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quinta-feira, junho 28, 2012

FALSOS MODERNOS: NOVA BANDA DE BRUNO CARVALHO CHEGA BONITO

Bruno Carvalho rides again.

Possivelmente um dos maiores talentos do rock local que não teme se assumir como rock mesmo, o compositor e ex-guitarrista (as vezes vocalista) de bandas como The Honkers, Vendo 147 e Pessoas Invisíveis retorna à cena com banda nova, após o fim da PI, há alguns meses.

É a Falsos Modernos, que já surge no cenário toda arrumadinha, com  fotos de divulgação (de Leonardo Monteiro), EP demo e uma  agenda de shows bastante razoável.

Pode parecer besteira, mas quem acompanha o rock local sabe que aparecer com “tamanha estrutura” logo de cara é coisa rara.

O som? Uma adorável mistura de Jovem Guarda com Strokes. Ou The Smiths com classic rock, com letras em português.

Rock leve e acessível, que ainda busca estabelecer uma identidade, mas certamente não imita ninguém e também não inventa misturebas indigestas.

Vocalista promissor

De quebra, a nova banda revela um novo vocalista de primeira: Boni. “Pô, que saco ficar sem banda, né? Tava com medo de me ‘aposentar’”, ri Bruno Carvalho.

“Aí comecei a compor. Chamei Leo (Abreu, bateria) pra um ensaio. Eu mesmo ia cantar, mas tô meio de bode disso. Aí lembrei do Boni, que tinha uma banda de samba rock. Liguei e fui na casa dele. Fizemos três músicas de cara”, relata.

“Temos muitos amigos em comum, mas nunca tinha visto ele cantar. Ele era dessa banda chamada Cordial, mas eles não tocavam muito. Aí quando vi o cara cantar – pô! Fiquei impressionado total”, elogia.

Boni devolve o cumprimento e parece satisfeito com a nova banda: “Bruno é um gênio. Ele pega riffs simples de guitarra e transforma em canções maravilhosas”, afirma.

“E nossa proposta é simples mesmo: fazer rock 'n' roll.  É meio que  resgatar um pouco do som que já teve muito por aqui,  de bandas como Vinil 69 e Honkers, bandas de shows viscerais, vibrantes” reitera Boni.

Quem quiser conferir a FM terá várias chances nos próximos dias.

Neste sábado, tem show na pizzaria Donna Cheffa. No domingo, Faustão Falando Sozinho (com Velotroz e Irmão Carlos). E todas as quartas de julho, no Visca Sabor & Arte.

Ouça: www.tnb.art.br/rede/falsosmodernos

Show: Com Trônica e Vade Retrô / Donna Cheffa Pizza Music Bar (R. João Gomes, Rio Vermelho) / Sábado, 22h30 /  R$ 15 (rapazes), R$ 10 (moças)

NUETAS

Radiola com disco novo
A banda Radiola, de Tadeu Mascarenhas, Fabinho, Nancy Viegas e cia., anuncia lançamento do álbum, ArRede - Tempo Sem Nome. O terceiro CD da trupe foi viabilizado através de edital público da Funceb - Secult e estará disponível para download gratuito a partir de 7 de julho, dia do show de lançamento. Promissor, o álbum conta com participações de Edbrás, Letieres Leite, Chocolate da Bahia, Mauro Telefunksoul, João do Boi e Alumínio (do grupo Samba Chula de São Braz) e Cicinho de Assis. Dia 7, no  Solar Boa Vista (Brotas), 20 horas. Grátis. Foto: Caroline Bittencourt.

Manuela na Gamboa
Manuela Rodrigues faz show no Teatro Gamboa Nova, em comemoração aos cinco anos da casa. Participações de Claudia Cunha, Dão, Márcia Castro, Pietro Leal, Sandra Simões e Pedro de Rosa Morais. Dia 2, 20 horas, R$ 40 e R$ 20.

terça-feira, junho 26, 2012

BAND OF HORSES E DECEMBERISTS REDIMEM A MAROLINHA FOLK ATUAL

De alguns anos para cá, tornou-se senha para ser considerado “muito cool” dizer que faz folk rock.

Ou que tem influências de folk – ou de Bob Dylan ou de Johnny Cash.

Qualquer um que possa emprestar legitimidade a meninos e meninas amarelos e sem noção o bastante para se dar conta do peso de tais afirmações.

Aí tome-lhe gente sem talento posando de "bardo folk" – inclusive no Brasil, pasmem.

A verdade é que, no meio de tanta pose, pouca coisa se salva. A maior parte se esforça mesmo é para pôr o ouvinte pra dormir.

Mas claro, sempre dá para pinçar uma ou outra banda que realmente vale uma audição atenta.

Duas delas tiveram seus discos mais recentes lançados agora no Brasil: Band of Horses (na foto acima, de Philip Andelman) e The Decemberists.

Horses versus Chicletão



Obviamente, ambas as bandas não nasceram ontem, tendo ultrapassado a barreira do hype há tempos. Band of Horses foi fundada em Seattle, em 2004.

E Decemberists, de Portland, em 2000. Esse tempo de estrada se reflete na maturidade dos trabalhos mais recentes.

Infinite Arms (2010), terceiro disco da Band of Horses é, na verdade, seu melhor trabalho. Liderada por Ben Bridwell, vocalista / letrista inspirado, o Bando de Cavalos pratica indie rock com pinceladas de folk e country com rara fluência e delicadeza.

E melhor, sem a contraindicação do “efeito rivotril” no ouvinte – pelo contrário.

Canções como Factory, Laredo e Dilly sugerem o maravilhamento de paisagens grandiosas em cinemascope, estradas solitárias ao amanhecer da América indomada do meio-oeste.

Pena que só agora o público brasileiro parece estar atentando para o talento de Bridwell & Cia para dar novo gás ao desgastado indie rock norte-americano.

Só nos últimos três meses, a banda esteve (lá) no Brasil por duas vezes.



A primeira foi em abril, durante a edição brasileira do festival Lollapalooza (show completo aí em cima), no qual fez um dos melhores shows (em meio ao elenco pífio, diga-se de passagem) ao lado da deusa Joan Jett e dos veteranos sulistas  do Lynyrd Skynyrd.

A segunda vez foi em maio, com apresentações no Rio e São Paulo, mais uma passagem relâmpago pelo programa Altas Horas, do Serginho Groisman.

A apresentação rendeu o encontro mais inusitado de todos os tempos. Como de costume, o programa acomoda três bandas por edição: a da casa e mais duas, que vão se alternando entre si.

Acontece que, do outro lado do auditório, a outra banda convidada era a Chiclete Com Banana. Agora, imagine-se o total estranhamento que cada banda sentiu pela outra ali. Um exercício de abstração, no mínimo, divertido.




Duplo ao vivo

Já o Decemberists (foto: Autumn de Wilde), com um pouco mais de estrada, é também uma banda um pouco mais ambiciosa.

Em We All Raise Our Voices To The Air (Live Songs 04.11 - 08.11) o grupo liderado por Colin Meloy reúne, em um CD duplo,  canções gravadas ao vivo entre abril e agosto do ano passado, durante os shows da turnê do último álbum de estúdio, o ótimo The King Is Dead (2011), também lançado no Brasil.

Por trazer canções de todos os discos, We All Raise... é um bom cartão de visitas para quem ainda não conhece a banda, que mistura referências literárias e históricas com música folk eminentemente acústica, porém vibrante, elétrica por natureza.

A banda faz muito bonito nas performances de The Infanta (com um toque flamenco ressaltado por violão e trompete), The Soldiering Life, Rise To Me (Stones na veia) e várias outras, ao longo de vinte faixas.

Infinite Arms / Band of Horses / Columbia Records - Som Livre  / R$ 29,90 / www.bandofhorses.com

We All Raise Our Voices To The Air (Live Songs 04.11 - 08.11) / The Decemberists / Capitol Records - EMI / R$ 42,90

quarta-feira, junho 20, 2012

ANDRÉ MENDES SOLTA ENFIM TERRA FIRME PARA DOWNLOAD GRATUITO

Em 2011, André Mendes, roqueiro local que se lançou nacionalmente nos anos 1990 à frente da banda  Maria Bacana, soltou um álbum em que deixava as guitarras pesadas de lado e abordava o pop praieiro relax de Jack Johnson.

Bem-Vindo à Navegação serviu para colocá-lo de novo em evidência no meio rocker independente, merecendo elogios em sites daqui e de fora também.

Confirmando a boa fase criativa, André solta, hoje mesmo, em seu site, mais um disco completo para download (ou streaming) gratuito.

Intitulado Enfim Terra Firme, o disco traz um André mais maduro como compositor e instrumentista. Com Jorge Solovera na produção (e instrumentos diversos), a dupla cometeu um álbum muito bonito, pop e acessível a qualquer pessoa que disponha de duas orelhas – com massa cinzenta entre elas.

De quebra, André compôs uma canção que meio que resume o clássico conflito de ser roqueiro (ou de apenas ter senso crítico, algo que não é bem visto por aqui) e viver em Salvador.

“A Cidade Que Eu Digo Não fala sobre isso, sobre não se sentir feliz nessa cultura”, afirma. “Nunca me senti. Não me sinto parte, essa coisa não fala comigo”, reitera André.

“Eu moro na Cidade Baixa e toda manhã sou acordado pelo carrinho de CD pirata, tocando arrocha. Aí você liga a TV meio-dia, e é só lixo. Isso é só o início do dia. Não tem como não ficar revoltado”, observa.

Para André, a única forma de sobreviver é tentando criar um tipo de zona neutra em torno de si. “A melhor coisa a fazer é tentar viver numa bolha. Feche a janela, ouça sua música, leia seus livros, assista seus filmes. Ou tome remédios – mas isso eu também não quero”, recomenda.

Não sem razão, ele vê relação direta entre o lixo nosso de cada dia e a semibarbárie que parece ter tomado conta da cidade.

“Ninguém percebe que tem tudo a ver esse tipo demúsica e a fechada que você leva no trânsito. O que é que toca na cabeça dessa pessoa? Pink Floyd? Tom Jobim? Não mesmo”, relaciona.

“Não digo que são pessoas ruins. Se você se aproximar, vai ver que tem um ser humano ali igual a você. Só que bestializado”, lamenta.

"Esse disco, para falar a verdade, ia se chamar Bem-Vindo à Idade-Média,  por que não só a Bahia, mas o Brasil parece viver em um retorno a era medieval. Mas depois recuei. Não quis fazer um disco tão monotemático. Como achei que estava em uma boa leva de composições, não quis me prender a um tema só", relata André.

O repertório, com dez faixas, foi selecionado entre a leva de novas composições e antigas, ainda do tempo da Maria Bacana.

"Fiz dez músicas e peguei mais umas dez da época da Maria Bacana. Aí fiz um pente fino para ver o que eu queria falar, que história eu queria contar. Não era mais essa historia de idade média. Foi a vontade de fazer o melhor disco que eu pudesse, com composições novas e antigas".

Baixe / ouça: www.andremendesmusica.com.br

NUETAS:

ARRAIÁ DO SEBO DA PRAIA
Com o São João devidamente instalado esta semana, a agenda do rock e adjacências está caidaça – mas não, esperem! Acaba de chegar um comunicado urgente. A Theatro de Seraphin faz o som do Warm-Up sexta-feira (22) no Sebo Praia dos Livros (Porto da Barra). 19 horas, R$ 10. Ufa, a civilização ocidental está salva.

A VOLTA DO VIPER

Mas julho (talvez o mês mais roqueiro do ano) vem aí logo depois, com a agenda cheia.No dia 8,  headbangers de todas as idades têm encontro marcado com uma das maiores bandas de heavy metal brasileiras de todos os tempos, de volta em formação clássica. Viper, a banda que revelou o vocalista André Mattos e os irmãos Pit e Yves Passarell nos anos 1980, toca no Groove Bar, dia 8 (domingo), às 18 horas, R$ 30 (primeiro lote). Clique no cartaz para ver em tamanho maior.

segunda-feira, junho 18, 2012

ÚTEROS EM FÚRIA, UMA VIDEOBIOGRAFIA



Finalmente on line – cortesia de Vandex – o documentário que "cometi" entre os anos de 2000/2001, como conclusão de curso na Facom - Ufba.

Quem se dispuser a assistir, por favor, leve em conta que foi feito em uma época pré-câmeras digitais e editado em uma mesa linear, entre muitas outras deficiências - sendo a maior delas, claro, a inexperiência do realizador.

Contudo, doze anos depois, Úteros em Fúria: Uma Viodeobiografia, permanece como único registro documental da banda.

Ano que vem, o CD / LP Wombs in Rage completa vinte anos de lançado.

Vamos ver se a rapaziada se mexe para fazer alguma coisa e marcar a data...

Vandex, você bota pra fuder. Valeu, meu irmão.

sexta-feira, junho 15, 2012

RAPPER DAGANJA ANUNCIA FORMAÇÃO COM BANDA COMPLETA E FALA SOBRE BOM MOMENTO DO RAP NA BAHIA

Na ativa desde meados dos anos 1990, o rapper baiano Daganja (ao lado, na foto de Fernando Gomes) entra em nova fase na carreira.

Depois de lançar, em 2008, o elogiado álbum Entre Versos e Prosas, o rapaz ganha novo fôlego musical ao incorporar ao seu som uma banda completa, que passa a acompanhá-lo ao vivo e nos estúdios.

“Meu novo formato de show é esse, com banda ao vivo. Estou terminando a gravação de um EP com ela, que vai ser lançado no mais tardar em agosto ou setembro”, avisa.

Em tempos de Criolo, que rompeu o limitado mercado do rap nacional com um trabalho ao lado de uma super banda (o incensado álbum Nó Na Orelha, 2011), parece uma decisão coerente, de alguém que também quer buscar outra sofisticação para seu som.

“O trabalho acaba ficando complexo, os custos sobem também, mas o som desenvolve melhor. Meu primeiro grupo, Testemunhaz, já era com banda. Só depois que comecei a fazer rap só com DJ. Mas mesmo nessa época, eu  entrava com trombone, trompete e percussão no palco”, conta Daganja.

Movimento tem público

Agora, Daganja segue bem assessorado, com Alan Dugrave (baixo), Jorge Dubman (bateria), Prince Addamo (guitarra), Tiago Tamango (teclado), Gabriel Elias (trompete), Itamar Manchinha (trombone), DJ Leandro e Dimak (MC de apoio).

“Com banda, fica mais universal. Tem um respeito maior também. Mas é o mesmo esquema: falamos de nosso cotidiano em tom de protesto – agora em cima de uma musicalidade mais apurada”, reitera.

Quem for esperando uma espécie de Criolo baiano, melhor pensar de novo: “É outra linha, não é Crioulo. Tem mais reggae e samba”.

Daganja vê com bons olhos o momento atual do rap baiano. “A música tá bem madura, com influências de candomblé, música africana e com mais conteúdo nas letras. Hoje a gente consegue produzir CD e os shows geram renda que circulam dentro do própria cultura, sem apoio.  Fazemos eventos só com grupos daqui e dá 300,500 pessoas. Com artistas de fora, a casa super lota”, conclui.

Festival Rota 71 / Com Daganja, Gutierrez (RJ), Dogalove, Saca Só e Nova Era / Dubliners Irish Pub / Domingo, 17 horas / R$ 10

Ouça: http://soundcloud.com/daganjamc

terça-feira, junho 12, 2012

JOHN LINDQVIST, OS ZUMBIS DE ESTOCOLMO, DEIXE ELA ENTRAR E A ORIGEM DO GOVERNADOR

Até 2007, era improvável que o nome de John Lindqvist fosse conhecido fora dos limites da Suécia.

Isso mudou naquele ano com o lançamento do filme Deixe Ela Entrar (Låt den Rätte Komma In), baseado em seu homônimo livro de estreia (ainda inédito no Brasil).

A história da vampirinha adolescente de 200 anos que fica amiga de um menino vítima de bullying arrebatou público e crítica, gerando um remake (intitulado Deixe-me Entrar, bem razoável) nos Estados Unidos.

Os filmes também evidenciaram o talento de Lindqvist, ex-comediante stand-up, para conjugar terror e ternura de forma até então inédita, mas sem concessões à inaceitável assepsia cristã de um Crepúsculo.

Agora, chega ao Brasil seu segundo livro, Mortos Entre Vivos, que narra um levante de zumbis em Estocolmo.

Só que, diferente de outras obras do gênero, a sanguinolência habitual cede lugar ao drama em dois níveis: o da sociedade, que não sabe o que fazer com os ”redivivos”, e o dos parentes, que, de uma hora para a outra, tem seus mortos (putrefatos) batendo à sua porta. 

Nesta entrevista por email, Lindqvist fala do livro, dos filmes (Deixe Ela Entrar e as vindouras adaptações de Mortos Entre Vivos e Harbour, seu terceiro livro), da dificuldade de lidar com zumbis-crianças etc.

Mais abaixo, micro (quase médias) resenhas de Mortos Entre Vivos e do romance The Walking Dead: A Ascensão do Governador. Enjoy... 

(Matéria - aqui, não editada - e entrevista publicadas originalmente no Caderno 2+ do jornal A Tarde, de Salvador - BA)

ENTREVISTA: JOHN A. LINDQVIST


Como o livro surgiu? Você decidiu escrever uma história de zumbis e  foi em frente? E como você resolveu remover o “fator canibal” dos seus zumbis? Foi uma decisão consciente?

JAL (ao lado, em foto de Maria A. Lindqvist): Eu queria escrever um romance sobre zumbis, mas com uma ideia básica nada convencional para o gênero  – que era não deixar que eles fossem agressivos. E, daí, ver aonde isso me levaria.

É bem doloroso perder  entes queridos, mas no livro, a dor é multiplicada quando eles voltam. É como se você tivesse dado um “drible” no gênero, substituindo o temor primevo da morte pelo sofrimento de ter de conviver com parentes mortos e em decomposição zanzando por aí. É, ao mesmo tempo, apavorante e fascinante.

JAL: Essa também foi uma das ideias que tive desde o início. Não deixar que os zumbis fossem uma turba sem nome e sem rosto contra a qual você tem que lutar, tornando tudo, no fim das contas, uma história de guerra. Não. Eu quis que os mortos fossem a avó ou pai ou o filho de alguém. Eu quis escrever uma história sobre nossa relação com os mortos, não apenas sobre o medo que temos deles.

O livro apresenta muitos personagens e situações perturbadoras. Mas nenhuma permaneceu comigo tanto quanto Elias. A ideia de um menino de seis anos parcialmente mumificado é muito perturbadora. Ele é também o único morto-vivo do livro que demonstra alguma expressão facial – e maligna. Como leitor, foi o personagem que me deixou a impressão mais forte. Você teve outras respostas como esta?

JAL: Sim. A maioria das pessoas que leu o livro achou essas passagens especialmente perturbadoras – e elas foram mesmo as mais difíceis de escrever, no que tange à emoção. Por isso mesmo, são as que me deixaram mais orgulhoso. Também tive várias dificuldades com Elias quando estava escrevendo o roteiro para a adaptação cinematográfica que está a caminho. Há limites para o que você pode mostrar na tela, especialmente quando se trata de crianças.

Há também um aspecto de mistério bem forte em Mortos Entre Vivos, com todos aqueles fenômenos envolvendo clima, eletricidade, telepatia e aqueles vermes brancos. O que são eles? Uma raça alienígena? Nossas almas? Ou cada leitor deve pensar na sua  solução?

A ideia dos vermes é que eles são um aspecto de nossas almas. Um aspecto muito incompleto, mas ao mesmo tempo, é aquele que nos mantém de pé. Por algum tipo de erro cósmico (o qual achei que ficaria bobo se eu tentasse explicar), essas partes cruciais de nossos corpos (quando vivos), retornam aos mortos.

Quais são suas influências? Há algum trabalho prévio (livro ou filme) que o inspirou nas ideias de Mortos Entre Vivos?

Não, não mesmo. A influência seria o gênero zumbi como um todo. Eu queria escrever algo que olhasse para o fenômeno de um ângulo diferente. Isso foi, claro, alguns anos antes da atual onda zumbi. Escrevi a maior parte do livro em 2003.

Como um comediante stand up se torna escritor de terror? É uma trajetória bem incomum. O personagem David é meio que seu alter ego, já que ele é comediante stand up?

Bem, sim. Usei locais e experiências associadas ao fato de ter sido comediante em David, mas ele não é meu alter ego. Muito raramente uso pessoas do meu convívio como inspiração. Uso só pequenos aspectos de mim mesmo e crio  personagens em torno desse aspecto

Desde os anos 1940, zumbis são utilizados para ilustrar metáforas várias –  desde a escravidão ao consumismo, a falência do American Way of Life etc. Há alguma metáfora em Mortos Entre Vivos?

Não. Eu não escrevo em metáforas ou alegorias. Ainda que minhas histórias sejam, por vezes, interpretadas como tais. Mortos Entre Vivos tem sido muitas vezes visto como um comentário sobre a forma como nós (suecos) tratamos os imigrantes. Ou os deficientes físicos. Ou qualquer um que seja outsider, de uma forma ou outra. Mas nunca foi minha intenção. Eu só queria escrever um romance de zumbis diferente.



Você esperava tamanho sucesso para Deixe Ela Entrar? O que achou das adaptações cinematográficas – o original sueco e o remake norte-americano?

Eu tinha sérias dúvidas se o livro sequer seria  publicado, só para começar. Ele foi recusado por todas as grandes editoras da Suécia, então, não,  nunca esperei tal sucesso. Achei o filme sueco um dos melhores filmes de horror já feitos. E o remake, um dos melhores filmes americanos de horror  já feitos.

Algum outro livro seu vai ser adaptado para o cinema?

Sim. Mortos Entre Vivos está em processo de adaptação. O roteiro está escrito e só faltam alguns poucos detalhes a serem resolvidos. Eu e Tomas Alfredson, que dirigiu Deixe Ela Entrar (o original e também o recente O Espião Que Sabia Demais, com Gary Oldman) talvez façamos juntos a adaptação de Harbour (Porto), meu terceiro livro, em algum momento no futuro.

Você é fã de zumbis? O que acha dessa popularização, com The Walking Dead, o livro e filme Guerra Mundial Z, de Max Brooks e os games e filmes Resident Evil? Como você vê tudo isso?

Zumbis são meus monstros preferidos, mas não devo escrever mais sobre eles. Quanto a essa coisa toda, espero ansiosamente pelo (game) Resident Evil 6, já que joguei todos os games anteriores. E também gosto muito de The Walking Dead.

MICRO-RESENHAS ZUMBI-LITERÁRIAS:

Os civilizados zumbis suecos

Em Estocolmo, após uma epidemia de enxaqueca e estranhos fenômenos climáticos, mortos recentes voltam a vida e buscam o caminho de casa, assustando a todos, gerando convulsão social e situações dolorosas. Aliás, é interessante notar como, justamente da Suécia, vem essa história de zumbis que não mordem ninguém. Estranhamente, a sensação é tão ou mais perturbadora do que a causada por mortos-vivos canibais. Afinal, que porra querem esses zumbis? O que eles estão fazendo andando por aí? O livro acompanha alguns personagens e seus destinos durante o evento. Como o jornalista Gustav, que invade o cemitério, "liberta" seu neto de seis anos, Elias, e foge com ele e a filha para o litoral. David, comediante stand-up que havia perdido a mulher em um acidente de carro (brutal) no mesmo dia do levante. Há ainda Elvy e Flora, avó e neta que partilham um elo telepático e no meio da noite, recebem a "visita" de Tore, o avô recentemente falecido. Para ajudar a ilustrar o caos que se instala, Lindqvist lança mão de transcrições de relatórios de autoridades e diálogos em programas de TV e rádio. Tudo se encaminha para um final surpreendente e quase apocalítico, quando o governo cria um "gueto" para abrigar os zumbis. Take incomum – e até delicado – do tema dos zumbis. Mortos Entre Vivos / John Ajvide Lindqvist / Tordesilhas / 360 p. / R$ 44,90 / www.tordesilhaslivros.com.br

Nasce um monstro

O  Governador, crudelíssimo vilão da HQ que gerou o seriado de TV tem sua origem contada neste romance ágil, de ritmo alucinante. A história se inicia com a epidemia zumbi já instalada enquanto acompanhamos Philip Blake, seu irmão, o ligeiramente covarde Brian, sua filha pequena e mais dois amigos. Desgraceira sangrenta após desgraceira sangrenta, eles vão tentando sobreviver como podem: invadindo casas, percorrendo estradas, saqueando lojas, estourando cabeças e explorando os mais fracos. Esta é uma história sórdida, sem chance de redenção para qualquer um dos personagens - ou seja: puro Walking Dead, na essência. Não-indicado para depressivos, dado o tom de desesperança absoluta. Dica: para quem acompanha somente a série de TV, o livro faz uma perfeita ponte entre a segunda e a vindoura terceira temporadas, já que o personagem do Governador foi anunciado como uma das atrações que vem aí, na pele do ator inglês David Morrissey (ex-Doctor Who). The Walking Dead: A Ascensão do Governador / Kirkman e Bonansinga / Galera Record / 364 p. / R$ 34,90, R$ 25 (e-book) / www.galerarecord.com.br

quinta-feira, junho 07, 2012

CLIMA DE FIM DE CASO


Um juízo apressado sobre Norah Jones e pimba – lá vai ela para a vala comum reservada às cantoras “fofas” que ora nos aporrinham. Ledo engano.

(Bom, pelo menos no quesito musical, descontada a evidente fofice física da moça).

Em seu novo álbum, ...Little Broken Hearts, Jones (na foto ao lado, de Frank W. Ockenfels) soa cada vez menos como um  comercial de absorvente feminino e cada vez mais como a trilha sonora de um road movie independente americano, linha Gus Van Sant / David Lynch.

Nada mal para quem surgiu  em 2002, já bombando de primeira, com o “soft jazz para a sala de estar” de Come Away With Me, o álbum de estreia que lhe rendeu múltiplos discos de platina e prêmios Grammy.

Nos últimos anos, Miss Jones passou por uma transformação que a levou desse universo que remetia aos cafés chiques de Manhattan direto para  os cafundós da América caipira, inspirada  em música country (alt.) e folk de acento sombrio.

Essa transição, que já vinha em curso desde seu último disco, The Fall (2009), se confirmou em 2010, quando a cantora se aliou aos produtores Brian Danger Mouse Burton e Daniele Lupi nas gravações do álbum Rome, homenagem às trilha-sonoras de western-spaghetti e um dos melhores lançamentos de 2011, no qual cantou em três faixas: Season's Trees, Black e Problem Queen.

Satisfeita com o resultado das músicas em que trabalhou com Danger Mouse (na foto ao lado, de Noah Abrams), um especialista em ressaltar o fator cool dos artistas com quem trabalha (como o duo The Black Keys, que estourou após passar por suas mãos), Norah resolveu dar continuidade à parceria com o produtor – que acabou, por fim, definindo o direcionamento de ...Little Broken Hearts.

Em clima midtempo do início ao fim, o álbum investe  em arranjos  baseados na guitarra limpa de Blake Mills. O piano, que até alguns anos atrás, parecia indissociável do “som de Norah Jones”, ficou relegado a segundo ou terceiro plano.

Definido pela própria cantora como um álbum sobre fim de relacionamento amoroso (não a toa, o título é Coraçõezinhos Partidos), o resultado é um disco, que, apesar de tudo, mantém evidente aquela que parece ser a principal característica de Miss Jones: a leveza, impressa principalmente em seu registro vocal suave, adocicado.

No fim das contas, ...Little Broken Hearts não é disco para animar festas agitadas ou pistas de dança, sugerindo encontros mais íntimos à meia-luz, ao som de faixas como Travelin’ On (com as cordas do The Sonus Quartet), All A Dream (quase um blues lento, com a levada no baixo acústico) e Miriam, com letra da pesada, na qual a cantora chega a  jurar de morte uma concorrente amorosa.

Mas os pontos altos do disco se concentram mesmo nas faixas Good Morning, Say Goodbye, Happy Pills e Take It Back.

A primeira, com seu tema sobre a mulher que acorda só, abre o disco com leveza, estabelecendo o tom do que se ouvirá a seguir – que é justamente, a bela Say Goodbye, com  um loop marcante do teclado Wurlitzer pilotado por Danger Mouse e refrão arrebatador.

Take It Back é a faixa mais indie rock do álbum, com crescendo intenso e clima febril.

Happy Pills talvez seja a música mais digerível, o que justifica sua escolha como primeiro single (e clipe) do CD.

No fim das contas, um disco que reafirma a vocação de Norah Jones como artista de personalidade forte, que não se rende a fórmulas prontas e ainda busca estabelecer sua própria identidade artística.

...Little Broken Hearts / Norah Jones / Blue Note - EMI / R$ 31,90

terça-feira, junho 05, 2012

GLAUBEROVSKY ORCHESTRA: CHOQUE EMOCIONAL RENDE 64 FAIXAS EM DEZ EPS PARA BAIXAR

“A arte existe por que a vida não basta”, ensinou o poeta Ferreira Gullar, ainda outro dia. O artista Glauber Guimarães, anteriormente conhecido como Moskabilly (quando cantava à frente da banda The Dead Billies), acredita firmemente na afirmação.

“Não tem que ficar pensando se vai agradar, se vai ficar famoso, se fulano vai gostar ou não. Tem que fazer por prazer. Sem função. Fazer por que a alma precisa disso, precisa se expressar”, demarca Glauber.

No caso dele, contudo, não foi exatamente “sem função” que Glauber embarcou em um verdadeiro tour de force chamado Glauberovsky Orchestra.

“Na segunda metade do ano passado, eu tive um grande choque. Uma decepção muito grande que afetou até a minha saude fisica”, conta.

No processo da recuperação, Glauber começou a compor e gravar ininterruptamente, trabalhando de forma febril, em casa, utilizando o que tinha à mão. “Uma vez livre dessa coisa ruim, a criatividade se abriu. Foi como se eu tivesse liberado uma coisa que estava represada há anos. O que segurou minha onda foi gravar”, relata.

Intitulado Glauberovsky Orchestra, esse projeto se constitui de dez EPs virtuais para download gratuito.

Os números impressionam. São nada menos que 64 faixas, sendo 31 delas autorais e as 33 restantes, covers escolhidos a dedo, que vão de Paulinho da Viola e Chico Buarque a Bjork, passando por Bob Dylan, Teixeirinha, Beach Boys, Walter Franco, Neil Young, Tom Waits, Beck e por aí vai.

Processo terapêutico

Definido pelo escritor Emmanuel Mirdad como “um bolo doido de música brasileira e folk mundial”, o Glauberovsky Orchestra  é um triunfo da estética lo-fi (baixa fidelidade), cortesia do mesmo sujeito que maravilha ouvidos não-viciados desde os anos 1990 (com os Billies), passando pelo duo Teclas Pretas (com Jorge Solovera).

“Foi terapêutico. Essa coisa foi o momento mais difícil que passei na minha vida, fiquei abalado demais. Parei no hospital e tudo. Mas coisas legais também aconteceram. Agora estou melhor e quero cuidar da saúde e da minha filha. A coisa boa foi que abriu minha cabeça. A partir daí, eu posso fazer o que eu quiser”, conclui Glauber.

Baixe: http://glauberovskyorchestra.blogspot.com.br


Crédito imagem: Arte de Kátia Spagnol sobre foto de Gal Guimarães / Divulgação

NUETAS

Da Jamaica, Earl 16

O jamaicano Earl 16 faz show nesta sexta-feira, na Casa da Águia (antiga Zauber). Apontado como uma referência atual do reggae roots, o homem já trabalhou com nomes clássicos do gênero, como Lee Scracth Perry e Augustus Pablo. A noite ainda conta com a cantora Soraia Drummond, as bandas Digital Dubs, Irmandade Brasmorra e os DJs Raiz e Defrence. 22 horas, R$ 20 + um quilo de alimento não perecível. Rua Guindaste dos Padres,  01, Edifício Taveira, 3º andar, Comércio. A entrada é só pelo Comércio. A antiga (Ladeira da Misericórdia), não existe mais.




Álvaro no Pub, hoje
Hoje tem a fera da guitarra Álvaro Assmar & Mojo Blues Band no Dubliner’s Irish Pub (Rio Vermelho). O patrono do blues local  apresenta o show do CD / DVD 25 Anos Ao Vivo, a partir das 21 horas. R$ 15.

Noite (das) Harmônica(s)

No sábado, o gaitista Luiz Rocha e sua banda fazem mais uma edição do seu show Noite Harmônica, em que sempre recebe convidados. Os da vez são a cantora Candice Fiais (ex-Anacê, ao lado, em foto de Márcio Fiais), que canta acompanhada do guitarrista Icaro Britto. Os gaitistas Breno Pádua e Ramon El-Bachá também batem ponto – ao lado de Rocha, os músicos formam o Trio Zona Harmônica. No repertório, Hermeto Paschoal, George Gershwin, Luiz Gonzaga etc. Sábado, no Dubliner's Irish Pub, 23 horas, R$ 15.