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sábado, março 31, 2007

"MICRO-RESENHAS, EU SOU SEU PAI"

O Blink acabou, mas continua
When your heart stops beating
+ 44
R$ 24,90

O + 44 (Plus Forty-Four) é o projeto atual do baixista e vocalista Mark Hoppus e do baterista Travis Barker, ambos ex-Blink 182, o que já diz muito sobre a qualidade do trabalho em questão. Como era de se esperar, o + 44 não difere muito da banda de origem de ambos: um punk rock frouxo, pueril, pouco viril e bobinho. É aquela história: dizem eles que são punks, mas há controvérsias. Não chega a ser um lixo, mas dificilmente deixará algo para ser lembrado 5 minutos após sua audição. Salva-se no máximo, a faixa-título, When your heart stops beating. Conclusão: os fãs do Blink vão curtir. O resto da humanidade seguirá incólume.

Ópera-rock dos três vinténs
Bat out of hell III: The monster is loose
Meat Loaf
R$ 19,90
The Monster is Loose é a 3ª parte de Bat out of Hell, disco de 1977 que vendeu milhões de cópias e transformou o gordinho Meat Loaf (ou Pão de Banha), em um super-astro lá no eixo USA-UK. Trata-se de um disco conceitual, ou seja, tem uma historinha para acompanhar lendo as letras, como uma ópera-rock. E como toda ópera-rock (salvo as do The Who), é brega de doer. Não que não tenha suas qualidades: The Monster is Loose é extremamente bem produzido e gravado, tem participações de Steve Vai (pro inferno, miserável!), Brian May (Queen) e a oscarizada Jennifer Hudson (Dreamgirls). O próprio Meat canta que é uma beleza. Mas a verdade é que só vai agradar aos incautos e antigos fãs. Os arranjos são pomposos, as letras são pobres e as composições como um todo, burocráticas, cansativas. O melhor mesmo são a capa e as ilustrações internas - com gosto de anos 70 - de Julie Bell, capista regular da revista Heavy Metal.

E UM RECADO IMPORTANTE:
aloha!
Este é um spam do bem!
Hoje (e toda sexta-feira), às 22 horas, eu e Osvaldo Jr. (MTV) vamos botar o rock pra frente! É o programa "Conexão Rock", que vai ao ar pela 88 FM (87,9 no dial), aqui em Salvador. Na verdade, está mais para um podcast do que para um programa de rádio.
A 88 FM é a mais nova emissora FM de Salvador, atuando no segmento rock-pop-contemporâneo (seja lá o que isso signifique). A partir de amanhã, o programa estará disponível também no meu podcast (http://messias.podomatic.com/). Powered by Garage Band!
Abraços,
Messias.

segunda-feira, março 26, 2007

O QUÊ, MICRO RESENHAS DE NOVO? NÃÃÃO, OBRIGADO.

Salvem os dinossauros
DVD: Live from Classic T Stage
Nazareth
Warner
R$ 45,90
http://www.nazarethdirect.co.uk/
Assim como suas extintas contrapartes jurássicas, os dinossauros do rock não existem (e resistem) em vão. Eles servem para nos lembrar de onde viemos. O Nazareth, banda escocesa de hard rock com mais de 40 anos de estrada nas costas, é um desses gigantes que ainda caminham sobre a Terra. Obviamente, são vistos com gélido desdém pela rapaziada que tem micro-orgasmos a cada flato frio dos Klaxons. Tudo bem que o velho Naz nunca foi da primeira divisão, mas esse show, gravado num estúdio sem platéia, desnuda uma banda no topo da forma: experiente, entrosada, absolutamente segura de si e curtida pelo tempo. Tantos anos depois, é tocante ver que Dan McCafferty ainda se emociona ao cantar pela trilionésima vez o mela-cueca supremo Love Hurts (grande sucesso inclusive no Brasil). O espectador, igualmente emocionado, agradece.

Conheça um velho amigo
DVD: A Song for You

Leon Russel
Warner
R$ 44,90
http://www.leonrussellrecords.com/
Leon Russel é a história viva da música americana das últimas 4 décadas. De Jerry Lee Lewis a Willie Nelson, dos Rolling Stones a Phil Spector e Ringo Starr, ele tocou com, virtualmente, todo mundo. A Song for You é um documentário que apresenta a extensa carreira, as fantásticas parcerias e as lindas canções desse monstro da música. Exímio pianista, de voz rascante e carisma irresistível, Leon é um mago multifacetado, capaz de enfileirar dezenas de canções de rock, blues, soul, country, gospel e balada sem deixar de ser ele mesmo. Um gênio como não se fazem mais. Conheça antes que bata as botas, façam o filme e todo mundo vire fã desde criançinha, como aconteceu com Johnny Cash.

Micro-resenhas publicadas na coluna Tentações do jornal A Tarde, em datas que não lembro agora. Textos sem a edição do jornal.

sábado, março 24, 2007

+ MICRO-RESENHAS

Aulinha de rock
DVD: The 60's Rock Experience Live
Vários
EMI
Um paradoxo meio chato marca este DVD. The 60's Rock Experience Live foi uma série de programas exibidos nos EUA pelo canal PBS, a TVE dos ianques. Alternando números ao vivo no estúdio (diante de uma platéia de tiozinhos apáticos), clipes dos anos 60 e didáticas explicações dos apresentadores do programa (entre eles, um dos cantores do Three Dog Night, brega como a porra!), o DVD como um todo acaba ficando com um desagradável gostinho de empoeirado. Como se todos os músicos, bandas, passeatas, drogas, lutas e loucura daqueles anos incríveis fossem agora peças de museu, páginas dos livros de História que deve ser ensinados às novas gerações em aulas no curso primário. Como ensinar, de forma tão careta, tudo o que se passou numa época tão louca? Apesar disso, salvam-se uma ou outra performance ao vivo, com destaque para as apresentações do Steppenwolf (e seu clássicos eternos Born to be wild, The Pusherman e Magic Carpet Ride), Eric Burdon (The Animals) e Roger McGuinn (The Byrds). O resto parece que só foi lá receber um trocado.

Rock vigoroso em dois tempos
DVD: Final Fling
Big Country
EMI
A banda escocesa Big Country surgiu em 1981 e fez um grande sucesso nas ilhas britânicas no início da carreira, com seu rock vigoroso, baseado em guitarras, engajado e influenciado pelas raízes celtas dos seus integrantes. Praticamente uma desconhecida no Brasil, nunca desfrutou da fama de contemporâneos como U2, Echo and The Bunnymen e The Smiths - até por que não é, nem de longe, tão brilhante quanto estes últimos. Este DVD duplo, que pode ser uma boa introdução para neófitos, contém dois shows completos: um de 1988, nos últimos momentos da então Berlim Oriental e outro em 2000, na sua Glasgow natal. No ano seguinte, o líder Stuart Adamson foi encontrado morto em um quarto de hotel no Havaí, dando fim à carreira da banda. Se a primeira vista, o BC não passa de um grupo da segunda divisão do rock britânico, uma audição mais atenta do material mais antigo pode revelar uma banda bastante afiada em discurso e execução. Não é o U2 (aquele dos tempos áureos), mas dá um caldo.

Micro-resenhas publicadas na coluna Tentações do jornal A Tarde, em datas que não lembro agora. Textos sem a edição do jornal.

segunda-feira, março 19, 2007

O INFERNO É AQUI

Carlos Vandalo Lopes é uma das raras figuras do rock brasileiro que realmente podem ostentar o titulo de "lenda viva". Com a antológica Dorsal Atlântica foi pioneira do Thrash Metal brasileiro, e mesmo pessoas que não ouviam a Dorsal (meu caso), sempre respeitaram o trabalho da banda.

A nova banda de Carlos Vândalo Lopes, a Mustang, segue a mesma trilha de autenticidade, em que pese algumas alterações na proposta musical em relação ao som da Dorsal. Terceiro disco da Mustang, e o primeiro totalmente de estúdio, Tá tudo mudando, mas nem sempre pra melhor, foi lançado há uns 2 anos . Intimado por Cláudio Moreira a escrever uma resenha sobre o disco, acho que motivado pelo que ele acha uma injustiça devida a repercussão apenas mediana do disco, me vi diante de uma situação de ter que ouvir o disco repetida vezes, já que tinha ouvido o disco há 1 ano, e não tinha ouvido nada que fazia Cláudio acha-lo tão especial.

E tenho que dar razão a Cláudio. O Tá tudo... é um disco do mais virulento rock´n´roll, com uma sonoridade calcada no hard-rock, e outros elementos caros a década de 70, sem ser um som retrô, muito menos retrô muderninho. A Mustang faz um rock´n´roll honesto e vigoroso. As letras diretas e francas de Carlos Lopes, mesmo correndo o risco de serem obvias e de terem uma certa necessidade de passar algum tipo de "mensagem", se une a sonoridade da banda, transpirando vigor, além de uma energia contagiante, tão em falta no rock brazuca.

O disco começa com uma espécie de manifesto, Geração Perdida, onde Carlos Vândalo faz um resumo de suas (não) crenças, auxiliado por riffs de guitarras ganchudos, melhor o riff que a letra. Uma melhor solução sonoridade/letras é atingida em (Alguém Pra Me) Respeitar, e principalmente em Janis Joplin, um dos destaques do disco. Aliás, a letra de Janis Joplin retrata algumas situações reais vividas pela cantora em sua lendária vinda ao Brasil, como sua (lá dela) barração num baile do Municipal.

Outros destaques são Cinco Contra Um, Inferno, Cueca e Meia (com referências sonoras à Gary Glitter), Rock´n´Roll City (excelente solo de guitarra), e Véu e Grinalda. Tá Tudo... é um disco autêntico e honesto, e realmente merecia uma repercussão maior, mas o importante é que o disco mantem a trajetória de Carlos Lopes , íntegra e sempre como uma declaração de amor à música e ao rock.

segunda-feira, março 12, 2007

UM BRINDE AO TALENTO

Banda local chega ao 2º CD pela Monstro Discos. Gravado ao vivo, satisfez mais aos integrantes do que o primeiro - mas, apesar das boas idéias, um capricho a mais não faria falta...


Um fenômeno interessante ocorre com as bandas da geração 2000 do rock baiano: a puberdade. Só que, ao invés das espinhas na cara que tanto chateiam os adolescentes, os sinais que explicitam esse crescimento se traduzem em discos que trazem em si uma das marcas do crescimento: a certeza do que se está fazendo.

A Brinde, banda contemporânea de representações como Los Canos, The Honkers e Pessoas Invisíveis, é um bom exemplo desse fenômeno. Com o segundo disco, intitulado Sabe aquela coragem? recém-lançado, os três meninos de Cruz das Almas (cidade de origem da banda) chegaram a um resultado que certamente agradar aos fãs de bandas como Supergrass, Hüsker Dü e Superchunk: aquele som básico, veloz e sentimental, típico do brit pop e do rock alternativo americano dos anos 90.

"O disco foi todo gravado ao vivo, todo mundo tocando junto ao mesmo tempo", revela o baterista Voltz. "Só as vozes e uma coisa ou outra de guitarra foram adicionadas depois", completa Henrique Neves, guitarrista e vocalista que divide a frente do palco com Leno Blumetti (baixo).

Henrique diz que ficou mais satisfeito com esse novo trabalho do que com o primeiro disco, Histórias sem meio, começo e fim (2004), exatamente por que, como tinha certeza do que queria fazer, permitiu menos interferência do produtor: "No primeiro disco, a gente cedeu muito para o andré t. O resultado foi que o CD não ficou muito com nossa própria cara. O andré é um excelente produtor, nós é que éramos muito inexperientes. Nesse segundo, já fizemos um bom trabalho de pré-produção antes de começarmos a gravação. Gravamos também uma demo para nos guiarmos, e ao produtor (Julio Moreno) também", conta.

O resultado, gravado em quatro dias, ficou bem mais próximo daquilo que se ouve nas apresentações ao vivo da banda, com sua estética de power trio crua, direta, sem intermediários. "A gente gosta de dizer que esse é o nosso I should coco", brinca Voltz, referindo-se à clássica estréia dos britânicos do Supergrass, de 1995.

De fato, o CD guarda lá suas similaridades com a proposta do disco citado, ainda que se ressinta de uma maior variedade em timbres e climas. Entenda-se: de boas idéias, Sabe aquela coragem? está até bem servido. O que parece faltar ainda à Brinde é um certo know-how para lapidar sua matéria-prima, transformando as tais boas idéias em reluzentes pérolas pop.

Para ouvidos desatentos, as 11 faixas do CD poderão parecer algo lineares, muito parecidas umas com as outras. O que é, no mínimo, uma injustiça com lindas canções como Talento para sedução, Desvendar, A Paz que me traz e a faixa de abertura, Nascer do Sol, entre outras.

A preciosa participação da cantora Nancyta em algumas faixas - especialmente em Te dizer não - até que preenche algumas dessas lacunas, mas ainda é pouco para conferir ao disco a maioridade criativa que a banda parece buscar.

No caminho certo eles já estão. Em um mundo onde o tamanho do sucesso é uma questão de quanto se paga por ele - sim, é do vil metal de que se fala aqui - é um alívio perceber que garotos honestos ainda se dispõem a dar a cara a tapa - armados apenas do próprio talento. "Estamos muito satisfeitos com o resultado do CD e curtimos muito gravá-lo assim, ao vivo. Era um sonho do Henrique", conta Voltz, entusiasmado.

Agora é marcar uma data em local decente para lançar o CD e batalhar a escalação da banda nos festivais que pipocam Brasil afora durante o ano. "Está difícil marcar esse lançamento em Salvador, mas o pessoal da Monstro Discos (o badalado selo goiano que lançou os dois CDs da banda) ficou de tentar encaixar a gente em alguns festivais aí, vamos ver", conta Henrique.

Mas quem quiser conferir a Brinde ao vivo já pode marcar na agenda: no dia 30, eles tocam na Boomerang com a ótima Pessoas Invisíveis e uma terceira banda a confirmar - possivelmente, a pernambucana Vamoz!.

Links:
http://www.myspace.com/brinde
http://www.monstrodiscos.com.br/

Matéria publicada pelo jornal A Tarde de 13 de março de 2007. Texto sem a edição do jornal.

quarta-feira, março 07, 2007

SAMURAIS E ANJOS EM AÇÃO

Lançamentos da editora Devir são exemplos de como os álbuns de luxo estão fazendo os quadrinhos migrarem das bancas para as livrarias. Conheça ainda o trabalho do desenhista brasileiro Luke Ross, que conquistou os EUA e também o novo álbum de Neil Gaiman, Mistérios Divinos


Fãs e admiradores da chamada Nona Arte estão em festa no Brasil. O mercado de quadrinhos adultos para livrarias nunca foi tão variado e aberto a novidades. Uma simples busca na seção de HQs de qualquer boa casa do ramo revela opções da mais alta qualidade e para todos os gostos.

Das obras políticas e geniais de Alan Moore (Watchmen, V de Vingança) ao lirismo infantil e inteligente de Bill Waterston (Calvin & Haroldo), passando por Frank Miller (Sin City, 300 de Esparta), Will Eisner (Avenida Dropsie, Sundiata), Osamu Tezuka (Adolf, Buda), Neil Gaiman (Sandman) e muitos outros, a oferta de HQs em livrarias brasileiras nunca foi tão vasta e de boa qualidade - tanto no sentido gráfico, quanto editorial.

O mais interessante é que cada vez mais, estas obras buscam agradar não apenas ao leitor habitual de quadrinhos, mas também ao público em geral, que não costuma ler esse tipo de coisa. Para isso, as editoras se apóiam em edições caprichadas, não raro recorrendo a recursos de luxo, como capa dura, papel couchê de alta gramatura e materiais extras, como páginas com sketches, entrevistas e pin-ups (ilustrações especiais), entre outros mimos, além da arte de encher os olhos.

Um caso exemplar são as edições recentes da série Sandman (Conrad Editora), de Neil Gaiman. É humanamente impossível passar batido por aqueles livrões de formato diferenciado - bem maior do que o habitual - e a já reconhecida qualidade da série em si, de longe o melhor trabalho do autor inglês e uma das melhores da década de 80, pródiga em obras geniais que mudaram o rumo dos quadrinhos, como a citada Watchmen e O Cavaleiro das Trevas de Frank Miller (também lançada este mês em edição de luxo pela Panini).

Dois exemplos de boas opções de quadrinhos que podem fisgar o público em geral acabam de chegar às livrarias e sites de compras: Samurai: O Céu e a Terra e Mistérios Divinos, ambos lançamentos da editora Devir Livraria. O primeiro é de autoria da dupla Ron Marz e Luke Ross, o segundo, de Neil Gaiman e P. Craig Russel.

Marz, com passagens por títulos como Lanterna Verde, Surfista Prateado e Cyberforce, nunca foi assim uma brastemp, mas faz aqui o que talvez seja o melhor trabalho de sua carreira, contando a história de Shiro, um samurai do século 18 que perde sua morada, seus companheiros e tem sua mulher sequestrada por conquistadores chineses.

Irado, o guerreiro solitário parte à China para resgatar sua amada, apenas para descobrir que ela foi vendida para um mercador de escravos árabe. Em seu encalço, Shiro acaba indo parar na fétida Paris do Rei Luís XIV, onde a bela Yoshiko agora é cortesã. Shiro cruza espadas com os mosqueteiros e vive uma grande aventura evolvendo um ardiloso embaixador espanhol com planos obscuros de derrubar o rei francês.

Excetuando-se um furinho de roteiro aqui e ali - providenciais para um desenvolvimento mais ágil da história - Samurai é uma leitura bastante agradável, com potencial para cativar fãs de aventuras e romances típicos de filmes como O Último Samurai (com Tom Cruise) e O Clã das Adagas Voadoras.

O grande atrativo de Samurai, porém, é a estupenda arte de Luke Ross, pseudônimo de Luciano Queirós, um dos muitos brasileiros que hoje são astros do mercado americano de HQ. Dono de um traço extremamente elegante e de registro fotográfico, Luke se aprofundou em pesquisas via livros, filmes e sites da internet para recriar, com o máximo de precisão histórica, os ambientes, vestimentas, palácios e armas das mais diversas nacionalidades mostrados ao longo da graphic novel.

"A maior parte do trabalho de pesquisa eu faço mesmo pela internet. Antes de começarmos a produção da série, o Ron também me enviou alguns livros que ajudaram bastante na busca por referências históricas", conta o desenhista, em entrevista para A Tarde por telefone. Ele revela que trafega bastante também por sites de museus e fotologs pessoais de gente que faz turismo pelo mundo e publica suas lembranças de férias na rede.

Luke, contudo, não se limita a meramente copiar o que vê em cartões postais e fotos alheias, tendo um cuidado extra para não ofender o rigor histórico que ele mesmo se exige. "No Palácio de Versalhes, por exemplo, tem um monumento na entrada, que só foi colocado lá no século XIX. Como a história se passa cem anos antes, resolvi não incluí-lo em prol da coerência histórica", revela. Luke admite que o forte da sua recriação de época está mesmo é nos vestuários, onde caprichou mais, "até para compensar possíveis erros em outras áreas. Existem sites de moda muito bons que mostram a evolução do vestuário através dos séculos, que me ajudaram muito".

Luke tem razão em caprichar tanto. Nos Estados Unidos, o público habitual de quadrinhos é extremamente exigente. O desenhista conta que em um determinado fórum de discussão da Dark Horse (editora original da obra), um fã elogiou seu trabalho recriando os estilos de luta japonês (samurais) e francês (mosqueteiros), mas que o estilo do espadachim espanhol "não estava correto". E olha que o artista conta que estudou diversos filmes e quadrinhos japoneses e europeus para elaborar as coreografias de luta. "Assisti um monte de filmes do [Akira] Kurosawa", garante.

Outro ponto no qual Luke foi muito bem sucedido foi na difícil tarefa de destacar as diferenças entre os rostos chineses dos japoneses, muitas vezes, imperceptíveis aos olhos ocidentais. "Assistindo aos filmes dos dois países, dá para perceber que a estrutura anatômica é diferente. O rosto chinês é mais fino e tem as maçãs mais pronunciadas. Já o rosto japonês é mais largo, macilento", diferencia.

Sucesso de vendas, Samurai: O Céu e a Terra, que originalmente foi lançada como uma minissérie em cinco edições nos EUA, já ganhou uma continuação. O terceiro número já está nas comic shops americanas, enquanto Ross ainda finaliza a quarta edição em sua casa em, São Paulo. "Eu tô atrasado, mas o Ron, o pessoal da editora e os fãs, todos concordamos em segurar um pouco a ansiedade em prol da qualidade do resultado final", conta. No Brasil, Luke torce por boas vendas da edição da Devir, condição básica para a continuação ter sua chance de publicação aqui também.

ASSASSINATO NO PARAÍSO - Graças a sua série Sandman, iniciada em 1988 e concluída alguns anos depois, Neil Gaiman é hoje um superstar dos quadrinhos. Muita gente que não lê (ou não lia) quadrinhos é hoje leitor assíduo, graças a sua fantástica saga de Morpheus, o Mestre dos Sonhos que ficou 70 anos aprisionado no porão de uma mansão em Londres, e quando finalmente se libertou, teve de lutar para recuperar seu reino e pôr ordem no chamado Sonhar (The Dreaming), a dimensão para onde todos vamos quando dormimos e sonhamos.

Sua galeria de personagens secundários também fez grande sucesso, gerando séries derivadas com a Morte (a irmã mais velha do Sonho), Destino (outro membro da família) e Merv Pumpkinhead, o fanfarrão servente do Sonhar.

Com o recente relançamento de todos os 75 números de Sandman em 10 luxuosos volumes em capa dura pela Conrad Editora, Gaiman surfa a crista da onda nas vendas de quadrinhos de luxo no Brasil, e a prova disso é o lançamento deste Mistérios Divinos em formato similar ao da série que lhe deu fama.

Em Mistérios..., acompanhamos um jovem inglês perdido em Los Angeles, que, sentado em um banco de praça, encontra um estranho senhor que lhe propõe contar uma história em troca de um cigarro. Ele lhe conta sobre uma trama de assassinato no Paraíso, nos primórdios do tempo. A graça da história é ambientar uma típica trama policial no ambiente angelical, com direito a detetive durão (o anjo da vingança Raguel) e diversos suspeitos que se acusam entre si, em meio ao projeto Divino de criação do Universo.

É como aquelas histórias atuais onde há uma grande empresa, vaidades inflamadas e um assassinato corporativo, onde a investigação, sempre sob controle de alguém mais poderoso (nesse caso, Todo-Poderoso), deverá acabar de forma a não incomodar aqueles no comando da situação.

Apesar de bastante interessante e da arte muito bacana de Russel (premiado artista da edição nº 50 de Sandman, Ramadan), Mistérios Divinos está longe de ser o melhor trabalho do autor e merecia uma edição menos luxuosa, e por conseguinte, menos cara (R$ 42) para o fã de quadrinhos.

Links:
Devir: http://www.devir.com.br/index.php
Luke Ross: http://fotolog.terra.com.br/samuraihe:24
Ron Marz: http://en.wikipedia.org/wiki/Ron_Marz
Neil Gaiman: http://www.neilgaiman.com/
P. Craig Russel: http://pcraigrussell.net/

Matéria publicada no jornal A Tarde do dia 7 de março de 2007. Texto sem a edição do jornal.

sábado, março 03, 2007

SINAL VERDE PARA O VANGUART

Incensado pela crítica e querido pelo público, grupo matogrossense se apresenta amanhã em Salvador
Cuiabá, a distante capital do Mato Grosso, quem diria, abriga uma frutífera e original cena de rock n' roll. Fãs e curiosos poderão conferir em primeira mão a performance ao vivo da banda ponta-de-lança desse novo movimento, a prestigiada Vanguart, que se apresenta em Salvador amanhã, na casa de shows Boomerang.

A banda é hoje a grande aposta do circuito independente após um promissor ano de 2006, quando emplacaram pelo menos dois hits alternativos (a contagiante Semáforo e Cachaça, com clipe no You Tube), levaram seu show a 20 cidades e 14 capitais e fizeram a limpa nas listas de melhores do ano, abocanhando sempre os primeiros lugares nas categorias "Revelação", "Melhor música" e "Melhor show", incluindo aí indicações ao VMB da MTV e Revista Bizz.

Vinda de Aracaju, o Vanguart se apresenta em Salvador fechando uma mini-turnê pelo Nordeste durante o Carnaval. "Nos apresentamos no primeiro dia do festival Grito Rock em Cuiabá, o que foi meio que um show de despedida, já que estamos nos mudando para São Paulo. De Cuiabá, partimos para o Nordeste. Tocamos em Natal, Fortaleza, Recife, Campina Grande, João Pessoa e Aracaju. A última parada é aí em Salvador. E daí vamos para BH e São Paulo", prevê Hélio Flanders, vocalista e band leader.

Formado por Helio Flanders (voz, violão e gaita), Reginaldo Lincoln (baixo e vocal), David Dafré (guitarras e vocal), Luiz Lazzaroto (teclados e vocal) e Douglas Godoy (bateria), todos na faixa etária dos 22 anos, o Vanguart levará para São Paulo seu primeiro disco já gravado na bagagem, com previsão de lançamento para maio ou junho. "Ainda estamos vendo por onde sairá o disco, então prefiro não citar nomes", esquiva-se o jovem cantor.

A perspectiva de mudar-se para São Paulo abre novos horizontes no caminho do grupo, já que tocar uma carreira no circuito rock brasileiro a partir de Cuiabá não seria nada fácil. "Cuiabá é muito distante, muito isolada. O Vanguart é uma banda de cinco pessoas, então seria inviável ficar indo e voltando de São Paulo toda hora. Morando lá fica esperamos trabalhar mais", reflete.

SEMÁFORO - Pegos de surpresa com o sucesso repentino e absolutamente espontâneo de Semáforo, Hélio classifica o hit como "uma libertação. Foi nossa primeira canção em português, e se você for ouvir com atenção, é uma música pretensiosa", avalia. Ele tem razão. Com um refrão que contagia a cantar junto, o grande hit underground de 2006 tem aquela pegada característica das grandes canções que se tornam hinos de uma geração: "Hoje é terça-feira / o céu borrou a cor / ó minha mão do céu / ó meu pé do chão (...) Só acredito no semáforo / só acredito no avião / eu acredito no relógio / acredito no coração (...) hoje é terça-feira / e todos meus amigos querem morrer", grita Hélio no final catártico, o peito carregado de dor.

Enganam-se porém, desavisados que imaginam se tratar de mais uma banda indie ? ou como se diz aqui em Salvador, do rock triste tão detestado por uns e adorado por outros. O Vanguart nada em águas ainda mais profundas, tanto que Hélio refuta as freqüentes comparações com o Radiohead de Thom Yorke, cuja voz a dele remete aqui e ali. A referência correta para se entender o som da banda matogrossense é o folk rock americano das décadas de 60 e 70, mais especificamente Bob Dylan circa 1966, quando o bardo ianque eletrificou seu som e mudou a cara do rock para sempre.

"Radiohead, eu discordo, não acho que sejamos influenciados por eles. Agora, Bob Dylan, Neil Young, tudo bem. Eu aprendi a compor ouvindo esses caras. Hoje eu ando ouvindo mais música brasileira, bossa nova", esclarece. Essas referências sólidas em uma época tão repleta de superficialismo tornaram o Vanguart uma anomalia - no bom sentido - no cenário rock nacional. Em uma cena onde a esmagadora maioria das bandas formadas por garotos parece ter começado a ouvir rock com CPM 22, alguém remeter aos velhos mestres é algo raro.

BURRO - "Nosso primeiro show fora de Cuiabá foi no [Festival] Bananada, em Goiânia. E o Vanguart ali parecia uma coisa completamente esquizofrênica, eu com meu violão, no meio de um monte de bandas super pesadas, com guitarras no talo, sabe?" pergunta o vocalista. Para ele, o Vanguart nem sequer é uma banda de rock, no sentido ortodoxo do termo. "O lance no rock é que as vezes ele é meio burro, muito preso a estereótipos. Fica aquele medo de não ser considerado rock, então ele se arma de todos aqueles clichês para demarcar território. Mas o que importa é a música sangrenta, independente do grau de distorção da guitarra", manda Hélio, certeiro.

O sucesso do Vanguart - ainda que restrito ao segmento específico do rock - parece já ter gerado crias no seu torrão natal, o qual, segundo o cantor, se encontra neste momento "em ebulição". "Cuiabá tem uma puta cena bacana agora. Quer dizer, já existia antes, mas não saía pra fora dos limites da cidade. Agora é outro momento, e pela distância do resto do Brasil, as bandas de lá acabam soando mais puras em termos de conceito, digamos assim. Sem os vícios das bandas dos grandes centros", define.

NIGHT - O rock desse domingo na Boomerang começa cedo, como convém a quem tem que acordar cedo na segunda-feira. Abrindo a noite, o indie rock da Starla, boa banda local que deverá lançar seu primeiro disco ainda nesse primeiro semestre, com produção do macaco velho Luizão Pereira, ex-integrante de bandas significativas do cenário soteropolitano, como Cravo Negro (nos anos 80) e Penélope (nos anos 90).

Na seqüência, Ronei Jorge & Os Ladrões de Bicicleta, uma das bandas mais queridas da cidade com seu rock pós-tropicalista cheio de suíngue e sentimento, mandam ver canções do novo repertório (como o recém-lançada Aquela dança) e velhos hits, como Sete sete, Obediência, O Drama e Noite, entre outras cantadas de cor pelo seu fidelíssimo público.

www.myspace.com/vanguart www.fotolog.com/vanguart

Matéria publicada no jornal A Tarde de 3 de março de 2007. Texto sem a edição do jornal.