Páginas

terça-feira, janeiro 31, 2017

A DAMA DE VERMELHO

Famosa marca italiana de bebidas contrata diretor oscarizado e astro de Hollywood para filmar curta. O blogueiro esteve no lançamento em Roma a convite da Campari, representando o jornal A Tarde

Clive Owen e a deusa Caroline Tillette em Killer in Red
O cenário feliniano de Roma no inverno é o pano de fundo perfeito para o diretor italiano Paolo Sorrentino e o ator inglês Clive Owen lançarem o curta-metragem Killer in Red.

O evento, com direito a premiere, tapete vermelho e sessões de entrevista para repórteres do mundo inteiro, é uma ação da tradicional fabrica italiana de bebidas Campari.

Assim como outra famosa marca italiana, a Pirelli, a Campari lança todos os anos um sofisticado calendário reunindo grandes fotógrafos e top models.

Este ano, para sair da rotina, foi criada uma ação intitulada Campari Red Diaries, na qual se insere o curta do Sorrentino com Clive Owen.

Além do super produzido filme de sete minutos, a marca também escolheu doze bartenders do mundo inteiro para contar histórias e apresentar seus drinques exclusivos criados para a marca.

Entre os doze, há dois brasileiros: Thalita Alves, que representa a Austrália com o coquetel Anita, uma homenagem à Anita Garibaldi, que leva cachaça Sagatiba Envelhecida, e o ítalo-brasileiro
Fabio La Pietra, do bar Peppino, em São Paulo, que apresenta no mês de agosto a receita de “A Hora Incomparável”.

Diretor conhecido pela verborragia visual que costuma derramar em filmes premiados como A Grande Beleza (Oscar de Melhor Filme Estrangeiro) e A Juventude, Sorrentino admite que teve
de se conter para dar seu recado em apenas sete minutos.

"Eu tenho a tendência de falar muito, mas eles (os produtores) queriam um filme curto, então tive
de me segurar. Mas é difícil para mim ser conciso, é complicado", afirmou.

Mesmo assim, o diretor fez um belo filme, ainda que de cunho mais publicitário. Seu Floyd, o bartender vivido por Clive Owen, é tão desiludido e relutante quanto os personagens principais
que povoam seus longas.

"A ambiência do bar ajuda muito, por que é um lugar em que as pessoas estão naturalmente
propensas a se socializar. Então é um cenário ótimo a se explorar".

Já o ator principal não se fez de rogado. Vestiu o uniforme de bartender e foi aprender in loco
como misturar drinques. "O figurino é muito importante. Até por que se a roupa não estiver correta, o papel não parte do ponto certo. Até os sapatos contam", afirmou o ator, que ainda contou que fez um estágio de bartender no bar de um amigo em Los Angeles.

Thalita Alves, a simpática bartender brasileira residente na Austrália
Sobre seu diretor em cena, Owen também não poupou elogios: "Sou um grande fã de Paolo, é um grande profissional no auge da forma".

A sessão de rasgação de seda, claro, teve volta. "Clive é um dos melhores atores desta época. Foi uma honra trabalhar com um ator inglês que traz em si toda a tradição da atuação teatral inglesa", disse Sorrentino.

De estética noir-publicitária, Killer in Red não poderia prescindir de um dos principais elementos da estética noir: a femme fatale, aqui interpretada pela atriz franco-suíça (e ruiva) Caroline Tillette, sempre de vermelho, citando a cor da bebida.

"Caroline é um exemplo perfeito de desejo masculino e nos filmes noir, o desejo masculino é sempre fatal. Nesse sentido, Caroline é devastadora", disse Sorrentino.

Diante da plateia de jornalistas do mundo inteiro, Bob Kunze-Concewitz, CEO do Gruppo Campari, pontuou que, "depois de 70 anos de calendários, é fácil cair na zona de conforto. Desta vez, fizemos questão de subir o nível".

"Clive Owen, neste contexto, representa o carisma e a paixão de Campari. E o filme ficou ainda
melhor do que eu esperava. Na verdade, eu fiquei arrepiado", acrescentou.



ENTREVISTA (OU TENTATIVA DE): PAOLO SORRENTINO

Em A Grande Beleza e também em A Juventude, seus personagens principais são homens desiludidos, cansados do mundo que os cerca. Você diria que Floyd, o bartender de Killer in 
Red, segue esse padrão?

Signore Sorrentino orienta Clive Owen em cena
Paolo Sorrentino: Não, eu não acho que Floyd está cansado do mundo. Eu acho que Floyd está excitado com o mundo. Eu acho que este homem entende que o casamento é melhor que a transgressão fora do casamento. E acho que isto é sempre uma boa notícia.

Killer in Red é esta grande e bela peça de propaganda. O senhor acha possível conceder sentidoo artístico à linguagem publicitária?

PS: Não sei dizer, por que na verdade não estou nem certo sobre o que é arte. Eu não sei.

Percebo uma grande influência da fotografia de moda e da publicidade em seus filmes. Você diria que essas linguagens são uma influência em sua carreira, em sua arte?

PS: Nada disso. Por que não sei quase nada de moda e muito pouco de publicidade.

O senhor disse na coletiva que a ambiência do bar o fascina, por que nele as pessoas estão propensas à se socializar. Fazendo um paralelo com sua série da HBO The Young Pope, o senhor diria que o bartender seria uma espécie de padre e o bar, sua igreja? Afinal, o bartender ouve as confissões das pessoas...

PS: (Pensa por um momento). Va bene. Eu aprecio sua interpretação. Gostei, faz sentido.

Que espécie de oportunidade o senhor vislumbrou neste projeto? O que o trouxe a ele?

PS: Não é por aí. Para nós, italianos, Campari é uma marca familiar, algo que te acompanha ao longo da vida, algo a que você se apega. Campari é parte de nós. O projeto era bom, e a proposta, interessante. Haviam características neste projeto que achei que eu poderia fazer algo a respeito, então, eu fiz.

FESTIVAL RUÍDOS NO SERTÃO, DE POÇÕES, CHEGA À 4ª EDIÇÃO COM TAURUS, EDU FALASCHI E MAIS SEIS BANDAS

Taurus, do Rio de Janeiro, comemorando 30 anos do primeiro LP
E o movimento do rock no interior do estado não para.

Este sábado tem a quarta edição do festival de heavy metal Ruídos no Sertão, na cidade de Poções (Centro-Sul baiano, a 444 quilômetros de Salvador).

Para quem não lembra, foi o RnS que levou à Poções em 2016 as lendas do metal Udo Dirkschneider (ex-Accept) e Blaze Bayley (ex-Iron Maiden).

Desta vez, a atração internacional quase foi a banda inglesa Grim Reaper, legítima representante da New Wave of British Heavy Metal (o LP Fear No Evil, de 1985, é um clássico entre connoisseurs).

Mas problemas de saúde do vocalista Steve Grimmet levou ao cancelamento de toda a turnê.

Em seu lugar, duas atrações nacionais de peso: a veterana banda carioca Taurus, comemorando 30 anos de seu primeiro álbum, o clássico Signo de Taurus (1986) e o cantor Edu Falaschi (ex-Angra), com seu show-tributo Metal Classics.

Além dos dois headliners, mais seis bandas: Venereal Sickness (de Caratinga, MG),  Fúria Louca (MA), Social Freak (Vitória da Conquista), Human, Erasy (ambas de Feira de Santana) e a prata da casa de Poções, Suffocation of Soul.

Fúria Louca, hard rock de São Luís (MA)
Na raça

Realizado sem apoio governamental, o RnS conta apenas com a obstinação de seu realizador, Gildásio Correia e algum apoio do comércio local.

“Dependemos da bilheteria para realizar o evento, o resto é investimento próprio, com apoio do comércio. Nem apoio da prefeitura tivemos esse ano, por conta da transição entre governos”, conta Gildásio.

“Mas a expectativa é muito boa, apesar das reclamações por causa da  crise. Esperamos casa cheia”, afirma.

Para selecionar as atrações – fora headliners – o RnS abre inscrições para receber material de todo o Brasil.

"Trabalhamos em duas frentes. Com as atrações principais, temos uma rede de contatos muito boa, aí fazemos as negociações. Tentamos sempre trazer uma atração de nível internacional. Tínhamos fechado já com o Grim Reaper, mas o líder da banda teve um problema sério de saúde, aí tive que cancelar. Com o Taurus, nós já estávamos em contato desde meados do ano passado, mas acabou não avançando. Com a situação do GR, retomamos e acabamos conseguindo encaixa-los. É uma banda histórica do heavy metal nacional e mantém  o nível do festival", afirma.

Human, uma das duas bandas de Feira. A outra é o Erasy
“Recebemos material de cerca de 300 bandas de 22 estados, mais Argentina e Uruguai. Isso mostra o alcance do evento. Aí é um processo bem longo. Depois de avaliar as bandas, começamos a conversar com elas para negociar, já que não temos muita grana”, conta.

“Mas temos ótima estrutura, com banheiros, área coberta, lounge para descansar, praça de alimentação com comida vegetariana e  cervejas artesanais. Como a programação é extensa, com 12 horas de evento, teremos dois intervalos de 40 minutos a uma hora para o pessoal tomar uma cerveja, tirar foto com os artistas etc. Tem caravanas vindo de Salvador, Ipiaú, Ilhéus, Itabuna e Vitória da Conquista. Quem vem de caravana paga ingresso com desconto e também oferecemos descontos em hotel. Damos suporte às caravanas, elas são muito importantes", conclui.

4º Festival Ruídos no Sertão / Sábado, 14 horas / Área de Eventos Os Primos (Rua Santa Cruz, 314, Poções - BA) / Informações: www.ruidosnosertao.com.br



NUETAS

Júlio com Benete

Dois guitar heroes no Quanto Vale o Show? de hoje: o veterano Júlio Caldas e o novato Benete Silva (ouçam seu disco Rock na Favela, é um espetáculo). Faíscas para todo lado a partir das 19 horas. Dubliner’s, pague quanto quiser.

Rancore, Semivelhos

Em turnê pelo país, a cultuada banda paulista Rancore se apresenta em Salvador com a juazeirense Semivelhos. Amanhã, Portela Café, a partir das 18 horas. R$ 40 (na porta).

Pietro Leal estreia

Notabilizado como frontman da banda Pirigulino Babilake, Pietro Leal estreia seu show solo Estereótica neste sábado, 20 horas, no Teatro Eva Herz (Salvador Shopping). Show concorrente no  Prêmio Caymmi de Música. R$ 30.

sexta-feira, janeiro 20, 2017

A FICHA CORRIDA DE UM GRUPO EXTRAORDINÁRIO

Páginas em 3D do Dossíê Negro
A Liga Extraordinária: Dossiê Negro é mais uma amostra humilhante do talento de Alan Moore. A obra compila dados “secretos” do grupo de personagens clássicos da literatura

Nesta vida, existem poucas verdades universais à prova de negação, como, por exemplo, “o dia precede a noite” e “Alan Moore nunca decepciona”.

A Liga Extraordinária: Dossiê Negro é mais um delírio deliciosamente elaborado pela mente mais brilhante dos quadrinhos modernos.

Criada em parceria com o desenhista Kevin O’Neill, o Dossiê Negro é a última HQ da série A Liga  Extraordinária  que ainda estava inédita no Brasil – via editora Devir, ela  chega às livrarias e comic shops do Brasil  com seu complexo esplendor quase intacto.

Explica-se: como o título dá a entender, trata-se de um dossiê contendo (muitos) dados e alguma memorabilia sobre o exótico grupo de aventureiros dotados de talentos especiais à serviço da coroa inglesa.

Mais páginas em 3D
Assim, a edição original norte-americana trazia, entre outros objetos acondicionados em um envelope de papel pardo encartado no livro, até um compacto de vinil sete polegadas, com duas canções de rock estilo anos 1950 compostas e cantadas pelo próprio Alan Moore (imitando Elvis Presley), atribuídas a  fictícia banda Eddie Enrico & His Hawaiian Hotshots: Immortal Love e Home With You (ouça no vídeo abaixo).

A edição brasileira não se dá a esse luxo todo, até por que encareceria ainda mais uma edição já dispendiosa o bastante (R$ 150).

Mas o fã que se coçar para adquiri-la certamente se sentirá recompensado com o seu conteúdo.

Além da obra em si, que é magnífica, o envelope de papel pardo da Devir traz  oito cartões postais, um “catecismo” (HQ erótica vintage), um óculos 3D, o encarte do compacto já citado e um marcador de página em forma de espada, que também serve para romper o lacre de uma  narrativa erótica no álbum.

Fugitivos do MI5

Trecho d'A Vida de Orlando
Criada pela dupla inglesa no fim dos anos 1990, A Liga Extraordinária reúne personagens famosos da tradição literária europeia (e alguns norte-americanos) para atuar de forma secreta, como Mina Murray-Harker (de Drácula, de Bram Stoker), Allan Quatermain (As Minas do Rei Salomão, de H. Rider Haggard), Capitão Nemo (20 Mil Léguas Submarinas, de Jules Verne), Orlando (de Virginia Woolf) e muitos outros.

Foram lançados três álbuns do grupo: Volumes I, II e III (o último também intitulado Século), este Dossiê Negro e uma aventura solo de Janni Dakkar, a filha do Capitão Nemo: Coração de Gelo.

Em todas essas obras, Moore e O’Neill criam verdadeiros caleidoscópios de referências culturais diversas, que vão desde a alta literatura a personagens pulp esquecidos – e nada, absolutamente nada é  jogado de forma gratuita. Cada referência é matematicamente apoiada no contexto.

No Dossiê Negro, estamos em 1958, em pleno governo totalitário do Grande Irmão (referência à George Orwell) e os aparentemente imortais Mina e Allan, tornados clandestinos pelo MI5 (o serviço secreto britânico), invadem o quartel-general da instituição em Londres para roubar o Dossiê.

Com ele em mãos, começam a ler documentos sobre as várias encarnações da Liga, existente desde o século 16.

Irados, os governantes mandam seu principal agente, um certo Jimmy (sobrenome Bond) atrás da dupla.

O leitor acompanha a narrativa em dois níveis: a perseguição de Jimmy a Mina e Allan e a leitura do dossiê feira pelos dois últimos.

O Dossiê, em mais uma amostra humilhante de talento do seu autor, chega ao luxo de trazer textos apócrifos de Shakespeare e Jack Kerouac, além de relatórios de agentes, crônicas, excertos, mapas, diagramas e outros mimos.

A Liga Extraordinária: Dossiê Negro / Alan Moore e Kevin O’Neill / Devir / 208 p. / Edição de Luxo (capa dura): R$ 150

quinta-feira, janeiro 19, 2017

TRÊS DIAS DE MÚSICA ORGÂNICA

Khusugtun, da Mongólia: canto, percussões e sons ancestrais
Festival: 21ª edição do PercPan - Panorama Percussivo Mundial não decepciona, com grandes atrações e uma noite gratuita no Pelourinho 

O PercPan - Panorama Percussivo Internacional, um dos festivais de música mais tradicionais da Bahia, tem sua  edição 2017 realizada em pleno verão, em tempo de esquentar ainda mais a estação mais agitada do ano em Salvador.

Realizada desde 1994 – com alguns poucos anos de intervalo – o PercPan já trouxe à cidade grandes shows, tanto de artistas consagrados quanto de ilustres (e surpreendentes) desconhecidos.

Esta edição, com patrocínio da Petrobras, Vivo e Governo da Bahia, não será diferente.

De um casal polonês que toca um instrumento feito de taças de cristal à uma africana de Gâmbia que toca o kora, tradição masculina de sete séculos (que ela quebrou), passando por um grupo de mongóis da China e outro de cadeirantes congoleses, o PercPan 2017 não deixou por menos.

Coletivo Rumpillezinho é coisa nossa
Méritos para o curador desta edição, o aclamado produtor musical Alê Siqueira. Ele pensou em três noites: duas (quinta e sexta-feira) no palco tradicional do festival, o Teatro Castro Alves – e uma outra mais democrática, gratuita, no Terreiro de Jesus (sábado).

Cada noite tem um tema definido por Alê.

“Pensar por temas é uma coisa que me acompanha na minha vida. É uma maneira de dar organicidade, unidade à tudo que eu faço, seja um festival, um disco ou um DVD. No caso do PercPan, mais do que uma coletânea de atrações, pensei em enfatizar enfoques curatoriais, conceituando cada noite”, explica.

Desta forma, ele conceituou a primeira noite como RIME – Ritmo e Melodia: “Ela vai na contramão da percussão grandiloquente, é uma noite mais delicada, com o grupo da Mongólia, que tem uma poética delicada, a cantora da Gâmbia e o duo polonês”, diz.

Glass Duo, da Polônia: o maior instrumento de cristal do mundo
A noite seguinte, INCLUA, privilegia grupos oriundos de projetos sociais.

“É um convite para refletir a música como instrumento de  inclusão social. Daí temos projetos lindos, como o Rumpillezinho, o Trio MultiFaces, que saiu do Neojibá e o  Grupo de Referência de Ourinhos (São Paulo)”, diz.

A última noite, CELEBRE, é  festiva, com Roberto Mendes, Lucas & Orquestra dos Prazeres (PE), Staff Benda Bilili (Rep. Democrática do Congo), Muzenza e Patax (Espanha).

Além dos shows, o PercPan estende suas atividades até Santo Amaro, onde haverá encontros e uma mesa-redonda.

“Outra coisa é a descentralização do festival, o que transcende a questão da música pela música, utilizando o recurso do festival para levar cultura para o Recôncavo. Então teremos quatro ações sócio-educativas em Santo Amaro: três workshops e uma mesa-redonda”, conta o curador.

Mateus e Jorge

Staff Benda Bilili, da República Democrática do Congo
Convidado por Alê para ser o mestre de cerimônias das três noites de show em Salvador, Mateus Aleluia, o eterno Tincoã, não poderia estar mais honrado.

“O que existe de mais real é um festival como o PercPan. Afinal, antes de tudo havia o ritmo. E o festival  sintetiza isso”, afirma o artista.

A expectativa para que Aleluia cante entre um número e outro é grande, mas ele despista: “Meu papel é dar a conhecer as atrações, interagir com os convidados. Entre um e outro, pode ser que alguma coisa  altamente intuitiva saia. Quem é mestre de cerimônia tem que recorrer ao que sabe fazer”, afirma, enigmático.

Quem também está animadíssimo para o festival é o percussionista espanhol Jorge Pérez, líder da banda Patax. “Vamos fazer uma festa!”, avisa.

“Alguns dos mais talentosos músicos de jazz da Espanha estarão lá, fazendo um baile de força, felicidade e boas energias. Tocaremos algumas músicas de Michael Jackson, do álbum que gravamos em seu tributo (Patax Plays Michael, 2015), além de músicas novas”, conta, por email.

Apesar de já ter visitado Salvador, ele diz que tocar com sua banda aqui é “o início da realização de um sonho”.

Bienvenidos, Jorge e Patax.

21º PercPan / de 18 a 21 de janeiro / Salvador e Santo Amaro / Programação e informações: www.facebook.com/festivalpercpan


ENTREVISTA: SONA JOBARTEH

Você é a primeira mulher instrumentista do Kora, quebrando uma tradição de sete séculos. Como foi isso? Enfrentou algum tipo de preconceito masculino?

Sona Jobarteh e seu kora,da Gâmbia
Sona Jobarteh: Isto é algo que faço com grande responsabilidade, porque entendo e respeito muito a tradição, ainda que eu a tenha quebrado enormemente, apenas por ser mulher. Então, sinto que carrego uma grande responsabilidade. Em relação às reações, por não me colocar no velho contexto de tocar o kora em cerimônias, casamentos etc, e sim como artista, acredito que esta condição me concede um alto grau de liberdade dentro da tradição. Muitos anciões me deram suas bênçãos por que ficaram felizes em ver alguém da nova geração dando continuidade à tradição e a espalhando em outros territórios.

Pode nos contar um pouco sobre o que vamos ouvir no seu show? Você vem com sua banda e seu kora?

SB: Sim, vou com minha banda completa, com o kora, guitarra, baixo, percussão e bateria. Vou apresentar o repertório do meu último álbum, chamado Fasiya. Este repertório é baseado na música tradicional do povo mandinka, à qual minha família pertence. Mas as músicas são composições minhas mesmo, mesclando tradição e modernidade.

Já esteve na Bahia? Tem algum interesse na música e nas tradições percussivas locais?

SB: É a minha primeira vez  no Brasil, então estou muito animada para encontrar o povo brasileiro e assistir às performances dos outros artistas e músicos. Há muitos anos eu queria ir ao Brasil, por conta do meu interesse na tradição de sua música, então será uma experiência muito interessante para mim.


ENTREVISTA: JORGE PÉREZ

Pode nos contar um pouco sobre o que vamos ouvir no seu show? Vi que vocês gravaram um álbum só com músicas do Michael Jackson (Patax Plays Michael, 2015). Elas estão no repertório também?

Jorge Pérez, seu cajón e a dançarina flamenca
Jorge Pérez: O que vocês vão ouvir no show do PercPan é uma verdadeira festa! Alguns dos mais talentosos músicos de jazz da Espanha estarão lá, fazendo um baile de força, felicidade e boas energias. Tocaremos algumas músicas de Michael Jackson, do álbum que gravamos em seu tributo, além de músicas novas. Mas o show do Patax não é só algo para ser ouvido, você o aprecia com os olhos também! E não apenas pelos rostos sorridentes (da banda) transmitindo sinais entre os músicos enquanto improvisam, mas também por que o Patax tem uma dançarina flamenca que interage com a música. Um mimo para seus sentidos.

O Patax se define com uma banda de jazz fusion. Quais ingredientes entram nessa receita de fusão?

JP: Sou formado pelo Berklee College of Music, compositor e arranjador da banda, além de tocar congas e cajón. Então, as influências do Patax vem diretamente do meu background musical. Nasci na Espanha e me formei entre a Espanha, Cuba e Estados Unidos. Os ingredientes são flamenco, música afrocubana, jazz, rock, pop e funk. O ritmo é, assim, o núcleo do entendimento para a fusão de gêneros musicais do Patax.

Já esteve na Bahia? Tem algum interesse na música e nas tradições percussivas locais?

JP: O Patax nunca esteve no Brasil, mas eu estive em Salvador quando era adolescente e fiquei louco com a música e a cultura profunda da cidade. Desejei voltar algum dia e ser parte deste excitante ambiente musical. O concerto do Patax no PercPan é o início da realização deste sonho.

terça-feira, janeiro 17, 2017

BOA NOVIDADE DE 2016, A SOROCABANA PAULA CAVALCIUK FAZ SHOW SEXTA-FEIRA EM SALVADOR

Paula Cavalciuk, foto Camila Fontenelle
O Brasil tem tradição de grandes cantoras. E a cada ano, surgem tantas cantoras novas que é difícil se destacar em meio a concorrência.

Em 2016, uma das cantoras mais interessantes que ouvi foi a sorocabana Paula Cavalciuk.

E não foi só eu que achei, não. Seu primeiro álbum, Morte & Vida, rendeu à Paula, de cara, uma indicação de artista revelação da música brasileira pelo júri da APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte).

Enquanto escrevo isto, Paula e banda de três músicos se revezam na direção de um carro rumo ao Nordeste, onde farão turnê por oito estados.

Em Salvador, eles se apresentam sexta-feira, na Tropos. Eu sei que a cidade tá agitada, o verão tá bombando e tal. Mas se eu fosse você, reservava espaço na agenda para conferir Paula e sua banda.

“A gente acredita muito na estrada como ferramenta de transformação, de formação de público. E o Nordeste sempre foi um destino pretendido, pela cultura riquíssima que só chega a conta-gotas pra nós do Sudeste”, conta Paula.

“(A turnê é) Tudo feito na raça e na coragem. Todo o longo percurso de quase oito mil quilômetros será feito de carro, revezamento de direção e bora lá, porque esperar as oportunidades baterem à nossa porta tá difícil, ainda mais nesse período político doido, de desmonte da cultura, etc. Bora cair na estrada”, convida.

A faixa de abertura do seu álbum, Morte & Vida Uterina, versa na letra sobre questões de opressão contra as mulheres. Quando mais uma notícia de estupro coletivo - algo que parece ter se tornado rotineiro - foi explorada pela mídia, Paula convidou fãs, amigos e contatos de redes sociais para enviarem mensagens em vídeo.

O resultado é clipe aí embaixo.



Paula e banda, foto André Pinto
"O machismo é parte da estrutura da nossa sociedade colonizadora e seu combate só se dá com a prática de empatia, auto-análise e exercício diário de tudo isso. Quando os homens entenderem que também perdem muito com o represamento de seus reais sentimentos, com o cumprimento de expectativas de como ser um macho, talvez caminhemos lado a lado e fique mais fácil e fluído", afirma Paula.

"Com a ascensão dos meios de comunicação, tudo veio à tona, as opressões, mas também o inconformismo. A gente não fica mais calada diante da injustiça e esse barulho ameaça os privilégios dos grupos opressores, então isso incomoda pois ninguém quer abrir mão de privilégios, nem para equalizar melhor a sociedade. Mas eu sou otimista e prefiro seguir o caminho da compreensão nesta luta. Penso que não são os piores tempos para se viver, em termos de opressão, eles são só mais transparentes porque as máscaras caem e isso facilita saber quem está do seu lado e quem ainda poderá estar, se quiser compreender", reflete.

Sem auto-engano

Cheia de personalidade, Paula é dona de uma voz que é, digamos, só dela. E olha que ela até tentou não ser artista. Mas não teve jeito, a música falou mais alto. Até por que ela sempre fez parte de sua vida.

No You Tube, um vídeo de Paula cantando em dueto com sua irmã, Lucile, não deixa dúvidas de que o talento é coisa de família.

"Lucile é minha irmã, minha metade. A criança com quem desenvolvi a fala, o canto, o humor, os medos. Duas meninas que viveram boa parte da vida no meio do mato (interior do Vale do Ribeira) e criaram uma linguagem própria, um universo para fugir do tédio e do mundo dos adultos. Nós mapeávamos os tipos de dicções, sotaques, jeito de falar e cantar das pessoas. Tudo que era diferente de nós, era fascinante. A música sempre esteve presente em nossa formação, pois a TV pegava mal e o rádio não pegava de jeito nenhum, então o jeito era ouvir os discos do meu pai (de Beatles a Duduca e Dalvan). Minha mãe tinha música em suas veias, um cantar profundo, simples, sofrido e o palco que lhe coube foi o grupo de canto da capelinha que ela mesma construiu em nosso quintal. Eu e a Lucile acompanhávamos minha mãe e nossos timbres muito parecidos e afinados, junto com a facilidade em assimilar diferentes músicas, sempre facilitaram a tarefa de ensaiar um bom coral", conta.

Paula. Foto Camila Fontenelle
“Não consigo me lembrar da minha primeira cantarolada, mas eu ainda nem frequentava a escola, quando cantava na igreja, coisa de 4, 5 anos de idade. Na adolescência eu já morava em Tapiraí e o contato com a rádio, o empréstimo de CDs, as revistas de música me trouxeram outras opções e referências. Acho que a música sempre foi tão vital pra mim que talvez por isso eu só tenha encarado a opção de viver dela aos 25. Antes, eu estava presa às lendas de mercado competitivo, tutoriais de como se dar bem numa entrevista de emprego, etc. Mas bicho do mato preso em escritório não dá muito certo e depois de muito penar com as divisórias de eucatex e a pilha de papelada sempre atrasada em cima da minha mesa, fui cantar em barzinhos com meu amigo Vinicius Lima (hoje, guitarrista da minha banda) e estamos aí”, acrescenta.

O resultado está no álbum, disponível para download e já reconhecido pela crítica - algo que a surpreendeu.

“Eu fiquei muito feliz! A gente quando tá imersa dentro de um processo (composição, gravação, lançamento) perde um pouco a noção do todo, do seu próprio tamanho. Cantar minhas músicas para outras pessoas é uma conquista bem recente, começou, de fato, em 2014 e veio de um exercício de conquistar auto-confiança. Eu comecei a responder minhas dúvidas, minhas perguntas mentais, mostrava minhas músicas para pessoas próximas, depois para estranhos e fui perdendo a vergonha, gostando da sensação, e mais ainda, da sonoridade que eu fui alcançando. Depois que vi meu vizinho cantarolando uma música minha no estacionamento do prédio, eu pensei ‘acho que agora eu posso cantar pra qualquer pessoa’”, afirma.

Sexta-feira, Paula finalmente traz seu próprio show à cidade. Antes, ela veio à Salvador com o show
Dolores in Blues, com repertório da Dolores Duran.

"A primeira vez que estive em Salvador foi em 2014 apresentando o show "Dolores in Blues", com repertório da Dolores Duran, em arranjos de jazz e blues. Na ocasião, foi uma correria danada e só deu tempo de dar entrevistas e tocar. Eu voltei embora aos prantos, pois desde que botei os pés nessa cidade senti uma vontade de conhecer, zanzar por aí, pisar no chão, conhecer a história. Só deu tempo de tomar uma cachaça no Cravinho, mas desta vez, quero curtir a cidade um tantinho mais", lembra.

"A Bahia é maravilhosa! Tem uma coisa, uma arte pulsante, então a música é coisa de doido! Não tem como não falar de música brasileira sem citar a importância de Caetano Veloso, Tom Zé, Gal Costa, Daniela Mercury, Novos Baianos, Raul Seixas, mas há de se admitir que produção musical baiana vem se reinventando dum jeito bem bonito, com BaianaSystem, Marcia Castro, Vivendo do Ócio, Maglore. E como não falar da minha querida amiga baiana Assucena Assucena, que ao lado de Raquel Virginia, toma a frente duma das mais importantes bandas da atualidade, As Bahias e a Cozinha Mineira. Bahia é muito amor mesmo", conclui Paula.

Paula Cavalciuk: Morte & Vida / Sexta- feira, 21 horas / Tropos (Rua Ilhéus, 214) /  Pague quanto puder

Ouça, baixe: www.paulacavalciuk.com.br



NUETAS

Sens, Hot Coffees

As bandas Sens e The Hot Coffees tocam no Quanto Vale o Show? de hoje. Dubliner’s, 19 horas, colaborativo.

Dórea, Squeeze, Bia

O Hot Dougie’s Rendezvous (Porto da Barra) está com uma baita oferta de bons sons. A coluna indica Dórea (sábado, 16 horas), Squeezebox (sábado, 18 horas) e Bia Táui (domingo, 16 horas). O primeiro faz Neil Young e Bob Dylan, o segundo é uma superbanda de clássicos do rock e a terceira canta soul. Tudo free.


FUBA sábado no MAM

Astralplane, Kazenin Máfia, Nágila Maria, Daniele Moreira, WWL Rap, Afrochoque e Novas Escutas tocam no FUBA (Festival Universitário Baiano de Arte e Cultura). Sexta, 10 horas, no MAM.

sábado, janeiro 14, 2017

O BLOCO DAS MICRO-RESENHAS 2017 ABRE ALAS E PEDE PASSAGEM

Uma vida sem limites


Lançada pela Conrad em 2000 e esgotada há anos, esta biografia do cultuado escritor Charles Bukowski (1920-1994) volta às livrarias em nova edição pela Veneta. Sounes fez um bom trabalho de pesquisa, entrevistas e buscou ser imparcial, a fim de revelar as diferentes faces do Velho Safado: o menino aterrorizado pelo pai, o jovem sem rumo, o adulto alcóolatra, o poeta underground, o ídolo dos doidões. Livro essencial para os fãs. Bukowski: Vida e loucuras de um velho safado / Howard Sounes / Veneta / 384 p./ R$ 59,90




Périplo interestelar

Uma das melhores séries de HQ atuais, a ficção científica Saga mostra a fuga do casal Marko e Alana, soldados de duas raças em guerra, e seu bebê, Hazel, pela galáxia. No caminho, estranhos aliados e caçadores de recompensa mais estranhos ainda. Poderia ser banal, mas o escritor Brian K. Vaughan (Y: O Último Homem, Lost) tem ótimo ouvido para diálogos bem-humorados e viradas de trama inesperadas. Arte majestosa de Fiona Staples. Saga - Volume 3 / Brian K. Vaughan e Fiona Staples
/ Devir / 152 p. / R$ 65




Um escritor necessário

Um dos grandes gênios de nossa literatura, Lima Barreto (1881-1922), tem reunidos aqui dezenas de textos e crônicas para diversas publicações cariocas entre os séculos 19 e 20. A maioria jamais foi republicada, o que torna este volume uma verdadeira preciosidade já de antemão. O trabalho hercúleo da organização foi do pesquisador Felipe Botelho Corrêa. Atualíssimo, Lima deixou para a posteridade  lições como esta, sobre a troça: “Nada de violências, nem barbaridades. Troça e simplesmente troça, para que tudo caia pelo ridículo. O ridículo mata e mata sem sangue”. Sátiras e Outras Subversões / Lima Barreto / Penguin Companhia/  552 p./ R$ 44.90 /  E-book: R$ 30.90


Resgate parisiense-recifense

Clássico da discografia de Alceu, Saudade foi gravado em Paris e lançado de forma independente, com poucas cópias. Agora volta via Deck. Essencialmente acústico (violas do mestre Paulo Rafael), é uma joia da música nordestina. Alceu Valença / Saudade de Pernambuco / Deck / R$ 29,90







O Natal já passou, mas a ideia fica

Bela coletânea de canções natalinas com renda revertida ao NASPEC (Núcleo Assistencial para Pessoas com Câncer). Tem Alavontê, Luiz Caldas, Eric Assmar Trio, Retrofoguetes,  Lazzo, Saulo, Durval, Eva etc. Belo disco, boa causa. Vários artistas / Natal Feliz pra Todos / Independente / R$ 25







Potencialmente promissora

Bem rodada nos palcos do Rio de Janeiro, a  banda Drenna, liderada pela cantora homônima, faz um álbum de rock competente, mas sem grandes novidades. Vale ouvir Ela Vai Chamar Sua Atenção e Anônimo. Drenna / Desconectar / Toca Discos / Preço não informado







Piano arrojado

Um dos maiores talentos do piano contemporâneo no Brasil, Leandro Cabral explora territórios  pouco usuais no jazz ortodoxo, como toques de ijexá (Alfa) e samba  reggae sutil (O Amor Que Se Deu). Não a toa, Letieres Leite é fã declarado. Leandro Cabral Trio / Alfa / Independente / R$ 25







Releituras contemporâneas

Virtuose do violão, Badi Assad investe em repertório de  pop alternativo contemporâneo, relendo hits de Lorde (Royals), Alt-J (Hunger of The Pine), Hozier (Sedated), Skrillex (Stranger) etc. Resultado interessante, oxalá a molecada ouça. Badi Assad / Singular / Eldorado / R$ 24,90







Fatto con amore

Descendente de italianos, o paulista Carlos Careqa foi em busca das raízes às margens do Rio Po e de lá voltou com esta leva de composições, gravadas ao vivo. Teatral, irônico e vigoroso, um manifesto digno de um Dario Fo. Bravo. Carlos Careqa / Facciamo L'amore / Independente / R$ 24,90







Conta aquela história da Princesa de novo

Nem o Lado Negro da Força é suficiente na hora de Darth Vader botar as crianças Luke e Leia para dormir. Nesta nova HQ indicada para crianças, o Lorde Sombrio dos Sith passa maus bocados nas mãos do quadrinista Jeffrey Brown (Academia Jedi). Fofura e bom humor para jovens padawans. Boa Noite, Darth Vader / Jeffrey Brown / Aleph / 64 p./ R$ 32,90






Cai o pano vermelho

Prêmio Nobel de Literatura de 2015, a jornalista ucraniana Svetlana Aleksiévitch cria em seus livros grandes paineis nos quais dá voz a todos os envolvidos em suas monumentais reportagens. Aqui, ela investiga a dissolução da mentalidade soviética. O fim do homem soviético / Svetlana Aleksiévitch / Companhia das Letras / 600 p. / R$ 64,90 / E-book: R$ 39,90







Creindeuspai

Legítimo representante do novos autores do terror nacional, Bravo amplia neste livro a mitologia do anterior, Além da Carne. Pactos demoníacos (selados em latim, claro) e intrigas entre o céu e o inferno dão a tônica dos quatro contos aqui apresentados. Sangue, rituais, sexo e muito terror. Ultra Carnem / Cesar Bravo / Darkside/ 384 p./ R$ 49,90







Um pingo no oceano alucinógeno

Maestro da anarquia, gênio indomável, iconoclasta incansável. Zappa era (é) um oceano em forma de música e ideias mirabolantes. Conhece-lo por meio desta coletânea é como pingar uma gota deste oceano alucinógeno bem no olho. Frank Zappa / Zappatite / Universal / R$ 29,90







O samba baiano está vivo e chutando

Legítimo representante do samba de raiz baiano, o Grupo Botequim bota todos os seus bambas em campo e dá de goleada neste álbum. Tem samba de roda, de breque, samba canção, partido alto, choro. Bonitão. Grupo Botequim / Festa no Botequim / Independente / Preço não divulgado






Power trio avant garde

Após três anos de atividades, o trio avant-garde local Laia Gaiatta lança seu primeiro trabalho, o EP Vaia. São três faixas: Pátria Mingau, Circo Pobre e Peixebook. Letras irônicas, guitarras dissonantes e um oboé alucinando. Laia Gaiatta / Vaia / Sê-lo! / Ouça: www.laiagaiatta.bandcamp.com

quinta-feira, janeiro 12, 2017

ELE SOBREVIVEU

Autobiografia João Gordo: Viva La Vida Tosca é relato sincero de figura importante do rock e cultura pop brasileira


João Francisco Benedan. Foto Rui Mendes
A autobiografia João Gordo: Viva La Vida Tosca (DarkSide Books)  pode passar longe do gênero auto-ajuda, mas – surpresa – é uma edificante história de superação.

Ditado pelo  vocalista da clássica banda punk Ratos  de Porão ao jornalista André Barcinski, o livro é a cara do seu personagem: sem papas na língua, nem rodeios.

“Pô, tem história pra caramba pra contar, e depois que gente tá morto,  o povo escreve o que quer. Então, resolvi fazer logo, contar da minha vida até agora. Antes que alguém fizesse o errado, eu  fiz o certo”, afirma João, por telefone.

Amigo de André Barcinski, João não teve dúvidas ao convocar o autor da biografia de Zé do Caixão (Maldito, relançada em 2016 pela mesma DarkSide) para ajuda-lo a contar sua própria história.

“Sou amigo dele há muitos anos, desde um show do Ratos no Circo Voador. Depois ele me chamou para trabalhar freelance no (jornal) Notícias Populares. Teve também a entrevista para o livro Barulho (Uma Viagem pelo Underground do Rock Americano, 1993)”, lembra.

“Desde essa época, conto minhas histórias pro André, e ele dava muita risada. Para o livro, ele foi me entrevistando por quase dois anos. Aí ele decupava, fazia um capitulo, me mandava, eu olhava. Ele ainda entrevistou minha mãe e alguns amigos“, conta.

Narrado em primeira pessoa, o livro aproxima o leitor da pessoa João Gordo / João Francisco Benedan de forma mais eficaz do que qualquer disco do Ratos ou programa de TV que ele tenha feito.

A impressão é de ouvi-lo falar diretamente para quem lê, como se estivesse em uma mesa de bar.

E o mais incrível, para quem só conhece o Gordo como um punk boca-suja, é que, ao final do livro, o que fica é um sentimento de ternura – sim, ternura. Por este sujeito aí ao lado de dedo médio estendido.

1982, chefe de bateria do Bloco Maracatu em Angatuba (acreditem!)
“As pessoas se comovem com o livro, cara! Teve gente que chorou no final! Porra, nem era minha intenção, mas é legal, isso. É que o livro é bem escrito, sabe”, afirma.

Amasso na coroa

Há pelo menos duas razões para tanta emoção despertada pela autobiografia de João Gordo.

A primeira é sua relação dificílima com o pai, que costumava surra-lo de tirar sangue, quando o menino João Francisco aprontava.

E João Francisco, um garoto de imaginação fértil e cheio de energia, aprontava muito. João chega a atribuir a uma dessas surras, especialmente brutal, sua gagueira.

"Foi natural (o processo de superar os traumas paternos). Tive uns problemas psicológicos por causa disso. Mas fico feliz de saber que não sou meu pai. Era outra época, outro jeito de falar e criar os filhos. Hoje é tudo muito diferente, a gente não tem que repetir os erros dos pais", observa.

A outra razão é o(s) drible(s) na morte que ele deu. Após décadas bebendo, se drogando, comendo e fumando como se não houvesse amanhã, o corpo começou a cobrar o preço.

O Ratos de Porão em Berlim, na época do muro
João encontrou na esposa, nos filhos e no veganismo o caminho para mudar.

“O (André) Forastieri (do portal R7) disse que o livro é uma história de amor. Amor do pai pelo filho, amor pelo rock, amor pela minha esposa e meus filhos. Tem contestação, mas não tem muita raiva. Não tem mágoa”, diz.

Uma coisa engraçada é que, quase ao mesmo tempo que saiu o livro do João Gordo com André Barcinski, outra figura fundamental do punk no Brasil, Clemente Nascimento (Inocentes) lançou um livro em parceria com Marcelo Rubens Paiva, Meninos em Fúria, pela Companhia das Letras.

João garante que teve a ideia primeiro.

"Quando o Clemente veio no Panelaço (programa on line do Gordo no YouTube) falei do meu livro pra ele. Aí ele falou que tava com inveja – e o dele acabou saindo primeiro, filho da puta! (risos) Mas são livros bem diferentes, o dele tem a visão do Marcelo também, tem um teor mais político", considera o Gordo.

Com o filho Pietro, de chapeuzinhos do Devo
Sobre o Ratos e as atividades como apresentador / entrevistador, o Gordo diz que "o Panelaço acabou segunda temporada agora. Em 2017 tem a terceira, mas é difícil. O pessoal cobra muita coisa técnica. Tem que ter equipe, não é fácil não. Ninguém quer bancar, até por que é uma coisa segmentada, não tem os milhões de visualização da Kéfera, mas até que conseguimos alguns números legais. E tem o programa com o Barcinski  no canal Brasil (Eletrogordo). A segunda temporada estreia em março, parece que o pessoal gostou. Quanto ao Ratos de Porão, estou tocando menos mesmo. Hoje em dia, não tem mais como eu sair do Brasil e passar dois meses na Europa em turnê. Gosto mais de ficar em casa. Tô com 52 anos, cara", afirma.

Sobre a situação atual do Brasil, o Gordo é pessimista. "2017 eu acho que vai ser pior do que 2016. Os políticos ficaram loucos de vez, ninguém entende ninguém, esse bando de ladrão tomou o país de assalto, tá liberada a putaria. A esquerda fez um monte de bosta e a direita, que só tem corrupto, botou um monte de fdp de asa de fora. Nego não tem mais vergonha de nada. Enquanto não houver uma represália mais foda vai continuar assim, os milionários rindo na nossa cara", afirma.

Mais história de vida do que radiografia do movimento de que fez parte (o punk no Brasil), Viva La Vida Tosca não é só a parte edificante, claro.

Há causos hilariantes e escandalosos envolvendo diversas figuras do rock e da TV.

Uma das revelações mais engraçadas é quando ele conta que numa bebedeira, beijou a mãe dos irmãos Max e Ígor Cavallera, do Sepultura – e que depois, passou a evita-la, por que começou a achar que ela era uma  espécie de bruxa.

“Não falo mal de ninguém. Só contei as histórias,  falar que fiquei com a mulher lá não tem nada demais. O que eu achei que podia ter problema, mudei os nomes. Antes de tudo, é um livro de superação, de como vim parar aqui”, conclui João Francisco.

João Gordo: Viva La Vida Tosca / João Gordo e André Barcinski / DarkSide Books/ 320 páginas/ R$ 59,90/ www.darksidebooks.com.br


terça-feira, janeiro 10, 2017

IMPERDÍVEL: MAURÍCIO BAIA FAZ SHOW COMEMORATIVO DE 25 ANOS DE CARREIRA NA VARANDA DO SESI

Maurício Baia, foto Georgiana Godinho
Verão escaldante na capital baiana, a cidade bomba no fim de semana (e durante também) com shows e festas para gostos variados. Ótimo, mas este velho colunista já planejou o que fará no domingo.

No dia que guardamos para louvar ao Senhor, reservarei o entardecer para alimentar a alma com as palavras de salvação e as melodias celestiais de Maurício Baia, este ungido pelo Deus da Música, que se apresenta na Varanda do Sesi.

Brincadeiras à parte, só mesmo um abençoado como Baia para compor joias da música popular brasileira roqueira como Na Fé (tô dizendo!), Habeas Corpus, Lembrei, Overdose de Lucidez e tantas outras ao longo dos últimos 25 anos.

“Verão e cidade agitada combinam com  Varanda do Sesi e com um pôr do sol musical. Acho que será uma delícia”, afirma o baiano de nascimento, carioca desde garoto.

Na ativa desde 1991, quando se lançou com a banda Baia & Os Rockboys, ele traz à cidade o show de retrospectiva da carreira, que começa pelos álbuns mais recentes, lançados pela Som Livre (A Fúria do Mar, 2016 e Com a certeza de quem não sabe nada, 2013), até a estreia independente lá em 1995, com o clássico Na Fé.

“Eu comecei em novembro do 1991, mês que comemoramos com o show completo no Circo Voador, no final do ano passado. Seguiremos com os shows de comemoração até junho deste ano. No formato acústico ou elétrico, o foco são as canções, que aparecem em ordem anti-cronológica, do mais recente ao primeiro álbum lançado, com bis em homenagem a Raul Seixas, já que tudo acaba onde começou. Penso em fazer um livro ou documentário nos 30 anos de palco, por enquanto estamos apenas começando”, avisa Baia.

Baia in English para 2017

Voz e violão, o show promete ser um encontro descontraído e divertido entre o músico e seus muitos fãs locais. Já está bom, mas claro que a gente senta falta daquele show elétrico, com banda no palco.

“Isso depende do local e do que se quer dele. Tenho tocado sempre acompanhado por outros músicos, provavelmente irei outras vezes com eles a Salvador ainda neste ano, mas para o fim de tarde, em clima intimista, a formação escolhida foi solo, deixando as letras e histórias conduzirem a apresentação”, afirma.

Para 2017, Baia planeja por em prática uma ideia antiga: “Tenho um projeto especial, em inglês, diferente de tudo que já fiz, mas ainda não posso falar muito a respeito. Pretendo finalizá-lo nos Estados Unidos e lançar lá antes de fazer o lançamento aqui. Uma aposta em uma vontade antiga que eu trazia no peito”, conta.

“(Também) Penso em um novo DVD e em um álbum de inéditas, ainda não sei o que virá primeiro”, conclui.

Baia: 25 anos de palco / Domingo, 17 horas /  Varanda do Sesi / R$ 30 (lista amiga),  R$ 40 (portaria) / Lista: baianavaranda@gmail.com



NUETAS

Soul e Rapadura


O Quanto Vale o Show? de hoje apresenta mais uma Noite Instinto Coletivo, com as bandas Mo Soul e Rapadura do Nordeste. Dubliner’s, 19 horas, pague quanto quiser.

Som para despertar

Trio de músicos virtuose, o Serviço Despertador retorna no show Baixo, Café e Ciranda: Luciano Calazans convida Luizinho Assis e Marcelo Brasil. Amanhã, 20 horas, Teatro Vila Velha,  R$ 40 e R$ 20.

Tacun Lecy deságua

A banda de reggae Tacun Lecy & Os Soldados de Ògún animam a Desaguada do Bonfim 2017. Quinta-feira, 14 horas, no Boteco Janela Pub (Rua Rio Sergy Mirim, Boa Viagem). R$ 25 (camisa e feijoada) ou R$ 20 (caneca e feijoada). No som: Bob, Lazzo, Ben etc.

sexta-feira, janeiro 06, 2017

DOMINAÇÃO: APESAR DA BOA PREMISSA, É UM FILME RUIM DE DOER

Ah, esqueci de mencionar os assistentes clichês de hackers dos anos 90... 
Era para ser um bom filme de terror. Afinal, Dominação parte de uma premissa razoavelmente original. Pena que ficou só na intenção.

Estrelado por Aaron Eckhart (Invasão à Casa Branca), Dominação é uma mistura meio maluca do clássico O Exorcista (1973) com A Origem (Inception, 2010).

Ele vive um certo Doutor Seth Ember, cientista de qualificações duvidosas que desenvolveu um método inovador para resolver casos de possessão demoníaca, entrando direto na consciência da vítima por meio do sono (como em A Origem).

Uma vez lá dentro, ele “despeja” o coisa ruim aos tapas, razão pela qual ele diz que não é religioso, nem exorcista.

No filme, acompanhamos sua luta para expulsar o demônio do corpo de um menino, Cameron (David Mazouz, o jovem Bruce Wayne do seriado Gotham, mal aproveitado).

O problema é que o filme não materializa – nem no roteiro, nem na sua linguagem cinematográfica – um clima de terror minimamente convincente.

Não há sequer uma cena de susto que realmente te faça pular da cadeira, e olha que esse deve ser o recurso mais baixo que um filme denominado "de terror" pode lançar mão.

Aaron Eckhart, um ator decente quando bem dirigido e / ou com um bom papel em mãos, fica apenas canastrão como o cientista cadeirante durão, traumatizado por um passado violento.

Alfred? Senhor Gordon? Me tirem desse filme horrível, por favor?
Seu personagem é uma mistura tosca de Ironside com o Padre Karras (O Exorcista) com o personagem de Leonardo Di Caprio em A Origem. O resultado é risível.

Resumo da ópera: não perca seu tempo com essa bomba.

Para uma boa história atual desse subgênero de terror, o recente seriado O Exorcista, que retoma a narrativa do filme, é bem mais empolgante.

Dominação / Dir.: Brad Peyton / Com Aaron Eckhart, Carice van Houten, Catalina Sandino Moreno, David Mazouz / Cinemark, Cinépolis Bela Vista e Salvador Norte, UCI Orient BArra, Paralela, Shopping da Bahia / 14 anos

ORIGINAL DO SAMBA

Lazzo Matumbi leva ao Domingo no TCA, com entradas a R$ 1, show em que revista sambas baianos, de sua juventude no Garcia

Lazzão, foto Djalma Santos
Apesar de ser versátil, capaz de mandar (muito) bem em diversos gêneros, muita gente ainda acha que Lazzo Matumbi é um cantor de reggae, pelo fato de que suas músicas mais populares eram, de fato, chacunduns de primeira qualidade.

Mas há algum tempo ele vem desfazendo essa impressão. O show Voltando às Origens é parte deste esforço.

Cartaz do primeiro Domingo no TCA de 2017, com entradas quase de graça (R$ 1 a inteira), o espetáculo é basicamente o mesmo que Lazzo fez no Café Teatro Rubi em 2016, no qual ele revisitou a obra de  mestres do samba baiano, como Ederaldo Gentil (1947-2012), Edil Pacheco, Walmir Lima e Tote Gira.

Este último, autor do hino O Canto da Cidade, é seu parceiro mais frequente de composições e aparecerá ao seu lado no palco, em uma participação especial.

Além de Tote, participações de Roberto Mendes e Aiace Félix (Sertanília) também estão no roteiro.

“Na realidade, eu já tenho um projeto chamado Batuques do Coração, que é uma vertente do meu bloco, o Coração Rastafari”, conta Lazzo.

“Como no bloco a predominância é do reggae, eu ficava meio na vontade de cantar os sambas enredo das quadras de samba da época em que comecei a cantar”, diz.

Criado no bairro do Garcia, onde frequentava o clube Legião Hebert de Castro, Lazzo não perdia os ensaios da Escola de Samba Juventude do Garcia.

Foi lá que ele conheceu Ederaldo Gentil e os sambas enredo que ele compunha todo ano para a Escola.

“Foi daí que veio a ideia de um show mais bem elaborado, para ser feito em um teatro. Ele estreou no Rubi com esse título, Voltando às Origens, por que boa parte do repertório é dele, com os sambas enredo e seus maiores sucessos, como O Ouro e a Madeira, Rose e Canto Livre de um Povo”, conta.

“Aí quando veio essa possibilidade de levar esse show para o Teatro Castro Alves, eu achei bacana demais”, diz.

Com um repertório tão bonito e que faz parte de sua memória afetiva, Lazzo não nega a profunda ligação que ele tem com sua própria história de vida.

“Os sambas de Ederaldo são  imprescindíveis neste show. Especialmente Rose, que fiz questão de gravar quando Edil Pacheco me convidou para participar de um disco em tributo a ele (Pérolas Finas)”, conta.

“Por que tem a ver com o início da minha carreira, com minha história. Eu era garotão e  ele estava chegando do Rio de Janeiro,  ovacionado pelo sucesso de O ouro e a Madeira. Rose veio na sequência e eu tinha uma amiga muito próxima, chamada Rose. Por isso fiz questão de cantá-la quando Edil me chamou”, relata.

Griô urbano

Lazzo, foto Filipe Cartaxo
Além das canções de Ederaldo, Lazzo ainda convidará ao palco a cantora Aiace Félix para fazer uma inédita de Tote Gira.

“É uma música em homenagem a Oxóssi, que é o orixá regente de 2017. Além dessa, ele também canta uma música minha, que estará no disco solo dela, chamada Nega Margarida“, revela Lazzo.

“Já Roberto Mendes traz uma canção dele sobre a origem do samba  na Bahia, o que é oportuno até pelo centenário do samba (estabelecido em novembro de 2016, cem anos da gravação da música Pelo Telefone), que ele vai  homenagear com esse relato musical. Roberto é uma enciclopédia viva, um griô (detentor da memória, difusor de tradições) urbano. Por que  a gente sabe:  o primeiro samba foi o do Recôncavo”, afirma.

Bem acompanhado e ensaiado, Lazzo comemora a oportunidade de poder se apresentar para um grande público um show tão especial com ingressos a preços simbólicos.

“Ah, quando surgiu o convite e me perguntaram que espetáculo eu faria, pensei logo nesse, que tem tudo a ver. É um espetáculo bem popular, feito para o povo mesmo, então é  super gratificante”, afirma.

“E com esses convidados maravilhosos, Roberto, Aiace e Tote Gira, meu companheiro que fez grandes composições e poucas pessoas tem consciência desse compositor, que para mim está no mesmo nível de um Ederaldo, de um Edil,  Batatinha ou Walmir Lima”, diz.

Em 2017, Lazzo pretende lançar um novo álbum sucessor do ótimo porém pouco ouvido Lazzo Matumbi (2013).

“E soul com samba de roda, com reggae. Tá nessa mistura, com jeitinho baiano”, ri.

Projeto Domingo no TCA: Lazzo Matumbi: Voltando às Origens / Part. Especiais: Roberto Mendes, Tote Gira e Aiace Félix / domingo, 11 horas / Sala Principal do Teatro Castro Alves / R$ 1 e R$ 0,50 / Vendas somente no dia, a partir de 9 horas, com acesso imediato do público

quarta-feira, janeiro 04, 2017

TECEDOR DE SONHOS PÓS-MODERNOS

Quatro livros mantém vivo o culto em torno do escritor inglês de fantasia Neil Gaiman, um raro caso de sucesso de público e crítica

Neil Gaiman e amigo em foto de Kyle Cassidy / Wikicommons
Fabulista convicto, o escritor inglês Neil Gaiman construiu uma carreira de sucesso de público e crítica revitalizando fórmulas narrativas ancestrais e trazendo para o agora mitologias igualmente antigas.

Nas livrarias, quatro livros seus, entre relançamentos e inéditos, reforçam essa impressão.

Os inéditos são as coletâneas de contos Alerta de Risco: Contos e Perturbações (Intrínseca, tradução Augusto Calil) e Criaturas Estranhas (Fantástica Rocco, tradução  Antônio Xerxenesky e Bruno Mattos).

Já os relançamentos são as edições “Preferidas do Autor” para os romances  Deuses Americanos (Intrínseca, tradução de Leonardo Alves) e Lugar Nenhum (Intrínseca, tradução  Fábio M. Barreto).

O destaque da leva é Deuses Americanos. Não apenas por ser sua obra mais premiada e bem elaborada desde que se tornou um ídolo com a cultuada HQ Sandman (1988-1995), mas por trazer em si, da forma mais bem acabada, as características acima citadas.

Assim como fez algumas vezes em Sandman, Deuses Americanos traz um enfoque intrigante para personagens (deuses) mitológicos, ao situa-los em um cenário atual, às voltas com os novos deuses gerados na contemporaneidade: os deuses da era da informação, do entretenimento, do motor à combustão, do consumismo, do mercado de ações.

Mas o que torna o livro uma leitura absolutamente encantadora nem passa tanto por isso, e sim, pela habilidade com que Gaiman conjuga essa premissa com sua escrita leve, gostosa de ler, a serviço da trama cheia de mistérios.

Nesta trama, acompanhamos Shadow, um homem que acaba de sair da cadeia e é abordado por outro homem, o misterioso Wednesday, que pretende emprega-lo como seu assistente pessoal.

O trabalho consiste em acompanhar Wednesday em uma jornada pelos Estados Unidos.

No caminho, descobrimos que deuses e outras entidades do Velho Mundo (Europa, África e Ásia) vagam a esmo pelas highways norte-americanas, trazidos pelas crenças dos colonos, imigrantes, escravos e viajantes.

Uma das graças do livro é tentar descobrir qual deus / entidade é aquela que Shadow e Wednesday estão às voltas naquele dado momento, já que nada é assim, tão óbvio.

Entre alguns capítulos, Gaiman ainda se dá ao luxo de narrar o exato momento em que as divindades chegaram à América – seja com os vikings há 10 mil anos, ou com os escravos, no seculo 18.

Elogiadíssimo pela crítica na época do lançamento, Deuses Americanos se tornou o livro mais aclamado de Gaiman, ganhando praticamente todos os prêmios importantes da literatura fantástica: Hugo, Nebula e Bram Stoker.

Em 2017, Deuses Americanos chega às telas como série de TV produzida para o canal Starz, com  Ricky Whittle (The 100) como Shadow e o fantástico Ian McShane (Deadwood) como Wednesday.



Excluídos invisíveis

O outro romance publicado nesta leva é Lugar Nenhum, de 1997, o primeiro de Gaiman.

Ele tem a curiosa trajetória de ter surgido primeiro como série de TV produzida para a BBC, na Inglaterra.

Insatisfeito com o tratamento de suas ideias na tela da TV, o autor adaptou e aprofundou o roteiro em forma de romance.

Em Lugar Nenhum, Gaiman usa seres fantasiosos como metáfora para os desvalidos, os miseráveis, os invisíveis, colocando-os para viver na Londres de Baixo, uma cidade subterrânea paralela à Londres.

Já os dois volumes de contos são bem diferentes.

Em Criaturas Estranhas, Gaiman e a escritora Maria Dahvana Headley selecionaram contos de diversos autores e épocas, sempre abordando criaturas imaginárias – sejam mitológicas ou criações originais.

O destaque é o conto O Lobisomem Cabal, de Anthony Boucher (1911 - 1968), considerado um clássico do gênero e inédito no Brasil.

Por fim, mas não menos importante, Alerta de Risco traz reunidos 24 “contos e perturbações” da lavra gaimaniana, entre produções para revistas, outras antologias e exclusivos para o volume.

Entre os muitos destaques, O Magro Duque Branco, uma terna homenagem a David Bowie (antes de sua morte), Hora Nenhuma (um conto do Dr. Who) e Cão Negro (estrelado por Shadow, de Deuses Americanos).

Bons sonhos.


Deuses americanos / Neil Gaiman / Intrínseca/ 576 páginas/ R$ 59,90 / E-book: R$ 39,90

Lugar Nenhum / Neil Gaiman / Intrínseca/ 336 páginas / R$ 39,90 /E-book: R$ 24,90

Criaturas Estranhas / Neil Gaiman e vários autores / Rocco / 400 p. / R$ 44,50 / E-book: R$ 29,00

Alerta de Risco: Contos e perturbações / Neil Gaiman / Intrínseca / 304 p. / R$ 44,90 / E-book: R$ 29,90