teve que organizar os participantes em grupos: “Quando eu vi que 40 pessoas tinham topado meu chamamento, comecei a junta-los em duplas, trios, quartetos e quintetos para cantar uma música. Assim, todos puderam participar. Isso rendeu muitos encontros inusitados, de pessoas de que nunca cantaram juntas – e cantando Clementina, dando um valor simbólico ainda maior ao evento”, afirma.

Outro valor que será agregado ao evento é que ele será gravado em vídeo e disponibilizado – uma música por vídeo – na Biblioteca Digital Gregório de Mattos.

“Uma das contrapartidas deste edital é a produção da memória digital. Todo o show será gravado em formato de cápsulas musicais. Cada número vai ser gravado e editado em um clipezinho para o  site da Fundação”, conta.

Clementina, foto Danilo Pavani / Cedoc FPA
Memória da diáspora

Nascida em 1901, morta em 1987, Clementina de Jesus surgiu no cenário da música popular brasileira pelas mãos do poeta e produtor Hermínio Bello de Carvalho.

“A avó dela era escrava liberta e a criou no Quilombo de Carambita em Valença, no Rio de Janeiro. A mãe era empregada doméstica, saía para trabalhar e a deixava com a avó. Esta ia lavar roupa no rio e lá ela cantava na frente da neta”, conta Juliana.

Mais crescida, Clementina se muda para a capital fluminense para trabalhar ela mesma em casas de família como doméstica. Na memória, levava os cantos afrobrasileiros que aprendeu com a avó.

No Rio, cantava todos os anos na festa da Igreja da Nossa Senhora da  Penha. Numa dessas, Hermínio Bello ouviu a voz ao mesmo tempo áspera e terna de Clementina e ficou estatelado. Voltou para casa, mas continuou com aquela voz na cabeça, insistente.

“Somente na festa da Penha do ano seguinte ele conseguiu  encontra-la. ‘Olha, estou encantado com sua voz, queria que a senhora viesse gravar comigo’. Ela achou estranho, até porque já tinha 62 anos”, conta.

“Hermínio a recebeu em casa com flores e a levou para a indústria do entretenimento, com o espetáculo Rosas de Ouro. Acompanhando Quelé, ninguém  menos que Paulinho da Viola, Elton Medeiros, Nélson Sargento, meninos de 20 e pouco anos. Clementina é a memória, a diáspora encarnada. Ela fazia esse elo na voz, sem precisar de discurso. Ela transcende tudo isso”, conclui Juliana.

Tributo a Clementina Ano IV / Com Juliana Ribeiro e vários artistas / Amanhã, 19 horas / Teatro Vila Velha / R$ 20 e R$ 10

quarta-feira, novembro 15, 2017

SUPERAMIGOS SE REÚNEM PARA DEFENDER A TERRA

Estreia: Liga da Justiça sedimenta universo compartilhado de super-heróis da DC em longa eficiente e mais leve que os anteriores 

"Alguém pode desligar essa máquina de gelo seco? Coisa mais demodê!"
Justiça seja feita: Liga da Justiça, o filme (estreia hoje), pode até não ser melhor que a leva mais recente de filmes da Marvel (Guerra Civil, Guardiões 2, Thor Ragnarok), mas não fica muito atrás.

E olha que a produção foi complicada, com direito a saída do diretor, filmagens adicionais e tudo.

Depois da avalanche de críticas negativas de Batman vs. Superman (2016) – nem todas justas, acrescente-se – a Warner / DC e Zack Snyder (diretor) sentiram que o tom de Liga precisava ser um menos sombrio e mais  leve e divertido.

Eis que, para salvar a pátria, entram em cena os novos integrantes da Liga: Flash (Ezra Miller), Aquaman (Jason Momoa) e Cyborg (Ray Fisher), que se juntam ao trio – ops, dupla - já estabelecida nos filmes anteriores: Batman (Ben Affleck) e Mulher Maravilha (a deslumbrante Gal Gadot).

O Superman (Henry Cavill), como se sabe, se sacrificou ao final de Batman vs. Superman para salvar a humanidade.

A boa notícia é que o conjunto tem química, funciona na tela.

Flash rouba a cena direto como o garotão gaiato, servindo de alívio cômico.

Aquaman é uma espécie de Conan O Bárbaro (personagem  que Momoa já encarnou, em 2011) dos mares, cuja brutalidade faz bom contraponto com a sofisticação high tech do Batman.

E o Cyborg ensaia uma personalidade meio atormentada, recebendo um certo apoio da Mulher Maravilha.

Portal interdimensional

"Grande Hera! Olha o tamanho daquele clichê vindo em nossa direção"!
Na trama, acompanhamos o esforço de Batman e Mulher Maravilha para formar uma equipe de super-heróis e combater uma ameaça maior ainda do que as já vistas em Homem de Aço (2013) e Batman vs. Superman.

É na construção dessa trama que reside a fragilidade do filme, cujo roteiro cai em certos velhos lugares comuns dos filmes de ação e fantasia, com direito a objetos mágicos que abrem portais interdimensionais etc e tal.

Tudo bem que os tais objetos já existem nos quadrinhos da DC Comics há mais de 50 anos – e que sim, não dá pra reinventar a roda do cinema de entretenimento de massa assim, do nada – mas que soou clichê, soou.

Descontadas essas bobagens, Liga da Justiça cumpre bem o papel a que se propõe, que é sedimentar o universo compartilhado dos personagens da DC no cinema.

É possível notar que houve um esforço no roteiro retrabalhado por Joss Whedon (que assumiu o filme com a saída de Snyder, depois que o filho deste último cometeu suicídio), no sentido de dar um bom tempo  de tela a cada um dos personagens, preparando o terreno para os filmes solo de Flash, Aquaman e Cyborg.

Agora é aguardar os próximos capítulos desta super saga.

Liga da Justiça / Dir.: Zack Snyder / Com Ben Affleck, Gal Gadot, Jason Momoa, Ray Fisher, Ezra Miller, Henry Cavill e Amy Adams / Cinemark, Cinépolis (Shopping Bela Vista e Shopping Salvador Norte), Cinesercla Shopping Cajazeiras, Espaço Itaú de Cinema Glauber Rocha, UCI Orient (Shopping Barra, Shopping da Bahia e Shopping Paralela) / Livre

terça-feira, novembro 14, 2017

DE MARAGOJIPE, VOVÓ DO MANGUE FAZ VOLTA TRIUNFAL NA CIDADE NATAL E PROMETE SHOW PARA BREVE EM SALVADOR

Vovó do Mangue, foto Carlos Alberto Gomes
Vista com certo desdém tanto por roqueiros ressentidos dos anos 1980, quanto pela garotada afoita que descobriu MPB  um dia desses, a geração  anos 90 pariu inúmeras grandes bandas que, volta e meia, voltam a dar as caras por aí.

De Maragojipe (Recôncavo), a  Vovó do Mangue faz o retorno da vez ao lançar, finalmente, seu primeiro álbum.

Formada no início dos anos 1990, a Vovó atuou até 2007, quando encerrou as atividades. Na ativa, se apresentou no Festival Garage Rock (1998), no Palco do Rock (2000) e na Bienal do Recôncavo (1998, 2000, 2002 e 2004).

"A banda encerrou suas atividades em 2004, principalmente devido às dificuldades de conciliação da rotina de trabalho dos seus membros com o dia a dia do grupo. Foi um momento em cada um estava focado na consolidação da sua vida profissional, estruturando a família, etc. Entretanto, por sermos amigos de infância, nunca deixamos de ter um forte contato um com o outro (mesmo com Gustavo Mello, guitarrista, que mora em salvador). Em 2007, nos reunimos para uma apresentação em comemoração aos 10 anos da Fundação Vovó do Mangue e, durante os ensaios, compomos rapidamente a música Moderno (que está presente no disco, como faixa bônus), o que demonstrou que ainda tínhamos uma consistente interação. Em 2013, Gustavo Mello lança seu primeiro disco solo – Tambor de Corda -, influenciado pela música das religiões de matriz africana, e convida Francisco Alecy (baixo) para uma agenda de apresentações", relata o baterista Luiz Carlos Brasileiro.

"A banda surgiu espontaneamente dum movimento de jovens da cidade, que curtiam skate, literatura, música – coisas desse tipo, um certo tipo de influência 'gringa' do final dos anos 1980. Nesse período, Maragojipe era uma cidade com movimentação cultural muito mais diversificada e pulsante do que hoje. Rolavam vários estilos musicais nos bares (claro que os mais comerciais prevaleciam), teatro, saraus de poesia, etc. A cidade tinha certa aura, que, infelizmente, foi se dissipando nos anos seguintes (parece um ciclo – há dez anos, por exemplo, a cidade tinha voltado a fervilhar; nos dias atuais, reencontrou a decadência). No começo, éramos tidos como rebeldes e radicais (perturbadores da ordem social – rsrsrsr) e constantemente nos deparávamos com certo desdém das pessoas. Mas isso foi logo deixado para trás, e rapidamente conseguimos conquistar espaço na cena local", acrescenta.

Em 1997, ajudou a fundar a ONG Fundação Vovó do Mangue, com projetos nas áreas de cultura, educação e meio ambiente.

Nada mais justo, portanto, que o show de lançamento do primeiro álbum do grupo, neste sábado,  seja justamente na sede da ONG que emprestou seu nome.

“A ideia de fazer o disco surgiu em 2014, quando, nos reencontramos para fazer novas músicas. Bateu a curiosidade: como seria a Vovó do Mangue nos dias atuais? Por outro lado, também não nos sentimos confortáveis em abandonar as músicas antigas. Em 2015, iniciamos a gravação do disco com as nossas principais composições da década de 1990”, conta.

"Fizemos as gravações em três estúdios diferentes. Iniciamos os trabalhos no estúdio Akuarius, em Cruz das Almas (2015), gravando as guias e redefinindo tons, andamentos e pausas das músicas. Lá também foram gravadas as pistas da bateria de todas as canções. Ainda em 2015, pela necessidade de facilitar a logística, nos mudamos para o JP Produções/Nairo Estúdio, em Salvador. Durante esse período, gravamos as linhas de baixo e as principais linhas de guitarra. Foi um momento importante na consolidação da sonoridade do disco, pois tivemos muito tempo para experimentar timbragens, feitos e arranjos. Em 2016 fomos para o WR Bahia, onde finalizamos as gravações e, já em 2017, foram feitas a mixagem e masterização do disco. Toda a produção foi realizada pela banda", relata Brasileiro.

Rock na base de tudo

Vovó do Mangue, foto Carlos Alberto Gomes
Como quase todo roqueiro, os então meninos da Vovó do Mangue ralaram e deram muito a cara pra bater até terem o reconhecimento da própria comunidade: “A banda, juntamente com o movimento de juventude que rolava ao seu redor, foi o embrião de tudo. Foi um processo de amadurecimento que, desde o principio, nos levava para esse caminho – para nós, um amplo envolvimento com atividades sociais, ambientais e culturais em Maragojipe foi somente uma questão de tempo, o que culminou, em 1997, na criação da Fundação Vovó do Mangue. Até hoje os membros da banda participam ativamente da instituição, que possui um expressivo reconhecimento dos seus trabalhos, inclusive por organismos internacionais. Um fato muito interessante nessa história é que, no começo, éramos tidos como ‘rebeldes’ e tratados com certo desprezo por alguns segmentos da sociedade local. Hoje, viramos ‘celebridades’ e somos reconhecidos, respeitados e ouvidos por quase todos. O rock foi a base de tudo”, afirma.

No som da Vovó, uma bem azeitada engenharia sonora conjuga rock e blues com ritmos regionais do Recôncavo – mas sem soar caricatural, um risco sempre presente nessas misturas.

“No inicio da banda, nossas influências eram grupos de destaque do rock nacional. Não muito tempo depois, começamos a descobrir as principais referências do rock mundial. Isso tudo sempre foi um mundo muito fascinante para nós, que despertava a criatividade, a inquietação e a ansiedade e em construir, em produzir várias coisas. O rock (com suas vertentes e matrizes) foi e é uma forte influência. Mas, por outro lado, em Maragojipe, desde a infância, sempre fomos rodeados por sons, manifestações e expressões artísticas variadas. Aqui, a cultura popular é muito forte e presente - por instinto, ela penetra nossos corações e colabora fundamentalmente para a nossa formação enquanto pessoa, enquanto cidadão. Sempre tivemos forte contato com samba de roda, candomblé, filarmônicas, orquestras populares, capoeira, carnaval tradicional, tradições juninas, terno de reis, além da culinária, artesanato e literatura local. Como também não se apaixonar e se influenciar por tudo isso? Num ambiente como esse, teria sido uma fatalidade não buscar e provocar uma mistura de gêneros musicais”, conta.

"(Agora) Vamos trabalhar na promoção do disco até meados do ano que vem. Faremos alguns shows em Salvador (o primeiro em dezembro ou janeiro próximos) e em outras cidades baianas – Feira de Santana, Cachoeira... Vamos também lançar mais dois clipes", conclui Brasileiro.

Vovó do Mangue / Sábado, 21 horas / Fundação Vovó do Mangue (Praça Conselheiro Antonio Rebouças, 16, Centro - Maragojipe) / Ingressos: www.facebook.com/bandavovodomangue



NUETAS

Game, Iorigun, Jell

Game Over Riverside, Iorigun e Sofie Jell são as atrações do Quanto Vale o Show? de hoje.  Dubliner’s Irish Pub, 19 horas, pague quanto quiser.

Retrofoguetes sexta

Os fabulosos Retrofoguetes fazem mais um  show de divulgação do álbum Enigmascope Vol. 1 nesta sexta-feira, no Qattro Gastronomia & Cultura (R. Fonte do Boi) 22 horas, R$ 20 (direito a CD).

Kids, Erasy, Orelha

O festival Supernada – mais uma cortesia do incansável  Kairo, da produtora  NHL – traz os cariocas do Deaf Kids e os feirenses do  Erasy para tocar com as locais  Aphorism, Orelha Seca e Culinária Guerrilha. Punk noise neste sábado, no  Bukowski Porão Bar (Pelourinho), 17 horas, R$ 15.

sábado, novembro 11, 2017

ANJO COM ASAS DE FOGUETE

Alceu Valença traz amanhã à Concha Acústica do Teatro Castro Alves  Anjo de Fogo, no qual faz um passeio por todas as fases de sua carreira cheia de sucessos

Alceuzão. A foto, cedida pela produção, veio sem autor. Quem souber avisa.
Alceu Valença, figura incontornável da música brasileira dos últimos 40 anos, é um dínamo. A novidade quanto a isso é zero, mas quem for no seu show na Concha Acústica amanhã certamente ficará admirado – mais uma vez – com a energia aparentemente inesgotável deste senhor de 71 anos sobre um palco.

A pancada deve vir logo na primeira música, a espetacular Anjo de Fogo, que dá título ao show e foi pinçada do álbum Espelho Cristalino (1977).

Originalmente acústica, a canção ganhou um arranjo elétrico pesado no show Vivo! Revivo! (2015), conduzido pela guitarra do mestre pernambucano das seis cordas (e parceiro de décadas) Paulo Rafael.

“Anjo de Fogo é um show que cobre minha carreira desde a década de 1970 até agora”, conta Alceu por telefone.

“Começa com Anjo de Fogo,  passa por Papagaio do Futuro, Embolada do Tempo, depois vem Espelho Cristalino, Coração Bobo, Solidão, entra nos anos 80  com Tropicana, Como Dois Animais, Estação da Luz. Aí volto ainda mais no tempo e  canto Pagode Russo de Luiz Gonzaga, volto aos anos 70 com Táxi Lunar e por aí vai. É um show de módulos sonoros e poéticos”, detalha Alceu, engatando a quinta marcha.

Dono de memória prodigiosa, Alceu garante se lembrar de todos os shows que fez na cidade. “Me lembro de todos os tempos que fui aí em Salvador. Lembro que fui entrevistado pro seu jornal (A TARDE) pelo (então repórter) Nonato Freire, sobre um show que fiz no Icba (Instituto Cultural Brasil Alemanha). Me hospedei na pensão de dona Germana, que era no Corredor da  Vitória”, relata.

Ele ainda lembra que, durante o show, “um alemão fez várias fotos minhas. Depois  ele me deu uma foto em que eu aparecia com várias pessoas de chapéu. Algum tempo depois fui a Paris e  a usei no cartaz de um show (fala com sotaque francês: ‘grand premiere’’’, ri.

Mestre da cultura nordestina – e portanto, universal – Alceu rejeita dizer que seu som tem pegada roqueira: “Tem uma pegada roqueira, mas não é rock. Nunca fiz parte  de grupo, fiz minha música do jeito que eu queria”, afirma.

“Quem não gostava de rock ficava com raiva de mim por que achava que não podia ter guitarra  na minha música. E quem gostava de rock achava que eu era muito regional. Aí uma vez Luiz Gonzaga assistiu meu show e eu fui falar com ele depois. Achei que ele ia meter o pau. Aí ele  falou (imita um perfeito  Gonzagão): ‘Adorei. Parece uma banda de pífanos elétrica’”, conta, aos risos.

Alceuzão, mesmo caso da foto anterior: sem crédito
As coisas mudam

Artista de peito aberto, que fala o que pensa de forma clara, Alceu vê com preocupação o levante “conservador” que tem perseguido artistas e livres pensadores por motivos, no mínimo, duvidosos.

“Parece que as pessoas estão ficando loucas. Está na hora de parar pra pensar. As coisas mudam, o tempo muda. Veja como a igreja católica mudou. Tenho todo  respeito, mas ela queimou muita gente nas fogueiras (durante a Inquisição). Depois fez uma autocrítica. Então, está no momento de parar e pensar um pouco mais”, lembra.

“Tenho formação filosófica. Gosto de pensar, conceituar. Sou um perguntador, sempre tive essa posição, que vem muito de meu pai, que  dizia: ‘não gosto de fechar questão’. O que eu quero dizer é: vamos deixar que as pessoas se expressem. Essa questão de gênero, vamos deixar cada um ser o que é. As pessoas tem o direito de fazer do corpo dela o que quiserem, não tenho nada a ver com isso”, conclui.

Alceu Valença: Anjo de Fogo / Amanhã, 19 horas / Concha Acústica do Teatro Castro Alves / R$ 80 e  R$ 40 / Camarote: R$ 160 e R$ 80 / Vendas: bilheteria TCA, SACs Shoppings Barra e  Bela Vista e www.ingressorapido.com.br

quinta-feira, novembro 09, 2017

ÉPICO BRASILEIRO

Parceiro de Geraldo Vandré, lenda da era dos festivais de MPB, Theo de Barros volta à cena com Tatanagüê, um dos melhores discos de música brasileira do ano 

Renato Braz e Theo de Barros, foto Guilherme Castoldi
Há  músicos – extraordinários ou banais – que vivem para perseguir a glória, grana e holofotes.

Outros  são mais reservados e, mesmo exercendo a carreira musical, desenvolvem sua arte à sombra, no escurinho dos estúdios.

Um exemplo é Theo de Barros, que aos 74 anos lançou Tatanagüê, álbum que periga figurar em muitas listas de melhores do ano (listas sérias, claro).

Theo, com o perdão do clichê, seria para as massas aquilo que se convencionou chamar de “ilustre desconhecido”. Fãs da tradição da grande MPB, contudo, sabem muito bem quem é Theo de Barros.

“Sempre exerci várias atividades relativas à música.  Trabalhei como arranjador, produtor de discos, publicidade etc. Talvez se eu tivesse me dedicado somente a compor, isto não tivesse acontecido”, observa Theo, por email.

Violonista e arranjador, Theo, carioca filho de alagoano, começou a ser notado quando teve sua composição O Menino das Laranjas gravada por Geraldo Vandré em 1964 – e regravada por Elis Regina no ano seguinte, ajudando a projetar ainda mais seu nome.

Foi em 1966, provavelmente, que Theo teve seu momento de maior popularidade: Disparada, parceria com Geraldo Vandré e interpretada por Jair Rodrigues, foi a vencedora do II Festival de Música Popular Brasileira – empatada com A Banda, de Chico Buarque.

Naquele mesmo ano, formou o Quarteto Novo, uma super banda, que além dele, contava com ninguém menos que Heraldo do Monte, Airto Moreira e Hermeto Pascoal, multi-instrumentistas cultuados mundo afora e de grande importância na MPB.

“O Vandré foi o mecenas do Quarteto Novo. Em contrapartida, ele tinha a nossa exclusividade”, conta Theo.

Em 1967, q Quarteto apareceu no III Festival de Música Popular Brasileira, acompanhando Edu Lobo e Marília Medalha, em Ponteio (de Edu e Capinam), outro clássico.

“Outros compositores queriam o Quarteto Novo para acompanhá-los. No festival seguinte ao de Disparada, nós fizemos Ponteio, com Edu Lobo e Marilia Medalha. Quando o Vandré apresentou o Caminhando... (1968) nós já tínhamos nos separado”, lembra.

Nas décadas seguintes, Theo fez de tudo: música para teatro, filmes, publicidade. “Quando o conjunto (Quarteto Novo) terminou, cada um de nós teve que cuidar da própria sobrevivência. O mercado havia mudado e eu tive que me adaptar à nova realidade”, relata Theo.

Monumento

Renato, Theo, Monica Salmaso e Ricardo Barros. Foto Guilherme Castoldi 
Tatanagüê é apenas seu quarto álbum solo. O último, Theo, é de 2004.

Salvo engano, Tatanagüê é sua obra mais ambiciosa: com 16 faixas, une a tradição da música popular à um rigor sinfônico raras vezes ouvido.

Com arranjos complexos – mas agradabilíssimos aos ouvidos – reúne uma infinidade de músicos eruditos e outros tantos populares.

Aqui, seus parceiros mais constantes são o letrista Paulo César Pinheiro (outra lenda viva por méritos próprios), o cantor Renato Braz e Ricardo Barros, filho e produtor do CD.

Vale lembrar que tatanaguê é um pássaro, que, dizem, alertava com seu canto - muito característico - quando capitães do mato se aproximavam dos quilombos. Muito difícil de ser avistado, é um pássaro quase invisível, o que só aumentava sua eficiência.

“Foi um dos melhores discos que eu já fiz, no que se refere a ambiente de trabalho. Os músicos e convidados foram extremamente carinhosos e pacientes. Creio que esse astral passa para o ouvinte”, diz.

Épico, o álbum é um tour de force pelo Brasil profundo, partindo de ritmos populares como ijexá, capoeira, samba, toada etc para pintar um quadro sobre o Brasil e seu povo – uma obra monumental.

“Cada gênero (musical) tem suas características. É uma questão de se manter fiel a essas peculiaridades”, observa Theo

A voz cristalina de Renato Braz emoldura quase todo o disco, exceção feita às faixas Alguém Sozinho, com Monica Salmaso e Camaradinho, com Alice Passos, igualmente brilhantes.

“Renato e eu já havíamos trabalhado antes. Considero o Renato como um dos nossos melhores intérpretes. Ele tem todas as qualidades para cantar esse repertório”, afirma o músico.

Agora, é aguardar o veterano músico e seus parceiros botarem o pé na estrada para levar essa obra para o Brasil ouvir ao vivo.

“Já aconteceu um show de lançamento aqui em São Paulo, no Auditório Ibirapuera. Estamos pensando em fazer mais um e então começar uma caravana para divulgar o CD. Pode ser que Salvador esteja no circuito”, diz Theo.

Aguardemos.

Tatanagüê / Theo de Barros / Produzido por Ricardo Barros / Independente / Distribuição: www.tratore.com.br / R$ 39,90

terça-feira, novembro 07, 2017

INNER CALL CONVIDA THE CROSS E SOUL WIND PARA SHOW SÁBADO NO SOLAR BOA-VISTA

Foto Rafael Almeida
Sempre em expansão, a cena do heavy metal na Bahia busca novos espaços para apresentar suas bandas e quem, sabe, trazer outras de fora.

A Inner Call, uma das mais ativas surgidas nos últimos anos, dá um bom passo  ao ensaiar, com o show Metal no Teatro, a retomada de um antigo espaço que já viu muito show de rock, o Cine-Teatro Solar Boa Vista.

Sábado, a Inner Call sobe  no histórico palco local com mais duas bandas:  The Cross (veterana pioneira do doom metal)  e Soul Wind.

A iniciativa foi do baterista da Inner Call, Luiz Omar Gonçalves: “Essa oportunidade ocorreu através de edital, o Ocupe Seu Espaço (SecultBA). A princípio será data única. Mas já enviei projeto para outras datas em 2018”, conta.

Salvo engano, shows de heavy metal não costumam ter muito apoio dos poderes públicos, daí a surpresa de Luiz ao ver seu projeto contemplado.

“Confesso pra você que fiquei surpreso quando tive minha proposta aprovada. Sempre estou atento aos editais de cultura e essa é a primeira vez que tive algo aprovado”, diz.

“O Solar Boa Vista é um excelente espaço que já foi palco da cena rock de Salvador nos anos 1980 e 90. Vamos reconquistar esse espaço”, afirma Luiz Omar.

Foto Samuca Marinho
Metal é rock ‘n’ roll, gente

Fundada em 2008, “pausada” anos depois e retomada em 2015, a Inner Call é uma das bandas mais interessantes do rico cenário metálico local: faz heavy tradicional, mas sem abrir mão de elementos de rock ‘n’ roll no som – algo cada vez menos comum no  sisudo metal, o que é uma pena.

Com um álbum lançado, Inner Call, MS Metal Records, 2016), a banda faz neste show uma prévia do segundo álbum.

“Tivemos um 2017 extremamente positivo. Shows em Minas para mais de 30 mil pessoas, pelo interior da Bahia e no maior palco rocker do estado, o Palco do Rock, mais a gravação do single Hades e de nosso segundo álbum, Elementals, disponível a partir de dezembro”, conta.

“Para 2018 já convidamos ótimas bandas locais e teremos surpresas por vir, inclusive com a possibilidade de uma banda argentina. Que este show seja o primeiro de muitos. Que  o público apoie e compareça, só assim conseguiremos manter esse espaço tão importante”, conclui Luiz.

Metal no Teatro / Com Inner Call, The Cross e Soul Wind / Sábado, 17 horas / Cine-Teatro Solar Boa Vista / R$ 30 ou R$ 15 + 1 kg de alimento não-perecível



NUETAS

Asco e Orelha Seca

Asco e Orelha Seca fazem a Terça de Peso no Quanto Vale o Show? de hoje.  Dubliner’s, 19 horas, colaborativo

Popoff no Sesi

Multi-instrumentista virtuoso com longa folha de serviços prestados a nomes como Nana Caymmi, Maria Bethânia e Beto Guedes, Yuri Popoff faz show hoje e amanhã no Teatro do Sesi. O esquema é voz e violão, com o acompanhamento da cantora Luiza Britto e participação da fera baiana Jana Vasconcellos (violão).  20 horas, R$ 50.

Espinhos, Barulho...

O show Viva Rock: A Resistência bota no palco da Quadra Esportiva de São Caetano as bandas Espinhos & Rosa, Barulho S/A, Fridha e Vernal. Domingo, 15 horas, grátis.

segunda-feira, novembro 06, 2017

COURO DE GATO É BOM PRA FAZER TAMBORIM E HQ

Os pioneiros do samba no Rio de Janeiro são lembrados em bela obra de Patati e João Sánchez

A arte em xilogravura...
Expressão máxima da musicalidade brasileira – e do espírito nativo – o samba ainda foi pouco abordado pelos quadrinistas. É de se comemorar, portanto, o lançamento de Couro de Gato, de Carlos Patati (roteiro) e João Sánchez (arte).

Lançado pela Veneta, a HQ é um voo livre sobre as origens do gênero, resgatando alguns de seus pioneiros e suas histórias – o que equivale dizer que também conta um pouco da história do Rio de Janeiro no início do século 20, e portanto, também do Brasil.

Produzida ao longo de dez anos, a obra tem na arte de Sánchez tanto um de seus pontos  fortes quanto um ponto fraco.

Explica-se: inicialmente, a ideia era fazer a HQ inteirinha em xilogravura (técnica de gravura em madeira), especialidade do artista.

“Para meu espanto, depois de pesquisada e escrita, a primeira das três partes iguais do livro estava pronta em um ano! Toda em xilogravura! No entanto, a vida anda, o sujeito não pode desprezar a oportunidade de viajar e aprender”, diz Patati no prefácio.

“João criou um estilo ‘xiloderivado’ para prosseguir. Ele desenhou quando pôde, e as duas outras HQs se esticaram longamente, sem que me faltasse notícia delas. Tudo junto, foram dez anos!”, conta.

Aí é que está: o primeiro capítulo, todo em majestosa xilografia, como se pode ver na reprodução ao lado, acostuma “mal” os olhos do leitor, que, quando chega nos dois outros, se depara com uma arte que, apesar de bonita, simplesmente não está à altura.

Isto prejudica um pouco a experiência da leitura, ainda que fique claro, conforme as páginas avançam, que o artista foi esquentando, evoluindo em seu estilo “xiloderivado”, produzindo, sim, belas páginas mais ao final do livro.

...e a arte "xiloderivada" de Sanchez
Veteranos de guerra

Descontado este desequilíbrio, a HQ em si vale a leitura (e a apreciação de sua arte).

Como já foi dito, ela traz três histórias independentes entre si, ligadas pelo próprio tema e um personagem recorrente, o fictício Camunguelo, um violeiro e compositor de sambas, contemporâneo dos pioneiros que vão aparecendo na história, como Mano Elói, Tia Ciata (que não aparece, mas é várias vezes citada), Ismael Silva, Cartola, Noel Rosa etc.

A primeira HQ, com suas gravuras absolutamente deslumbrantes, ambientada em 1901, mostra  a população de ex-escravos sofrendo o diabo ao voltar das guerras do Paraguai e de Canudos, iludidos pela promessa do governo de uma casa para cada soldado, nunca cumprida.

E aí vemos a origem das favelas (nome da plantinha que vinha nas botas dos soldados chegados de Canudos).

Visto hoje, o episódio é uma amarga lição de história que explica (em parte) o caos vivido pela Cidade Maravilhosa mais de um século depois, fruto, como sempre, do descaso histórico do Estado para com as populações mais pobres.

O segundo episódio também traz uma forte carga histórica ao enfocar a última noite do Morro do Castelo, área de fundação da cidade e que foi abaixo em 1922, a mando do então prefeito Carlos Sampaio, para se livrar da população proletária que lá vivia e deixar a cidade “bacana” para as comemorações do Centenário da Independência.

Na HQ, vemos Camunguelo e  namorada, na véspera da demolição do morro, relembrando episódios como a Revolta da Chibata (1910) e o exílio forçado de revoltosos para Belém, além da lenda do tesouro jesuíta que até hoje cerca a história do Morro.

A terceira HQ é um encontro em um botequim, já em 1930, de Camunguelo com Noel, Cartola e Ismael. O papo gira em torno da venda de sambas, muito comum então, para os cantores do rádio.

Couro de gato – Uma história do samba / Carlos Patati e João Sánchez / Veneta/ 144 p./ R$ 54,90