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quarta-feira, agosto 07, 2019

MOVIMENTOS SOCIAIS EM HQ

A história do rap segue no magnífico Hip Hop Genealogia Volume 2 de Ed Piskor, enquanto o Manifesto Comunista ganha adaptação de encher os olhos pelo inglês Martin Rowson

Há movimentos e movimentos. Movimentos podem ser políticos ou estéticos – ou os dois ao mesmo tempo.

Podem ser espontâneos, fabricados ou, de novo, um pouco dos dois.

Podem ser populares ou delineados por uma casta intelectual.

Podem surgir de um livro, de um manifesto, de um mero grito ou de uma canção.

Dois movimentos históricos importantíssimos estão contemplados em HQs que chegaram há pouco às livrarias e comic shops.

Trata-se de Hip Hop Genealogia Volume 2, de Ed Piskor, e Manifesto Comunista em Quadrinhos, de Martin Rowson e (claro), Karl Marx e Friederich Engels.

Se o primeiro segue fazendo a historiografia do hip hop sob a estética muito específica do quadrinista Ed Piskor, o segundo verte em linguagem de HQ o texto original do documento que, lançado em 1848, é ainda hoje um dos mais influentes da história da humanidade.

Em comum, o fato de ambos se referirem a movimentos cruciais. Primeiro, o comunista, que apesar de demonizado por muitos, nunca foi de fato aplicado em lugar nenhum do mundo e sim, apropriado por ditadores genocidas.

E o hip hop, movimento musical e estético que mudou a cara da cultura jovem (e a própria paisagem urbana) do mundo inteiro a partir do seu berço, Nova York, então um caldeirão de artistas entre produtores, DJs, rappers, grafiteiros, dançarinos (os b- boys) e muitos outros.

UMA SELVA ISSO AQUI


Se, no primeiro volume de Hip Hop Genealogia, Ed Piskor relatou a gênese do movimento e do rap, centrando sua narrativa entre a década de 1970 e o ano de 1981, o Volume 2 retoma o relato entre este mesmo ano de 81 e 1983, quando o rap começou a ganhar visibilidade e galgar paradas de sucesso, concedendo notoriedade à toda a estética que vinha à reboque, como os grafites e as danças de rua – à época, nomeada pela grande mídia como "break dance", graças aos seus movimentos surpreendentemente "quebrados", mas cheios de suíngue.

É aqui, neste período, que os hit parades da América são invadidos por duas faixas que se mostrariam seminais para o rap: Planet Rock, de Afrika Bambaataa, e The Message, de Grandmaster Flash & The Furious Five.

Enquanto a primeira sequestrou as texturas eletrônicas dos alemães pioneiros do Kraftwerk, o segundo fazia a crônica da violência urbana em levada funky: "É como uma selva isso aqui".

Ao longo da HQ, personagens importantes desfilam ainda em início de carreira: Run DMC, Beastie Boys, Public Enemy, Ice-T e o produtor Rick Rubin, fundador do essencial selo Def Jam.

Além de uma narrativa divertida e constante e da pesquisa muito cuidadosa – com direito a referências bibliográficas – o grande lance da HQ de Piskor é sua estética.

Ela é toda desenhada – e narrada – como uma HQ da Marvel dos anos 1970, a arte evidentemente influenciada por gigantes como Jack Kirby (cocriador do Universo Marvel), George Tuska (Homem de Ferro), Gene Colan (Demolidor, Luke Cage), Jim Starlin (Warlock) e Don McGregor (Pantera Negra), entre outros.

Há muitos momentos notáveis na HQ, como o apartamento (com o assoalho asfaltado!) dos Beastie Boys ou a gravação de Planet Rock, comandada pelo produtor Arthur Baker, outro nome essencial do movimento.

Mas talvez o mais simbólico, e que melhor resume o espírito inicial do rap, seja quando o jovem Carlton D. Ridenhour, que havia recém-assumido o nome artístico MC Chuckie D, se toca que Malcolm X já não era reconhecido pelos negros mais jovens de sua quebrada.

Ele está colando cartazes de um baile com a foto do grande ativista quando um rapaz se aproxima e pergunta: "Quem é esse maluco Malcolm, o décimo"? "Os manos já estão esquecendo? Não faz nem 20 anos (desde o assassinato de Malcolm)... Preciso fazer algo a respeito", reflete o rapper.

Em poucos anos, Chuck D lideraria um dos mais importantes e combativos grupo de rap de todos os tempos: Public Enemy, repopularizando a figura de "Malcolm, o décimo".

Excelente HQ, leitura obrigatória para os fãs do gênero, Hip Hop Genealogia Volume 2 vem com o mesmo leiaute classe A do Volume 1: capa dura, papel de alta gramatura, tradução cuidadosa (e adaptação das letras e notas) de Amauri Gonzo, além de enriquecedor texto de apresentação, desta feita do jornalista Ramiro Zwetsch (Radiola Urbana, Patuá Discos).

UM ESPECTRO ASSOMBRA

Diferente de Hip Hop Genealogia, Manifesto Comunista em Quadrinhos não quer recontar para os leitores de hoje a história do movimento comunista. Ele traz o texto integral do documento que lançou a ideia do comunismo para o mundo.

Polêmico desde então, é admirado e execrado na mesma medida, com sua denúncia do massacre imposto às populações mais pobres pela revolução industrial e o consequente chamamento à união dos operários de todo o planeta, a fim de construir um novo mundo, melhor e mais igualitário - entre outras ideias.

Sonhos utópicos à parte, o ideário de Marx & Engels foi retomado décadas mais parte por um pessoal aí na Rússia – e o resto é História.

Se ainda não a conhece, mas se interessou, procure conhece-la através de bons livros assinados por grandes historiadores, OK?

Ignore youtubers doutrinadores para não virar (mais) massa de manobra.

A presente quadrinização do inglês Martin Rowson ilustra o Manifesto como um cartunista da época, de meados do século 19, o faria: amplificando o alcance do texto por meio de alegorias exageradas e ultradetalhistas dos absurdos denunciados por Marx & Engels.

Desta forma, o operariado surge nas páginas do Manifesto servindo à burguesia e aos capitães da indústria das formas mais crueis e surpreendentes: robotizados, em fila, sendo moídos em máquinas gigantescas, como peças de engrenagens enormes, vaporizados pelo irresistível "poder que ergue e destrói coisas belas".

Premiado cartunista para os maiores jornais britânicos (The Guardian, The Times, The Independent), Rowson ainda presenteia o leitor com um texto de apresentação em que fala de seu fascínio adolescente pelo Manifesto Comunista – ilustrado em suas 14 páginas com uma sequencia espetacular de desenhos no qual ele resume a história da exploração do homem pelo homem.

Não a toa, tema central do Manifesto.

Texto que só é menos influente que a Bíblia, o Manifesto Comunista ainda guarda inegável força conceitual e histórica, mesmo lido neste distópico início de século 21.

Goste-se ou não, é texto básico, que todo ser humano deveria ler ainda na escola.

Hip Hop Genealogia Volume 2 / Ed Piskor / Trad.: Amauri Gonzo / Veneta / 120 páginas/ R$ 129,90 / www.lojaveneta.com.br

Manifesto Comunista em Quadrinhos / Martin Rowson, Karl Marx e Friederich Engels / Trad.: Rogério de Campos / Veneta / 88 páginas/ R$ 69,90 /
www.lojaveneta.com.br

7 comentários:

  1. Após um longo e tenebroso (cof cof) inverno, no qual eu sabiamente saí de férias (modéstia à parte), voltamos a programação normal no blog.

    Não que ninguém tenha reclamado.

    (som de grilos cricrilando...)

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  2. Rodrigo Sputter10:26 AM

    O blog mais revolucionário e rocker do planeta está de volta...bem que achei estranho que vc não escrevia mais...por isso o sr tava fazendo balbúrdia na noite baiana né??
    hehehehe
    gostei da pegada 70´s marvel da hq de hip hop...fiquei curioso pelo 1o volume...saiu aqui?
    foda é o preço...vou na livraria e ler lá-ehhehehe

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  3. O senhor não lê mais este blog com a mesma atenção. Senão lembraria da resenha do volume 1:

    http://rockloco.blogspot.com/2016/12/surgem-os-reis-da-rua.html

    Duh! ;-)

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  4. Rodrigo Sputter2:19 PM

    porra Chico...vc quer que eu lembre uma matéria de 2016???
    hehehehehe
    de TODAS que li nesse blog...só lembro quando vc fala de mim-ehheehhee
    e olhe lá-ehheehhee
    mas ao rever/reler a matéria eu lembrei...valeu!!

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  5. Ufa, que bom que voltou! Abraços, Chicão!

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  6. tb tava sentindo falta de novidades rockloquistas. ;)

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