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quinta-feira, dezembro 07, 2017

A POESIA MUITO VERBAL DE UM DESIGNER GRÁFICO

Hoje: Mauro Ybarros, conhecido designer visual, lança seu primeiro livro de poesia em jam de blues

Mauro Ybarros, foto Felipe Brust
Designer gráfico admirado, jazzófilo “doente”, boêmio incorrigível. Para completar o cardápio do quarentão charmoso, só faltava à Mauro Ybarros lançar um livro de poemas.

Não falta mais: Algum Blues Aqui Dentro é o seu livro de estreia, e o lançamento, amanhã, não poderia lhe ser mais adequado: numa jam de blues.

Indisciplinado como todo boêmio digno de tal classificação, Mauro escreve livremente: sem rima, sem métrica, as palavras jorrando de canetas emprestadas de garçons amigos direto em guardanapos sobre mesas tronxas de boteco de rua.

"(Escrevo) Em qualquer lugar: tou sempre com meu(s) cadeninhos de notas, e na falta deles, os óbvios guardanapos, pedaços de cardápio ou verso de embalagem do cigarro. Escrevo no final de um filme onde minha namorada dormiu antes de acabar, fazendo o café pra alguém que não vem, esperando alguém que marcou comigo aparecer – e se atrasando... Escrevo na hora em que um filme que adoro vai começar ou quando algum blues toca e eu me lembro onde eu tava há mais de 20 anos – exatamente na hora em que esse mesmo blues tocou. Escrevo quando tou apaixonado (e tou sempre me apaixonando) e escrevo quando termina o amor (e ele tá sempre me terminando). Não tem hora nem lugar: tem eu, ali, espirrando, tossindo e exalando isso que tenho por dentro", conta Mauro.

E então está tudo ali: as dores, os amores, as perdas, o dia a dia, o tédio, a música, o horror.

“Disseram uma vez que a poesia é a forma que as palavras encontraram pra dançar. Portanto, de tanto jazz que ouvi na vida, não posso querer enquadrar palavra nenhuma em métrica alguma”, afirma.

“O sentimento vem, pede pra ser exposto, e sai. Se ele vem metrificado, já não é mais comigo, e eu deixo o fluxo acontecer sem controle. Umas palavras se arrumam. Outras se perdem. O que saiu, saiu: tou chamando poesia”, diz.

Maurão, foto Felipe Brust
Poesia analógica

Profissional reconhecido no seu meio, Mauro conseguiu publicar seu livro a partir de permutas com agências de propaganda e gráficas com as quais trabalha no dia a dia.

E aí resta a pergunta: quem ainda lê poesia hoje em dia? Ou talvez, uma pergunta menor ainda: quem ainda lê?

“Penso que talvez ninguém saiba que lê poesia hoje em dia. Mas acredito que, se tem gente que ainda vai em feiras de artesanato, compra discos em vinil e valoriza filmes feitos em animação tradicional, deve ter gente que ainda acredita que coisas analógicas, valvuladas, feitas em papel, tesoura e pedra têm seu valor”, diz.

“E, definitivamente, tem gente que gosta – até hoje – de Chico, Lupiscínio, Cazuza e Dolores Duran. Portanto, tem gente que sabe que houve uma época onde se falava de dor, amor e ardor sem ninguém pra chamar isso de rima pobre”, conclui Mauro.

Dizem que todo poeta tem um tal de "eu lírico" - seja lá o que for isso. Qual seria o "eu lírico" de Mauro Ybarros? "SAUDADE. - A-DO-RO essa palavra. A-DO-RO a ideia de que ela não tem tradução em outras línguas. Adoro lembrar que Janis Joplin falou que “blues é ter saudades de algo que você não sabe o que é”. Meu eu-lírico é essa coisa que queria ter mas que não me deram. Aquela menina cantando “esse seu jeito / sexy de ser”. Ser pai de um filho que a mãe resolveu que era só dela. Ou ser o cara que espera o beijo antes da mordida. É morar numa cidade que podia ser um monte de coisas e se contenta em ser o que deixam ela ser. Tudo isso é meu eu-lírico: não ter o que eu queria, não ser o que eu gostaria, ou ter que ser o cara que mandam beijar antes de falar – tipo como dizem no carnaval: “cala boca e beija logo”. Calar a boca? Eu?", filosofa.

Mas porque escreve o poeta? Ah, essa é a pergunta mais difícil de todas:"Essa talvez seja a mais complicada... Acho que preciso escrever porque é importante deixar sair o que nos oprime, nos aperta, nos asfixia. Sentimentos bons, sentimentos ruins, tudo que aparece e não pergunta se pode chegar – mas chega e fica, sem nem querer saber o que a gente acha disso. Então, pra deixar isso ser devidamente processado e depois, devolvido ao mundo, é que escrevo. Escrevo porque preciso, escrevo porque é devido devolver ao mundo o que entra em nós sem preguntar porque. E, talvez, porque escrever é a única maneira que eu tenho de fazer sair de mim o que existe em excesso. Terapeutas recomendam escrever. Fiz diários na adolescência, durante nos a fio, sem nem saber que tava me analisando... Tem gente que bebe, tem gente que fuma, tem gente que trepa – e eu? Acho que fumo, bebo e trepo só porque escrevo pouco", afirma.

Lançado o livro, o que vem depois? Leituras públicas, festas literárias, academia? Que espécie de marginal é você, Mauro?

"No dia do lançamento, acho que não (vou fazer leitura). Vai ter show de blues, e não sei se vou ter espaço. Se der, e as pessoas quiserem, leio sim. E se me convidarem pra saraus, eu vou. Acho que poesia é o tipo da coisa que precisa andar pendurada no pescoço da gente, como as melancias e bacalhaus do chacrinha: quem quiser ver, vai ver. Mas só vê se estiver pendurado no pescoço de alguém. Já minha fama de mau fica no mesmo lugar de sempre: guardadinha no tal pequeno frasco onde tão os piores perfumes... De perto, sou o mesmo menino bobo do salesiano, apaixonado pela menina da sétima serie A... Como diria Gil, “só quem é clarividente / pode ver”. E não, não irei à academia de letras. Se tem algo que tenho certeza que não sou é um cânone das belas letras. Falo de dores, amores perdidos, humores mal resolvidos e venenos antimonotonias: como é que eu seria recebido por gente que usa farda, adora ACM e toma chá? E, claro -  se ser marginal é quem anda à margem, é questão de escolha estar onde estou: procurar o centro é coisa de iogues, coachers e fãs de paulo coelho. Do centro pra periferia de mim, Circular via Amaralina – aceito vale e aceito passe", divaga o poeta.

Quer saber? Acho que eu vou deixar Mauro falar mais um pouco. O que ele quiser falar. Fala, Maurão!

"Meu caro, acho que o que eu preciso dizer está escrito nos poemas daquele livro. Amei incondicionalmente, quis amar eternamente, mas tive que dar de cara com a realidade – e isso, definitivamente, não é o que eu queria pra mim. Vivemos num mundo cheio de tensão, de escolhas binárias, cheio de pretos-e-brancos, sem espaço pro sutil, pro suave, pro delicado. E – definitivamente – eu não sou assim. Como dizia Luiz Melodia, “as pessoas que eu amo / eu amo bastante”. E quero acreditar que, falando de poesia, falando do imponderável, usando metáforas e eus-líricos, eu posso tentar ativar sistemas inativos nesse mundo de instagramas... Quero poder dizer que o amor está nas entrelinhas, na casca das coisas, nas flores que não desabrocharam e em tudo que não seja óbvio, solar e luminoso. Quero poder sacudir as estruturas, quebrar os paradigmas e bulir na bunda dos guardas que tomam conta do que 'é certo', sem ter que 'tira-os-pés-do-chão-galera'. E, por fim, quero que 'falar de poesia' seja algo que desmonte o que é correto, objetivo e útil. Quero ser o palhaço do Fellini, fazendo os outros rirem e sonharem, depois tirando a maquiagem em um banheiro de bar, enquanto chega o PF de frango assado ficar pronto", conclui.

Em tempo: o autor está disponível para saraus.

Lançamento do livro Algum Blues Aqui Dentro, de Mauro Ybarros / Amanhã,  19 horas (noite de Blues no Jazz na Avenida) / Av. Simon Bolívar, Boca do Rio​ (​ao lado do Boi Preto)​ / Entrada gratuita

Algum Blues Aqui Dentro / Mauro Ybarros / Independente / 96 p. / R$ 25 / Vendas: www.facebook.com/mauroybarros

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