Um bom ponto de partida para conhecer sua obra é justamente um de seus trabalhos iniciais: Escapo (1999), lançado por aqui este ano, pela Mino Editora.
Na superfície, abrir uma obra de Pope é de cara um choque: de tão dinâmica e enérgica, sua arte parece querer pular para fora da página, puxar o leitor pela camisa e lhe aplicar uns tabefes.
Como todo bom quadrinista, Pope foi / é um ávido leitor dos mestres de três tradições da HQ planetária: a escola norte-americana (Jack Kirby, Alex Toth), a escola italiana (Hugo Pratt, Milo Manara) e a escola japonesa (Goseki Kojima, Katsuhiro Otomo).
Com um extraordinário poder de síntese expresso no próprio traço, Pope reúne características muito identificáveis dessas três tradições quadrinísticas em suas obras.
Estão lá a exatidão do traço de Toth, as energias cósmicas fora de controle e o maquinário psicodélico de Kirby, a mitologia sutil de Pratt, o erotismo estiloso de Manara, o apuro estético de Kojima e a explosão cinética de Otomo – tudo retrabalhado dentro da lógica de um universo narrativo muito próprio e cheio de uma personalidade rebelde indomável.
Todas essas qualidades estão muito evidentes em Escapo – possivelmente uma de suas graphic novels mais pessoais e simbólicas.
Máquina de moer carne
Em termos objetivos de narrativa, a trama é um fiapo que pode ser resumido em duas ou três linhas: Escapo – este é o nome do personagem principal – é um mestre das fugas à la Houdini (que trabalha em um circo, sempre elegante em seu traje de esqueleto.
No seu dia a dia, encara provas cada vez mais absurdas e inescapáveis, enquanto encara uma crise de auto-confiança e nutre uma paixão mal-disfarçada por Aerobella, “a rainha da corda bamba” – que na HQ mal parece saída da adolescência.
A graça de Escapo, a HQ, reside menos na esquelética linha narrativa e mais na velocidade com que Pope conduz o leitor para cima e para baixo sob a lona do circo, para dentro e para fora das exóticas armadilhas que ele tem de se esforçar para vencer.
Absolutamente kirbyanas (em sua fase mais vistosa, linha Eternos e O Quarto Mundo), as armadilhas de Pope para seu personagem são literamente máquinas de moer carne, sobre as quais Escapo é pendurado de cabeça para baixo amarrado, acorrentado e na camisa de força.
Desnecessário dizer, essas sequências de fuga são ao mesmo tempo um espetáculo visual explosivo e emocionantes em sua narrativa.
Herói relutante e exótico em um cenário circense felinniano, Escapo é um espelho do próprio Pope, um garoto de Ohio que deixou aquela caipirice redneck para trás e se jogou na máquina de moer carne mundial, conquistando trabalhos diversificados no Japão (na megaeditora Kodansha), na Itália (como designer para a griffe Diesel) e em Nova Iorque (para a griffe DKNY).
Já desenhou capas de álbuns para bandas e festivais de rock, além de ganhar prêmios Eisner com HQs como Bom de Briga (Battling Boy, Companhia das Letras, 2014), 100% (Ópera Graphica, 2006) e Batman Ano 100 (Panini, 2006, relançada em edição de capa dura este mês).
Vale um elogio ainda à edição da Mino, que além da capa dura com papel de boa qualidade, convocou Pedro Cobiaco (Cais, 2016), filho do lendário Fábio Cobiaco, para recriar em português os letterings à mão de Pope, um trabalho muito delicado, tamanha a integração entre a arte e o texto na obra.
Escapo / Paul Pope / Mino/ 96 páginas/ R$ R$ 44,90/ Capa dura, P&B / www.editoramino.com.br
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