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sexta-feira, março 03, 2017

O POLEMISTA

Nova coletânea de Paulo Francis demonstra a pobreza do debate político na era Facebook

Francis e companheira de trabalho. Foto Luiz Carlos Murauskas / Folha Press
Morto há 20 anos (e alguns dias) aos 66 anos, o jornalista Paulo Francis tem oportuna volta às livrarias com o lançamento de mais uma coletânea de suas crônicas “direto de Noviorque” para a Folha de S. Paulo: A segunda mais antiga profissão do mundo (Editora Três Estrelas).

Organizado por Nelson de Sá, que também assina o texto de apresentação, o volume é subintitulado Jornalismo, política e cultura nos textos do maior polemista da imprensa brasileira.

Talvez soe pomposo para os mais jovens, que ou eram crianças quando de sua morte – ou mesmo nasceram depois dela.

Mas o  fato é que se trata de uma verdade – a parte do polemista.

Vale lembrar que nós, baianos, temos nossas razões para não gostar dele, que costumava implicar com Caetano Veloso e – com a turma d’O Pasquim –  chamava os artistas de Salvador residentes no Rio de Janeiro de “baihunos”.

Como esse negócio de  tomar as dores dos outros anda meio fora de moda, passe-se ao que interessa: a leitura das crônicas de A segunda mais antiga profissão do mundo esfrega na fuça do leitor uma triste, triste realidade.

Em seus textos, o que Francis demonstra hoje, na verdade, não é mais o quanto ele era erudito ou bem informado – isso é meio óbvio.

O subtexto é a evidência nua e crua de o quanto o debate sócio-político-cultural no Brasil se empobreceu, vitimado pelo partidarismo escancarado na grande imprensa sudestina.

Por que Francis, como muitos de sua geração, foi comunista (trotskista) na juventude – e  pós-ditadura, de direita.

Até aí, nada demais.

Mas, para ele, se postar à direita no espectro político não era mera obediência ao ódio de classe (ou gênero ou etnia ou orientação sexual), como tristemente temos visto nos últimos anos no Brasil – alimentada e incentivada pela própria grande imprensa, além de certas lideranças políticas e (cof cof) "religiosas".

Era uma decisão refletida, tomada depois de muita leitura e vivência.

Foi uma decisão certa? Errada? Isso não interessa mais. Ele teve as razões dele e isso lhe bastou.

O que impressiona em Francis é que, mesmo se colocando claramente à direita no debate político, ele  tinha a maturidade (e até a generosidade) para enxergar tantos os prós quanto os contras de ambos os lados.

O capitalista brasileiro

Pode-se abrir este livro em qualquer página e sair lendo que, certamente, algum petardo contra a direita ou (claro) a esquerda é disparado, em iguais proporções.

Em A América, este país maravilhoso (crônica de 27 de janeiro de 1983), ele desmonta a vaca sagrada dos capitalistas ferrenhos: “Os EUA nunca funcionaram. Hoje sei disso. Se você quer conhecer o verdadeiro país onde estou, não pode ser via (revista) Time ou (jornal) New York Times, pilares da ficção. Leia H.L. Mencken (jornalista). Leia o Edmund Wilson de Patriotic Gore. (...) O americano silencioso de Hemingway a Gary Cooper é silencioso por que se abrir a boca sai besteira. Se se articular, cai de quatro”, escreve.

Já em Flávio, Geisel, o lucro, crônica de 1983, ele dá um pisão na unha encravada do capitalismo à brasileira: “Admito que o capitalista brasileiro é, antes de tudo, um fraco. (...) Só gosta de coisas certas, em geral não quer correr riscos e recorre tanto ao dinheiro do povo quanto às estatais”.

Mas nem só de disparos políticos se faz A segunda mais antiga profissão.

Há textos divertidíssimos, tom mais confessional, sobre a própria trajetória, prisões na ditadura, a convivência com Samuel Wainer e Carlos Lacerda, resenhas detonando filmes hoje considerados clássicos, como O Franco Atirador e Rede de Intrigas, considerações sobre a prática do jornalismo, a vida em Nova York e muito mais.

Uma leitura e tanto.

A segunda mais antiga profissão do mundo: Jornalismo, política e cultura nos textos do maior polemista da imprensa brasileira / Paulo Francis / Três Estrelas / Nelson de Sá (Org.) / 408 p. / R$ 74,90

George Orwell também falava "na rádia"...
TRECHOS

Sobre o escritor George Orwell

“As hordas pensam que Orwell atacou apenas a URSS (no livro 1984). No entanto, Crick (biógrafo) afirma e documenta que Orwell sempre foi socialista,  e socialista radical”
Da crônica O exemplo de Orwell, um individualista (16.1.1981)

Sobre o filme O Franco Atirador (1978)

“O maior embuste do filme, que mereceria o canhão intelectual da esquerda, não é o político. (...) É a sugestão de que os americanos sofreram trauma submetidos à violência dos amarelos”
Extraído da crônica Ridículo Fascistoide (8.4.1979)

Um comentário:

  1. ernesto me enviou um email desdizendo tudo isso sobre paulo francis...gostaria de que ele postasse aqui...seria um debate interessante...ehehhehehe...milagre ernesto não gostar do paulo...acho bem a cara dele...

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