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quarta-feira, novembro 27, 2019

ROCK ARROCHA FILOSÓFICO GAIATO

Popular, raulseixista  e com toques de arrocha, estreia solo de Pessoa tem show sexta 

"Qual foi, onde é que tá rolando treta aí"? Pessoa em foto de Adriano Vaz
O que aconteceria se Raul Seixas, Odair José e Silvano Salles saíssem para tomar umas?

Possivelmente, algo parecido com  Esse é Pra Tocar no Streaming, EP de estreia do cantor Pessoa.

Interessou? Então ouve lá no... streaming – e compareça ao show de lançamento nesta sexta-feira, no Tropos.

 Para quem não conhece, esclareço: Pessoa é o novo nome artístico de Leandro Cebola Pessoa.

Desde a década passada, essa simpática figura vem militando no cenário independente local, à frente das bandas Truanescos (já extinta) e Callangazoo (em pausa).

"Com a pausa das atividades da Callangazoo, comecei a fazer aulas de piano com o maestro Isaías Rabelo e o chamado da música foi sendo canalizado para novas composições, entrei em um período fértil. Cada canção que surgia me reconectava com alguma outra guardada no baú. Até que aconteceu um reencontro com Tempo é Bom – um reggae antigo que naquele momento dialogou comigo de uma forma diferente da de quando havia escrito. O desejo de cantá-la, de levá-la às pessoas me colocou em movimento: fui procurar o produtor Gabriel Franco que me apresentou o guitarrista Irênio Neto. Juntos trabalhamos nessa faixa que, lançada em maio, se tornou o meu single de estreia. Foi nesse processo de realizá-la e de levá-la à escuta das pessoas que assumi a trajetória solo. Me entendo como um cantautor que vive hoje a oportunidade de trabalhar com compositorxs, músicos, produtorxs e cantorxs que admiro e, ao mesmo tempo, nenhum impedimento quanto a vir integrar uma banda. É um nascimento com todas as dores e delícias decorrentes de assumir os rumos da própria expressão artística", conta o artista.

Ao colunista sempre agradou o estilo leve e comunicativo dos trabalhos anteriores de Cebola – ops, Pessoa –, um fiel aprendiz da pegada sincerona e bem humorada de Raulzito.

Agora, com Esse é Pra Tocar no Streaming, ele alia essa pegada com alguns toques do arrocha baiano, como seus teclados de churrascaria e levadas aboleradas em duas das quatro faixas do EP.

"Não sou adepto de fórmulas musicais. Como compositor penso que aplicar fórmulas é se limitar na tentativa de forçar algo que tem muito mais força ao natural. Porque a expressão da genética musical – daquilo que você assimilou – é algo natural. O que acontece é que pra sair também de modo natural, para fluir como suor, é necessário tempo, paciência, dedicação. Busco enfrentar essas inquietações, fazer o cooper criativo, cultivar o ócio", ensina.

A faixa-título, a mais raulseixista, é uma pérola na linha Cowboy Fora Lei (1986), com direito à linda guitarra pedal steel do mestre Júlio Caldas: “Nego me diz  que a onda é o samba roque / No mês que vem já tocando pop / É tanto faz, tanto fez / Lacrar na rede é que tá dando ibope / Aperta o play, se não gostou, stop / E o mercado, seguro nas leis”.

“Sou um grande apreciador da obra do Raul – foi ela quem me levou ao violão, à canção, à literatura  – e Essa É Pra Tocar no Streaming eu escrevi como agradecimento ao legado de liberdade artística que ele nos deixou”, conta Pessoa.

Em A Materialidade do Rolê, a pegada arrocha surge com mais força em meio a uma letra de tons filosóficos, na qual vaticina no refrão: "falta verdade no rolê".

"É a constatação saudosa de um eu lírico que busca no rolê por interações sólidas que a modernidade líquida inevitavelmente vai dissolvendo. Escrevi essa música com o amigo Murillo Bahia durante o São João do Capão. Eu tinha acabado de ler o Bauman ('modernidade líquida' é um conceito desenvolvido pelo sociólogo polonês Zygmunt Bauman), e estava espantado com a quantidade de pessoas que o referenciavam de maneira inapropriada", explica Pessoa.

Um Mercedes, um violão, um calor no coração...
Provocação à produção

Curiosamente, o EP foi produzido à quatro mãos (fora músicos convidados) e à distância por Pessoa e o produtor Iago Guimarães, de Juazeiro.

“Eu estava escrevendo uma matéria sobre produtores que trabalham online e fui conversar com Iago, que conheci em uma das apresentações da Callangazoo em Juazeiro. No fim do papo ele lançou uma provocação: ‘tu quer saber mesmo como é produzir à distância? Vamos fazer uma música tua!’”.

Desafio lançado, Pessoa e Iago começaram a trabalhar via webconferências.

“Criamos frases de guitarra, trocamos referências e fizemos os ajustes de mixagem. Fiquei muito contente com o resultado, me reconheço ali”, diz.

“O plano é trabalhar o show do EP ao longo do verão que já se anuncia. Ainda não encontrei local para realizar meu próprio ensaio para a temporada, mas aceito convites - tô facin, facin. Agora a  vontade é levar o show às praças como Feira de Santana, Juazeiro, Imbassaí, Vale do Capão”, conclui.

Pessoa: Show de lançamento Esse é Pra Tocar no Streaming  / Sexta-feira, 21h / Tropos Gastro Bar (Rua Ilhéus, 214, Rio Vermelho) / R$ 10 (com direito a uma bebida)



NUETAS

Solo Sessions 2

Álisson Lima (Pastel de Miolos), Sohl (A Flauta Vértebra) e André Dias (Exoesqueleto) fazem a segunda edição da Solo Sessions. Voz, violão e ideias próprias. Quinta-feira, 19 horas, no Bardos Bardos. Pague quanto puder.

Bruma com Iracema

Bruma (folk rock de Salvador) e Dona Iracema (rock funk queer regional)  de Vitória da Conquista) fazem show juntas  sábado, no Lebowski Pub. A coluna recomenda ambas. Experimente. 21h, R$ 15.

Pitty e Teago free

Pitty e Teago Oliveira fazem show sábado na Concha Acústica do TCA com ingressos grátis. Tem que buscar no www.ingressorapido.com.br/tca ou na bilheteria do teatro. Capaz de já ter esgotado, mas vai que...

quarta-feira, novembro 13, 2019

A ARTE DA FUGA

Escapo, de Paul Pope, é mais uma chance de conhecer o trabalho deste singular quadrinista norte-americano

Um dos mais aclamados autores de HQ underground / alternativa dos  últimos 20 anos, Paul Pope ainda é meio que um segredo bem guardado entre os apreciadores da arte sequencial no Brasil.

Um bom ponto de partida para conhecer sua obra é justamente um de seus trabalhos iniciais: Escapo (1999), lançado  por aqui este ano, pela Mino Editora.

Na superfície, abrir uma obra de Pope é de cara um choque: de tão dinâmica e enérgica, sua arte parece querer pular para fora da página, puxar o leitor pela camisa e lhe aplicar uns tabefes.

Como todo bom quadrinista, Pope foi / é um ávido leitor dos mestres de três tradições da HQ planetária: a escola norte-americana (Jack Kirby, Alex Toth), a escola italiana (Hugo Pratt, Milo Manara) e a escola japonesa (Goseki Kojima, Katsuhiro Otomo).

Com um extraordinário poder de síntese expresso no próprio traço, Pope reúne características muito identificáveis dessas três tradições quadrinísticas em suas obras.

Estão lá a exatidão do traço de Toth, as energias cósmicas fora de controle e o maquinário psicodélico  de Kirby, a mitologia sutil de Pratt, o erotismo estiloso de Manara, o apuro estético de Kojima e a explosão cinética de Otomo – tudo retrabalhado dentro da lógica de um universo narrativo muito próprio e cheio de uma personalidade rebelde indomável.

Todas essas qualidades estão muito evidentes em Escapo – possivelmente uma de suas graphic novels mais pessoais e simbólicas.

Máquina de moer carne


Em termos objetivos de narrativa, a trama é um fiapo que pode ser resumido em duas ou três linhas: Escapo – este é o nome do personagem principal – é um mestre das fugas à la Houdini (que trabalha em um circo, sempre elegante em  seu traje de esqueleto.

No seu dia a dia, encara provas cada vez mais absurdas e inescapáveis, enquanto encara uma crise de auto-confiança e nutre uma paixão mal-disfarçada por Aerobella, “a rainha da corda bamba” – que na HQ mal parece  saída da adolescência.

A graça de Escapo, a HQ, reside menos na esquelética linha narrativa e mais na velocidade com que Pope conduz o leitor para cima e para baixo sob a lona do circo, para dentro e para fora das exóticas armadilhas que ele tem de se esforçar para vencer.

Absolutamente kirbyanas (em sua fase mais vistosa, linha Eternos e O Quarto Mundo), as armadilhas de Pope para seu personagem são literamente máquinas de moer carne, sobre as quais Escapo é pendurado  de cabeça para baixo amarrado, acorrentado e na camisa de força.

Desnecessário  dizer, essas sequências de fuga são ao mesmo tempo um espetáculo visual explosivo e emocionantes em sua narrativa.

Herói relutante e exótico em um cenário circense felinniano, Escapo é um espelho do próprio Pope, um garoto de Ohio que deixou aquela caipirice redneck para trás e se jogou na máquina de moer carne  mundial, conquistando trabalhos diversificados no Japão (na megaeditora Kodansha), na Itália (como designer para a griffe Diesel) e em Nova Iorque (para a griffe DKNY).

Já desenhou capas de álbuns para bandas e festivais de rock, além de ganhar prêmios Eisner com HQs como Bom de Briga (Battling Boy, Companhia das Letras, 2014), 100% (Ópera Graphica, 2006) e Batman Ano 100 (Panini, 2006, relançada em edição de capa dura este mês).

Vale um elogio ainda à edição da Mino, que além da capa dura com papel de boa qualidade, convocou Pedro Cobiaco (Cais, 2016), filho do lendário Fábio Cobiaco, para recriar em português os letterings à mão de Pope, um trabalho muito delicado, tamanha a integração entre a arte e o texto na obra.

Escapo / Paul Pope / Mino/ 96 páginas/ R$ R$ 44,90/ Capa dura, P&B / www.editoramino.com.br

terça-feira, novembro 12, 2019

MELANCOLIA FORTALEZENSE

Cearenses do Selvagens a Procura de Lei lançam quarto disco e tocam no Feira Noise

SAPDL, foto Igor de Melo
Uma das melhores bandas surgidas na última década, a cearense Selvagens à Procura de Lei (ou apenas SAPDL) consolida uma carreira que parece bastante estável com seu quarto álbum, Paraíso Portátil.

Bem assessorados, contaram com a produção exata do experiente   Paul Ralphes, galês radicado no Brasil desde 1986, ex-diretor artístico da Universal Music.

E já saem em turnê por algumas cidades brasileiras: de Porto Alegre a Porto Velho, com direito a uma passagem por Feira de Santana, para o festival Feira Noise.

Trabalho mais introspectivo do quarteto, Paraíso Portátil marca uma espécie de reinvenção e amadurecimento (com o perdão do clichê) dos membros da banda, agora já mais experientes e vividos, após mais de uma década de lida na música.

“Toda carreira, seja na arte ou acadêmica, você tem um tempo de uns dez anos até poder realmente bater no peito e dizer que venceu, olhar para trás e ver se faz sentido”, afirma Gabriel Aragão (guitarra e vocal).

“Temos orgulho de dizer que sim, passamos por dificuldades. Mas tudo é difícil. Ser médico ou engenheiro é difícil. E ser músico também”, diz.

De sonoridade leve, Paraíso Portátil também abarca alguma psicodelia contemporânea (sem fritação, via Tame Impala, War on Drugs) e brasilidade (via Clube da Esquina).

Se pega  leve no som, é um pouco mais soturno nos temas.  “Arrisco dizer que é nosso disco mais sincero, muito intimista. Toca em temas difíceis  como depressão, questionamentos, a busca de um caminho a seguir e até suicídio”, conta.

“Mas também fala de amor. Apesar de abordar temas difíceis, tem uma redenção, uma luz, uma esperança, o olhar para dentro de si, superação”, pontua Gabriel.

O paraíso dentro de você

SAPDL, foto Igor de Melo
O músico faz inclusive um comparativo com o álbum anterior, Praieiro (2016), que, como o nome explicita, era um trabalho mais solar.

“Paraíso Portátil é como um espelho ao contrário do Praieiro, que era um disco extrovertido. Paraíso é introvertido. Praieiro é o sol, Paraíso é a lua”, observa.

“O Paraíso Portátil vem da frase de que, quando você descobre que a paz está dentro de você, você carrega dentro de si um ‘paraíso portátil’, que acessa em qualquer lugar. Esse é o conceito do disco”, detalha.

Na estrada a partir desta semana, o SAPDL vai passar por sete cidades na primeira perna da turnê do discos até chegar ao Feira Noise no dia 24.

“Já tocamos algumas vezes em Feira e sempre foi muito legal, adoramos o público de lá. No lado do rock, do pop, os artistas circulam bem pelo interior. Lá no Ceará vamos muito para Juazeiro do Norte, Quixadá, Sobral”, conclui.

Ouça: www.sapdl.com



NUETAS

Lazzo, Dão, Larissa

Quinta-feira tem Dão, Lazzo Matumbi e Larissa Luz inaugurando o projeto Mixturado. No Largo Pedro Archanjo, Pelourinho, 20h, R$ 40 e R$ 20 (1º lote no Sympla).

Dom Sá e Sequestro

As bandas Dom Sá e Sequestro Relâmpago animam a sexta-feira de feriadão no reduto Bardos Bardos. 19 horas, pague quanto quiser.

Héloa e Okwei

A cantora sergipana Héloa aporta no Commons Studio Bar para mais uma edição do  Intercenas Musicais. Ela vem lançar seu novo álbum, Opará, nome pelo qual os indígenas Dzibukuá chamam o Rio São Francisco.  A diva soul nigeriana residente Okwei Odili faz as honras da casa. Sexta-feira, 23h, R$ 10.