Páginas

quarta-feira, fevereiro 27, 2019

A SERVIÇO DE SUA MAJESTADE, A ESCULHAMBAÇÃO NACIONAL

Ao seu modo, Breganejo Blues e Agente Sommos e o Beliscão Atômico honram tradição da louca arapongagem brazuca

Agente Sommos, de Flavio Luiz
Yes, nós temos espiões e detetives. E não só: temos tradição nesse negócio de bisbilhotar a vida alheia.

Do nosso próprio jeito meio atabalhoado, mas temos.

Agora, dois novos – e hilários – personagens despontam na literatura e nos quadrinhos para manter viva nossa tradição: Agente Sommos, do quadrinista baiano Flavio Luiz, e o detetive anônimo protagonista do romance Breganejo Blues, do maranhense Bruno Azevêdo.

Cada um ao seu modo e no seu próprio universo ficcional, tanto Sommos quanto o detetive taxista de Breganejo se inscrevem numa adorável linhagem ficcional brasileira na qual figuram personagens como Ed Mort (de Luis Fernando Veríssimo), Mário Fofoca (de Cassiano Gabus Mendes, vivido por Luiz Gustavo), Mandrake (de Rubem Fonseca) e Aristênio Catanduva (O Araponga,  novela de Dias Gomes, vivido por Tarcísio Meira) e muitos outros.

Ainda que haja muitos fatores separando Sommos e o Breganejo – como linguagem e tom completamente diversos entre si – há outros mais a uni-los.

Brasileiríssimos, ambos não desistem fácil e, de um jeito ou de outro, sempre chegam ao seu homem.

Sommos se dá mal no trânsito brasileiro...
Agente da MENAS

Araponga (apelido para espiões brasileiros) da MENAS (Movimento Espionário Nacional Altamente Secreto), o Agente Sommos é mais um divertido personagem nascido da mente fértil do cartunista baiano Flavio Luiz.

Criador de outros como o capoeirista mirim Aú e o cangaceiro pós-apocalíptico O Cabra, Flavio escreve e desenha o Sommos com toda a fluência cartunesca de um antigo – e talentoso – fã da revista Mad e seu humor escrachado.

Em O Agente Sommos e o Beliscão Atômico, sua primeira aventura, somos apresentados à figura e seu universo narrativo.

Repleta de gags – visuais e verbais –, a HQ se beneficia da consagrada esculhambação nacional combinado ao imaginário de James Bond tanto para construir sua trama quanto para alavancar sua comicidade.

Se o 007 tem a chefe M (interpretada por  Judi Dench nos filmes mais recentes), Sommos tem a É (muito parecida com Fernanda Montenegro, diga-se).

Se 007 dirige vistosos Aston Martins cheios de engenhocas, Sommos pilota um pitoresco Volkswagen SP2 – esportivo dos anos 70 que, pelo menos, está no seguro.

Bechara Jalkh e seu curso por corresp.
E por aí vai. Para fãs tanto de HQ quanto de histórias de espionagem, este Austin Powers brasileiro é uma  baita pedida.

E que venham novas aventuras de Somos contra a terrível organização MERMO (Maracutaias Espionistas Revoltantes Mortalmente Orquestradas).

Humphey Bogart do sertão

Já Breganejo Blues, apesar de também descender da adorável tradição esculhambativa nacional, é um bicho totalmente diferente.

Para começar, é um romance literário, portanto, mais apurado mesmo na questão da linguagem.

Em segundo lugar, é absurdamente nordestino, o que o torna ainda mais saboroso.

Taxista em São Luís (Maranhão), fã nº 1 das HQs do cowboy Tex, esse sujeito cínico e frio como um Humphrey Bogart sertanejo tornou-se detetive nas horas vagas após fazer o curso por correspondência de Bechara Jalkh – que é real e era famoso nos anos 1970 justamente por anunciar seu curso em revistas em quadrinhos como Tex.

Em Breganejo Blues ele investiga o caso de uma dupla sertaneja pra lá de complicada.

Adailton & Adhaylton eram astros da música sertaneja, até que o segundo morre em circunstâncias misteriosas, envolvendo uma operação de troca de sexo, sua mulher grávida e muita dor de corno.

Tudo é muito ultrajante – e absolutamente cômico em Breganejo Blues, mas sempre de uma forma muito séria. Aqui, ninguém tenta ser engraçado. Mas é.

A começar pela narração em primeira pessoa do detetive, cheia de tiradas: “A única vez que vi um tiroteio, eu corri. Não foi por medo, não. É que tapar buraco de bala no táxi ia custar uma fortuna”.

Dono de texto ágil e econômico, Azevêdo criou aqui uma pequena joia da literatura policial brasileira. Cheia de humor, sangue, música brega e cornos a granel.

Agente Sommos e o Beliscão Atômico / Flávio Luiz / Papel A2 / 44  p./ R$ 30/ www.facebook.com/papela2editora

 Breganejo Blues / Bruno Azevêdo / Editora Veneta / 168 páginas/ R$ 34,90 / www.veneta.com.br

terça-feira, fevereiro 26, 2019

ESPACIAIS E CAÓTICOS

Space Rovers, nova banda de Jorge King Cobra, promete fazer chover no Carnaval

Space Rovers, foto Diego Orge
No rock baiano, o nome Jorge Barros pode não causar sequer um levantar de sobrancelhas.

Mas basta alguém lembrar do codinome Jorginho King Cobra para ver sorrisos se acenderem.

"Este reconhecimento público com o King Cobra se fez maior para o público das noites do Rio Vermelho, para uma galera que vivia diariamente seus delírios de rock, músicos e apoiadores que se encontravam quase que diariamente, e nos fins de semana tocavam com suas bandas, mas no meio underground, que é um universo à parte do mainstream mais eclético da cidade", observa a figura.

Figura inescapável do rock local nos últimos 25 anos (por baixo), Jorginho volta à cena com sua nova banda, Space Rovers.

Neste sábado, quem quiser já pode conferi-la no primeiro dia do Palco do Rock.

Praticamente sócio do lendário inferninho Calypso, foi lá que Jorginho ficou mais conhecido, graças à interminável temporada de anos seguidos se apresentando por lá com sua banda King Cobra, especializada em covers de clássicos do hard rock 70’s e 80’s.

Só que, vejam só, nem este colunista sabia: Jorginho já dava seus pulos há bem mais tempo: “Em 1991 fundei (como baterista), junto a Eduardo Slayer e Josué Machado, a primeira banda de doom metal do Brasil, The Cross, importantíssima banda do metal brazuca que até hoje está na estrada, sob o comando de Eduardo”, conta Jorge.

Pouco tempo depois, ele largou as baquetas para estrear como cantor na banda Gridlock, ao lado do guitar hero Martin Mendonça (Pitty), que veio a ser seu parceiro também na banda seguinte, a King Cobra: “Migrei para a recém-formada Gridlock já como vocalista. Tivemos uma faixa na antológica coletânea 2 da Bahia, abrindo a mesma com a música emblemática Tears of Revolution, que teve excelente aceitação do público heavy. Neste ínterim, a necessidade de conseguir algum dinheiro com música impeliu a mim e a Martin Mendonça, guitarrista, a montar uma banda para tocar nos finais de semana na noite de Salvador trazendo um repertório de Hard rock, coisa inédita para a época”.

Uma década se passou e lá foi Jorginho viver uma temporada na Inglaterra: “Em Birmingham, berço do Black Sabbath, toquei em algumas bandas que duraram pouco. Aí me mudei para Londres, onde toquei com a Metal Works num pub em Camden Town”.

Em 2003, ele volta e retoma a King Cobra e, em paralelo, canta na banda Slow. Essa última não existe mais, mas a KC existe até hoje: “Após mais de 15 anos sem trabalho autoral, fui seduzido pelos riffs de meu amigo de décadas Pedro Paulo (guitarra), e começamos a compor para Space Rovers, isso já em 2017. Agora trabalho com a música autoral do Space Rovers paralelamente a King Cobra e o AC/DC Tribute, que convivem bem em relação as suas agendas”.

Um cara, Jorginho, outro cara e o baixista xodó da Bahia. Ft Diego Orge
Som de tempestade

Jorge, Pedro Paulo Alvim e Chagas Jr. (guitarras), Cadinho Almeida (baixo) e Ricardo Agatte (bateria), os Space Rovers, já gravaram um EP com quatro faixas que é um must para fãs de Black Sabbath, metal clássico e stoner.

"Chegamos com a gravação do EP com 4 músicas co-produzidas pela banda e o produtor Tadeu Mascarenhas (Casa das Máquinas) com Nancy Viegas no apoio técnico das vozes, tudo feito em apenas 2 dias, todos os vocais feitos em uma sessão de quatro horas. Excelente material, se comparado ao tempo de produção, nos levou a um material muito sincero, poderosamente honesto!
Nossa intenção é continuar compondo e preparando sempre alguma novidade para as apresentações ao vivo", afirma Jorginho.

Bandas com o perfil da Space Rovers costumam fazer um som pesado calcado em Black Sabbath - e nas letras muitas menções a drogas, viagens picodélicas, fantasia e ficção científica. A SR pretende preencher todos esses requisitos ou vai nos surpreender de alguma forma?

"As composições (letras), são escritas na maioria por mim, tenho uma forma de escrever em inglês que se assemelha a forma que falo o idioma: coloquial, sem muitos aforismos. Os temas são variados, na maioria tem um teor filosófico, mas temos também a necessidade de falar sobre politica, principalmente neste momento preocupante em nosso país, drogas, misticismo, medos e experiencias plúmbeas, reflexos do que nos alimentou intelectualmente durante este tempo de vida, apenas um sintoma, não a verdadeira doença. Pra entender as letras do Space, tem que saber ler nas entrelinhas...", ensina o Cobra Kai do rock baiano.

Tábua de salvação para quem precisa de salvação
Depois de estrear no final do ano passado com um show no Banhoff, os SR agora se apresentam no PdR. "Fizemos uma estreia muito boa no clube Banhoff, com a produção totalmente independente. A direção da produção ficou ao cargo de nosso baixista-xodó-da-Bahia Cadinho Almeida e com a ajuda executiva de sempre do produtor de Hip Hop de Sampa Fábio Bandinni. Agora estamos focados ao maior festival de Rock no maior carnaval do mundo. Conheço  e participo da história deste festival desde seu início há 25 anos, toquei várias vezes e conheço a importância do evento para o currículo de qualquer banda que esteja começando. Estamos levando ao Palco do Rock um setlist de nove músicas, um show bastante dinâmico, com passagens pesadas e nuances progressivas. Eu diria que temos sim, um show completo para quem gosta de música pesada. Das nove músicas do show, cinco já estão em fase de pré produção para a confecção do nosso primeiro full album. Durante este processo temos algumas datas futuras para shows e estamos diariamente produzindo algo pela simples necessidade de expurgar nossos demônios em forma de música pesada", relata Jorginho.

"Nesta nova odisseia musical em que estamos envolvidos existe um monte de obstáculos que sei que não são privilégio nosso. Todos sabem o quão difícil é manter um conjunto de pessoas unidas e ainda soar harmônico, entre as inevitáveis saídas e entradas de músicos, amigos e colaboradores, manteremos a nave sempre voltada ao desconhecido, ao que grita por exploração, a este universo infindável que se chama 'nossa alma', se tornará um dia, quem sabe, nosso sistema solar, onde orbitaremos nas reverberações da música pesada, densa e cruelmente verdadeira", viaja.

“Os Space Rovers se propõem a não se engessarem nos conceitos já tão batidos da música pesada. Temos total liberdade para compor o que nos emociona e nos representa, e como seres caóticos que somos, as musicas naturalmente refletem toda nossa angústia, ansiedade e conclusões sem assertivas. O Space Rovers é um caldeirão de devaneios caóticos, que se mesclam a nossa experiência de vida e  mazelas musicais. Não sei dizer ao certo o que somos, mas soamos com certeza como uma chuva forte, retumbando trovões que arrasam o que tiver pelo caminho”, afirma.

Sentiu aí, mané? Sábado, no Palco do Rock.

Palco do Rock 2019 / de sábado até terça-feira / Sábado: VL2, Cães, Jack Doido, Jacau, Space Rovers, Sacrificed (MG), Malefactor, Evollution, OS INFORMAIS e  4 Stones / Coqueiral de Piatã / 17 horas / Gratuito



NUETAS

Ian Kelmer e São Rock

O músico Ian Kelmer faz um som folk bem bacana quinta-feira, no Bardos Bardos. O colunista ouviu e recomenda. 19 horas, pague quanto puder. E na sexta, São Rock em pessoa (Tony Lopes, quem mais?) lança sua nova obra: Com Ódio, Pra Você, um livro composto por postais ilustrados com poemas, tudo dele.

Retros e Amy free

Os fabulosos Retrofoguetes retornam a cena amanhã, com show na hambugueria Bravo (Barra). É o CarnaSounds, que segue na quinta,  com show da Amy Reggaehouse (como se apresenta a cantora Clariana Fróes). 18 horas, gratuito.

Maratona PdR ‘19

O Palco do Rock começa sábado. 39 bandas, no Coqueiral de Piatã. Programe-se.

quarta-feira, fevereiro 20, 2019

ARTO SEM BAIXO, MAS COM GRAVE

Hoje: Arto Lindsay se junta a Junix e João Meirelles em show único no Vila Velha

Arto e sua guitarra no batente, foto Chris Owen Richards
Figura histórica do levante punk / experimental novaiorquino na segunda metade dos anos 1970 com a banda DNA, Arto Lindsay é mais conhecido no Brasil pelo seu envolvimento com grandes nomes da MPB, como Caetano Veloso, Gilberto Gil, Gal Costa, Marisa Monte e Naná Vasconcellos.

Hoje, ele se apresenta no Teatro Vila Velha acompanhado de dois músicos ponta de lança da moderna música local: Junix 11 (guitarra) e João Milet Meirelles.

Apesar de norte-americano (de Richmond, Virginia), Lindsay passou boa parte de sua juventude no Brasil, para onde seus pais vieram trabalhar como missionários. Não deu outra: virou tropicalista desde criancinha.

Desde então, vem traduzindo sua brasilidade adotada em trabalhos solo ou em bandas como The Lounge Lizards e Ambitious Lovers.

A oportunidade do  show de amanhã rolou durante o último CMC Festival Ciclo de Música Contemporânea, em dezembro último.

“Estava na Bahia para fazer um show na CMC. Numa conversa com Marcio Meirelles, surgiu a possibilidade de um show no Vila no verão”, conta Arto.

“Junix já tocou e excursionou comigo e admiro  muito seu trabalho. Estava procurando uma oportunidade pra voltarmos a tocar juntos. Pensamos logo em chamar o João para completar o trio”, acrescenta o músico, por email.

No repertório, músicas do seu último álbum e mais: “Isso mesmo. Algumas canções mais velhas e algumas do disco novo Cuidado Madame (2017) e quem sabe alguns sambas”, detalha.

Modelo bloco afro

Arto e sua guitarra em repouso, foto Anitta Boa Vida
Conhecido pelo estilão livre e ruidoso de tocar guitarra, Arto buscou outra fera do instrumento para acompanha-lo: Junix. Mas peraí, e quem toca o baixo?

“Acho que serão duas guitarras. Mas aguarde nosso grave!”, promete Arto.

Aproveitando a oportunidade de entrevistar Arto, vale matar uma velha curiosidade: teria ele sido influenciado pelo guitarrista Glenn Branca, histórico mentor  da cena experimental novaiorquina?

“Só escutei Glenn alguns anos depois de começar a tocar. As minhas influências eram Hendrix, o Miles Davis da fase elétrica com Pete Cosey na guitarra e... Jorge Ben!”, diz.

“Voltando ao Glenn, antes de escutar suas composições com muitas guitarras eu o conheci com um trio chamado Static. Relativamente desconhecido, mas muito bom! Procurem”, dá a dica.

Visitante regular do Brasil, país que certamente ama, Lindsay também vê com apreensão o atual momento: “Estamos numa situação realmente difícil. Temos que nos unir. Como artista penso ser  importantíssimo acharmos maneiras coletivas de agir. Em grupos grandes, médios e pequenos. Em movimentos políticos, lúdicos  e críticos. Sempre nos fortalecendo pela união”, exorta.

“A Bahia já nos oferece um belo modelo: os Blocos Afros. Cultura em escala mundial conseguido quase que sem apoios, na base da presença física de cada um”, olha aí outra dica boa.

Arto Lindsay & a Dúvida - com Junix 11 e João Milet Meirelles / Amanhã, 20 horas / Teatro Vila Velha / R$ 30 e  R$ 15 / venda: Bilheteria TVV e site www.sympla.com.br/teatrovilavelha


NUETAS

Vibre no vibrafone

O vibrafonista Antenor Cardoso (da banda Retro–Visor) se apresenta amanhã na session Quartas Instrumentais do  Bardos Bardos. Uru Pereira (fagote) e Didoné (percussão) acompanham. Convidados: Dandê e Alex Simões. 17 horas, pague quanto quiser.

CTRL-X, Ander Leds...

Rapaziada teenager que promete, a banda CTRL-X faz mais uma edição do seu evento Rock Games, com as bandas Ander Leds, Noturnos no Paraíso e Obama Leitte. Sábado, 16 horas, no Portela Café. R$ 15.

Rock de SSa e Feira

Jack Doido e Búfalos Vermelhos & A Orquestra de Elefantes recebem a visita da banda feirense Sofie Jell no  Feirassa Rock. Sábado, 18 horas, no BukPorão. R$ 10.

segunda-feira, fevereiro 18, 2019

QUEM É ALITA?

Alita: Anjo de Combate traz cultuado mangá para as telas em filme divertido 

Pinóquio, o azarado boneco de pau criado por Carlo Collodi em 1881, sofreu horrores em sua busca por se tornar menino de carne e osso.

Na super-produção Alita: Anjo de Combate, acompanhamos a busca similar de uma menina ciborgue.

Só que, ao invés de querer se tornar gente, Alita já é tão tecnologicamente avançada  que é capaz até de se apaixonar. De  chorar.

E no final, sua busca é, na  verdade, para descobrir a sua própria origem.

Baseado no cultuado mangá de Yukito Kishiro, Alita: Anjo de Combate conta com a direção de Robert Rodriguez (das franquias Sin City e Spy Kids) e produção do deus do cinemão James Cameron. Ambos escreveram o roteiro em parceria com Laeta Kalogridis (da série Carbono Alterado).

No elenco, a pouco conhecida Rosa Salazar (Bird Box) confere a humanidade necessária sob a roupa de sensores que na tela se torna a encantadora menina com enormes olhos de mangá cor de mel.

No mundo futurista / distópico do filme, Alita tem sua cabeça encontrada no lixão pelo bondoso cientista Dr. Ido (Christoph Waltz).

O lixão recebe os detritos da cidade flutuante de Zalem, onde vive a elite econômica que explora os habitantes de  Iron City.

Ido leva o resto de ciborgue para casa e a reconstrói com partes avulsas, chamando-a de Alita, em homenagem a sua filha morta.

Alita, porém, uma vez desperta, não tem qualquer lembrança de sua vida antes de ser descartada.

Só que Ido também guarda seus segredos e, ao segui-lo quando sai de casa sorrateiramente uma noite, Alita descobre que é dona de absurdas habilidades de luta ao ser obrigada a enfrentar um monstruoso ciborgue de combate.

A trama ainda traz algumas surpresas ao incluir um campeonato brutal similar ao Rollerball (do clássico filme sci-fi de 1975) só que para ciborgues, um interesse amoroso humano para Alita (Keean Johnson), um  sinistro traficante de peças cibernéticas (o badalado Mahershala Ali) e sua cúmplice (a sempre maravilhosa Jennifer Connelly), além de um misterioso manipulador que assiste a tudo da cidade flutuante.

O resto, convém descobrir diante da tela.

Glorioso CGI

Adaptações de mangás para o cinema são sempre um terreno pantanoso.

Que o digam Speed Racer, Dragonbal Evolution e Death Note, só para ficar nos casos mais escandalosos.

Contudo, Alita até que não se saiu mal,  assim como o recente A Vigilante do Amanhã: Ghost in the Shell (2017), ao se manter fiel ao material fonte, mas traduzindo-o com habilidade para o telão.

Obviamente, a produção Classe A de James Cameron (Avatar) deve ter ajudado muito para a verossimilhança em glorioso CGI.

De cara, pode-se dizer que todo o trabalho de design (de cenários, roupas, objetos e ciborgues) e as cenas de ação são de uma qualidade difícil de criticar.

Em suma, é um trabalho de cair o queixo.

Como nem tudo é perfeito, há problemas. O principal é o roteiro, que às vezes se atropela com o entra e sai de personagens de forma aleatória e que até mudam de lado sem deixar clara a motivação.

O final é brusco e sem aviso, deixando soltas uma pá de pontas  que o filme foi jogando ao longo da projeção.

OK, ninguém é menino para não entender que este é apenas o primeiro capítulo de mais uma mega-franquia que se inicia. Mas que terminou esquisito, terminou.

Nada disto porém, inviabiliza a experiência divertida que é assistir Alita, uma personagem até então restrita ao universo dos fãs de mangá e que chega com potencial para inspirar muitas meninas guerreiras por aí.

Alita: Anjo de Combate (Alita: Battle Angel, 2019) / Dir.: Robert Rodriguez / Com Rosa Salazar, Christoph Waltz, Ed Skrein, Mahershala Ali, Jennifer Connelly, Keean Johnson, Jackie Earle Haley / Cinemark, Cinépolis Bela Vista, Cinépolis Shopping Salvador Norte, Cinesercla Shopping Cajazeiras, Mobi Cine Salvador, UCI Orient Shopping Barra, UCI Orient Shopping da Bahia, UCI Orient Shopping Paralela

sexta-feira, fevereiro 15, 2019

FOLIA DE DOMINGO

Nação Zumbi traz amanhã à Concha o espetáculo Troça Elétrica, que recria clima do carnaval pernambucano

La Nación: Lúcio, Toca Ogan, Du Peixe e Dengue. Ft Dovilé Babraviciuté
A alegria – e só Jah sabe o quanto estamos precisando dela – vai dominar a Concha Acústica este domingo.

É a infalível Nação Zumbi, que traz a Salvador, pela primeira vez, seu espetáculo Troça Elétrica.

Além da Nação, se apresentarão a banda conterrânea Academia da Berlinda e a Orquestra de Frevo Henrique Dias (a mais antiga e tradicional de Olinda), além de estandarte, bonecos gigantes típicos de Olinda, Caboclo de Lança  e passistas de frevo.

Desta forma, a ideia da Nação é trazer aos palcos do Brasil um pouco do carnaval pernambucano.

Além dessa festança toda, quem vai abrir o fim de tarde na Concha é a banda local RadioMundi, escolhida pelo público em votação pelo site www.conexoessonoras.com.br, que promove o evento.

Se dermos sorte, dançaremos em seu redor. Foto Beto Figueroa
“A ideia é que, ao invés de um DJ entre uma banda e outra, a Orquestra de Frevo toque como em Olinda: no meio da publico. Mas ainda  não sei se na Concha isso vai ser possível”, conta Jorge du Peixe, vocal da Nação, por telefone.

“Vamos com a Academia da Berlinda, banda com a qual já tocamos em Belo Horizonte, Brasília, São Paulo e Recife. E com a Radio Mundi daí de Salvador, com quem já tocamos no Pelourinho”, lembra.

No show da Nação propriamente dito, o repertório parece ser na medida para agradar novos e antigos fãs: “Ah, é bem variado, tem músicas do Radiola NZ Vol. 1 (2017, só de releituras), do Nação Zumbi (álbum de 2014) e dos discos mais antigos”, conta.

Com seu último álbum lançado em 2017, o núcleo duro da Nação (Jorge, o guitarrista Lúcio Maia, o baixista Dengue e o percussionista  Toca Ogan) já pensam em registrar material novo para breve: “A ideia é ter um Radiola NZ Vol. 2, mas o próximo passo mesmo é gravar um disco autoral. Entre um  autoral e outro achamos coisas para fazer, como  o Troça Elétrica e gravar coisas que vimos ouvindo na carreira”, conta.

Além de Jorge, Lúcio, Dengue e Toca, a Nação conta com Marcos Matias, Gustavo da Lua (ambos na percussão e alfaia) e Tom Rocha (bateria).

RadioMundi: DJ Mangaio e Vince di Mira. Foto David Campbell
Moderno ancestral

Responsável por abrir os trabalhos em um domingão na Concha que promete, a banda local RadioMundi é formada por Vince de Mira (vocais, ex-Lampirônicos), DJ Mangaio (programações) e Ícaro Sá (percussão).

No palco, eles ganham o reforço do guitarrista Ian Cardoso e do baterista Ricardo Correia.

No som, a RM pratica aquela mistura bem atual que conjuga moderno e ancestral, eletrônico e artesanal: “A gente parte sempre de bases eletrônicas e de referências de música étnica, como  música nigeriana, angolana e afoxé baiano. Pegamos clarins, atabaques e aí trabalhamos a música”, conta Vince de Mira.

“Não que necessariamente façamos sempre assim , inclusive estamos pensando até em mudar, mas hoje é isso aí”, acrescenta o artista.

Academia da Berlinda, foto Yuri Rabid
Após o show de domingo, o trio lançará nas plataformas o single My, que será precedido por outros a cada dois meses. Inclusive, uma das músicas será gravada com  participação de músicos da Nação.

“Teremos um conteúdo exclusivo com a Nação e uma outra música com participação de Lucas Santtana, Nossa Festa. Com a Nação, vamos gavar logo depois do show, mas a música não  tem título ainda”, conclui Vince.

Conexões Sonoras apresenta: Nação Zumbi, Academia da Berlinda, Orquestra de Frevo Henrique Dias e RadioMundi / Domingo,  17 horas / Concha Acústica do Teatro Castro Alves / R$ 40 e R$ 20 / Vendas: TCA e ingressorapido.com.br

quinta-feira, fevereiro 14, 2019

NAVEGAR É PRECISO

Sofisticado, O Futuro Não Demora traz a Baiana System cada vez mais aprofundada em suas sonoridades e conceitos artísticos 

A misteriosa figura de máscara que é o símbolo da BS. Foto Filipe Cartaxo
Quando surgiu no cenário, há dez anos, a  BaianaSystem era pouco mais que uma das bandas / artistas que despontavam em um movimento de revalorização da guitarra baiana.

Enquanto o  movimento passou, a Baiana se agigantou, tornando-se ponta de lança de uma nova cena, abrindo caminho para artistas como ÀTTØØXXÁ, Baco Exu do Blues e outros.

Dez anos depois, a Baiana fecha esse ciclo tão frutífero com seu terceiro álbum, O Futuro Não Demora.

Tranquilamente a obra mais elaborada da banda, o álbum é um verdadeiro manifesto artístico / social com muitas camadas, tantos musicais quanto conceituais.

E ainda assim, profundamente popular, com o balanço na medida  que seus milhões de fãs amam e esperam ouvir em um álbum de Russo, Robertinho & Cia.

Sofisticado, O Futuro Não Demora chega mesmo a ganhar ares de sinfonia, graças à participação do maestro Ubiratan “Bira” Marques e sua Orquestra Afrosinfônica na própria concepção do álbum, criando arranjos, regendo e coassinando as composições que abrem e fecham o disco: Água, Bola de Cristal e Fogo.

Magnética, a BaianaSystem atraiu ainda muito mais gente boa para compor, produzir, cantar e tocar, como BNegão, Manu Chao, a dupla Antonio Carlos & Jocafi, Dudu Marote, Lívia Nery, João Teoria, Andre Becker, Vandal, Mestre Lourimbau, Curumin, Edgar, Mestre Jackson, o produtor inglês Adrian Sherwood e o grupo Samba de Lata de  Tijuaçú, da cidade de  Senhor do Bonfim.

“Foi um processo demorado, mas estamos muito à vontade com o resultado, saiu muito verdadeiro, real, traduziu nosso momento. Estamos bem felizes”, afirma Roberto Barreto, guitarrista fundador.

Dividido em Lado Água e Lado Fogo, o novo da Baiana tem produção de outra referência da área, Daniel Ganjaman, que já havia trabalhado com a banda em Duas Cidades (2016) e outras obras icônicas, como  Nó na Orelha (2011), do Criolo.

Só que, se em Duas Cidades a banda se deslocou para São Paulo para trabalhar, desta vez o movimento foi outro, cruzando a Baía de Todos os Santos para buscar inspiração na Ilha de Itaparica ao longo de todo o processo de composição e pré-produção.

Lá, os músicos se enturmaram com os membros do grupo sócio-ambiental Maré de Março, formado por jovens locais e que buscam criar lá um entendimento integrado entre história e meio ambiente.

Russo, Seko  Bass e Roberto, foto Filipe Cartaxo
“Nesse disco a gente tá falando de futuro, mas com consciência do passado, de se dar conta de nossa história, com  esse entendimento de Itaparica, de mestres como Antonio Carlos & Jocafi, Lourimbau e Mestre Jackson (percussionista com passagens pelo Olodum, Comanches do Pelô, Apaches do Tororó)”, diz Beto.

Conversas com os sábios

Na ilha, o núcleo da Baiana desacelerou do ritmo alucinante de shows pelo Brasil e pelo mundo.

“A gente tava naquela catarse toda e aí quando fomos para ilha  era aquela calma. Lá começamos com Bira uma sinfonia de guitarra baiana, baixo e Orquestra Afrosinfônica”, conta Beto.

A busca pela ancestralidade os levou ainda buscar diálogos com autoridades do assunto na  Bahia: “A  construção do disco foi dessa forma: demorada, mas não sofrida, a gente foi dando tempo e respirando para que essa participações se dessem organicamente”.

“Aí na ilha conversamos com (o  antropólogo e historiador Antonio) Risério, ele ouvia as músicas, nos falava coisas que iam abrindo outras portas, assim como (a antropóloga) Goli Guerreiro com quem também conversamos”, relata.

No dia 23, a Baiana faz seu primeiro show do ano em Salvador, no Baile Arapuca, que ainda contará com vários parceiros da banda, como BNegão (que participa na faixa Salve), Vandal (que domina geral na faixa Certopelocertoh), MiniStereo Público, Tropikillaz (dos DJs  André Laudz e Zé Gonzales) e Larissa Luz.

Mas calma, ainda não é o show de lançamento do disco novo.

“Tinha muito tempo que não fazíamos uma festa aqui. Agora, estamos começando a entender como isso (o disco novo) vai funcionar ao vivo”.

“Não vamos parar um show para começar um novo. Então ainda estamos brincando. Daqui a uns três meses que você pode chegar e ver um show novo. Ainda estamos numa transição”, explica Beto.

Certo mesmo é que, depois da festa dia 23, tem Navio Pirata no Furdunço (dia 28), depois Recife, São Paulo, Rio de Janeiro.

E entre julho e agosto, Europa: “Devemos fazer uma turnê maior esse ano, passando por Portugal, Espanha e Inglaterra, mas ainda vamos estudar tudo isso direitinho”.

Baile Arapuca / Com BaianaSystem, MiniStereo Público,  BNegão, Vandal, Larissa Luz e Tropkillaz / Dia 23 de fevereiro, 18 horas / Área Verde do Bahia Othon Palace Hotel / R$ 60 a R$ 120 / Vendas: www.safeticket.com.br

terça-feira, fevereiro 12, 2019

DA TERRA DO TINTIM PRA TERRA DO DENDÊ

Cantora belga Cloé du Trèfle faz dois shows em Salvador: hoje (gratuito) e DEPOIS DE amanhã

A cellista Céline Chappuis e Cloé du Trèfle, foto Julie Guiches
Óbvio ululante: jornalista gosta é de novidade. E a novidade da semana nesta coluna vem do outro lado do oceano.

É a cantora belga Cloé du Trèfle, que faz dois shows na cidade esta semana: hoje, no
Teatro Eva Herz (gratuito) e depois de amanhã à noite, no Lebowski Pub.

Acompanhada da violoncelista  Céline Chappuis, Cloé se apresenta cantando e tocando – ora guitarra, ora piano.

Apelidada pela imprensa do seu país de “Björk belga”, aos ouvidos do colunista o som da cantora pareceu se aproximar mais do indie eletrônico avant garde da francesa Charlotte Gainsbourg (a filha do Serge) – talvez pela sonoridade da  língua que compartilham.

De qualquer forma, vale conhecer e apreciar o som elaborado, delicado e emotivo de Cloé, um canapé bem diferente do acarajé nosso de cada dia.

“No Lebowski, vamos tocar mais as músicas mais eletrônicas. No teatro da Livraria Cultura será um pocket show. Tocaremos mais com o violoncelo e o piano, com algumas ambientações eletrônicas”, conta a cantora, por email.

“Gostamos de adaptar nosso show à audiência. Se tiver muita gente falando em francês no público, eu posso até declamar um poema. Acho importante adaptar o show para a plateia e o lugar onde você  se apresenta”, acrescenta.

Sejam curiosos

Aparentemente tranquilona, Cloé levou na boa a comparação da imprensa belga com Björk: “Acho Björk uma grande artista, que está sempre se reinventando, buscando novos territórios, trabalhando com um monte de artistas diferentes em diferentes campos. Então recebi a comparação como um cumprimento”, afirma.

“Mas como artista, eu amo misturar instrumentos clássicos (como piano e violoncelo) com eletrônica. Faço esta turnê com Céline Chappuis, que toca violoncelo, aí eu venho com meu teclado e minha guitarra, mais um kit de bateria eletrônica e diferentes máquinas de sons”, descreve.

Esta é a segunda turnê de Cloé pelo Brasil (a primeira foi em março do ano passado), mas a primeira que ela se apresenta em uma cidade do Nordeste.

“Depois daquela primeira turnê tiramos alguns dias de folga em Salvador e arredores. Foi lindo, e a música estava em todo canto nas ruas”, lembra.

“Esta parte do Brasil é muito diferente de outras cidades que vimos pelo país. Também temos amigos na cidade que sempre nos diziam que tínhamos que ir a Salvador. E tem as praias e o forró que são incríveis, sem falar na moqueca”, derrama-se.

Mas Cloé, o que você gostaria mesmo de dizer ao público de Salvador?

"Sejam curiosos e venham!“. OK!

Cloé du Trèfle: Vertige Horizontal / Hoje, 19 horas / Teatro Eva Herz (Livraria Cultura) / Gratuito / Quinta-feira, 22 horas / Lebowski Pub / R$ 20 / www.cloedutrefle.com



PS: Na coluna que saiu hoje impressa no Caderno 2+ do jornal A Tarde o colunista / blogueiro errou ao colocar no título (aqui no subtítulo) que os shows de Cloé são hoje e amanhã. São hoje e depois de amanhã. O jornalista pede desculpas pelo erro e se compromete em publicar uma errata na edição de amanhã, quarta-feira.

NUETAS 

Conexão BA-Portuga

O músico Sèrgio Akueran, o grupo português Caravela e o poeta e compositor Juraci Tavares unem forças em show nesta quinta-feira, no Rango Vegan (Santo Antônio Além do Carmo). 19 horas, R$ 10.

Doidão & Aloprados

No mesmo dia, no Rio Vermelho, a impagável banda Professor Doidão & Os Aloprados faz aquela sonzeira rock hippie alto astral no Bardos Bardos Casa da Trinca. 19 horas, pague quanto puder.

Sessões invisíveis

O evento Invisible Sessions NHL bota no palco do Mercadão.CC Gabriela Deptulski (da banda capixaba My Magical Glowing Lens em show solo), Aurata (lançando o disco Satori) e Colibri (estreia). Sábado, 16 horas, R$ 15.

segunda-feira, fevereiro 11, 2019

AO SABOR DA MEMÓRIA (E DA CERVEJA)

Segundo livro do baiano Tarcísio Buenas, No Canto da Quadra é bela reunião de crônicas sobre o dia a dia e reminiscências

Tarcísio Buenas em seu canto, a Buenas Bookstore. Crédito Adriana Arakaki
Nos anos 1990, jovens  ficaram fascinados  pelo personagem Rob Gordon, do livro Alta Fidelidade (1995), de Nick Hornby.

O ideal do homem que “nunca amadurece” e nunca se resolve na vida, dedicando-se exclusivamente ao que lhe dá prazer (leia-se música, livros e mulheres, não necessariamente nesta ordem) deve ter batido fundo em Tarcísio Santana, que lançou no final do ano passado seu segundo livro: No Canto da Quadra.

Não que o escritor, baiano de Cruz das Almas e que assina como Tarcísio Buenas, escreva como Hornby. Longe disso. Sua praia é outra – e é a mesma, ao mesmo tempo.

É que, enquanto Hornby escreve romances, Buenas escreve crônicas. E enquanto Hornby escreve sobre o dia a dia entre discos e livros em uma loja cheia de personagens pitorescos, Buenas vive este dia a dia na vida real – e só depois escreve sobre isso.

Em 2011, Buenas deixou a Bahia para viver em São Paulo. Lá, ficou amigo do dramaturgo, diretor e ator Mario Bortolotto. Conversa vai, cerveja vem, Buenas abriu uma livraria no teatro de Bortolotto, o Cemitério de Automóveis, no centrão de São Paulo.

E é lá, no dia a dia da Buenas Bookstore (“a única livraria que funciona na madrugada paulistana”, garante o slogan da casa), que a maioria dos episódios – e elocubrações – de Buenas se dá.

Mas não só. Assim como seu livro anterior, 18 de Maio, Quanto Tens Por Dizer..., No Canto da Quadra reúne pequenas crônicas, reminiscências e observações rápidas do livreiro / escritor / flâneur.

Dormi na praça

Dono de texto sintético e objetivo, Buenas parece usar suas crônicas para pelo menos duas funções. A primeira é exteriorizar seus sentimentos, sujeito caladão que é. E a segunda é falar daquilo que gosta: música, mulheres, álcool, livros.

Não que exerça mal a segunda função – suas visões acerca de obras-primas de Leonard Cohen, João Gilberto, Jesus & Mary Chain, Belchior, The Cure e Chet Baker são muito pessoais e bem escritas.

Mas de fato, ele é melhor sucedido quando se debruça sobre o próprio dia a dia – ou mesmo sobre suas memórias de juventude.

Absolutamente compromissado apenas consigo mesmo, Buenas se dá ao luxo até de começar escrevendo sobre um assunto e enveredar por outro, ao sabor da memória associativa – e da cerveja na mão.

Mas é nas narrativas curtas de memória que Buenas brilha e toca o leitor. Em Ao Relento, por exemplo, ele conta da vez que, morando de favor na casa do irmão, chegou muito tarde e não conseguiu acordar ninguém para abrir a porta.

Teve de esperar amanhecer na rua, sentado em um banco de praça pequeno demais para deitar: ”Vi um catador de latas que tentou se aproximar me pedindo dinheiro. Eu disse que não tinha de um jeito que ele ficou assustado. Disse num misto de tristeza e fúria”.

Buenas, como muitos de sua geração, nunca quis ficar rico ou ostentar no “Insta”. Sua voz é também daqueles que apenas lutam para sobreviver de forma digna, sem  ter de vender a alma por isto.

Das viagens na adolescência à observação das pessoas que entram na sua loja, passando por conversas entreouvidas na rua, lições maternas (sua mãe, aliás, é um personagem e tanto) e as dores do crescimento, Buenas vaga sem sair do lugar: do seu cantinho atrás do caixa, sempre com um copo na mão e um disco na vitrola.

No canto da quadra / Tarcísio Buenas / Reformatório/ 137 p./ R$ 35/ www.facebook.com/editorareformatorio

terça-feira, fevereiro 05, 2019

ANTROPOFAGIZANDO O TRAP

Ex-Velotroz, Rei Lacoste funde trap e Tropicália e faz show sábado no Mercadão.CC

Caio Araújo / Rei Lacoste
Há dez anos atrás, Caio Araújo era baixista da banda Velotroz, junto com outros nomes que se  tornaram importantes na cena atual: Giovani Cidreira (hoje artista solo) e Silvio de Carvalho (Tabuleiro Musiquim).

Fã de hip hop e estudante de cinema, em 2018 Caio assumiu a identidade de Rei Lacoste, sob a qual lança seu primeiro trabalho: Trapcália.

Lançado pelo selo  Balostrada Records, o EP com seis faixas tem lançamento sábado, no Baile Antropofágico, que ainda terá shows do próprio Giovani, Davzeira e Pivoman.

Como o nome deixa notar, Trapcália é uma fusão de trap (o subgênero mais recente e descolado do hip hop) com Tropicália.

No caso aqui, com o próprio disco Tropicália ou Panis et Circensis (1968), a pedra fundamental do movimento sessentista: todos os samples de Trapcália são do Panis.

“50 anos depois do lançamentos do Tropicália ou Panis et Circencis, um dos movimentos artísticos mais antropofágicos do Brasil, para mim foi  entendido que o rock – matéria prima fundamental de processamento do tropicalismo – deu lugar ao protagonismo do hip hop,  tendo o rap e o trap como gêneros que mais influenciam a juventude ocidental neste momento. Em 2015, Jethro Mullen escreve no jornal CNN: 'esqueça os Beatles e os Rolling Stones, o desenvolvimento mais importante da música pop no último meio século é o hip-hop'. E no mesmo ano, a Rolling Stone Brasil publica: 'Estudo britânico diz que hip-hop teve mais influência do que Beatles e Stones nos EUA'. Parti deste ponto para criar o disco Trapcália e lançá-lo em 2018”, afirma Lacoste.

“Não é tão simples de entender os elementos tropicalistas que estão no disco, é preciso prestar atenção. A maioria dos samples foram retirados do Tropicália e a introdução, a música instrumental de encerramento ou mesmo BB - com participação de Giovani Cidreira e sample de Gal Costa (cantando Baby)  deixam isso muito claro. Mas há experimentos sofisticados como Pagotrap, que, como o nome diz, é uma mistura de pagode e trap, onde todas as frases da música são de compositores baianos  (ou que tiveram relação com a Bahia) como uma espécie de colagem como as citações de Caetano Veloso em Alegria alegria, Superbacana ou experimentos idênticos de Tom Zé. Acredito que o disco tem o espírito oswaldiano em que 'só a ANTROPOFAGIA nos une. Socialmente. Economicamente. Filosoficamente', acrescenta.

Fã de hip hop antes mesmo de integrar a Velotroz, Lacoste conta como foi a transição de baixista da ex-banda para a rapper: "Antes da Velotroz o rap era um interesse central na minha vida. Apesar de muito novo, lembro em 2005 de grupos que acompanhava como: Rbf, Calazar, 171 Nervoso, Simples Rap'ortagem, dentre outros. A Velotroz me levou para outro caminho e minha relação com o rap ficou mais tímida. Uma das coisas mais importantes que aconteceram para mim em 2018 foi me aproximar do selo de trap Balostrada Records, principalmente do produtor Maurício Eduardo - só estou fazendo algo hoje por conta deles, que acreditaram no potencial do trabalho. Maurício é um jovem gênio da produção musical mais recente e sabe tudo sobre o universo do trap, os subgêneros, as histórias. Topou produzir o disco que foi masterizado pelo não menos incrível Luan Owè. Já estava compondo e percebi uma certa facilidade para metrificação, mas os meninos da Balostrada foram meus primeiros professores. Com o fim da Velotroz me dediquei mais ao cinema e às artes visuais mas não deixei de compor e experimentar com a palavra nas mais variadas formas. Encontrei no rap um terreno frutífero à experimentação e é o que sigo fazendo: experimentando", relata.



Subvertendo marcas

O homem do abrigo rosa e sua posse
Essencialmente um projeto de pop experimental, Lacoste seguiu à risca o modelo do estilo, inclusive se apropriando de uma grife famosa.

“Acredito que o projeto passa por questões trazidas pela arte contemporânea, como uma pesquisa em arte, estou experimentando,  testando e propondo coisas – principalmente no universo pop e de cultura de massa. Percebi que era uma forte tendência alguns artistas darem outro sentido a nomes de marcas como Gucci Mane, Kodak Black, Princess Nokia, Offset”, cita.

“O que havia mais próximo de uma Gucci Gang (do rapper Lil Pump) era Só Lacoste de Igor Kannário - que foi febre nas periferias, inclusive na Boca do Rio, onde moro. O jacaré da marca sempre me remeteu à Clara Crocodilo (1980) de Arrigo Barnabé. Ou seja: Rei Lacoste é sobretudo um projeto antropofágico e acredito que faz todo sentido ser feito nesse momento”, acredita.

Então sábado já sabe: a rapaziada invocada desse movimento de trap local comanda um baile no Mercadão.CC: "É um grande privilégio para mim poder trabalhar e estrear ao lado das pessoas que mais admiro neste momento em Salvador. Primeiro que quem pilota a festa, regendo e discotecando, é Pivoman (Italo Oliveira) grande pesquisador da música africana produzida hoje com beats - Italo ouve um som de lá e consegue identificar em que país foi produzido e em que época: é assustador. Giovani Cidreira é minha eterna paixão, meu bromance. Trabalhamos juntos desde 2006 - com a velotroz - e depois continuamos seguindo em parcerias em composições. Gio irá lançar uma mixtape (Lil Gio - 2018) também  muito influenciada pelo trap e música pop experimental como Frank Ocean e Blood Orange. Acho Giovani o artista mais talentoso da nova mpb e uma figura central de atualização da canção - se ele acha que a canção deve neste momento ir por este caminho eu acredito que ele está certo. O outro lançamento da noite é de Davzera (Beirando Teto). Ele lançará o ep Vale do Silício. Quando Aninha Franco conheceu a jovem intelectual Bruna Frascolla escreveu que Bruna seria uma "espécie de milagre". Assim que me senti quando conheci Davi. Acho Davi a maior coisa que o rap feito na Bahia já produziu - impressionante.  Davi foi a última grande coisa que me aconteceu e influenciou meu trabalho. Sou grato ao cosmo por estar próximo, conviver, cozinhar e trabalhar junto. No combo tem eu, que me considero mais dedicado que talentoso (risos), lançando Trapcália Volume 1. O show será esse encontro de cabeças caras, amigos celebrando a vida, a arte e apresentando ao público essas obras que comentam a vida desses últimos tempos", detalha Lacoste.

"O trabalho foi lançado em dezembro de 2018, corri para que desse tempo - pra mim só fazia sentido tê-lo lançado naquele ano. A estreia em palco é agora em fevereiro de 2019, ainda não sei como é, pode ser um grande desastre, traumatizante - mas estou me preparando de forma dedicada. Uma vez pixei em um muro imenso na Boca do Rio a frase de Vinícius de Moraes: "A arte não ama os covardes", e sempre penso nela quando estou em dúvida, mas acho que não tenho mais medo do ridículo. A última música que Davzera lançou diz: "eu faço meu corre sem pressa, ganhar já não me interessa, cada um faz sua preza e deixa q eu voou" - tenho aprendido muito com ele e acho que é por aí que eu vou, sem pressa e com verdade, mas "eu sempre quis muito mesmo parecendo ser modesto". Tem sido um verão meio amargo para mim mas quero ser contagiado pela alegria da Bahia, queria tocar no carnaval, essas coisas. Quero, depois de maduro, tocar em Recife, Aracaju e em São Paulo - algo intuitivamente me diz para fazer coisas nesses lugares e também em Atlanta nos EUA. O plano é ficar rico, luxar e dar contribuições à linguagem (risos). Mas meu grande projeto de vida é apenas ser feliz", conclui Lacoste.

Baile Antropofágico / Com Giovani Cidreira, Davzera, ReiLacoste e Pivoman /  Sábado, 21 horas / Mercadão.cc / R$ 10 e R$ 15 / www.facebook.com/reilacosteoficial



NUETAS

IFÁ com Anelis

A session Toca! bota IFÁ convida Anelis Assumpção no palquinho do  Pátio do Goethe-Institut (Vitória). Sexta, 20 horas, R$ 40 e R$ 20 (1º lote) ou R$ 50 e R$25 (2º).

Lo Han, Rivera, Malgrada

O evento Rock Tattoo celebra a milenar arte de desenhar na pele com as bandas  Malgrada, Lo Han e Madame Rivera. Sábado, 21 horas, no  Portela Café. Antecipado no Sympla: R$ 10. Na porta: R$ 20. A feira de tatuagem abre às 16 horas, com entrada gratuita.


Suinga, Carlinhos! E Rohmanelli!

Verão na city sem Domingo de Cabeça pra Baixo não dá, né. Então esse domingo tem Suinga,  Rohmanelli e o anfitrião Irmão Carlos. 16 horas, no mítico Espaço Cultural Dona Neuza (Marback) R$ 15 e R$ 10.

PASSAPORTE PARA A CIDADANIA

Programa NEOJIBA abre inscrições para ocupar 300 vagas. Com 12 anos, a iniciativa forma orquestras mas não só: cidadãos conscientes e transformadores

Orquestra Juvenil da Bahia no Phillarmonie de Paris. Fotos Lenon Reis
Perto de completar 12 anos (agora em 2019), o programa NEOJIBA (Núcleos Estaduais de Orquestras Juvenis e Infantis da Bahia) segue como um oásis de desenvolvimento social na Bahia.

Tanto segue que está abrindo hoje inscrições para crianças e jovens que queiram ingressar nas unidades de prática musical do programa.

São 300 vagas disponíveis, as inscrições são gratuitas e podem ser feitas diretamente nos núcleos sediados em Salvador e no interior: Pirajá, Bairro da Paz, Nordeste de Amaralina, Federação e Nazaré. No interior do estado, as vagas são para Vitória da Conquista, Jequié e Simões Filho.

Os responsáveis precisam levar os seguintes documentos no ato da inscrição: cópia da identidade e CPF do(a) ingressante; cópia da identidade e CPF do(a) responsável, comprovante de residência, comprovante de matrícula ou boletim escolar do ingressante, número do NIS/CadÚnico, cartão do SUS e duas fotos 3x4.

Mais informações podem ser obtidas pelo telefone (71) 3117-4844, de segunda a sexta, no horário comercial.

Informação importante a quem pensa  se inscrever – seja a si mesmo ou o(a) filho(a), ou parente: não é necessário demonstrar aptidão musical.

“Toda criança a partir de seis anos pode participar do Programa NEOJIBA, desde que esteja matriculada na escola regular e que haja vaga disponível”, conta José Henrique de Campos, Gerente Pedagógico.

Aula de oboé com a professora Erica Smetak
“Todo ano os Núcleos de Prática Musical de Salvador e também do interior abrem vagas para novos integrantes, de acordo com a disponibilidade de vagas para os instrumentos musicais praticados nestes espaços. Não é necessário ter aptidão”, acrescenta.

Inscrita a criança (entre seis e oito anos), ela passa por um processo de iniciação musical: “Isto as ajuda a conhecer e escolher qual instrumento querem praticar. A maioria do Núcleos tem um recorte específico de atividades oferecidas, como por exemplo o Núcleo de Cordas Dedilhadas com grupos de violões, cavaquinhos, bandolins, etc. Ou o Núcleo do Bairro da Paz, com banda sinfônica e canto coral”, detalha José Henrique.

Já crianças em idade mais avançada ou adolescentes podem ingressar diretamente no instrumento de sua escolha.

“Mesmo assim, a equipe pedagógica direciona e orienta sobre novas possibilidades, dando ao integrante a oportunidade de experimentar outros instrumentos durante as semanas iniciais de prática”, conta José Henrique.

“Após a definição do instrumento, durante seu trajeto, o integrante pode mudar de instrumento 2 vezes, desde que haja vaga disponível”, diz.

Esforço e dedicação

Jovem musicista com o maestro fundador Ricardo Castro
Ao longo de pouco mais de uma década, o NEOJIBA já mudou a vida de mais de 10 mil crianças e jovens.

A “elite” dos jovens músicos formados pelo programa integra a Orquestra Juvenil da Bahia, que já realizou inúmeros concertos na Bahia, no Brasil e no mundo ao lado de solistas de renome.

Mas há outros grupos dentro do programa, como a  Orquestra Castro Alves (OCA), o Coro Juvenil do NEOJIBA, o Coro Sinfônico e grupos de câmara (formações menores).

“Ao longo destes 11 anos, o Programa NEOJIBA realizou mais de 1,3 mil apresentações públicas, para um público de mais de 700 mil espectadores. Mais de 10 mil crianças e jovens tiveram oportunidade de praticar um instrumento de forma regular”, conta.

Mas mesmo que nem todos os inscritos sigam carreira, foi no NEOJIBA que puderam transformar sua realidade, muitas  vezes  difícil, em algo positivo: “São jovens que hoje estudam, trabalham e praticam seus instrumentos musicais em diversos cenários da cidade, e que entenderam que o ‘sucesso’ e o ‘fracasso’ das suas vidas depende do seu esforço e dedicação em atingir seus objetivos”, conclui José.

Informações: www.neojiba.org