Memórias de uma estação inesquecível
Era uma tarde qualquer de outubro de 1996, quando o telefone tocou e era meu velho amigo Apú, me chamando para ir com ele em um lugar, ver um negócio de um emprego:
- É um bar aí que vão abrir na Barra. Do mesmo dono do Padang Padang.
- Bar? VOCÊ vai trabalhar num bar? Humph! Você vai é beber o estoque do home todo, isso sim!
- Bora lá, porra!
Eu fui, e no caminho ele foi me explicando que seria um bar diferente, moderno, com uma decoração muito louca. Que os garçons seriam pessoas selecionadas, com um bom nível sócio cultural e seus uniformes seriam assinados por Alexandre Herchcovitch. Rã, rã...
Chegando lá, encontramos várias caras conhecidas, como Joe Tromondo, Pitty, Fábio Cascadura e Paulinho Oliveira, entre outros. Na verdade, desses dois últimos eu não tenho 100% de certeza, então, se alguém lembrar melhor que eu, me fala aí nos comments ou manda um email pr'esse endereço aí do lado para quaisquer correções.
O bar ficava na chamada Rua da Lama, na área próxima ao Porto do Barra, perto também de onde ficava o Manga Rosa, nos idos dos anos '80. Você entrava por uma portinha, subia uma escada íngreme da porra e chegava no lugar. Havia um grande balcão central e mesas espalhadas em volta dele. Em seguida vinha uma pista de dança não muito grande, banheiros e tal. Mas o que mais me chamou a atenção na época foram as mesas. Rabiscadas com respingos de tintas de várias cores, elas eram côncavas e tinham tampos de vidro, sob os quais jaziam prosaicas escovas e tubos de pasta de dente, pentes e escovas de cabelo, entre outros badulaques.
Quando foi inaugurado com grande estardalhaço, no mês de dezembro daquele ano, contava com os citados Apú, Joe e Pitty, além de Bel Machado e outros que não lembro agora, como garçons. Lorena, que em 2004 abriria o Miss Modular, era a chamada hostess e ficava na porta, recebendo as pessoas. Messias (da brincando de deus) e Spencer eram os DJs. O nome, Vicious, já era um negócio que chocava os, digamos, caretas. Até por que eles não saberiam quem foi Sid Vicious, suposto homenageado pelo dono do estabelecimento.
O auê gerado pela sua proposta diferenciada bastou para o bar passar a ser freqüentado em massa pela nata descolê de Salvador: do povo do rock a jornalistas, publicitários, povo de teatro, universitários em geral, comunidade gay (inclusive havia um dia da semana dedicado à eles)... you name it.
Tamanha convergência de públicos tão diferenciados acabou fazendo com que muita gente se conhecesse ali, naquele ambiente esfumaçado e colorido. Bandas foram formadas e terminaram ali também, mas enfim... Namoros, casos fugazes, grandes amizades, turmas inteiras de amigos nasceram ali. Como todo bom bar, o Vicious acabou se tornando palco para acontecimentos que marcariam a vida de muita gente. Pergunte à qualquer um que freqüentou o Vicious naquele verão - e eu garanto que ele ou ela terá uma história para contar.
Certa manhã, abri o jornal na página policial e me deparei com uma foto do proprietário do estabelecimento dentro de um camburão - aquele olhar de "que saco!", típico do malandro experiente. Na noite anterior rolara uma batida da polícia e fora apreendida uma quantidade "x" de drogas lá, provavelmente a mesma quantidade que deve rolar em qualquer barzinho ou boate da moda qualquer noite dessas. Um colega de faculdade que estava lá me contou depois que foi muito engraçado, por que em questão de segundos, todo mundo largou o que tinha no chão e depois ficou olhando pra cima, com cara de "hã? Quê?" E aquele monte de bagulho no chão...
Na época tava rolando fácil um negócio chamado grafite, que era uma coisinha preta simplesmente diabólica. O sujeito tomava e virava uma bola de tênis, quicando pelas paredes do bar e conversando com todo mundo, de mesa em mesa - inclusive com as paredes. Talvez, também por isso, parecia tão fácil conhecer pessoas naquela época.
No verão de 1997, você chegava no Vicious e todo mundo estava lá. Apesar dos preços um pouco mais salgados em relação aos botecos da vida, dava para ir pelo menos uma vez por semana. Os amigos já estariam lá - afinal, era lá que eles trabalhavam. Era muito engraçado ir num dia de movimento intenso e ver aquela galera pouco experiente em trabalho pesado pirando, correndo meio desesperados de um lado para o outro. Eles mesmos também faziam a discotecagem quando os titulares não estavam. Também não era raro vê-los dançando loucamente, misturados em meio aos fregueses quando o bicho pegava, altas horas da madrugada. "Estou no meu intervalo, vamo nessa", era a senha.
Você ia para a pista de dança, que era separada do bar por uma parede de vidro e lá dentro tinha uma cama de ferro enorme em um canto. Você poderia ficar lá - no ar condicionado - dançando, ou então acomodado na cama, curtindo o movimento - ou fazendo sabe-se lá o quê. Nego se acabava de dançar os hits de Beck ("Yo soy un perdedor / I'm a loser baby / so why don't you kill me"), Oasis, Prodigy, Chemical Brothers, Beastie Boys, aquela coletânea de desenho animado - Saturday Morning e outras coisas da época. A brincando de deus, inclusive, foi a única banda a tocar lá, casa cheia, noite louca da porra.
Qualquer coisa no ar daquele verão contribuiu para torná-lo inesquecível, e no clima algo cosmopolita daquele barzinho metido à besta (uma raridade numa cidade tão detestavelmente jeca como Salvador), a estação parecia chegar ao seu auge. Uma noite no Vicious nunca terminava de forma previsível. Música eletrônica ainda era uma novidade interessante e o rock parecia estar mudando, junto com o mundo todo. Era fim de século, e pela primeira vez, eu sentia esse fato inexorável em Salvador. De repente, não parecia mais tão tolo assumir um certo ar de modernidade na vida, nos gostos, modos de vestir e se divertir.
Como quase tudo o que é bom nessa cidade, contudo, o Vicious não durou muito. Cumpriu seu ciclo regulamentar de um verão e foi logo fechado. "Lavagem de dinheiro", disseram na ocasião, como dizem para quase qualquer coisa aqui na Bahia. O bar não existia mais, mas as novas amizades, namoros, flertes, contatos, planos e sonhos daqueles dias continuaram - pelo menos, durante um bom tempo. A vida parecia mais interessante do que há seis meses atrás.
Aquele bar deixou saudades em muita gente. Pessoalmente, foi um período bem mais intenso do que na época avaliei - para o bem e para o mal. Dizem que não devemos idealizar nada - nem pessoas, nem lugares, nem períodos de vida, sob o risco de ficarmos para sempre decepcionados com o que temos no presente.
Dane-se. O fato é que alguns verões são mais divertidos do que outros. E o de 1997 foi assim - e suponho que o foi também para muita gente que estava inserida naquele contexto específico, não apenas para mim. Senão, por que diabos eu estaria perdendo meu tempo aqui, contando tudo isso?
"Vicious / hey you hit me with a flower / you do it every hour / oh baby, you're so vicious"?
Lou Reed, 1972.
Putz, dez anos já...tava lá no dia do batidão da trupe de Ferreirinha (era esse o nome, não?!). Engraçado foi encontrar todo mundo depois no mercadão. Parece que todos os bares de rock fecharam mas cedo naquele dia.
ResponderExcluirO nome do puliça eu num lembro, graças à Crom eu não tava lá nesse dia, só soube no dia seguinte, pelos jornais e por um brother que me contou depois.
ResponderExcluirTenho lembranças muito boas do Padang Padang, o astral do lugar era fantástico e só rolava rock n' roll e reggae do bão, com muita ênfase na new wave. Muito Pretenders, Talking Heads, B52's, UB40... Tempo bão.
Morei bem pertinho dali, vivia uma fase de dureza assustadora, por isso tinha que escolher a dedo onde gastar meus parcos reais. Fui lah algumas vezes e nunca fiquei, era muita chinfra pra meu gosto, mais que naum era pela casa e sim pelos frequentadores, o dono como disse Miguelito era um cara legal.
ResponderExcluirEra muita marra pra conteudo nenhum.
Obs: Barbosinha era o nome!!!!
barbosinha era o nome, não, Nei, ainda é. O referido ainda bate ponto, só que agora está lotado no HGE. Por isso, que eu só vou pela Garibaldi.
ResponderExcluirQuanto a Vicius, concordo contigo. Na época (assim como hoje), eu estava numa pindaíba dos seicentos diabos. E também acho que era chinfra demais para meu gosto. Estive poucas vezes lá, sempre mais pra lá do que pra cá, e me lembro de pouca coisa. Sei que a escada era uma agonia e tinha uma fotos na entrada e Messias G.B sempre tava tocando e ponto final.
Thanx, Nei. Não lembro de muitos detalhes daquelas noites etílicas na rua da Lama, mas entre as cenas pitorescas posso citar uma: logo após a defesa de mestrado de Messias, na antiga Facom-Canela, toda a banca examinadora foi parar na Vicious. Eram André Lemos, Hermano Viana e....Wilson Gomes. Foi hilário ver o cara na pista enfumaçada, todo desengonçado, tentando acertar o passo no ritmo de 'Wonderwall' do Oasis e do clássico do Underworld, 'Born Slippy' (a de Trainspotting). "Drive boy dog boy/ Dirty numb angel boy/ In the doorway boy/ She wants a lipstick boy/ She wants a beautiful boy And tears boy...
ResponderExcluirOutra: naquela época o máximo da modernidade era chegar no balcão e pedir uma dose de whisky e uma latinha de Flying Horse pra ficar - supostamente - ligado. Como meu bolso nunca foi essas maravilhas todas, eu ficava só na cervejinha mesmo.
ResponderExcluirSe bem que de vez em quando (acabei de me lembrar dessa), um dos garçons brothers descolava uma dose de gim tônica free pros amigos, qdo o gerente não estava olhando. E não era raro isso acontecer...
Para se ver como sao as coisas... Ali sempre foi o local que teve, provavelmente, o bar mais charmoso da bahia ,no inicio dos anos 80, o berro d'agua( alo miguel vc ia la). O que vcs chamam de rua da lama era um dos locais mais bacanas do brasil.o dono era um frances, jean pierre, na epoca que o porto da barra era o centro de tudo em salvador.depois jean pierre foi embora, depois voltou ,reabriu o berro, mas o antigo charme tinha ido embora e o porto se tornou um lugar decadente(faustino comprou um terreno na estrada do coco, e nao mais na ilha).paulo sergio abriu o vicious no vazio de anos na noite de salvador, depos do fechamento do antologico dose dupla.fui algumas vezes, paulo sergio é meu amigo pessoal, mas era uma outra geraçao, que so fui criar amizade mais tarde.abasteci paulo serio varios anos com discos que comprava quando viajava(steel, padang, vicious), e achava curioso aquela galera que discotecava ali.rock snob que sou, nao enxerguei uam nascente e nova cena rock na bahia, totalmente diferente da dos anos 80.O fechamento , da forma que foi, abateu paulo sergio, ele perdeu o tesao de fazer as coisas deste tipo, e se resignou com festas para a playboyzada, afinal, quem tem, tem medo.mais um capitulo do quer poderia ter sido e nao foi.
ResponderExcluirChicao, texto lindo que reverencia um lugar q Salvador nao estava preparada. E continua no despreparo. Miguelito, foda seu comentário. Gostaria de ter mais poder poli(crí)tico nas minhas palavras.
ResponderExcluirE no Berro D'agua um do garçons era o Salles do Póstudo, o mau humor em pessoa.
Valeu, Spenglerrrrr!
ResponderExcluirvc tem toda razao claudio.salvador precisa nem que seja um buteco rock, nao tem nem isso. e , nao, o boomerangue nao è um lugar so pro rock,tera outros estilos musicais e uma proposta mais ampla, uma casa fundamental na bahia de hoje, pois permite que bandas com publico de 400 pessoas tenha onde tocar.o rock it ja abriu, e tem temporada do mil milhas la. e o lance la de paulo sergio era que eu viajava direto na epoca e trazia muitos discos importados, aquele lance de madchester(stone roses, charlatans ect.) a gente tinha em primeirissima mao, e ele tinha a disposiçao de lançar os sons nas casas dele.parece pouco, mas para nossa pobre bahia...
ResponderExcluirSe o assunto é espaço, dou aqui meu testemunho, fui ontem a abertura do Teatro Sitorne, no Rio Vermelho. Palco de verdade, som e luz, local nota 10, de longe a melhor opção pra se fazer shows de porte pequeno na cidade. Ideía da cabeça de Tereza apoiada pelo seu companheiro Paulinho Oliveira; domingo ele mesmo vai dar o ponta pé inicial junto com o Teatro de Serafim.
ResponderExcluirO domingo é o dia do rock e cedo.
Finalmente Wood & Stock - Sexo, orégano e rock n' roll estréia na Sotero City. Só na Sala de Arte MAM (Av. Contorno), em sessão única às 21h.
ResponderExcluirO Motoqueiro Fantasma mostra como é dura a vida de pessoas que têm partes do corpo sempre em chamas. Principalmente, na hora de pagar impostos.
ResponderExcluirhttp://video.google.com/videoplay?docid=880661443462008268&hl=em
Ainda sobre o Vicious, se me permitem o comentário tardio (mais um), naqueles dias, nada incendiava mais a pista de dança do que Song 2 (WHOO-HOOO!) do Blur.
ResponderExcluirFalha de memória imperdoável da minha parte não citá-la no texto. Tb, tocou tanto na época, que encheu o saco....
A banda de Tomás Magno e Marcelo (um carioca doidão que andava muito com a galera na época e hj mora nos EUA), a SMOOTH POD, tocava sempre Song 2 nos shows. Virava uma zoeira dos infernos, com microfonia saindo pelo ladrão. Essa banda era muuuuito tosca.
Sobre a Smooth Pod, ainda vale lembrar dois fatos:
O nome da banda seria inicialmente Smooth POT (Maconha Suave). Mas algum lesado escreveu POD na capinha da fita demo e assim ficou.
O nome da sua primeira e única fita demo: "Zero Zero Teco Contra Gold Nose".
Nosss!!.. realmente, a Boomerang é pra quem pode... Pelo menos compensa os preços altos com uma estrutura de primeira, segundo eu soube, já que ainda num fui lá.
ResponderExcluirMas Marcelo é muito gente fina mesmo, Cláudio. O bicho era ligeiramente atrapalhado, meio gago e tinha um bigodinho horroroso, muito figura. Ele era o vocal da Smooth Pod, Tomás era guitarrista e só Crom sabe quem eram o baixista e o baterista.
Showzaços de Wander Wildner em Salvador Shity esses dias no Icba e no Balcao.Wander , alem de ser um dos melhores compositores dest e pais, é um artista com articulaçao impar, muita lucidez, alem de ser gente finissima.O rock loco em breve pendura o podcast feito com o bardo punk(foi mal!) no indescritivel estudio em transe, do nao mesmo espetacular Wandex.Foram dias do caralho. E Leonardo, o Boomerangue pode ser caro para Salvador, mas vale a pena.è melhor que gastar 20 real nos imundos butecos(no mal sentido mesmo) de salvador shity. A nossa falta de poder aquisitivo nao pode ser desculpa para justificar-mos e glorificar-mos eternamente cassetes(epa!)armados.Agora, a casa podia cobrar menos na long-neck.E Messias nao é mas rock triste! O sujeito ta virado no capeta.
ResponderExcluirEssa é demais. O tédio reinante na vidinha pacata (e neutra, não se esqueça) na Suíça já está começando a afetar o juízo até dos bombeiros locais. Bom, quem sabe assim o índice de suicídios por lá não baixe um pouco...
ResponderExcluirhttp://br.noticias.yahoo.com/s/19012007/40/entretenimento-bombeiros-rappers-lan-am-videoclipe-causam-polemica-na-sui.html
Logo mais, às 18h deste domingo 21, Paulinho Oliveira e Theatro de Séraphin se apresentam no Café-Teatro Sitorne. Em paralelo aos shows, continua nas paredes da Sitorne a exposição de fotos de Thiago Fernandes, 'Dois Milímetros de Rock', cobrindo parte da cena soteropolitana e alguns flagras de shows de bandas de outros estados.
ResponderExcluirO ingresso é 1kg de alimento não perecível. A Sitorne fica na Rua Deputado Cunha Bueno, 55, Rio Vermelho. A rua fica em frente ao Bompreço. É o prédio amarelo logo após a praça.
M.
Taí então a última formação da gloriosa Smooth Pod, cortesia do companheiro Bruno Carvalho.
ResponderExcluirE na inauguração do Vicious quem nos recebeu? Alexandre Herchcovitch e seu fiel escudeiro Johnny Luxo. E por falar do hómi das caveiras, é ele quem assina o figurino do último filme do(maravilhoso) Zé do Caixão. Isso que é luxo! Curti muito aquele bar também e lembro (?) que pintava as unhas com os esmaltes que faziam parte da decoração das mesas...
ResponderExcluirSeeeeensacionaaal esta diga da rolling stone nova: http://concerts.wolfgangsvault.com, já valeu as quatro edições!
ResponderExcluirah, quanto à vicious, ou eu nunca fui lá ou eu esqueci de tudo!
ResponderExcluirDiga "trinta e três".
ResponderExcluirkkkkkk alguns anos atrasado, mas essa história do Smooth pot nem eu que dei o nome a banda soube hauhauhauahuahua
ResponderExcluirA banda sempre se chamou smooth pod, decidimos o nome em uma festa na casa do hj Dj Nazca (na época vocalista da Arsene Lupin) e do Dj El Cabong (vulgo Luciano Matos), quando a base de alguns aditivos decidimos que iriamos escolher duas palavras em ingles, sem o menor significado para não precisarem ficar achando que era por isso ou por aquilo hehehe, mas alguem sempre inventa e ai ta o bom da história, ela cresce e ganha vida própria!!
Grande abraço,
PIVNI