Casapronta e Pablues (último à direita), foto Rafael Santos |
Projeto paralelo de Pablício Pablues Jorge, da fundamental banda feirense Clube de Patifes, o Casapronta estreia em álbum cheio com uma obra que demonstra a absoluta maturidade artística de seu líder, ainda um ilustre desconhecido para muitos fora de seus redutos entre Feira (onde vive) e Cachoeira (onde estuda).
Em Como a Fúria..., Pablues logrou produzir aquele tipo de obra que somente grandes artistas são capazes: é profundamente (local) baiana, mas também absolutamente universal.
Partindo de seu gênero de escolha há mais de 20 anos, o blues, Como a Fúria... se espraia pelo rock ‘n’ roll, pelo folk e pela Bahia (atenção: não necessariamente pelos ritmos baianos) como poucos foram capazes antes. Os paralelos mais evidentes para o colunista são Raul Seixas e Fábio Cascadura.
Além da competente banda que o acompanha, formada por Ígor Skay e Rodrigo Borges (guitarras), Rafael Razz (baixo) e Luiz Neto (bateria), o álbum traz participações igualmente iluminadas de Martin Mendonça, Isa Roth, Marcia Porto, Julio Caldas, Pedro Pondé, Juli, Roça Sound e outros não menos cotados.
“Desde que montamos o Casapronta determinamos que não ficaríamos presos a rótulos, deixando livre o processo criativo e que a música imperasse”, afirma Pablues.
“O rock n roll é o alicerce do Casapronta, junto tem o folk, que é um expressão que venho adotando faz um tempo, o blues é a vida, e a Bahia é o estado onde a gente entendeu, desde pequeno, que é necessário respeitar as diferenças aprendendo com elas ao mesmo tempo. Então, tem Bahia, rock, folk, blues e uma pitada de dendê”, acrescenta.
Encontro em Cachoeira
O fato é o seguinte: enquanto muito roqueiro arrependido se traveste de mpbista e muito roqueiro camisa preta se apega à estereótipos mortos, Pablues encontrou um saudável caminho do meio, evitando a caricatura que são aqueles dois extremos. Mas não se trata de fórmula. É uma mistura de talento com maturidade.
“A minha ida pra Cachoeira, enquanto estava na graduação em Museologia, me favoreceu muito a entrar em contato mais comigo e perceber a música baiana mais de perto, bem no seu berço”, conta.
Lançado o disco, Pablues & Cia meterão o pé na estrada no Ano-Novo. Em fevereiro passam por Salvador.
Ouça já.
BÔNUS: ENTREVISTA COMPLETA COM PABLUES
Ao mesmo tempo que é rock 'n' roll, o disco é profundamente baiano, algo que muita gente do rock tem dificuldade em aceitar / cultivar, mas está na raiz do rock local desde Raul Seixas, passando pelo Cascadura. Foi pensado como um manifesto mesmo ou simplesmente aconteceu assim?
Pablues e Casapronta, foto Rafael Santos |
O disco está cheio de participações muito bacanas, de gente daqui de SSa e daí de Feira. Como foi reunir essa galera em torno desse disco?
Pablues: Bicho, essas participações, nem eu mesmo acredito que conseguimos colocar tanta gente foda nesse disco. A ficha demorou de cair. Quando começaram a chegar as primeiras canções da mixagem pra gente aprovar, é que a coisa foi se tornando real. O primeiro foi Martin Mendonça, né? Broder dos tempos do Callypso e um cara que sempre tive um máximo respeito e também por ser um dos caras que leva a música até as últimas consequências. A gente sempre se fala, ele de lá e eu de cá, e trocamos algumas ideias. Uma vez o Casapronta fez um show com o projeto dele em Serrinha em 2018. Ele adorou o som da banda. Daí convidar pra fazer a guitarra em “o visitante de carvão”, foi fácil. Gravou de lá de Sampa e me mandou. Ficou foda. Aí pensei em convidar uma galera, cada um pra cada música. Pow, foi loucura, mas deu tudo certo. Julio Caldas no banjo e bandolin, Pedro Pondé e sua “calma pra recomeçar”, sangue bom. Roça Sound, o novo fenômeno de Feira de Santana com seu sound e seu “mete dança”, putz, ficaram foda as participações. Juli, uma menina aqui de Feira também, que vai aparecer pra geral muito brevemente, participa em “Não tem mais volta”, um mix dicotômico, o hard e o suave, falando do encontro das vozes. Ficou linda a canção. Muitos amigos ainda participam e cada um deixou sua marca e nos apontou possibilidades para com nossa música. Muito aprendizado envolvido e principalmente, muita amizade e respeito. Sou muito grato a todxs que dedicaram um tempo pra visitar o Casapronta no disco. Véi, você num tem noção, é muita gente “bala” nesse disco e em todo o processo. Jera Cravo mixou o bagulho, imagina? O cara manda super bem. Grande amigo. Eu tenho um amigo no Canadá rsrsrs. Eu sinceramente não esperava ter essa galera no disco, não. Mas cada convite foi aceito de bate pronto, e vieram, vieram bonito. Muito feliz em poder ser respeitado por toda essa galera, e isso é saber que nossa história no meio da música vale o quanto pesa, e ter parceiros assim, como o Casapronta tem é bom demais. A palavra chave é: felicidade.
De fato é inescapável neste momento, mas o disco saiu também muito político. Pode comentar?
Pablues: O disco tem seus momentos. Começa com uma intro tratando de uma assunto que muita gente passa em silêncio, que é a depressão e todas essas síndromes que destroem as pessoas por dentro. O caos interior de cada um, que bagunça tudo. Mas a gente mostra que tem um jeito, tem uma saída. Não chega a ser auto ajuda, mas é real. O amor é tema recorrente sempre, o produto que mais vende no mundo. Tem amor no disco. Duas canções (Une Versos e Meu sangue tem dendê) tem como tema a religiosidade, mais especificamente a religião do candomblé, e uma outra (O visitante de carvão) de forma bem humorada, trata da intolerância e do preconceito. É necessário falar sempre que possível desses assuntos. O mundo anda tão estranho e o Brasil vem acompanhando com suas intolerâncias, preconceitos, racismos e demais crimes que são praticados contra o povo de santo, o povo preto, nossa gente “baiana”, que tanto fez por essa território. O Casapronta tem filhos do candomblé em sua formação, não todos, e entendemos que estamos numa guerra pra combater esses crimes contra os direitos“humanos”, e com nossa arma é a música, contribuindo com a conscientização daqueles ignorantes conservadores preconceituosos. Religião também é política. Discutir religião e política se faz necessário e urgente. E a gente fecha o disco com uma pedrada na vidraça, contra as violências, policial e do sistema, que calam, humilham e assassinam nosso povo preto e pobre, aqueles que levantam as vozes, nossas crianças, nossos jovens e seus direitos de ir e vir. Tudo isso velado por uma fé que mata através da bíblia e milícias na política, uma “ordem e progresso” pra poucos. Isso é histórico, né? São centenas de anos clamando por justiça e liberdade. Ainda bem que a arte resiste. Resistiremos.
A sonoridade ficou também muito bem resolvida, com uma alquimia entre o blues folk mais tradicional e um clima - não diria ritmos - bem baiano. Como foi trabalhar isso no estúdio?
Pablues: Tomei a liberdade pra produzir o disco. Quis colocar ali muito do que acredito e aprendi ao longo desses anos fazendo música autoral com o Clube e vivências com outros amigos e artistas. O folk é ponto de partida do trabalho com o Casapronta. Nomes como Neil Young, Jackie Greene, Bob Dylan, Carlos Posada, Ortinho, Renato Godá, e o maior artista do Brasil que é Raul Seixas, foram algumas de nossas referências para “startar” o projeto e o disco. As músicas, todas, já tocava no violão nas rodinhas de prosa e afins, e vez outra rolava nos ensaios. Algumas já estavam no repertório do Casapronta, como as versões de “Retalhos” de Posada e “É demais” de Sine Calmon. Então, basicamente os outros instrumentos foram sendo colocados em cima dessas bases de violão. Pode parecer simples, mas deu um trabalhinho. Muita coisa ficou tudo dentro do esperado, outras, a mágica aconteceu no estúdio – Estúdio Netuno em Feira de Santana, do querido PV – nos surpreendendo, encaixando como uma luva. Esse clima de “Bahia” que você tanto fala, a gente deixou chegar numa boa. Até pra fazer o disco soar “livre”, sem amarras, mostrando realmente o que é que a Bahia pode ter. Tem rock? Tem. Tem folk? Tem. Blues, samba reggae e beat eletrônico? Tem sim, senhoras e senhores. A Bahia é possível em todos os ritmos, mundos e universos. Nós temos a Bahia bem guardada, tem que mostrar mais. Sem preconceitos. A música em primeiro lugar. Foi de uma certa forma bastante tranquilo fazer essa mistura inicial e montar esse repertório, até porque o técnico do estúdio, Pv (Paulo Vitor), contribuiu muito com as observações e deixando as coisas mais fluidas possíveis. Foi uma verdadeira vivência esse tempo no Estúdio Netuno. Temos um bom disco. Estamos felizes com o resultado.
Quais os planos do Casapronta? Tá rolando shows em Feira, outras cidades? E Salvador? Quando rola?
Pablues: O plano principal é poder divulgar o disco nos shows. As plataformas digitais já estão fazendo a parte delas e temos recebido um feedback maravilhoso. O nosso foco agora são os shows. É no palco que vemos a coisa funcionar “à vera”. Fizemos apresentações em Feira de Santana na Cervejaria Sertões e no Feira Noise divulgando o disco. Com esse período de festa e férias a coisa dá uma parada obrigatória. Já estamos montando a agenda para 2020,em circular no interior da Bahia, através de contatos de produtores parceiros – Feira, Serrinha, Cruz das Almas, Camaçari - e em Salvador devemos nos apresentar em fevereiro. Esquentar o couro subindo o Nordeste é nossa pretensão, além de tomar um sereno na terra da garoa. Uma coisa de cada vez, afinal os tempos atuais requerem cuidado e atenção. Os planos foram traçados...
O Clube de Patifes ainda existe? Tem planos?
Pablues: O Clube de Patifes ainda existe, sim. Demos uma recuada pra cada um resolver assuntos pessoais, pois é tempo de mudanças pra todos da banda. Mas não estamos parados totalmente. Em novembro, mês que completamos 21 anos de banda, fizemos um show no Feira Noise e foi vibrante, com direito a música nova no repertório. Iniciamos as gravações do nosso novo disco, intitulado “Macumba”, nos Estúdios T, em Salvador, com o queridíssimo André T, e já temos música nova gravada. O Clube de Patifes lança o primeiro single no começo de 2020. A música já tá pronta e se chama “Bebi com um Deus”. Vem coisa nova aí. Os planos são os mesmos: Trazer nossa música à vida e ocupar nosso espaço nesse “latifúndio cultural”.
Soledad (CE): sábado no Intercenas. Ft Julia Moraes |
Eric Assmar e Ícaro
O prodigioso Eric Assmar convida Icaro Britto para uma session de blues no Solar Gastronomia Rio Vermelho. Sexta-feira, 20h30.
Josyara e Soledad
Josyara é a última atração de 2019 no Intercenas Musicais. A baiana convida a cearense Soledad para show de abertura e participação. Sábado, 20 horas, no Commons Studio Bar. R$ 10 (promocional), R$ 15 (lista), R$ 20 (porta).
Overdose sábado
A banda Overdose Alcoólica comanda a primeira edição do Samba Canção Fest recebendo uma pá de convidados e a banda Cães. Sábado, 17h, no Bardos Bardos Casa da Trinca (Rio Vermelho). Sugere-se colaboração de R$ 10. Bagaceira e rock ‘n’ roll no talo.
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