Páginas

quinta-feira, abril 27, 2017

UM MAGO BAIANO EM PORTUGAL

De Guanambi, no interior do estado, o músico e compositor Túlio Augusto é professor e coordenador de cursos livres no Conservatório de Seia, em Portugal, onde lançou um álbum

Túlio Augusto, foto Tadeu Mascarenhas
À beira da bucólica Serra da Estrela, no centro de Portugal, o Conservatório de Música de Seia abriga um músico baiano em busca da transcendência.

Egresso da Escola de Música da Ufba, Túlio Augusto, lançou há poucos dias um belo álbum com faixas instrumentais.

Intitulado Blue Spell (Magia Azul), o disco gravado inteiramente por Túlio no além-mar traz onze temas de no máximo três minutos e meio, à base de guitarra e gaita – seus instrumentos de preferência.

É uma belíssima mostra de seu talento e habilidade, com sonoridades transitando entre o jazz, o blues e a música erudita.

Ele define o trabalho como “um álbum conceitual que carrega consigo o verdadeiro significado de magia: transcendência de consciência”.

De fato, Túlio se refere a si mesmo como “mago”.

“(Isso) Tem a ver com a maneira como minha concepção artística e visão do mundo se convergem. Pode parecer estranho, engraçado ou mesmo uma referência arquetípica sobre o fazer artístico. Na realidade, essa abordagem não é nova e, muito menos, original”, afirma.

“A arte, como qualquer pessoa pode perceber ao redor, proporciona alterações profundas de consciência. Embora o artista expresse muito do que há em seu inconsciente, tornar conscientes complexos e processos individuais, por exemplo, pode levar o artista a um estágio de transcendência e, consequentemente, contribuir com o mesmo numa escala social e compartilhada”, diz.

Como qualquer pessoa bem educada deve concordar, Túlio defende que, tanto na vida como na arte, é preciso ser verdadeiro consigo mesmo.

“As transformações que buscamos partem de dentro pra fora. O que pode haver fora é apenas estímulo. O que deve haver de fora é visão consciente de si mesmo”, ensina.

OCA e MAB

Túlio ao vivo, foto Emilia Suto
Residente em Portugal desde 2013, Túlio, que é natural de Guanambi, no centro-sul baiano, cruzou o Atlântico para fazer mestrado em Composição na Universidade de Aveiro.

“Logo no primeiro ano, já tive uma obra incluída no repertório de um grupo muito ativo, chamado Performa Ensemble, e tocada numa turnê em Portugal e Espanha”, diz.

Na Escola de Música da Ufba ele fez parte de um destacado grupo de alunos, a Oficina de Composição Agora (OCA), que entre os anos de 2012 e 2016 realizou duas edições de uma maratona de eventos de promoção da música de concerto contemporânea, o Música de Agora na Bahia (MAB), com patrocínios do Governo da Bahia (via Secult) e Petrobras.

“A Ufba tem um dos melhores cursos de composição no Brasil. Tive a sorte de ter como professor o compositor Paulo Costa Lima, que como visionário inato, já semeou o que viria a ser a OCA desde meu primeiro ano no curso de composição, em 2003”, conta.

“Arrisco-me a dizer que a OCA foi um dos primeiros grupos, senão o primeiro, a surgir no Brasil nesse formato, exclusivamente por compositores que apresentavam o próprio trabalho e institucionalizada juridicamente. Conseguimos construir pontes e parcerias com artistas em todo mundo, através de projetos que beneficiam os participantes mutuamente ainda hoje”, diz.

Um dos frutos das atividades da OCA foi justamente sua ida para o Conservatório de Seia.

“(Aqui) tornei-me compositor residente num festival internacional itinerante com mais de cinquenta edições realizadas em todo o mundo, e dirigido pelo compositor Jaime Reis, que participou de projetos com a OCA”, conta.

No momento, Túlio prepara um concerto de jazz para guitarra solo e negocia realizar um concerto (de sua autoria) para gaita e orquestra – enquanto repensa, de longe, sua relação com a Bahia.  “Sinto saudade, sim. Muita. Quem me conhece sabe que sempre tive uma relação delicada com Salvador.  Mas também tem muitas coisas positivas que encantam, como a riqueza cultural”, vê.

www.facebook.com/atetutulius



ENTREVISTA COMPLETA: TÚLIO AUGUSTO

Você está residindo definitivamente em Portugal? Como foi esse percurso, da Emus - Ufba e da OCA para a Europa?

Foto Nancy Viegas
Tenho residido em Portugal desde 2013. "Definitivo" é um conceito que quase nunca utilizo, mas quando saí do Brasil sabia que não voltaria logo. Vim pra Portugal para fazer um mestrado em composição na Universidade de Aveiro. Na época, ganhei um prêmio para uma residência artística, fato que ajudou muito nos primeiros momentos, tanto financeiramente, quanto na difusão do meu trabalho artístico por aqui. Logo no primeiro ano, já tive uma obra incluída no repertório de um grupo muito ativo, chamado Performa Ensemble, e tocada numa turnê em Portugal e Espanha. Obviamente, toda a bagagem que trazia da UFBA e da OCA foram imprescindíveis para que eu pudesse me desenvolver por aqui. A UFBA tem um dos melhores cursos de composição no Brasil. Tive a sorte de ter como professor o compositor Paulo Costa Lima, que como visionário inato, já semeou o que viria a ser a OCA desde meu primeiro ano no curso de composição, em 2003. A OCA surgiu do exercício da composição em grupo, apoiado na ideia de autogestão e difusão da produção artística por todos os meios possíveis e da forma mais organizada possível. Arrisco-me a dizer que a OCA foi um dos primeiros grupos, senão o primeiro, a surgir no Brasil nesse formato, ou seja, formado, inicialmente, exclusivamente por compositores que apresentavam o próprio trabalho, com criações individuais e em grupo, e institucionalizada juridicamente. A partir dessa organização, conseguimos construir pontes e parcerias com artistas em todo mundo, através de projetos que beneficiam os participantes mutuamente ainda hoje. Um exemplo recente disso é projeto MAB - Música de Agora na Bahia, que já foi apoiado pela Secretaria de Cultura do Estado da Bahia (2012) e pela Petrobras (2013 a 2016). Em parte, como resultado dessa rede, tornei-me compositor residente no Conservatório de Música de Seia, num festival internacional itinerante com mais de cinquenta edições realizadas em todo o mundo, e dirigido pelo compositor Jaime Reis, que participou de projetos com a OCA em anos anteriores e mesmo depois da minha chegada.

Você tem desenvolvido diversas atividades relacionadas à música em diversos países. Pode dar uma "panorâmica" nesses projetos? Você tem ensinado ou tocado?

Sempre estive envolvido com a música popular e erudita. A partir da experiência com a OCA, concentrada num âmbito mais erudito, e em trabalhos com a produtora Plataforma de Lançamento e o Estúdio Casa das Máquinas, na parte mais popular, tive a oportunidade de estar em contato com grandes músicos e com a música em diferentes aspectos, desde a concepção e produção de um projeto cultural até uma turnê com um grupo de samba de roda ou rock'n'roll. Faz parte da minha personalidade relacionar as coisas com que tenho contato de forma prática. Ao mesmo tempo, também fez parte, desde o início da minha formação formal na universidade, desenvolver estratégias de formação e partilha de resultados. Na grande maioria dos projetos em que estive envolvido houve uma vertente educacional. Em muitos deles, a abordagem erudita se misturou com a popular, com a apresentação de trabalhos acadêmicos e cursos em áreas específicas, como instrumento, composição, mas também em iniciativas que ajudassem outros artistas a desenvolverem seu próprio trabalho e voz artística. Quase sempre é assim: quando e onde toco, também procuro ensinar. Quando e onde ensino, toco e atuo também. Hoje, sou professor de Análise e Técnicas de Composição no Conservatório de Seia e coordenador dos Cursos Livres de Música, também no Conservatório de Seia, onde ensino guitarra, violão, gaita e improvisação.

Quais as principais diferenças de viver de música no Brasil e na Europa? As pessoas se iludem achando que é muito melhor ou realmente é muito melhor na Europa?

Foto Nancy Viegas
De forma geral, as pessoas costumam ter uma visão muito superficial sobre como é viver na Europa e mais ainda sobre o que o Brasil representa no exterior, bem como seu papel na cultura global. De fato, por aqui as coisas tendem a acontecer de forma muito mais organizada e planejada, mas os países europeus também são muito diferentes entre si. Um ponto importante é que, por questões de localização geográfica, há uma maior comunicação entre o que acontece em muitos dos países e, consequentemente, uma maior fluência em termos de idiomas, o que ajuda na realização de projetos internacionais e intercâmbio entre artistas. Por outro lado, o povo brasileiro aprendeu a lidar com as adversidades que todos nós conhecemos muito bem no Brasil. Esse adaptabilidade ajuda muito os brasileiros que por aqui estão. Mas não é raro encontrar brasileiros que querem voltar pro Brasil um dia. Diria até que a maioria deseja isso. Penso que temos que aproveitar o que cada lugar nos tem a oferecer e buscar ter contato com o que é diferente e complementar. Aliás, existe uma tendência a olhar para as diferenças. Prefiro olhar para as semelhanças, para aquilo que nos une, ao invés do que nos separa. Viver de música é difícil em qualquer lugar, acredito. A variedade dos elementos formadores da cultura brasileira, como um todo, é única e faz diferença por aqui também. Além disso, no Brasil estamos acostumados com shows de grandes proporções praticamente o ano inteiro. Por aqui não é bem assim. A maior parte desse tipo de evento acontece no verão europeu. Basta imaginar um local a céu aberto no inverno (e sem o calor humano que temos no Brasil) e imaginar o quanto pode ser distante da nossa realidade na Bahia. Por aqui existem mais músicos com estudo formal, que diga-se de passagem, não é o essencial no que tange a qualidade artística, mas ajuda muito em questões de empregabilidade e atuação na área educacional. Em contrapartida, em termos musicais, sinto muitas vezes falta da espontaneidade que a gente vê no Brasil. Embora o sistema de ensino de música nos conservatórios funcione de forma diferente em cada país europeu, aqui em Portugal, um número muito grande de estudantes tem acesso ao ensino de música de forma articulada à escola desde os sete anos de idade. A relação entre todos esses elementos (e muitos outros) cria uma dinâmica diferente da do Brasil, mas também cheia de obstáculos e desafios.

Blue Spell trata da "transcendência de consciência". Como assim? Em que sentido e de que formas você transcende a consciência?

Tem a ver com a maneira como minha concepção artística e visão do mundo se convergem. Muita gente sabe que me refiro a mim mesmo como mago. Para alguns pode parecer, estranho, engraçado ou mesmo uma referência arquetípica sobre o fazer artístico. Na realidade, essa abordagem não é nova e, muito menos, original. Allan Moore, muito conhecido por trabalhos como "V de Vingança" e "Watchmen", explica de uma forma muito mais interessante da que eu poderia fazer o que, de fato, significa a magia, num sentido muito mais amplo e agregador. Consciência e transcendência estão intimamente ligados. A arte, como qualquer pessoa pode perceber ao redor, proporciona alterações profundas de consciência. Embora o artista expresse muito do que há em seu inconsciente, tornar conscientes complexos e processos individuais, por exemplo, pode levar o artista a um estágio de transcendência e, consequentemente, contribuir com o mesmo numa escala social e compartilhada. É preciso haver verdade consigo mesmo. As transformações que buscamos partem de dentro pra fora. O que pode haver fora é apenas estímulo. O que deve haver de fora é visão consciente de si mesmo. Tenho um blog chamado "Até tu, Tulius!?" onde, dente outras coisas, falo sobre esse tema.

Você tem feito shows para divulgar o álbum? Tem previsão de divulgar o disco com algum show em Salvador?

Inicialmente, pensei num album que pudesse funcionar melhor num contexto mais reservado e intimista. Blue Spell certamente tem algumas faixas que tem mais a ver com o formato de concerto do que outras. Ao mesmo tempo em que o álbum tem uma pegada mais jazzística, mas também com faixas para instrumentos solo de forma não  muito convencional, também há músicas que fazem parte do que costumo tocar em concertos, como a faixa que dá nome ao álbum. Como resultado, não penso no álbum como um show, mas em shows diferentes a partir da identidade musical que algumas das músicas possuem. Embora o show, em si, sirva como divulgação do álbum, não penso na apresentação integral do álbum em formato de show ou concerto. Toquei todos os instrumentos em todas as todas as faixas, o que também torna muito pessoal a maneira como as coisas foram concebidas. É possível que Salvador surja como parte do processo de divulgação de "Blue Spell", mas ainda não tenho nada concreto.

Como está o grupo da OCA? Está ativo? Você ainda participa ou está "de reserva"?

Em sua fase inicial, a OCA tinha um modus operandi bastante diferente da que tem agora. Por razões geográficas, trabalhamos muito de forma virtual em projetos conjuntos e cada vez mais abrangentes. Alguns dos membros da OCA encontram-se cidades e países diferentes, mas continuamos trabalhando em iniciativas conjuntas. Algumas funções são mais fáceis de executar à distância. No meu caso, um pouco pela afinidade com a burocracia e formalidades que os editais e chamamentos públicos tem, a distancia física não chega a ser um obstáculo tão significativo assim. O fato de estar fora do Brasil até ajudou em algumas questões, como a participação de grupos e artistas estrangeiros no MAB. Antes de qualquer coisa, a OCA sempre foi formada por amigos com muitos ideais comuns.

Além do trabalho solo você toca com outros músicos - seja em formação de banda ou acompanhando algum artista - em Portugal?

Nunca fez parte do meu foco, enquanto artista, acompanhar um outro artista. Já atuei dessa maneira, mas prefiro o formato de banda, com papéis mais equilibrados entre os membros, ou literalmente solo. Atualmente, tenho mesmo me concentrado num formato de concerto de jazz para guitarra solo, que deve culminar no meu próximo album. Com outros músicos, por aqui toquei mais jazz e blues, mas também participei de projetos e concertos envolvendo música erudita, música eletroacústica e artes integradas. Há ainda a possibilidade de tocar, em breve, meu concerto para gaita e orquestra com uma orquestra aqui da região da Serra da Estrela.

Você diria que sua música tem algum traço de baianidade ou é mais universal? 

Antes, eu não me via como um típico baiano. Depois, dei-me conta de que a ideia de baianidade está mais num plano imaginativo do que real, embora essa tal baianidade  carregue consigo muitas caraterísticas intrínsecas, como certos ritmos, temas, abordagens, etc. Essa visão expressa, de certa forma, o que falei sobre consciência e tudo mais. Todavia, ao contrário da minha vertente na música erudita, Blue Spell tem título e nome de faixas em inglês. Acho muito importante que nós, brasileiros, cantemos em português, identifiquemos nossa obra com títulos em português. Pelas razões que já mencionei, como a divulgação e comunicação em outros países, e pelo caráter mais de album instrumental de difusão virtual, permiti a mim mesmo ter esse tipo de atitude. Acredito que mesmo a música "tipicamente" baiana seja potencialmente universal. Já ouvi muito da música produzida no Brasil tocada espontaneamente ou países como Holanda, Suécia, Inglaterra, Israel e aqui em Portugal.


Vendo o Brasil e a Bahia de longe, você sente saudade? O que te faz falta daqui?

Sinto saudade, sim. Muita. Mas quem me conhece de perto sabe também que sempre tive uma relação delicada com Salvador, mais especificamente. Acho que o ambiente de Salvador desperdiça muito do seu potencial e causa muita tensão no dia-a-dia das pessoas. Muitas pessoas agem como se sentissem ameaçadas o tempo inteiro. Mas também tem muitas coisas positivas que encantam tanto quem é do Brasil como quem é de fora, como a riqueza cultural. De comida e calor, até coisas mais pessoais, como família e amigos, sinto falta da forma espontânea e informal como as pessoas se relacionam. Ano passado estive no Brasil por dois meses, divididos entre Salvador e Guanambi, minha terra natal. O tempo foi insuficiente pra fazer tudo que gostaria. Mas, de certa forma, há relações que melhoram com a distância. Esse foi meu caso com o Brasil. Como num processo de transcendência e elevação de consciência, onde é preciso olhar para dentro e ver a si mesmo de fora, olhar para o Brasil, estando fora do Brasil, é no mínimo, enriquecedor.

terça-feira, abril 25, 2017

CAIAN LANÇA PLUTÃO EM SHOW NA ARENA SESC PELOURINHO NESTA SEXTA

Caian lift off. Foto Lorena Vinturini
Revelado para a cena  local ao liderar a banda Os Beduínos Gigantes, Ricardo Caian se lança solo com o show Plutão nesta sexta-feira.

O espetáculo, que concorre ao Prêmio Caymmi na categoria Melhor Show,  é também nome do seu primeiro álbum solo – e ainda é o recital de formatura do artista no curso de Música Popular da Ufba.

Que ninguém diga que Caian não é um sujeito pragmático.

"A transição (para carreira solo) se deu de forma bastante natural pra falar a verdade. Os Beduínos Gigantes era um nome que eu trazia dos tempos de escola, onde me apresentava sempre com um trio, fruto da influência dos Paralamas do Sucesso. Quando decidi lá em 2009 gravar o primeiro demo com esse nome era só o começo da carreira profissional, mas era também uma continuação do sonho de ter uma banda, como nos tempos de escola. Alguns anos após o lançamento do EP Trânsito em 2012, fui amadurecendo, a minha música também amadureceu e vi que eu já tinha esgotado o conceito em volta dos Beduínos e da formação power trio, aí decidi assumir somente o Caian, meu segundo nome. Inclusive às vezes quando leio o nome penso que eventualmente alguém pode pensar que se refere à uma banda e não a um artista solo, e mesmo sendo, hoje sinto que o grupo que hoje me acompanha já tem uma forte ligação pessoal e musical, sou muito grato a esses caras todos os dias pela parceria", relata.

Lançado on line no passado, Plutão ainda aguarda sua materialização em CD, dependendo da colaboração dos fãs e amigos do músico em uma campanha de crowdfunding.

"Antes o trabalho era todo pensado para um formato power trio e com uso de samples. Hoje nós somos uma grupo de 7 pessoas, trompete, trombone, duas guitarras, baixo, bateria e teclado. Ganhei mais possibilidades de pensar os arranjos das músicas, ter outros instrumentos solando. Além de que o repertório era menos autoral do que hoje, com os Beduínos eu fazia mais covers de artistas que referenciavam o trabalho da gente na época como Gil, Raul, Mutantes, entre outros. Hoje eu faço um show quase 100% autoral e em parcerias. Algumas músicas do EP transito foram também rearranjadas para esse novo formato, como Ela é de Leão e Samba Software", conta o músico.

Sacudido, Produzido por Tiago Ribeiro (Toco Y Me Voy), Plutão é um rock bem brasileiro, com influências claras (e assumidas) do Paralamas do Sucesso, incluindo as letras no estilo crônica social, como Ela é de Leão e Último Ato (com participação da cantora Bruna Barreto).

“A referência maior em termos de sonoridade e instrumentação foi Os Paralamas do Sucesso”, diz Caian.

“A mistura de reggae, rock com guitarras distorcidas e melodias marcantes por um conjunto de sopros foram as características que quis imprimir no disco. E Herbert, Bi e Barone foram os primeiros a fazer isso lá nos anos 1980”, lembra.

Caian em missão de reconhecimento. Foto Lorena Vinturini
Como é tendência entre os músicos do cenário independente hoje em dia, Caian não se diz “roqueiro”: “Não me considero um roqueiro. Acho que minha influência hoje está muito mais na MPB e na fusão dela com o estilo que mais se assemelha a minha personalidade, que é sim o rock ‘n’ roll, pelo despojamento que o estilo traz em si, acredito”.

Narrativa coesa

Apesar de não ser um trabalho conceitual, as faixas de Plutão acabam constituindo uma narrativa e concedendo unidade estética ao trabalho, um sinal claro de sua consistência. “O disco é uma coleção de canções, por assim dizer, mas que na ordem em que se apresentam e na maneira como foram arranjadas constroem também uma narrativa”, diz.

“O discurso político e social que estamos vivendo hoje é uma das temáticas que constroem essa narrativa, junto com a irreverência das canções, mesmo nas mais românticas. E todo esse caldeirão de estilos e ritmos que apresento no disco estão ligados pela maneira como os versos são escritos e pela sonoridade rock n roll. A música Plutão foi escolhida como a que intitula o disco por ser ela a mais antiga de todas, do final da adolescência e que foi uma das últimas a ficar realmente pronta na época de gravação do disco, logo, ela é a que perpassa por todas as outras que vieram após com mais experiência e maturidade. Plutão não era mais planeta, voltou a ser, eu era Beduíno, hoje sou só Caian, enfim, tudo muda o tempo todo e a gente também, se reinventa, se dá outros nomes”, observa.

Lançada a obra, Caian faz seus planos para divulga-la: "Acho que o mesmo caminho que todos os artistas emergentes tem buscado. Fazer um bom trabalho de divulgação nas redes sociais, e fazer shows, muitos shows. O plano é lançar um clipe de uma das músicas do disco no início no segundo semestre, e rodar primeiro pela Bahia. Estou tendo o prazer de lançar meu disco junto à trinca de selos baianos, a Big Bross Records, São Roque Discos e a Brechó Discos, que recentemente lançaram Irmão Carlos e mais um punhado de gente boa surgindo na cena do estado. O caminho é esse somado ao que ocorrer", conclui o artista.

Caian: Plutão / Sexta-feira, 21 horas /  Arena do Teatro Sesc-Pelourinho / R$ 20 e R$ 10 / Campanha de pré-venda do CD: www.catarse.me/caian_plutao



NUETAS

Divino Achiles hoje

O Quanto Vale o Show? de hoje traz para o palco do Dubliner’s o premiado cantor Achiles. Ex-Caim, duo de Vitória da Conquista, Achiles se lança solo com o álbum Divino e Ateu, um trabalho de caráter  mais pop e eletrônico, sintonizado com o empoderamento LGBT. A night ainda traz o cantor local Dimazz. 20 horas, pague quanto puder.

Matanza  domingo

A banda carioca Matanza volta à cidade com show do  último álbum, Pior Cenário Possível (2015). Música para beber e brigar neste domingo, às 18 horas, na Praça Tereza Batista,  R$ 50.

Ronei's season finale

Ronei Jorge fecha temporada de quatro datas no Teatro Gamboa Nova domingo, às 17 horas. R$ 20 e R$ 10.

DESRROCHE E A CONEXÃO 1969

Com sete anos de atividade, quinteto de rock industrial lança lançou o EP Conecte 1969 em show gratuito

Desrroche, foto Lex Pedra e Ninovski
A banda de visual mais exótico e com os shows mais elaborados do rock baiano volta amanhã aos palcos para lançar seu novo trabalho.

Conecte 1969 é o nome do EP que a Desrroche lança lançou no Largo Pedro Archanjo, em show com entrada gratuita.

Inspirados pela vertente denominada “industrial” do rock, o quinteto capricha tanto no peso e nos arranjos das músicas (com letras em português) quanto na produção dos shows, com figurinos, maquiagem, efeitos pirotécnicos e performances teatrais.

Neste show, a banda ainda conta com a participação da dançarina Priscila Sodré na performance Tribal Fusion Bellydancer.

“Na forma que a Desrroche sobe nos palcos já há uma grande interpretação corporal: a plástica, o visual e a energia que mudam a cada show, criando sempre aquela expectativa de surpresa para o nosso público”, conta Lex Pedra, o vocalista.

“Buscamos sempre relacionar as aberturas de show e cenários com o tema de alguma música. Será algo bem fora do comum”, promete Ninovisk (baixista).

Além de Lex e Ninovisk, completam a banda Dri D'Sants, Eric Ecllypsah (guitarras) e Moka Luz (bateria). Com sete anos de atividade, a Desrroche já passou por algumas formações e veio evoluindo o som, do pós punk gótico para um rock pesadão e performático, na linha da banda alemã Rammstein.

“O rock industrial sempre nos atraiu e foi nosso objetivo. Grandes referências  estão em nossas raízes e agora temos a oportunidade de colher esses frutos com o novo CD, totalmente contemporâneo e da forma que sempre imaginamos fazer”, diz Lex.

"Não vejo com mudança e sim um novo som, uma nova proposta, um novo projeto.  A Desrroche é sempre inspiração, inovação, estudo, pesquisas e laboratórios para que possamos formatar a ideia que desejamos. Não temos medo de ousar e experimentar; se o Rock industrial é o rótulo mais próximo do que fazemos tudo bem, mas nada que venham caracterizar nosso trabalho nos “'engessar'”, acrescenta.

Obra conceitual

Obra conceitual, Conecte 1969 versa sobre o fracasso da humanidade em se relacionar com o planeta e dos povos, de se relacionarem entre si.


“Conecte é um projeto conceitual, alinhado com as consequências da falta de controle da humanidade e a reação da natureza contra o homem, as manipulações e mentiras exercidas pela religião por séculos”, diz Lex.

“O próprio conceito de Conecte 1969 nos direciona ao mundo virtual. Iremos buscar meios de difusão eletrônicos para alcançarmos aqueles que ainda não conhecem o nosso trabalho pela distância entre nossas divisas. A internet está aí, as redes sociais e mídias digitais utilizadas de forma profissional e inteligente, certamente nos levarão a outros ambientes. Pensamos em conquistar nosso estado e todo o Brasil. Almejamos o mundo internacional, mas necessitamos da força de nosso público brasileiro, que é muito exigente e carece de artistas ousados e que tenham uma proposta como a Desrroche. Vamos nessa, vamos conectar”, convida Lex.

quinta-feira, abril 20, 2017

TÁ PENSANDO QUE EU SOU IDIOTA?

Relançado em capa dura com ilustrações de Rafael Coutinho, edição de 30 anos de Forrest Gump desvenda toda a sátira que passou batida no filme com Tom Hanks


O Forrest Gump do livro, segundo o ilustrador Rafael Coutinho
Ser um completo idiota está na moda, como se pode perceber pela crescente popularidade de certas aberrações políticas.

Na verdade, esse pessoal é muito atrasado. Na literatura, ser idiota é “tudo de bom” há séculos.

Um exemplo mais ou menos recente é Forrest Gump – para muitos, apenas um filme com Tom Hanks.

Idiota caçula, pelo menos em comparação com o Cândido de Voltaire (século 18) ou Myshkin, de Dostoievski (O Idiota, século 19), Forrest Gump, o personagem, surgiu no romance homônimo do norte-americano Winston Groom, publicado em 1986.

Agora, Forrest Gump, o livro, volta às prateleiras em edição de luxo com capa dura, ilustrações de Rafael Coutinho e o excelente artigo Da página à tela: a reformulação de Forrest Gump, de Isabelle Roblin.

 Na verdade, os idiotas tem uma longa tradição na literatura com inúmeros personagens inesquecíveis, como Dom Quixote (idem, de Miguel de Cervantes), Policarpo Quaresma (O Triste fim de Policarpo Quaresma, de Lima Barreto) Ignatius J. Reilly (Uma Confraria de Tolos, de John Kennedy Toole), Chance (O Videota, de Jerzy Kosinski), Boo Radley (O Sol é Para Todos, de Harper Lee), Lennie (Ratos e homens, de John Steinbeck) e muitos outros.

Forrest Gump é idiota, mas o é com classificação científica: idiot savant, que é alguém que combina déficit de inteligência com algumas habilidades intelectuais (o personagem de Dustin Hoffman em Rainman também era idiot savant).

Capturado por pigmeus canibais
Forrest é este tipo de idiota. Sua incapacidade de aprendizado e absoluta ingenuidade o tornam alvo fácil para todo tipo de malandros, que se aproveitam de sua boa vontade.

Mas por ser savant (sábio, em francês) ele consegue, de alguma forma, superar todas as dificuldades, sagrando-se vencedor e tornando-se, muitas vezes, ídolo para milhões de outros idiotas.


Ria com ele, não dele

Filme largamente visto e revisto, o Forrest Gump dirigido por Robert Zemeckis, na verdade, aproveitou pouco do livro, que é uma sátira feroz da sociedade norte-americana. Sim, há muita diversão e risos nestas páginas – mas nem sempre para Forrest.

Grande (1,98m) e besta, ele é pego para fazer de tudo: joga futebol americano, vai à guerra do Vietnã, atua como dublê de gorila com Raquel Welch, toca gaita numa banda de hippies, joga pingue pongue na China, é capturado por pigmeus canibais e por aí vai.

Só que, enquanto o Forrest do filme é absolutamente inconsciente (de sua idiotia, do mundo etc), o do livro, narrado em primeira pessoa pelo próprio Forrest, toma conhecimento de sua imbecilidade desde o início. Não a toa, ele abre a narrativa dizendo que “ser idiota não é nenhuma caixa de chocolate”.

Isabelle Roblin, uma professora universitária francesa especializada em literatura anglófona e sua reescrita para o cinema, desvenda esse outro Forrest em seu artigo.

“O propósito de Forrest não é apenas fazer o leitor rir, mas também permitir que entenda a tolice e o absurdo do mundo onde vive, e em particular, da história e das instituições dos Estados Unidos, como os presidentes americanos, a Guerra do Vietnã, a NASA e a indústria do cinema, que são ferozmente satirizados. (...) O tom satírico do livro foi eliminado do filme, no qual o espectador ri do idiota, e não com ele”.

Como se vê, não há limites para a idiotia no cinema norte-americano...

Forrest Gump / Winston Groom / Aleph/ Trad.: Aline Storto Pereira/  392 p./ R$ 79,90

terça-feira, abril 18, 2017

MAPA: EM BUSCA DO LO FI PERFEITO

Antes projeto solo, o som indie  lo fi psicodélico do MAPA estreia formação com banda completa no NHL Festival 9, sexta-feira

MAPA, foto Liz Dórea
Um dos produtores mais ativos da cena independente, Cairo Melo tinha dado uma sumida, mas volta triunfante esta semana com dois eventos reunindo bandas e artistas bem promissores da nova geração local.

Hoje tem a Noite NHL no Quanto Vale o Show? (line up nas NUETAS), e sexta-feira, a nona edição do NHL Festival, com as bandas MAPA, Oddish e Flerte Flamingo, mais o rapper Beirando Teto (AKA Davizeira) e o DJ Dieguito Reis (Vivendo do Ócio). Uma night invocada.

O destaque aqui é o MAPA, anteriormente um projeto solo do músico Matheus Patriarcha, e hoje uma banda completa, com a adição de músicos de outras bandas do mesmo circuito, como Ramon Gonçalves (baixo, Aurata), Gabriel Burgos (bateria) e Rodrigo Reis (sax e sintetizador, ambos da Bagum), além do guitarrista Pedro Oliveira Barbosa, que já colaborava com Matheus.

"Mapa é a fusão do meu nome, MAtheus PAtriarcha, e que inicia-se como um projeto solo, mas logo  outras pessoas começam a agregar nas ideias, produções, arranjos... Desde sempre, nosso pensamento foi de ampliar a relação do projeto com os formatos, chegando a esse novo modelo Banda, com guitarra, baixo, bateria, sax, sintetizador... É muito satisfatório poder tocar com amigos - de outras bandas locais, inclusive", afirma Matheus.

A formação já soltou um single, a faixa Fim, sete psicodélicos minutos encharcados de guitarras cremosas e vocais lânguidos, uma belezinha.

“Fim  dá o pontapé inicial nessa nova ‘onda’ que estamos vivendo. Resgatamos uma música da fase antiga, que (des)organizamos  com novos elementos e fechamento do novo conceito sonoro e estético. Estamos em processo de gravação, mexendo literalmente nos arranjos e já posso adiantar que vem som e clipe novo ai , estamos finalizando e logo anunciaremos nas redes”, conta Matheus.

“Bem, adoramos as diferenças. Estamos em conjunto, nesse momento, articulando novos arranjos e com as contribuições sonoras da vivência de cada um, a coisa como um todo está bem empolgante e estamos super ansiosos para fazer shows e criar cada vez mais. A diferença, de fato, é nítida na sonoridade, por soar agora com linhas de vozes mil. Ainda com o pé no ‘menos é mais’, nos transporta para inimagináveis viagens sonoras, outras possibilidades”, diz Matheus.

Voltar ao Centro

MAPA, foto Liz Dórea
Íntimo de música e do violão desde criança, Matheus hoje trabalha como educador de musicalização em escolas e ONGs.

"Minha relação com música foi desde bem pequeno, começando a dedilhar o violão antigo do meu pai em casa. A partir de então, na adolescência me juntei com amigos e formei algumas bandas. Quando percebi que não conseguia parar de tocar, compor, me identifiquei totalmente e me joguei de cabeça na área artística. Hoje em dia além de atuar no projeto mapa, sou também Educador Musical, como Professor de Música e Musicalização em Escolas, ONGs, etc... Identifico-me bastante com artistas da MPB, antiga e nova, como, Marcos Vale,Vinicius de Moraes, Jards Macalé, Moraes Moreira, Gonzaguinha, Hermeto Pascoal, Ava Rocha, Liniker, Naná Vasconcelos, Negro Léo, bandas e artistas internacionais como Metronomy, Battles, Unknown Mortal Orchestra, Radiohead, Mac Demarco, John Frusciante, Jeff Buckley, Chastity Belt, etc", enumera.

Parte de uma cena recente que tem renovado o rock  local, Matheus acredita que é preciso descentralizar a cena do Rio Vermelho.

"A cena local se mostra bastante ativa no momento. Estão ocorrendo lançamentos, novidades, novas concepções, buscas de espaços para descentralizar a cultura do Rio Vermelho, expandindo um pouco mais para o centro da cidade e outros locais, e isso é bem legal", afirma.

“Não faz sentido ficarmos somente fazendo shows no mesmo local, sendo que existem outros locais maravilhosos em nossa cidade. Acredito quanto mais se faz de coração, quanto mais respiramos isso que fazemos diariamente, colocando como principal em nossas vidas, sendo o caso - para então - viver, respirar, colher e morrer na Arte, ou no que cada um desejar”, conclui.

NHL Festival 9 / Com: Beirando Teto, Oddish, MAPA, DJ Dieguito Reis, Flerte Flamingo / Sexta-feira, 20 horas / Dubliner’s / R$ 15 (lista), R$ 20



NUETAS

Rosa 😍 Ricardo

Rosa Idiota e Ricardo Elétrico fazem a Noite NHL no Quanto Vale o Show? hoje. Dubliner’s, 19 horas, colaborativo.

Manda Brasa Fest.

Os Informais, Lo Han, Duda Spínola e Ronco mandam ver no  Brasa Festival quinta-feira. Dubliner’s, 21 horas, R$ 20.

Desrroche no Pelô

A Desrroche lança seu novo trabalho, Conecte 1969, com show sábado.  Largo Pedro Arcanjo. 19 horas, gratuito.

Baggios, Vivendo e seus LPs

The Baggios e Vivendo do Ócio, duas das melhores bandas do rock nacional atual, lançam seus discos em vinil, Brutown e Selva Mundo, com show sábado no Portela Café. 23 horas, R$ 40.

quarta-feira, abril 12, 2017

RUMO AO DESCONHECIDO

Em 2012, Raphael Erichsen e três amigos foram os primeiros brasileiros no Rally Mongol, uma Corrida Maluca da vida real. A experiência está no livro Tudo Errado

Infinitas highways entre a Europa e a Ásia Central. Fotos Raphael Erichsen
As vezes, só o que você precisa é jogar tudo para o alto e pegar a estrada.

No auge da depressão por conta de uma separação, o documentarista Raphael Erichsen cruzou Europa e Ásia à bordo de um carro de passeio no rally mais insano do mundo, experiência narrada em seu livro Tudo Errado.

Em 2012, Raphael e mais três amigos (Pedro, Celina e Daniel) formaram a Brazil Nuts, primeira equipe brasileira a participar do Mongol Rally, uma não-competição organizada pela empresa britânica de aventuras Adventurists.

Em tempo: o rally é uma não-competição por que não importa quem chega primeiro. Na verdade, os primeiros a chegar são considerados perdedores, por que não aproveitaram a experiência.

No  Rally Mongol, os participantes devem sair de Londres e chegar em Ulan Bator, capital da Mongólia – distância equivalente a 1/3 da superfície da Terra.

Além deste livro, a experiência de Raphael foi narrada na série exibida pelo canal Multishow Rally Mongol (2012).

"O livro é um baita desabafo, uma maneira de expor o que eu estava sentindo e que a série não mostra”, conta Raphael, por email.

A simpática garotada da Mongólia
“Na verdade, o livro começou a ser escrito durante o rally. Nós ficávamos muitas horas por dia trancados no carro e cada um arrumou uma maneira de passar o tempo, eu resolvi escrever. Por outro lado, minha vida estava uma bagunça, e tudo o que estava acontecendo me parecia uma loucura, eu precisava botar aquilo para fora de alguma maneira. O livro foi escrito originalmente com uma caneta esferográfica e uma caderneta – acho que poucas pessoas ainda escrevem assim um livro”, acrescenta.

Não há rotas estabelecidas, e em muitos trechos não há sequer estradas. Os veículos não podem ser turbinados e sim, carros comuns – e velhos, de preferência, incluindo carros de bombeiros e ambulâncias.

Para completar, os participantes, de várias partes do mundo, se esmeram em fantasiar à si mesmos e aos carros.

Há bombeiros, carros com banheiras no teto, aviadores, super-heróis, carros revestidos de pelúcia – e por aí vai. Uma Corrida Maluca da vida real.

Toda essa loucura tem um pano de fundo humanitário: em Ulan Bator, os carros são doados à ONG Lotus Charity Foundation, que cuida das crianças de rua locais.

No trajeto, que durou cerca de um mês, Raphael e parceiros iam do céu ao inferno quase todos os dias.

Raphael Erichsen toma um fôlego 
A cada checkpoint, uma festa rave muito louca preparada pela organização. E a cada cidade, apuros nas mãos de figuras suspeitas (civis e uniformizadas) pela Turquia, Cazaquistão, Rússia e Mongólia.

Foi justamente no fim da viagem, em pleno deserto mongol, que o quarteto passou seu maior momento de aflição.

“O momento do resgate foi o mais dramático da história toda. Não só por eu achar que não ia sair vivo mas também porque a vida dos outros companheiros de time também dependiam da ação um do outro. O negócio é que como eu estava super frágil emocionalmente qualquer mosca que passasse eu já achava que as coisas iam dar errado e é muito ruim viver assim. Você sentir uma dor nas costas porque passou o dia inteiro dentro do carro e achar que já é um câncer fulminante – essa foi uma das minhas descobertas, que eu conseguia conviver comigo mesmo. No final das contas, o livro é sobre essas descobertas”, conta.

Um tema que permeia a narrativa é a dificuldade de confiar em estranhos - que ainda por cima não falam sua língua e muita vezes, sequer falam inglês. No livro, os Brazil Nuts aprendem na marra.

Cazaquistão? Rússia? Mongólia? Sta. Rita do Passaquatro?
“É um exercício diário, mas sim, procuro cada vez mais confiar nas pessoas. E é realmente difícil. O que acontece hoje é que eu passei a observar isso em outras pessoas e no geral elas tem muita dificuldade em confiar. E isso serve para tudo. Me parece que vivemos hoje em um mundo onde tudo é muito controlado e com pouca margem para erros. Errar é o mais divertido da história e aprender a conviver com isso pode ser muito gratificante. Então, se você confia, joga os dados e deixa as coisas acontecerem do jeito delas, normalmente você vai se surpreender positivamente. Já me dei mal muitas vezes também mas se você aprende a lidar com isso, consegue enxergar que isso pode não ser o fim do mundo”, reflete.

No fluxo de consciência

No trajeto, Raphael, Pedro, Daniel e Celina conhecem uma pá de gente maluca entre os participantes do Rally. De cara, o autor cultiva uma paixonite instantânea por Saskia, uma neozelandesa. Cheia de atitude e muito segura de si, Saskia logo se torna uma espécie de amuleto para ele, que a cada dificuldade, pensa como ela lidaria com a situação.

Brazil Nuts: Daniel, Celina, Pedro e Raphael
"Hoje em dia, todo mundo é amigo no Facebook e acaba que fica uma coisa muito superficial. Como documentarista, já passei muito por isso, de ter um convívio muito intenso com uma pessoa e depois que a jornada termina, você perde o contato e só da feliz aniversário quando lembra. A única pessoa, tirando meus companheiros de time, que eu fiquei muito amigo foi a Saskia, a heroína do livro, e sigo acompanhando o que ela faz. No momento ela está na Índia rodando um documentário sobre mulheres em situação de risco. Ela não para", conta.

Escrito de forma ultra espontânea, Tudo Errado é um relato de viagem frenético, que torna o livro difícil de largar, uma vez iniciada sua leitura.

Leitor voraz, ele não esconde que se inspirou nas trips dos beatniks. “Com toda certeza os beats me influenciaram muito. Li quando era mais novo, principalmente Charles Bukowski e John Fante, mas têm outras influências também. De certa forma, eu queria soar um pouco como Holden Caulfield n’O Apanhador no Campo de Centeio, do JD Salinger”, afirma.

“Outra coisa que  me preocupei foi ser o mais transparente possível. O livro é sobre uma entrega, e por isso ele tem uma linguagem muito coloquial – as pessoas dizem que se sentem numa mesa de bar comigo quando o leem e era bem isso que eu queria”, conta.

O senhor pode informar pra que lado fica Ulan Bator?
Em Tudo Errado, Raphael abre o peito e desnuda todos os seus medos, incertezas, desejos e traumas, incluindo a depressão e síndrome de pânico que estava tratando com remédios imediatamente antes de embarcar na viagem.

“Eu tento me lembrar de ir para a Mongólia todos os dias e para mim, isso significa lembrar de viver uma vida mais criativa, com mais vontade e menos monótona. Como eu digo no começo do livro, a vida é como uma roda gigante cheia de altos e baixos”, diz.

“De lá pra cá, já tive novos altos e vários baixos – quem consegue ser feliz o tempo inteiro? Posso dizer que eu não tomo mais remédios, o que mudou radicalmente minha vida. Posso dizer que eu não tomo mais remedios o que mudou radicalmente a minha vida. Hoje em dia quando tenho problemas com a minha cabeça tento resolver com leitura e esporte, ou tentando criar uma aventura nova para mudar de ambiente. Sair da zona de conforto é uma ótima maneira de se voltar contra essas pegadinhas que a mente faz com a gente”, conta Raphael.

Documentarista experiente, Raphael dirigiu o elogiado Ilegal, sobre a luta de algumas famílias brasileiras para conseguir importar remédio a base de maconha para filhos com epilepsia severa.

"Este ano sai um outro filme chamado Cara do Mundo, sobre um grupo de jovens da periferia de São Paulo, descobrindo o mundo através dos emigrantes e refugiados na cidade. Em abril, um filme que dirigi em 2014, chamado Radical (sobre o lendário surfista Dadá Figueiredo) entra no NetFlix no mundo todo, então estou trabalhando na divulgação dele também. E já estou planejando novas jornadas para novos livros também, vamos ver no que dá", avisa.

Tudo Errado / Raphael Erichsen / Impossível Editora / 288 páginas / R$ 50 / www.raphaerichsen.com.br

terça-feira, abril 11, 2017

DE PAULO AFONSO, ÓRBITA MÓBILE LANÇA ÁLBUM, HQ, FAZ TURNÊ POR QUATRO CIDADES E MINISTRA OFICINAS EM COMUNIDADES INDÍGENAS

Órbita Móbile, foto Luca Balthier
Vamos nessa que o espaço é pouco e os detalhes, muitos. De Paulo Afonso, a banda Órbita Móbile vai circular com seu show por quatro cidades do Vale do Rio São Francisco.

A Alembaía Tour começa em Paulo Afonso (sábado), segue por Rodelas (dia 17), Abaré (18) e termina em Chorrochó (19).

Viabilizado pelo edital setorial de Música da Fundação Cultural do Estado da Bahia, o giro tem como contrapartida a realização de oficinas de gravação e produção em comunidades indígenas da região: Tuxá (Rodelas), Truká Tupan (Paulo Afonso) e Pankararé (Glória).

Legal, né? Melhor ainda é saber que a banda tem um trabalho consistente. Sonho Robô alia música e HQ em narrativa de ficção científica com um rock vanguardista de muitas facetas.

Formada por Augusto Kuarupp (vocal), Igor Galindo (bateria), Matheus Carvalho (guitarra) e Mateus Fraga (baixo), a OM está lançando o EP Sonho Robô,  obra conceitual  transmídia, com música e história em quadrinhos.

“Sonho Robô é uma espécie de manifesto utopia, conclamando as pessoas para a necessidade de se desprender do pragmatismo da vida contemporânea e voltar a pensar no futuro. Mas a palavra utopia deriva de duas palavras gregas: utopos e outopos. O termo que nós mais comumente acessamos deriva de outopos, que tem a ver com uma sociedade ideal, onírica, intangível. Entretanto, quando derivada de utopos, utopia quer dizer apenas terra boa. Portanto, muito mais possível de materialização. A terra boa pode existir na nossa casa. E a partir de um senso ético,  de não fazer ao outro o que nós não gostaríamos que nos fosse feito. Acreditamos nessa possibilidade”, conta Augusto.

“O disco Sonho Robô, ao longo de suas seis faixas, traz a ideia de discussão crítica sobre a liberdade de sonhar no nosso cotidiano. O nome é inspirado no livro de Isaac Asimov, Sonhos de Robô (1986). Entretanto, diferente de  Asimov, nosso álbum não conta a história de robôs que sonhavam, mas de uma humanidade que, tendo perdido a capacidade de sonhar, construiu um algorítmo de Inteligência Artificial, chamado 'Sonho Robô'. Quando injetado no cérebro, ele provocaria as sinapses necessárias para a simulação de sonhos. Graças à tecnologia, ele foi concebido e amadurecido durante dez anos. Ao optarmos por uma narrativa de ficção científica, que nos dá liberdade de projetar esse universo onírico e de fantasia, vimos a possibilidade de distribuir a música da Órbita Móbile com métodos inovadores e complementares. Nenhuma arte existe sem a outra. O universo sci-fi sempre teve no quadrinho um aliado. Optar por uma narrativa transmidiática nos libertou para criar uma rapsódia narrativa inspirada no álbum”, detalha.

Músico experiente da região do Vale do São Francisco, Augusto conta que, aos poucos, Paulo Afonso está (re)construindo sua própria cena.

A cena de Paulo Afonso já foi muito mais profusa da que temos hoje, em termos de movimentação, de diversidade de bandas, no final da década de 1990. Naquela época éramos todos muito jovens e a cena foi desmobilizada por dois motivos. O primeiro, na era pré-internet, era impossível difundir o trabalho a partir de Paulo Afonso. Não existiam as plataformas alternativas massivas de música que temos hoje. E era muito difícil acessar os meios de comunicação da capital. O outro fator é que a cena de 90 revelou muitos bons músicos, que, por isso mesmo, acabaram sendo sugados pela indústria de cultura de massa, indo tocar em bandas de axé, de forró eletrônico, de pagode, o que, a pretexto de oferecer uma carreira profissional, acabou por interditar a maioria desses  músicos que eram ativistas da cena alternativa e underground. Ao longo desses anos, a cena  musical por aqui ficou flutuante. Depois de sofrerem as agruras da cultura de massa, os músicos retornaram para a cidade e começaram a investir em carreiras alternativas, focadas no próprio trabalho e, dessa vez, de forma profissionalizada.  2017 é, de fato, um novo momento digital. Tanto pela diversificação de plataformas de promoção e divulgação de músicas e carreiras nas redes, como pela possibilidade técnica de produzir os trabalhos de forma alternativa com acesso, gratuito ou não, às tecnologias de arquitetura musicais. Isso que faz com que carreiras como a nossa, ou como a dos Nelsons, possam ser notadas hoje em outras cidades, abrindo possibilidade de circulação não só em circuitos regionais, também nacionais e internacionais", relata.

Foto Fanny Oliveira
“Apanhado a dente”

O título Alémbaía é mais que uma turnê para a banda: é também um movimento, uma ideia.

“Optamos por chamar a nossa turnê de AlemBaía, que também é o nome de um movimento e rede cultural encampados pela Órbita Móbile, que já existem a partir de conexões artísticas, acadêmicas e tecnológicas. Esse é também um movimento para evidenciar a produção cultural que existe para além da Baía de Todos os Santos. Há uma tendência natural das pessoas que vivem nas grandes metrópoles de ter o horizonte de observação obnubilado pela extensão do corpo metrópole. Isso é refletido, inclusive, na produção midiática que tende a vivenciar apenas o que se produz na capital. As  políticas culturais, nesse contexto, possibilitam a inclusão de um interior quase sempre invisibilizado.  O projeto Sonho Robô – Música para Utopias, apoiado pela Funceb, foi possível a partir do momento que nos apropriamos da tecnologia dos editais, disseminada pela própria Secretaria de Cultura do Estado. E as poucas políticas públicas que ainda existem possibilitam mais do que o retorno ao interior, não só ao interior do estado, mas ao interior de cada um de nós, a origem subjetiva da nossa identidade. Nesse sentido, AlemBaia é o desbravamento da terra boa que nós mencionamos na concepção do álbum e da HQ. A utopia de um estado diverso, plural e de um interior visível”, afirma Augusto.

Descendente de nativos, o vocalista vê a realização das oficinas em comunidades indígenas como uma forma de retomar o contato com uma história que é dele – e também de todos nós.

“A  minha bisavó contava que a sua bisavó era índia nativa e fora apanhada a dente de cachorro por senhores de terra. Esse termo  “apanhado a dente” era usado para designar a apreensão de povos nativos através da caça com cães. Todas essas memórias são hoje apenas memórias. Mas minha tribo são as memórias. Oficialmente, eu não sou reconhecido enquanto indígena. Sou índio desterrado”, diz.

Foto Luca Balthier
“Essas memórias me dizem que a minha ancestralidade, para a qual me negaram conhecimento, ainda está entre os indígenas. Retomar o diálogo com os povos que me compõem é uma possibilidade de vivência e troca. O que a gente entende de tecnologia musical vai ser repassado nas oficinas para os povos Truká, Pankararé e Tuxá, que se estabeleceram ao longo do Itaparica. A escolha do sobrenome Kuarupp é artística. Kuarupp designa um ritual dos povos do Alto Xingu feito para a despedida dos mortos e encerramento do período de luto. O sobrenome sinaliza para a única conexão ancestral que ainda me é possível, a de dialogar com espíritos: conexão mística”, acrescenta.

Cumprida a fase da turnê e oficinas, a banda pretende seguir divulgando Sonho Robô pela Bahia e, eventualmente, trazer seu show à capital.

"Devemos tratar de forma mais detida do lançamento e distribuição gratuita do quadrinho. Pretendemos fazê-lo tanto em escolas e bibliotecas públicas do interior, como também na capital. Possivelmente, apostaremos ainda na possibilidade de difusão e lançamento em grandes livrarias e espaços dedicados a quadrinhos, e quem sabe estabelecer uma parceria com alguma editora que se interesse na nossa narrativa-plataforma. Como sempre, estamos desvendando tecnologias para fazer os nossos novos sonhos possíveis. E, é claro, devemos levar nossa turnê a outras praças e, certamente, Salvador estará na rota", conclui.

Alembaía Tour, com banda Órbita Móbile / Sábado, 22 horas: Paulo Afonso (Centro de Cultura Lindinalva Cabral, 16 horas, grátis) / Segunda- feira (17), 19 horas: Rodelas (Local: Praça Almeida Justinano Soares, grátis / Terça-feira (18), 19 horas: Abaré (Praça de Eventos),  grátis / Quarta-feira (19), 19 horas: Chorrochó (Praça da Matriz), grátis / www.orbitamobile.rocks



NUETAS

Lo Han, PacMen, Madame

Quinta-feira tem Lo Han, Madame Rivera e The PacMen no Groove Bar. O esquema é “open bar”, daí o preço um pouco mais salgado: R$ 49,90. Às 22h30.

Laia Gaiata e o homem-alvo

O power trio avant garde Laia Gaiatta volta com o show Vaia ao Oliveira´s Bar (Santo Antônio Além do Carmo) no sábado. O performer Rafael Rebouças faz intervenção como  o homem-alvo das fotos da banda. 20 horas,  R$ 10 ou R$ 20 (com EP da Laia Gaiatta).

Domingão do Ronei Jorge

Domingo, Ronei Jorge faz seu segundo show de uma temporada de quatro datas no Teatro Gamboa Nova. Repertório é de inéditas que estarão em seu primeiro álbum solo. 17 horas, R$ 20 e R$ 10.

sexta-feira, abril 07, 2017

GRAÇAS AO SERTÃO

Sertanília lança Gratia, seu aguardado segundo álbum, com show no Pelourinho neste sábado. Obra sai pelo Natura Musical

Anderson Cunha, Diogo Florez e Aiace Félix, em foto de Leonardo Monteiro
Dona Vande,  pele negra curtida pelos rigores de uma vida inteira no alto sertão baiano, olha para a câmera com serenidade na capa de Gratia (Natura Musical), o segundo álbum do grupo Sertanília, que tem show de lançamento neste sábado, no Pelourinho.

Rara líder feminina de um reisado em Pajeú do Vento, distrito de Caetité, Dona Vande simboliza e resume o espírito de Gratia: um olhar especial às mulheres do sertão.

“A gente escolheu a mulher como personagem chave para contar a história das músicas”, afirma a cantora Aiace Félix, que com Anderson Cunha (multi-instrumentista) e Diogo Florez (percussões), formam o núcleo do Sertanília.

No álbum, se ouvem em vinhetas a folia de reis de Dona Vande e Dona Leonídia, criadora do Terno de Reis de Contendas, comunidade quilombola de Maniaçu, também em Caetité.

“O reisado é uma tradição essencialmente masculina, com poucas representantes mulheres. Dona Leonídia e Dona Vande, duas mulheres negras de comunidades do alto sertão, trazem muita força ao disco”, acrescenta Aiace.

Manifestação folclórica brasileira de origem europeia que remonta aos celtas que habitaram a península ibérica, o Reisado (ou Terno de Reis ou Folia de Reis) também resume a proposta musical do Sertanília, que busca no Nordeste profundo o que há de mais antigo e legítimo em nossa tradição musical.

“Essa é a linha que move o Sertanília: o encontro do homem ibérico com o negro e o índio no sertão. Aí é onde o som do Sertanília nasce. Esse encontro é a essência primeira do sertão brasileiro, do Brasil profundo. Daí nasce a música mais antiga do Brasil, que é o que pesquisamos em campo. É um sertão muito antigo, de antes do sertão folclórico, alegórico, de Luis Gonzaga”, afirma Anderson Cunha.

“Me criei entre Caetité e Guanambi. Minha vida foi vendo ladainha, procissões, reisado entrando e saindo de casa o tempo todo. Esse é o sertão que me interessa”, conta.

Em suas incursões pelo sertão, Anderson, Aiace e Diogo já se depararam com lugares e pessoas que mais parecem ter saído de uma máquina do tempo.

Sertanília na sua formação estável há quatro anos. Foto Leonardo Monteiro
“Isso se dá por conta do isolamento. Essa região (no Sudoeste baiano)  tem a mesma distância para Brasilia, Belo Horizonte ou Salvador. Esse isolamento está acabando aos poucos, mas ainda é uma região de difícil acesso, então as tradições populares se mantem ainda bem originais, com hábitos e manifestações muito antigas”, diz Anderson.

“Tem terno de reis que canta em latim. Os caras não sabem ler e escrever, mas cantam em latim. Então é um Brasil bem interessante”, admira-se.

Convidados de primeira

Com um som mais robusto e pesado em relação ao primeiro álbum, Ancestral (2012), Gratia reafirma o talento extraordinário do trio, que, nestes últimos anos, amadureceu a própria musicalidade e  conseguiu reunir em torno de si uma formação estável de notáveis músicos de apoio, como Fernanda Monteiro e Ricardo Erick (violoncelos), Raul Pitanga, Mariana Marín (percussões) e João Almy (violão).

“De fato, a gente está mais junto, justamente por termos quatro anos sem muita alteração. O grupo todo está mais integrado”, confirma Aiace.

Convidados de alto nível também dão um brilho a mais à obra, como o violoncelista Jaques Morelenbaum (em Castela e Devagar), a cantora pernambucana Renata Rosa (em O Mundo Dentro da Minha Cabeça, também participa do show de lançamento no sábado) e a cantora espanhola Guadi Galego (em Devagar).

“A Guadi é da Galícia (região espanhola da qual vieram muitos imigrantes ao Brasil), e há muito tempo queríamos fazer algo com ela. O grupo dela, o Berrogüetto, tem um perfil bem semelhante ao do Sertanília, eles pesquisam  as raízes mais profundas da música galega”, conta Anderson.

Universal, mas profundamente ligado às suas raízes, Gratia é a obra que alinha o Sertanília à grupos e artistas como Alceu Valença, Antônio Nóbrega, Cordel do Fogo Encantado, Siba, Cabruera, Zé Ramalho e outros. Um disco para ontem, hoje e amanhã.

Show Gratia, do grupo Sertanília / Convidada: Renata Rosa (PE) / Amanhã, 21 horas / Largo Tereza Batista (Pelourinho) / R$ 20 e R$ 10

Gratia / Sertanília / Produzido por Anderson Cunha / Natura Musical / Preço não informado

quinta-feira, abril 06, 2017

HOMERO E CAYMMI SE ENCONTRAM NA ODISSEIA BAIANA DE FILIPE LORENZO - HOJE, NO SESC PELOURINHO

Filipe Lorenzo, foto Rafael Martins
Quem tá ligado já sabe: uma turma nova e talentosa tem renovado a música popular brasileira feita na Bahia.

Nomes como Giovani Cidreira, Ian Lasserre, Bruna Barreto, Dimazz, Jadsa Castro, Kalu e outros tem apresentado trabalhos de alto nível, dialogando com a tradição da MPB, com a cultura popular, com o rock, com o experimentalismo etc.

Um desses “outros” é Filipe Lorenzo, que lança seu primeiro álbum, Odisseia Baiana, com show quinta-feira, no Teatro Sesc Senac Pelourinho.

Professor de História na rede municipal, aluno do curso de Música Popular da Ufba, Filipe promove em sua obra um encontro entre Homero (aquele d’A Odisseia) e Caymmi em plena Baía de Todos os Santos, em uma obra de musicalidade delicada.

“Acredito que Caymmi e Homero se encontram em pontos cruciais da Odisseia. Quero evitar superinterpretações, então busco ser cauteloso neste sentido da conceitualização. De qualquer forma, penso que ambos construíram as suas histórias através do mar e da leitura que fizeram dele. Acredito que são figuras que souberam traduzir o mar e todo o seu mistério, beleza e horror de forma original e inovadora para suas respectivas épocas e povos. Homero é responsável por carregar um quinhão de referências fundamentais para a estruturação da cultura do ocidente, assim como Caymmi é fundamental na construção de uma cultura tipicamente baiana”, arrisca Filipe.

“Posso assim dizer que os dois são referências culturais imortais, souberam trazer a temática do trânsito entre o caos e o cais como transformadores das suas realidades, juntando espiritualidade, aventura, divindades e amores”, diz.

Filipe começou cedo, e como quase todo mundo dessa geração, já passou por banda de rock.

"Comecei a minha relação com a música como apreciador, desde muito cedo. Cresci em casas (pais separados) que se ouvia de Xangai a Beatles, dos Mutantes a Gipsy Kings. Tenho um pai que sempre tocou violão, desde muito jovem tive interesse. Comecei a aprender violão aos 12 anos, tomei aulas com Rubem Tavares e depois comecei a estudar por conta própria.Tive banda quando adolescente, tocava guitarra e buscava uma sonoridade mais voltada para o rock, grunge, heavy metal. Com 17 anos formei o grupo Caracol com alguns amigos, que tinha uma pegada mais samba rock e forte influência do som contemporâneo da época: Incubus, Los Hermanos, Scambo... Após a dissidência do grupo, mudamos a sonoridade e criamos a Panos e Mangas: Eu, Daniel Reuter e Ítalo Marques. A partir daí começamos a tocar mais o universo da MPB, de forma acústica. Voltei ao violão e comecei a cantar algumas canções. Aos 21 anos ingressei na Escola Baiana de Canto Popular, de Ana Paula Albuquerque. Fiz formação lá e cheguei a trabalhar como professor de canto posteriormente, por um tempo. Hoje faço o curso de Música Popular na UFBA desde 2012. Por conta do meu ofício como professor municipal de história, a universidade não tem sido o principal espaço de aprendizagem, mas sim a vivência e experiências de palco e o trabalho pessoal em casa. Quando decidi produzir o disco, em 2015, a Panos e Mangas deixou de se apresentar, decorrente também de demandas externas dos outros integrantes", relata.

A hora de rodar

Filipe Lorenzo, foto Rafael Martins 
Falando (e cantando) bonito assim, não foi difícil atrair grandes músicos para seu projeto, como Mateus Aleluia, Sebastian Notini, Paulo Muttti  e os já citados Ian e Bruna. E mais: Antônio Carlos & Jocafi lhe deram uma música inédita para ele gravar: Mirê Mirê.

“Fico muito honrado em fazer parte desta nova cena musical baiana... costumo dizer, sem falsa demagogia, que sou fã dos meus parceiros. Pois suas canções e criações me emocionam e me tocam da mesma forma que muitas canções de grandes mestres da MPB. Acredito que é uma cena que vem se fortalecendo nos últimos 5 anos, através principalmente do intercâmbio de canções e de participações. Desde o meu projeto da Panos e Mangas, sempre tive o desejo de unir músicos, musicistas e compositores(as) nas apresentações. Promovemos encontros e a partir daí se abriu um campo frutífero de produção... me entendo no meu projeto pessoal não só como compositor mas também como intérprete e estou sempre antenado à procura de novas parcerias e canções que possam integrar o repertório. Vejo que é uma cena que tem referências similares do que se compreende por música, para além de uma questão estritamente geracional... talvez tenhamos a sorte de sermos muito generosos entre nós, sem disputas de ego ou vaidades. Vejo uma turma que quer crescer mas quer levar o resto do pessoal junto, creditar, dar espaço, oportunidades”, observa.

Em sua música, Filipe traz muita delicadeza, tanto em sonoridade quanto em seus conceitos. Algo que cai bem, em um momento onde a brutalidade - física e retórica - parecem dominar a sociedade.

"Há um dito de Mateus Aleluia na faixa Africanizar, do meu disco, que acredito que sintetize muito bem o que penso sobre o poder cultural. Ele diz: 'Nós revigoramos nossos pés em contato com o rude chão. Nós somos filhos do canto e da dança. Seremos. Somos'. Não acredito que há caminho para justiça social, gentileza, cuidado com o outro sem o poder da arte. Não acredito num futuro inclusivo da sociedade brasileira sem a estruturação da arte-educação na escola e vida dos(as) jovens. Salvador fez recentemente 468 anos de uma história marcada por violência e injustiça, mas o que nos caracteriza fortemente como povo mundo afora está arraigado na nossa resistência cultural. Na resistência cultural do povo negro, principalmente. Quando o Seu Mateus diz o que diz, nos mostra que há um cordão que liga claramente a nossa história a este processo de construção do que queremos ser. Seremos este exemplo de povo que consegue revigorar os pés nas adversidades, através do canto, da música, do fazer e expressões artísticos? Seremos, se somos", afirma.

Humanista, Filipe também acredita que só a arte e a cultura podem nos salvar da barbárie.

"Passamos um momento de extrema intolerância, de cisões e de embrutecimento da sociedade. Os fatores são multi-transversais e complexos, ainda estamos observando o bonde passar e não sabemos muito bem aonde isso tudo vai dar, mas me fica uma sensação imensa de que a arte precisa entrar nesse jogo como um instrumento de sensibilização e educação. Precisamos aprender a ouvir o outro, a enxergar o outro, a ler o outro e precisamos estar dispostos a compreender o que o outro quer dizer. Não há nada que nos conscientize mais para isso do que a literatura, o teatro, a música e todas as ramificações de expressão artística. A luta por uma institucionalização desta forma de pensar é precisa, porém dura, afinal, a arte liberta, faz questionar e não é de interesse de certas correntes políticas, as quais muitas vezes estão ocupando os espaços institucionais, que o povo possa pensar fora da caixa e da mediocridade. Então sim, acredito que a arte possa nos salvar da barbárie", reflete.

Com passagens “voz e violão” por Brasília e São Paulo, Filipe quer agora viajar seu show com banda  completa.

“Bom, o trabalho de agora é exatamente este. Levar a Odisseia para além da Bahia... Tenho uma produtora em Brasília, que é uma cidade que tenho algum envolvimento musical, inclusive fiz um pré-lançamento lá em Outubro do ano passado, mas em formato solo: voz e violão. O plano é fazer o show com banda e o lançamento oficial do disco lá no segundo semestre, no Clube do Choro. Tive uma experiência em São Paulo no Teatro Commune em novembro, num projeto chamado Invasão Nave, também em formato reduzido: Eu e Paulo Mutti. Estamos buscando os SESCs e sempre antenados pra festivais e curadorias... é um trabalho árduo, de paciência e persistência... Estou buscando também estabelecer contato no interior do Estado, muitas vezes subutilizado e subestimado pelos artistas da capital. Tenho muito desejo de passar com a Odisseia pelo recôncavo e espalhar as canções e poesias dos poetas de cá”, conclui.

Odisseia Baiana, de Filipe Lorenzo / Hoje, 20 horas / Teatro Sesc Senac Pelourinho / R$ 20 / www.facebook.com/filipelorenzo



NUETAS

Pastel, Laia e livro

O Quanto Vale o Show? de hoje terça-feira última é foi só diretoria: Pastel De Miolos e Laia Gaiatta, com o lançamento do livro Blasfêmias & Orações, do Reverendo T. Intervenções de Lima Trindade, Sandro Ornellas, Gustavo Rios, Katia Borges, Isaac Fiterman, Nalini e Orlando Pinho. Dubliner’s, 19 horas, pague quanto puder. (Ops, já foi! Foi mal!)

Ivan e Gigito’s blues

Sexta-feira tem Ivan Motoserra e o bluegrass de Gigito no Dubliner’s. 22 horas, R$ 10 (até 0h), R$ 20 (após).

Weekend agitado

Batrákia, Drearylands, Lúpulla e muitas outras bandas (veja no cartaz) estão no festival Vida Rock Nova, sábado e domingo na Concha Acústica Roger Batera, em Lauro de Freitas. 17 horas, 1 quilo de alimento não perecível.

quarta-feira, abril 05, 2017

ALGUÉM LÁ EM CIMA GOSTA DELA

“Deus” na adaptação cinematográfica do best-seller A Cabana, a oscarizada Octavia Spencer falou com A TARDE sobre o filme

Erramos: se alguém lá em cima gostasse dela, não a tinha posto neste filme
Filmes baseados em livros best-sellers são sempre um desafio para seus realizadores, que tem de escolher entre agradar aos leitores ou ao público em geral.

A adaptação de A Cabana, um sucesso estrondoso que vendeu 25 milhões de cópias mundo afora, é um exemplo.

Estrelado por Sam Worthington (Avatar) e Octavia Spencer (Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante por Histórias Cruzadas, 2012), A Cabana tem o primeiro no papel de um pai que tem sua fé abalada ao perder sua filha caçula de forma violenta.

Octavia atua como Deus, que se ocupa de conduzir Mackenzie, o pai interpretado por Worthington, em uma longa (longa, mesmo) jornada espiritual para restaurar sua fé.

No Brasil para promover o lançamento do filme, a atriz contou por telefone ao jornal A TARDE que sim, ela é religiosa, mas não foi isso que a atraiu ao projeto.

“Eu li o livro e amei. Mas sim, sou uma pessoa de fé. Gostei do livro e das questões que ele traz para as pessoas de fé que passaram por tragédias em suas vidas. Achei que era um conceito maravilhoso”, afirma.

Deus com postura de mãe

Jesus, Mack, Deus e Espírito Santo: eles vão aprontar mil e uma confusões!
A obra literária de William P. Young é de perfil fortemente religioso,  indicada à leitores cristãos (católicos, evangélicos ou protestantes).

O filme, portanto, não teve muita alternativa, podendo ser facilmente classificado como “de nicho” – no caso, religioso. Nicho que tem crescido bastante nos EUA, vide o sucesso de filmes como Deus Não Está Morto (2014), sua continuação de 2016 e uma terceira parte já anunciada.

Spencer, que não é boba, está bem ciente da natureza deste filme. “Sei que este é um filme sobre fé e há um público específico para este tipo de filme. O que gosto no projeto é a sua mensagem de esperança e inspiração que ele invoca. Por isso escolhi fazer parte dele”, diz.

“Esta é uma abordagem mais filosófica de Deus. (Na preparação para o papel) Basicamente, conversei com um amigo pastor e li um monte de livros. E daí pus tudo de lado. Para mim, o mais importante era atuar com humanidade. Daí adotei a postura de uma mãe com seu filho”, conta.

Apesar de sua mensagem religiosa pouco sutil, há que se admitir que o filme faz uma escolha corajosa ao retratar Deus como uma mulher negra, em um momento no qual o racismo e intolerância parecem ter perdido a vergonha de se expor livremente.

“Tenho certeza que houve muitas reações (de gente preconceituosa) assim, mas não me preocupo com isso. Se tem gente olhando pra minha raça, então eles realmente não prestaram atenção à mensagem do filme”, afirma.

Atriz oscarizada, Octavia conta que a vida não muda após a premiação.

“Estou mais ocupada e com menos tempo para conviver com a família, mas a vida continua muito parecida com a de antes do Oscar. O trabalho muda. Exponencialmente”, diz.

RESENHA: Tom pesado arruína mensagem religiosa e narrativa cinematográfica

"Isso, bata os ovos com farinha, manteiga e açúcar. Eis sua fé restaurada"
No pega pra capar do grande mercado cinematográfico mundial, volta e meia alguém descobre um nicho de público até então mal servido.

O púbico de perfil religioso (ou gospel) é um deles, tendo se revelado com mais força após o enorme sucesso de Deus Não Está Morto (2014), filme sobre um aluno que desafia seu professor de filosofia ateu para um debate – e acaba convertendo-o. Na prática, uma peça de propaganda.

A Cabana parece ter sido feito para os olhos deste mesmo público. Baseado em um best seller avassalador, o filme narra a jornada espiritual de um pai (com um segredo em seu passado, que surpresa!) que começa a duvidar de Deus após ter sua filha assassinada.

Um dia, ele recebe um misterioso convite para comparecer na cabana onde as roupas de Missy, a menina morta, foram encontradas.

Entra em cena Octavia Spencer como Papa, que era como Missy chamava Deus. Outros dois personagens surgem com o Deus / Octavia: Jesus (o ator Aviv Alush) e Sarayu (Sumire Matsubara), formando a trindade Pai, Filho e Espírito Santo.

Até aí, tudo bem, não há nada de errado em filmes de temática religiosa.

O problema com A Cabana é que seu tom é muito pesado na mensagem que tenta a todo custo passar: converta-se ou sofra uma vida triste e sem redenção.

Vão ler Dickens

Revoltado com seu Deus por ter deixado sua filha ser morta de uma maneira horrível, Mackenzie Mack Phillips é conduzido por esta representação da Santíssima Trindade em trajes hippies por uma excruciantemente tediosa jornada espiritual na qual ele não terá outra alternativa, a não ser voltar a acreditar em Deus.

Há arcos dramáticos bem parecidos, como o clássico Um Conto de Natal, de Charles Dickens, onde um avarento é levado por três espíritos a rever sua postura.

"Oi, sou a Sabedoria e vivo em uma caverna, mas não sei escolher vestidos" 
Só que, o que em Dickens é maravilhamento e emoção real, aqui é um tremendo porre, uma sequência insuportável de liçõezinhas de moral sem qualquer estofo.

Pelo filme, devemos acreditar em Deus por que sim e pronto. Fé é fé, certo?

Desculpem os tementes a Deus, mas não.

Para quem não é exatamente praticante, A Cabana tem efeito contrário: a vontade de cometer maldades contra quem fez este filme chatérrimo é quase irrefreável ao sair do cinema.

Inclua-se aí a brasileira Alice Braga, que vive uma personagem chamada Sophia, uma espécie de representação da sabedoria, que vive em uma caverna.

De novo, uma imagem interessante.

De novo, arruinada pelo blá blá blá moralista carola pseudoesotérico de deixar Paulo Coelho de orelhas em pé.

Sem contar o figurino horroroso que a fizeram vestir, digno de uma debutante de cidadezinha do interior.

Pior filme do ano.

A Cabana (The Shack) / Dir: Stuart Hazeldine / Com Sam Worthington, Octavia Spencer, Alice Braga / 12 anos / Estreia: 6 de abril