Tarcísio Buenas em seu canto, a Buenas Bookstore. Crédito Adriana Arakaki |
O ideal do homem que “nunca amadurece” e nunca se resolve na vida, dedicando-se exclusivamente ao que lhe dá prazer (leia-se música, livros e mulheres, não necessariamente nesta ordem) deve ter batido fundo em Tarcísio Santana, que lançou no final do ano passado seu segundo livro: No Canto da Quadra.
Não que o escritor, baiano de Cruz das Almas e que assina como Tarcísio Buenas, escreva como Hornby. Longe disso. Sua praia é outra – e é a mesma, ao mesmo tempo.
É que, enquanto Hornby escreve romances, Buenas escreve crônicas. E enquanto Hornby escreve sobre o dia a dia entre discos e livros em uma loja cheia de personagens pitorescos, Buenas vive este dia a dia na vida real – e só depois escreve sobre isso.
Em 2011, Buenas deixou a Bahia para viver em São Paulo. Lá, ficou amigo do dramaturgo, diretor e ator Mario Bortolotto. Conversa vai, cerveja vem, Buenas abriu uma livraria no teatro de Bortolotto, o Cemitério de Automóveis, no centrão de São Paulo.
E é lá, no dia a dia da Buenas Bookstore (“a única livraria que funciona na madrugada paulistana”, garante o slogan da casa), que a maioria dos episódios – e elocubrações – de Buenas se dá.
Mas não só. Assim como seu livro anterior, 18 de Maio, Quanto Tens Por Dizer..., No Canto da Quadra reúne pequenas crônicas, reminiscências e observações rápidas do livreiro / escritor / flâneur.
Dormi na praça
Dono de texto sintético e objetivo, Buenas parece usar suas crônicas para pelo menos duas funções. A primeira é exteriorizar seus sentimentos, sujeito caladão que é. E a segunda é falar daquilo que gosta: música, mulheres, álcool, livros.
Não que exerça mal a segunda função – suas visões acerca de obras-primas de Leonard Cohen, João Gilberto, Jesus & Mary Chain, Belchior, The Cure e Chet Baker são muito pessoais e bem escritas.
Mas de fato, ele é melhor sucedido quando se debruça sobre o próprio dia a dia – ou mesmo sobre suas memórias de juventude.
Absolutamente compromissado apenas consigo mesmo, Buenas se dá ao luxo até de começar escrevendo sobre um assunto e enveredar por outro, ao sabor da memória associativa – e da cerveja na mão.
Mas é nas narrativas curtas de memória que Buenas brilha e toca o leitor. Em Ao Relento, por exemplo, ele conta da vez que, morando de favor na casa do irmão, chegou muito tarde e não conseguiu acordar ninguém para abrir a porta.
Teve de esperar amanhecer na rua, sentado em um banco de praça pequeno demais para deitar: ”Vi um catador de latas que tentou se aproximar me pedindo dinheiro. Eu disse que não tinha de um jeito que ele ficou assustado. Disse num misto de tristeza e fúria”.
Buenas, como muitos de sua geração, nunca quis ficar rico ou ostentar no “Insta”. Sua voz é também daqueles que apenas lutam para sobreviver de forma digna, sem ter de vender a alma por isto.
Das viagens na adolescência à observação das pessoas que entram na sua loja, passando por conversas entreouvidas na rua, lições maternas (sua mãe, aliás, é um personagem e tanto) e as dores do crescimento, Buenas vaga sem sair do lugar: do seu cantinho atrás do caixa, sempre com um copo na mão e um disco na vitrola.
No canto da quadra / Tarcísio Buenas / Reformatório/ 137 p./ R$ 35/ www.facebook.com/editorareformatorio
Puta matéria.
ResponderExcluirValeu, Chico.
Grande abraço.