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sexta-feira, agosto 30, 2019

O BOB DO BAIA É BOSSA, BABY

Em Nova York, o baiano Maurício Baia verte oito clássicos de Bob Dylan para a bossa nova. O resultado surpreende

Baia em Nueva York, fotos Christian Pollock
Notório raulsexista, o cantor e compositor baiano / carioca Maurício Baia também seria, por tabela, um sério apreciador de Bob Dylan. A aposta se mostra certeira em seu novo álbum, um tributo ao bardo de Duluth, Minnesota.

Mas não um tributo qualquer e sim, uma aposta ousada, digna do homem que eletrificou a música folk, ousadia máxima no ano da graça de 1966.

Em Baia Bossa Dylan, o talentoso brazuca pega o mestre de 78 anos pela mão e o leva para um passeio pelo calçadão de Copacabana, gravando oito de suas mais geniais canções no estilo que consagrou João, Tom e tantos outros.

“Foi uma descoberta natural. Eu estava dedilhando o violão e comecei a cantar You’re a Big Girl Now em samba canção. Depois da terceira estrofe, vi que havia achado algo ali. As baladas do Dylan, com numerosas estrofes, melodicamente iguais e com letras dignas do Prêmio Nobel de Literatura geraram um clima de relax music e narrativas imagéticas”, relata Baia por email desde Nova York, onde reside desde 2017 e onde gravou o álbum.

Depois de se certificar que a mistura Dylan & bossa dava samba, Baia chegou, via recomendações de amigos, ao produtor Sandro Albert, que produziu o trabalho.

"Chamei o meu amigo Igor Eça, filho do Luiz Eça (Tamba Trio) para tocar comigo, em meu estudio, e nos certificamos de que a alquimia era válida de ser experimentada e posta pra frente. Foi aí que o projeto e a minha vida começou a se direcionar para cá, comecei a procurar alguém aqui e uma amiga em comum me apresentou ao Sandro, a ponte estava feita", detalha.

Com ele e uma leva de experientes músicos brasileiros e norte-americanos, Baia registrou oito clássicos dylanescos: You're a Big Girl Now, Mama You Been on My Mind, Blowin’ in the Wind, Jokerman, Simple Twist of Fate, Knocking on Heaven's Door, Lay Lady Lay e You're Gonna Make Me Lonesome When You Go.

“Eu comecei (a selecionar repertório) com músicas não tão conhecidas, revelando um  Dylan que nem todos conheciam. Aí mandei as músicas ao  Sandro, em Nova Iorque, e ele afirmou que a ideia estava muito boa e fora de qualquer relação com um disco cover”, conta.

“Na visão dele, alguns clássicos tinham que entrar pra levar aos fãs uma um novo olhar sobre canções já regravadas, como Knocking On Heavens Door, por exemplo.  Foi um processo gostoso não teve dificuldade ou indecisão”, diz.

Bossa nada ortodoxa

Engana-se, porém, quem acreditou que bastaria ao baiano simplesmente sentar num banquinho e emular João Gilberto – caso este algum dia tivesse gravado Dylan.

Nada ortodoxa, a bossa de Baia Bossa Dylan é bossa moderna, século 21. “Uma abordagem mais moderna foi o que me trouxe até aqui. Os arranjos foram feitos pelo Sandro e depois pensamos nos músicos e nos técnicos para a finalização em NY. Como guitarrista e produtor que já mora aqui há vinte anos e trabalhou com inúmeros nomes como James Taylor, Rod Stewart, Milton Nascimento, Toninho Horta, Lenine e muitos outros, ele não se restringiu à bossa tradicional, como estava no meu violão. Partiu para arranjos em camadas, realçando com cores diferentes cada novo verso, cada refrão, sendo o melhor exemplo a faixa Jokerman que começa com a voz quase solitária e termina lá no alto do arranha céu, com todos atuando intensamente”, detalha.

“A bossa, no caso, também pode virar verbo: bossar o Dylan. Trazer a poesia dele ao conhecimento dos amantes da música brasileira e aos seus fãs levar um novo olhar sobre a obra do roqueiro folk americano”, acrescenta.

"Eu sou dessa família dos que cantam rápido e com letras quilométricas, O Comedor de Calango e O Gerente da Multinacional é um bom exemplo. Mas fiz um trabalho em cima da forma de cantar essas canções sem deturpar as melodias, porem trazendo elas para uma métrica mais requebrada e tropical", conta.

Residente em Nova York, Baia lançou o álbum por lá no dia 1º último, em um show na casa The Cutting Room.

"Foi um conjunto de coisas que se deram naturalmente e eu segui os sinais que me indicavam por onde ir. Levou mais de dois anos desde a ideia até o lançamento e eu tratei o projeto desde o começo como uma escalada: teremos momentos mais fáceis, outros mais difíceis, teremos paradas na encosta para descansar, mas no final lançaremos da forma como planejamos, em NY, com uma banda americana, como se deu recentemente, em 1 de agosto no The Cutting Room. Além do album e do show, dois video clipes também foram lançados: Knocking On Heavens Door e Jokerman, produzidos em NY por Christian Pollock", relata.

“Estou começando a tocar com banda aqui, fiz muitos shows de voz e violão. O Dylan tem um apelo especifico, mas sempre há quem peça para ouvir minhas músicas, que acabam fazendo o show ficar bilingue, que acho que marcará meu trabalho daqui pra frente”, conta.

No dia 24 de novembro, Baia  traz o novo trabalho em Salvador, em  show acústico na Varanda do SESI: “Aproveito para convidar o publico baiano para se fazer presente nessa apresentação que mostrará um pouco do disco novo, um tanto de mata saudades e uma pequena homenagem aos 30 anos sem Raul Seixas, completado agora em agosto”, conclui. Save the date!

Baia Bossa Dylan / Baia / Produção: Sandro Albert / Disponível nas plataformas digitais

terça-feira, agosto 27, 2019

COMBAT RAP

Quer saber da realidade da periferia? Ouça Renovação, novo disco do Rap Nova Era

Ravi, Moreno e DJ Kbeça, foto Ícaro Luan
Expressão mais  legítima da juventude preta e periférica que não abaixa a cabeça e come pilha de patriotas de araque, o rap é a crônica do duro dia a dia de quem banca o lucro dos bacanas trabalhando nas piores condições, ganhando miséria e vendo seus direitos sendo retirados na cara dura por engravatados sem caráter.

Dito isto, a audição de discos como Renovação, o terceiro do grupo local Rap Nova Era, pode ser tão (ou até mais) instrutiva sobre a vida nas periferias quanto a leitura das notícias neste ou em qualquer outro jornal deste país. A razão é óbvia: é a favela falando pra favela, sem intermediários.

Duro e sem concessão no discurso, mas também cheio de suíngue, com bases cremosas e beats crocantes, Renovação pavimenta o caminho de Ravi, Moreno e DJ Kbeça rumo ao reconhecimento que mais importa: o das periferias da Bahia e do Brasil afora.

Coligados da nata do rap nacional (leia-se Racionais), já se apresentaram tanto no centro quanto na perifa da capital de São Paulo, ganhando proeminência e mostrando que o rap baiano vai muito além do hype (merecido, diga-se) em torno de Baco Exu do Blues.

“Através do trabalho do Baco, as classes média e alta começaram a consumir mais o rap (local), mas ainda é mais essa fita de Baco mesmo, de internet. Se for na favela, nas ruas, você vai ouvir falar de outros como a gente. Se você ver um baleiro no ônibus, a maioria dos presos das cadeias aonde a gente faz shows, você vai ter certeza que eles curtem Nova Era, Vandal, Afrogueto, Daganja”, afirma Ravi.

“A música do Nova Era é feita pro povo periférico. Falamos de união, renovação e superação pelo fato de termos passado por essa vivência do crime. O rap é como uma válvula de escape.  Conseguimos dar a ideia no rap, tocar no coração. A música é libertadora, Nova Era é um rap libertador”, diz.

O problema é de todos

O Rap Nova Era com Vandal no clipe de Mundo Moderno, foto Ícaro Luan
Com muitas participações – Vandal, Yzalú, DBS e outros –, Renovação fecha uma trilogia do RNE, junto com os álbuns anteriores, Nem Tente Contar com a Sorte (2009) e Brutality (2015).

“A gente avalia o Renovação como um álbum ouro, ta ligado? Vivemos mais intensamente esse disco, ficamos alguns anos preparando. O Nova Era vai fazer 10 anos, ele veio como uma celebração a essa caminhada de muita luta e resistência“, afirma.

Os shows de lançamento do Renovação (aqui e em São Paulo) serão apenas em novembro, mas ainda antes, em setembro e outubro, eles se apresentam na cidade: “A gente tem show em setembro aqui em Salvador com 509E (duo paulista de rap formado por Dexter e Afro-X). É a turnê Vivos, de 20 anos do grupo, uma apresentação histórica”.

“Em setembro vai ter show em São Paulo, que é no 100% Favela (festa de Mano Brown, dos Racionais), no Capão Redondo. Em outubro, a gente faz o dia das crianças na favela aqui em Salvador, e também estamos fechando apresentações nas penitenciárias da Bahia. Novembro tem o show de lançamento  do disco em Salvador e São Paulo”, conta.

Essa relação do RNE com a cena paulistana não é de agora, garante Ravi: “Ah, vem de muito tempo, uma relação de amizade com Nocivo Shomon, o povo do Capão, Cúpula Negredo, DBS, DJ Cia, que participou do nosso disco, o pessoal do RZO, com o próprio Mano Brown, que inclusive sempre chama a gente pra participar da festa dele no Capão Redondo, a 100% Favela, com os maiores artistas do rap nacional”, relata.

“Então, a nossa sintonia com SP já vem de muito tempo, sempre fomos bem tratados pelo povo de São Paulo, é uma sintonia especial”, diz.

Com membros vindos de vários cantos da cidade – “Ravi é da Liberdade,  Moreno é da Suburbana, Peri Peri e  DJ Kbça é Cidade Baixa, Massaraduba” – o RNE sabe que agora, mais do que nunca, discursos como o deles é necessário.

“Infelizmente o Brasil está passando por um momento delicado, então o rap volta a ser evidência, militante, como uma coisa que bate de frente contra o sistema”, afirma Ravi.

“(A violência na favela) É um problema de todos. (Tem que) Procurar conversar com o povo que vivencia essa guerra todos os dias, se aproximar na humildade pra saber o que acontece nas periferias de todo o Brasil. A guerra nas favelas de Salvador é cotidiana, polícia atirando em morador, como acontece no Rio de Janeiro. Ignorar nossa vivência é querer que tudo continue igual. A faixa Mundo Moderno fala um pouco sobre isso: o alvo é sempre o gueto”, conclui.




NUETAS

Matita Perê hoje

A  Matita Perê realiza ensaio aberto para celebrar seus 20 anos de formação com participação de músicos que já passaram pela banda. É hoje, às 21 horas, na Varanda do Teatro Sesi, R$ 20.

Lon Bové & Saulo

O guitar hero Lon Bové & Banda Terráquea fazem o show Água Vida Pura Vida, com participações de Saulo, da cantora mirim Cacá Magalhães e alunos do Colégio Estadual Pinto de Aguiar e Olodum Juvenil. Quinta-feira, 20h, no Teatro da Cidade, R$ 40 e R$ 20. Quem doar uma camiseta velha paga meia. As camisetas são recicladas como ecobags  (sacolas de compras).

Antifas no Bardos

Coletivo formado por membros de bandas da cena hardcore local, o Saco de Vacilo realiza um encontro com o grupo Ação Antifacista de Salvador (AFA) para trocar ideias no Bardos Bardos. Sob o lema “hardcore é política”, os dois grupos vão contar um pouco de sua história e militância. Quinta-feira, 19 horas, entrada gratuita.

quarta-feira, agosto 21, 2019

ROCK, FOLK, PUNK, METAL: É O BIGBANDS CHEGANDO, SEM PATROCÍNIO NEM EDITAL

O músico folk Ian Kelmer (e as Kelmeretes?). Foto Karen Silva
Algum dia, Rogério BigBross Brito deverá ser objeto de estudo científico.

Há 11 anos, o veterano produtor do rock baiano bota pra frente seu festival anual BigBands sem auxílio de edital, sem patrocínio, “sem um puto”.

Na cara e na coragem. Este ano, a 11ª edição do BigBands movimentará seis bandas da capital, nove bandas do interior, três de outros estados brasileiros e mais duas estrangeiras, com shows acontecendo em quatro cidades: Salvador, Alagoinhas, Itabuna e Vale do Capão.

Tudo na base da colaboração, trabalho voluntário e contribuições dos amigos e frequentadores.
“O BigBands é feito de maneira diferente todo ano e vai acontecendo por si só. Esse foi um dos que deu menos trabalho e tô bem satisfeito com ele”, afirma Big.

Blizzard of Ozzmond (Finlândia): punk rock acústico e bem humorado
“(Mas sempre) Me inscrevo em editais para trabalhar em condições melhores, remunerando todo mundo. Porém, nunca sou aprovado, principalmente em editais de empresas. Muitas vezes não me encaixo na regras do edital. E tem duas coisas que bato pé firme: o festival acontece todo ano, seja grande, seja pequeno, do tamanho que a perna alcança. E nenhuma empresa vai pautar a programação em troca de patrocínio”, demarca.

Descentralizado, o BB tem cinco noites de warm-up (esquenta), começando com três neste fim de semana no Mercadão CC. As outras duas rolam nos dias 6 e 7 de setembro, no Bardos Bardos.

Nos dias 21 e 28 de setembro, o BB começa com duas noites no Mercadão CC, mais os shows no interior. Dia 20 de setembro em Alagoinhas (com as bandas finlandesas Blizzard Of OZZMOND e Blueintheface  e as baianas Pastel De Miolos e Aborígines), dia 3 de outubro no Vale do Capão com Blizzard, Blueintheface, Pastel e Candombá Blues e dia 5 de outubro em Itabuna, de novo com as três primeiras mais Jacau, Locomotiva e Ruarez. Ufa!

Eskröta (SP): thrash metal feminista em português. Foto Rodrigo Farias
"Esse foi o BigBands em que eu menos me envolvi em curadoria, graças à parceria das (produtoras / coletivos / casas de show) Tropical Death, Crust or die Colletive Distro & Label, Bardos Bardos, Mercadão CC, Banana Mecânica (FSa), Plugado / Cabeça Motora (Alagoinhas) e as outras cidades que colaram na produção: Itabuna e Vale do capão. Sem todas essas parcerias, o BB não aconteceria. Basta ver o número de artistas envolvidos para entender. Quanto à disposição e paciência (para seguir produzindo nessas condições), isso é parte do trabalho. Man, eu vivo de rock na Bahia", reivindica.

Diversidade de sons

Essas duas bandas finlandesas são parceiras dos punks da Pastel de Miolos e voltam à Bahia depois de se apresentarem por aqui em 2015, quando fizeram uma grande turnê pelo Nordeste.

“Isso mostra a seriedade das bandas. Muitas fazem uma primeira tour estrangeira e nunca mais voltam, fica com cara de turismo para conhecer pais exótico”, afirma Big.

“Se não me engano, essa nova tour são 19 shows, por isso fizeram de Salvador sua base”, conta.

Juli, 18 anos, revelação feirense. Foto Duane Carvalho
Além dos gringos, Big diz ter dificuldade em recomendar algum show, já que é fã de todas as bandas / artistas: “Vixe, destacar tanto talento fica difícil, ainda mais numa programação tão variada, que vai  folk ao metal extremo. Mais por exemplo, Ian Kelmer, Gigito, de quem  sou fã declarado. Já as cantoras feirenses (Juli e Isa Roth) só escutei na internet, mas estou bem curioso com o show delas”, detalha.

“Tem a Eskröta,  thrash metal de SP que vi no Abril Pro Rock esse ano, banda de garotas que fazem um show incrível. PDM e Aphorism dispensam apresentações. Rabujos estou curiosíssimo com o show, a Keter voltando depois de um bom tempo parada também me desperta curiosidade. O show do Blueintheface é dos melhores. ..semana que vem começa, a ansiedade tá a mil”, confessa.

Big conclui fazendo um chamamento para todos aqueles que frequentam e amam a cena a se envolver e ajudar de alguma forma, como voluntário.

Blueintheface (Finlândia): back in Bahia com o Blizzard of Ozzmond
"Eu sempre falo que o festival acontece sem verba publica ou privada, o que de certa forma é mentira, pois muita gente se oferece pra ajudar e isso é dinheiro. Basicamente, precisamos de todo tipo de voluntário: roadies, fotógrafos, carregadores, bilheteiros, permutas de todo tipo: camisas, adesivos, alimentação, hospedagem solidária. E quem quiser ajudar com dinheiro mesmo, é só pedir a conta. Esse ano um amigo que está a 2638 km de Salvador depositou uma grana. O cara não vai em nenhum dia do festival, não pediu logomarca no cartaz, não pediu pra incluir uma banda. Veja o diálogo de quando agradeci: 'Em 11 anos de festival, essa foi a primeira contribuição direta em dinheiro sem esperar nada em troca, sem recompensa de crowdfunding, sem pedir marca no flyer, sem ter que prestar conta. Isso me faz ter fé no mundo', eu disse pra ele. 'Que nada, sua luta é inspiradora , fazer rock no Brasil hoje, na cara e na coragem, como você faz , merece respeito. Grande abraço, Big'”.

Infos, programação: www.facebook.com/bigbross.bigs

NUETAS

Wild Side Friday

Formada por veneráveis veteranos do rock baiano como Miguel Cordeiro e Jerry Marlon, a Wild Band faz o show Tributo Lou Reed sexta-feira, no Lebowski Pub. 22 horas, R$ 30 (R$ 20 na lista amiga).

The Baggios na BA

A incrível The Baggios abre as sessions Intercenas Musicais no Commons Studio Bar neste sábado, 20 horas.  R$ 15 (lista) ou R$ 20. Antes, na sexta, o poderoso power trio sergipano toca em Feira, com a Meus Amigos Estão Velhos.

Blues no Recôncavo

Alô, Cachoeira e entorno! Sábado e domingo, não percam a 4ª edição do  Cachoeira Agosto do Blues. O único festival de blues da Bahia é gratuito, rola na Praça da Aclamação (Centro Histórico) e começa às  21h do sábado com Jokermen, Restgate Blues e Chocolate com Blues. Domingo, o som é às 17h, com Banda Terráquea de Lon Bové e Celso Dutra Blues Band. Prestigiem!

sexta-feira, agosto 16, 2019

OH, NÃO! O PODCAST ROCKS OFF VOLTOU!

Gabriela e Rodrigo, do duo Rodrigo Y Gabriela (duh!)
Ninguém pediu, mas vortemos assim mess!

Nei Bahia, Osvaldo Braminha Silveira Jr. e este blogueiro voltaram a se reunir para mais uma rodada de novidades mais ou menos recentes.

Tem Rodrigo Y Gabriela, Black Mountain, Left Lane Cruiser, Chris Robinson Brotherhood, ZZ Top, Eagles of Death Metal, Filthy Friends, The Waterboys e outros que neste momento escapam à memória sequelada deste que vos escreve.

Enjoy, se puder.

quarta-feira, agosto 14, 2019

ALÉM DA CORTINA DE FUMAÇA

Cannabis: A ilegalização da maconha nos Estados Unidos, de Box Brown, vai buscar o que está  na origem da criminalização da erva: racismo e desprezo à ciência

El Paso, Texas, 2 de agosto último. Um supremacista branco de 21 anos abre fogo contra uma população majoritariamente composta de mexicanos e demais imigrantes latinos, matando 22 pessoas e ferindo outras tantas.

O fato não deixa de piscar na mente do leitor da HQ Cannabis: A ilegalização da maconha nos Estados Unidos, de Box Brown.

Está lá, na página 60: “El Paso, Texas, 1914. Uma briga entre texanos brancos e imigrantes mexicanos. Os policiais encontraram maconha com os imigrantes”.

“Os mexicanos estavam todos fumando esse negócio”, afirma um dos brancos envolvidos.

Imediatamente, polícia, políticos e imprensa local demonizam a erva: “Quando eles fumam a tal da marijuana, ela os deixa violentos”, afirma um guarda, enquanto um colega fardado esmurra a cabeça de um chicano.

A associação da maconha com os mexicanos foi a senha que os ianques precisavam para confirmar seu desprezo aos  latinos.

“Está claro que as nações prósperas preferem o álcool, e as nações inferiores, a cannabis”, concluiu um jornal local.

O resultado foi um aumento na perseguição e detenção de latinos na cidade.

E assim, El Paso se tornou a primeira cidade norte-americana a ilegalizar a maconha.

Mais de 100 anos depois, mexicanos, preconceito e violência seguem sendo o “prato do dia” em El Paso – bem como no resto da Trumplândia e suas colônias submissas – Brasil incluído, claro.

Salvo a conexão com o massacre do dia 2 último, toda essa história é apenas uma das muitas que o quadrinista Box Brown conta nesta extraordinária reportagem em HQ  que vai na origem da criminalização da maconha nos EUA e, depois, no resto do mundo.

Nepotismo e fake news

Com sua narrativa ágil e arte limpa, quase minimalista, Brown conduz o leitor por diversos ângulos da história da maconha e sua relação com os seres humanos – e até, porque não – com as divindades, buscando as raízes religiosas e culturais da maconha na Índia através da lenda do deus Shiva na mitologia hindu.

Mais próxima a nós, ele conta que a maconha chegou às Américas em 1518, quando a armada do conquistador espanhol Hernán Cortéz invadiu e reivindicou o México.

Na época, o cânhamo, fibra da cannabis, estava nas velas e cordas dos navios, e seu óleo era utilizado na tinta dos pintores.

Os índios maias, que já consumiam o cogumelo alucinógeno psilocibina, logo descobriram as propriedades psicoativas dos botões da planta.

Quando seu uso se alastrou, espalhou-se que eles a usavam para “entrar em contato com o mundo espiritual”.

A Igreja Católica, sempre ciosa de seu rebanho, claro, não gostou. Como se vê, tem sempre alguém pronto pra “cortar o barato” do cidadão.

Outro personagem fundamental em Cannabis é Harry J. Anslinger, o primeiro comissário do Departamento Federal de Narcóticos, cargo conseguido graças à influência de sua esposa junto ao tio desta, o político e diplomata Andrew W. Mellon.

Temente a Deus, Anslinger dedicou sua vida a criminalizar a erva e seus usuários, ignorando diversas pesquisas científicas cujas conclusões iam contra suas convicções – se parece familiar, é mesmo.

Anslinger encontrou um poderoso aliado em William Randolph Hearst, o maior magnata das comunicações da época. Logo, seus jornais de costa a costa publicavam fake news sensacionalistas sobre como a maconha enlouquecia os jovens e os induzia  ao crime.

Não a toa, foram os jornais de Hearst que originaram o termo “imprensa marrom”, que designa periódicos sensacionalistas e não confiáveis.

Ainda que a posição do autor seja claramente pró-legalização da maconha, a leitura é válida para todos que desejam construir seu próprio ponto de vista sobre o polêmico assunto, já que seus fatos são todos verídicos e facilmente verificáveis, inclusive com referências bibliográficas.

Cannabis: A ilegalização da maconha nos Estados Unidos / Box Brown / Mino/ 256 p./ R$ 69,90

terça-feira, agosto 13, 2019

PISTA CABEÇA

Yamí: duo pop avant garde ítalo baiano que une percussão, violoncelo e eletrônica

Foto AdrianoFagundes
Oi, pessoal. Fui ali, mas já voltei. Agradecido ao colega Daniel Oliveira, que segurou a onda da coluna Coletânea enquanto estava de férias. (TRECHO VÁLIDO APENAS PARA O IMPRESSO...)

Para este retorno, quis destacar um projeto bem diferente e curioso: é o Yamí, duo binacional que une o renomado percussionista baiano Marco Lobo e o violoncelista italiano Federico Puppi.

O Yamí, como se pode imaginar, é um encontro de culturas e tradições: é percussão afrobaiana em comunhão com a sonoridade erudita do cello, é experimentalismo pop à luz piscante da pista de dança.

Enfim, é uma ideia tão fora do comum e bem executada que pode muito bem dar certo e torna-los homens ricos – de grana, por que de talento já o são.

No momento, Lobo e Puppi dão os último retoques no primeiro álbum, gravado no primeiro semestre e previsto para chegar ao streaming no fim de setembro.

Mas já é possível ter uma boa ideia da alquimia sonora desenvolvida por eles nas duas faixas já lançadas: Sirocco e Bah'Li.

Em ambas, os acordes agressivos do cello elétrico de Puppi se infiltram nos espaços entre as batidas do variado arsenal percussivo de Lobo, tudo sobre uma tapeçaria de texturas eletrônicas cerzidas também pelo primeiro.

Um trabalho de pop avant garde, que pode intrigar tanto DJs e frequentadores das pistas quanto apreciadores de música experimental contemporânea.

Correntes, tubos, garrafas

Foto Ana Migliari
“Nos conhecemos  através de um amigo em comum. A conexão foi imediata e passamos a tocar juntos. Durante a gravação do último disco dele (Marinheiro de terra firme, 2017), resolvemos trabalhar juntos. Gostei muito da sonoridade do álbum, que já caminhava nesta direção da música eletrônica”, conta Lobo.

Mas talvez ainda mais intrigante do que ouvir, seja ver o duo em ação no palco, garante Lobo: “O diferencial está no nosso olhar nada conservador,  com uma forte presença de palco e performance. Puppi e eu tocamos com muita alegria, emoção e força”, conta.

O caráter experimental do duo se estende também aos instrumentos: “Usamos sons experimentais como correntes, tubos, garrafas pet e um instrumento de latas e peças de ferro velho criado pelo artista baiano Gustavo Moreno. Os atabaques, por exemplo, foram feitos em Salvador pelo Dinho com forma e tamanhos não convencionais”, conta.

“Criei o meu berimbau com a verga bem maior do que o tradicional, corda folgada e uso uma cabaça viola com um microfone preso dentro dela. Isso muda radicalmente o som, às vezes lembrando a sonoridade do didgeridoo, instrumento de sopro dos aborígenes australianos. Além de instrumentos exóticos como o hang drum, o tambor de onça, que juntos com o cello elétrico do Puppi e todos os seus efeitos, criam um impacto forte no trabalho. O Puppi tem uma linguagem moderna e faz as programações soarem super bem junto às percussões que gravamos e tocamos ao vivo”, descreve o artista.

Com o álbum lançado, vale esperar a próxima passagem do duo por Salvador - sim, porque o Yamí já se apresentou algumas vezes por aqui: “Claro, além se ser a minha terra, o Yamí tem uma relação muito especial com a cidade, com shows no Além do Cais, Amado, D'Venetta, Farol Café e o nosso primeiro show, em janeiro do ano passado. Já voltamos algumas vezes, gravamos dois clipes feitos pelo Pico Garcez que serão lançados em breve”, conclui Lobo.

Ouça Sirocco: https://sl.onerpm.com/1654159602

NUETAS

O rock help Miranda

Membro do motoclube Cometas GAM, Marco Miranda recebe a solidariedade da galera no show Uma Prótese Para Miranda, com  Instinto Dissonante, IV de Marte e Banda Basa. Miranda sofre de osteonecrose bifemural e precisa levantar R$ 60 mil para cirurgia e prótese. Sábado, às 18 horas, no Jazz Café (Condomínio Recanto do Cabula, 144).  R$ 15.

Flipunk chegando

Na onda das festas literárias, o Bardos Bardos promove a primeira Flipunk. Presenças dos escritores Franciel Cruz, Ricardo Cury, Kátia Borges, Lima Trindade e outros. No som, Os Reids e Mal Criado Mudo. Sábado, 17 horas, free.

Triunvirato maldito

Malefactor, Headhunter D.C. e The Cross arrebentam seus típianos sábado no Groove Bar. 22 horas,  R$ 30 e R$ 35.

quarta-feira, agosto 07, 2019

MOVIMENTOS SOCIAIS EM HQ

A história do rap segue no magnífico Hip Hop Genealogia Volume 2 de Ed Piskor, enquanto o Manifesto Comunista ganha adaptação de encher os olhos pelo inglês Martin Rowson

Há movimentos e movimentos. Movimentos podem ser políticos ou estéticos – ou os dois ao mesmo tempo.

Podem ser espontâneos, fabricados ou, de novo, um pouco dos dois.

Podem ser populares ou delineados por uma casta intelectual.

Podem surgir de um livro, de um manifesto, de um mero grito ou de uma canção.

Dois movimentos históricos importantíssimos estão contemplados em HQs que chegaram há pouco às livrarias e comic shops.

Trata-se de Hip Hop Genealogia Volume 2, de Ed Piskor, e Manifesto Comunista em Quadrinhos, de Martin Rowson e (claro), Karl Marx e Friederich Engels.

Se o primeiro segue fazendo a historiografia do hip hop sob a estética muito específica do quadrinista Ed Piskor, o segundo verte em linguagem de HQ o texto original do documento que, lançado em 1848, é ainda hoje um dos mais influentes da história da humanidade.

Em comum, o fato de ambos se referirem a movimentos cruciais. Primeiro, o comunista, que apesar de demonizado por muitos, nunca foi de fato aplicado em lugar nenhum do mundo e sim, apropriado por ditadores genocidas.

E o hip hop, movimento musical e estético que mudou a cara da cultura jovem (e a própria paisagem urbana) do mundo inteiro a partir do seu berço, Nova York, então um caldeirão de artistas entre produtores, DJs, rappers, grafiteiros, dançarinos (os b- boys) e muitos outros.

UMA SELVA ISSO AQUI


Se, no primeiro volume de Hip Hop Genealogia, Ed Piskor relatou a gênese do movimento e do rap, centrando sua narrativa entre a década de 1970 e o ano de 1981, o Volume 2 retoma o relato entre este mesmo ano de 81 e 1983, quando o rap começou a ganhar visibilidade e galgar paradas de sucesso, concedendo notoriedade à toda a estética que vinha à reboque, como os grafites e as danças de rua – à época, nomeada pela grande mídia como "break dance", graças aos seus movimentos surpreendentemente "quebrados", mas cheios de suíngue.

É aqui, neste período, que os hit parades da América são invadidos por duas faixas que se mostrariam seminais para o rap: Planet Rock, de Afrika Bambaataa, e The Message, de Grandmaster Flash & The Furious Five.

Enquanto a primeira sequestrou as texturas eletrônicas dos alemães pioneiros do Kraftwerk, o segundo fazia a crônica da violência urbana em levada funky: "É como uma selva isso aqui".

Ao longo da HQ, personagens importantes desfilam ainda em início de carreira: Run DMC, Beastie Boys, Public Enemy, Ice-T e o produtor Rick Rubin, fundador do essencial selo Def Jam.

Além de uma narrativa divertida e constante e da pesquisa muito cuidadosa – com direito a referências bibliográficas – o grande lance da HQ de Piskor é sua estética.

Ela é toda desenhada – e narrada – como uma HQ da Marvel dos anos 1970, a arte evidentemente influenciada por gigantes como Jack Kirby (cocriador do Universo Marvel), George Tuska (Homem de Ferro), Gene Colan (Demolidor, Luke Cage), Jim Starlin (Warlock) e Don McGregor (Pantera Negra), entre outros.

Há muitos momentos notáveis na HQ, como o apartamento (com o assoalho asfaltado!) dos Beastie Boys ou a gravação de Planet Rock, comandada pelo produtor Arthur Baker, outro nome essencial do movimento.

Mas talvez o mais simbólico, e que melhor resume o espírito inicial do rap, seja quando o jovem Carlton D. Ridenhour, que havia recém-assumido o nome artístico MC Chuckie D, se toca que Malcolm X já não era reconhecido pelos negros mais jovens de sua quebrada.

Ele está colando cartazes de um baile com a foto do grande ativista quando um rapaz se aproxima e pergunta: "Quem é esse maluco Malcolm, o décimo"? "Os manos já estão esquecendo? Não faz nem 20 anos (desde o assassinato de Malcolm)... Preciso fazer algo a respeito", reflete o rapper.

Em poucos anos, Chuck D lideraria um dos mais importantes e combativos grupo de rap de todos os tempos: Public Enemy, repopularizando a figura de "Malcolm, o décimo".

Excelente HQ, leitura obrigatória para os fãs do gênero, Hip Hop Genealogia Volume 2 vem com o mesmo leiaute classe A do Volume 1: capa dura, papel de alta gramatura, tradução cuidadosa (e adaptação das letras e notas) de Amauri Gonzo, além de enriquecedor texto de apresentação, desta feita do jornalista Ramiro Zwetsch (Radiola Urbana, Patuá Discos).

UM ESPECTRO ASSOMBRA

Diferente de Hip Hop Genealogia, Manifesto Comunista em Quadrinhos não quer recontar para os leitores de hoje a história do movimento comunista. Ele traz o texto integral do documento que lançou a ideia do comunismo para o mundo.

Polêmico desde então, é admirado e execrado na mesma medida, com sua denúncia do massacre imposto às populações mais pobres pela revolução industrial e o consequente chamamento à união dos operários de todo o planeta, a fim de construir um novo mundo, melhor e mais igualitário - entre outras ideias.

Sonhos utópicos à parte, o ideário de Marx & Engels foi retomado décadas mais parte por um pessoal aí na Rússia – e o resto é História.

Se ainda não a conhece, mas se interessou, procure conhece-la através de bons livros assinados por grandes historiadores, OK?

Ignore youtubers doutrinadores para não virar (mais) massa de manobra.

A presente quadrinização do inglês Martin Rowson ilustra o Manifesto como um cartunista da época, de meados do século 19, o faria: amplificando o alcance do texto por meio de alegorias exageradas e ultradetalhistas dos absurdos denunciados por Marx & Engels.

Desta forma, o operariado surge nas páginas do Manifesto servindo à burguesia e aos capitães da indústria das formas mais crueis e surpreendentes: robotizados, em fila, sendo moídos em máquinas gigantescas, como peças de engrenagens enormes, vaporizados pelo irresistível "poder que ergue e destrói coisas belas".

Premiado cartunista para os maiores jornais britânicos (The Guardian, The Times, The Independent), Rowson ainda presenteia o leitor com um texto de apresentação em que fala de seu fascínio adolescente pelo Manifesto Comunista – ilustrado em suas 14 páginas com uma sequencia espetacular de desenhos no qual ele resume a história da exploração do homem pelo homem.

Não a toa, tema central do Manifesto.

Texto que só é menos influente que a Bíblia, o Manifesto Comunista ainda guarda inegável força conceitual e histórica, mesmo lido neste distópico início de século 21.

Goste-se ou não, é texto básico, que todo ser humano deveria ler ainda na escola.

Hip Hop Genealogia Volume 2 / Ed Piskor / Trad.: Amauri Gonzo / Veneta / 120 páginas/ R$ 129,90 / www.lojaveneta.com.br

Manifesto Comunista em Quadrinhos / Martin Rowson, Karl Marx e Friederich Engels / Trad.: Rogério de Campos / Veneta / 88 páginas/ R$ 69,90 /
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