Diante da minha aparentemente incurável falta de inspiração e idéias decentes que possoam ser expostas sem prejuízo da inteligência alheia nesse nobre espaço, recorro ao meu amigo, rockloquista honorário e repórter especial Franciel Cruz em mais um de seus brilhantes artigos exclusivos. Dessa vez, nosso intrépido colaborador volta sua atenção para o destino do MRI, Movimento Revolucionário Ireceense e sua incrível história, que só mesmo um jornalista do sua estatura seria capaz de desenterrar do aterro sanitário da história. Tapem os narizes, pois ele está chegando...
Dialética do Merecimento
Terça-feira é o mais cruel dos dias para contrair ressaca. (O verbo é exatamente este: contrair. A doença como metáfora). Na segunda-feira, as pessoas até nos compreendem, toleram-nos. No day after, porém, olham-nos como se fôssemos portadores de alguma chaga incurável.
E nesta situação, neste estado de torpor, com o juízo aperreado e os olhares ameaçadores, não nos resta outra alternativa senão apelar Àquele que quotidianamente desprezamos; Àquele que fingimos ignorar sua existência, mas para quem, nos momentos difíceis, de angústia, sempre dirigimos nossas preces e buscamos a ajuda na conceituação: o dicionário. Com a palavra, o pai de todos nós: "[Merecimento. (De merecer + imento) S.m.1 Qualidade que torna alguém digno de prêmio, estima apreço ou castigo, etc. 2. Valor, importância. 3. Superioridade, excelência. 4. Capacidade, habilitação, inteligência, talento aptidão]".
Pois muito bem. A crucial questão do merecimento está no centro dos debates da redemocratização, na ordem do dia. Semana passada, assistindo à TV Senado (não espalhem, mas tenho este mal costume) vi estadistas do porte de ACM, Marco Maciel, Jorge Bornhausen e até Jarbas "às favas com os escrúpulos de consciência" Passarinho apresentarem-se como paladinos da democracia. Com o auxílio luxuoso de algumas substâncias não recomendadas pela Carta Magna, suportei tal afronta.
Porém, quando o impoluto Sarney, glorioso autor de Marimbondos de Fogo, apareceu, humilde e modestamente, se auto-intitulando "O Patrono da Democracia Brasileira"...fiquei chapado. Quem? O que? Quando? Onde? Como? Por quê? Depois, refleti melhor e cheguei à seguinte e lógica conclusão: "Realmente, a democracia brasileira e estes personagens se merecem. Dou ela por unseoutros e não quero troco".
Não, não, não e não. Não é por causa desta estúpida ressaca e destes inquisidores olhares que vou deixar o pessimismo tomar conta deste texto. Para reverter tal situação, recorrerei à velha, ordinária e infalível dialética. Para as crianças que faltaram às aulas de Sociologia, ensino: Dialética é a capacidade de dizer exatamente o contrário daquilo que você acabou de afirmar.
Então, ajeitem-se na poltrona que vou contar agora a emocionante história da redemocratização brasileira e seus verdadeiros heróis. Tudo começou no natal 1976. Depois de inúmeras e frustadas tentativas, na cidade e no campo, a guerrilha brasileira encontrava-se completamente destroçada. Os meninos rebeldes do MR-8, POLOP, COLINA, VPR, VAR-PALMARES, POC, ALN, PCBR e AP já haviam voltado ao pó, sem trocadilhos. E os milicos não estavam pra brincadeira. No dia 16 de dezembro, para evitar qualquer possibilidade de insurreição, o II Exército cometeu a famosa Chacina da Lapa, eliminando dirigentes do PCdoB, partido que tentou a revolução, aventurando-se no Araguaia.
Porém, mesmo depois de todo este trabalho sujo, um espectro ainda assombrava os militares: O MRI (Movimento Revolucionário de Irecê), no semi-árido baiano, liderado por meu amigo Pedrão, recentemente vitimado por uma cirrose hepática. No entanto, com o compromisso do presidente Geisel de promover a abertura lenta, gradual e segura, os seis integrantes do poderoso MRI decidiram dar adeus às armas no crepúsculo daquele dezembro. Foi uma reunião tensa. Numa salinha de reboco, Ramirão, irmão de Pedro, também sem o mínimo de disposição de levar chumbo nas ventas, pede a palavra e começa: "Camaradas, a luta agora precisa tomar novos rumos. Nada de enfrentamento armado".
Palmas e suspiros de alegria do milongueiro Indalécio, o rei da lábia. Uns dois fazem cara feia, mas o irmão do líder prossegue: "A mudança deverá ser feita com a conscientização das massas, através da Educação". Uns dois continuam de cara feia, mas Ramirão resolve logo ir pra ação para acabar com as possíveis resistências. E, ao ver o entusiasmo do companheiro, atribuiu-lhe a primeira tarefa. "Indalécio, você vai ficar responsável por ensinar os camponeses a ler e escrever".
Analfabeto de pai e mãe, o Guerrilheiro Ireceense não perdeu a pose e arrematou: "Ramiro, no Português eu não sou bom não, mas na Dialética eu sou o Satanás". Foi promovido, então, para professor de Dialética. E o MRI tornou-se uma espécie de Mobral Revolucionário. Ao saber que não haveria mais a resistência armada em Irecê, Geisel resolveu enfrentar a tropa de choque do general Sylvio Frota e a linha dura do regime militar. A pacificação foi adiante e houve a anistia e a abertura política e a redemocratização do país e toda esta história já conhecida por todos.
Agora, vem um coronelzinho do Maranhão arvorar-se a "Patrono da Democracia Brasileira". Que mané Sarney, que nada. A população brasileira deve gratidão ao Movimento Revolucionário de Irecê pela sábia e prudente decisão naquele Natal de 76.
Isto é verdade e dou fé.
E viva a putaria, ops, a democracia! Ela e o MRI se merecem, dialeticamente.
FRANCIEL CRUZ, REPÓRTER ESPECIAL PARA O ROCK LOCO.
a propósito, falando de rock, soube -por alto, via Maurão da Sangria - que deu um pau fudido no Pólo Rock Festtival. alguém aí poderia nos contar o que exatamente se sucedeu nessa ocasião? quem apanhou, quem bateu e por que? grato de antemão...
ResponderExcluirMiguel Cordeiro
ResponderExcluirtaí, gostei demais deste texto de franciel. acho que os blogs deveriam ser mais abrangentes. Sarney, ACM Malvadeza, Delfim Neto, Jarbas Passarinho serem baluartes da redemocratização no brasil é mesmo uma piada de péssimo gosto. mas nossa esquerda tambem é muito medíocre vide o nosso prez Lulinha. durante 20 anos dizia ter uma alternativa progressista para o país e agora que podia por em prática não faz nada. está sendo ainda mais conservador que os militares e governa com o auxilio de Sarney ACM Delfim Passarinho e os donos de bancos.
Ô Chico. Tb tô querendo saber mais sobre essa estória. A Theatro de Séraphin abriu o festival e por conta de uma virose fudida não segurei a onda de ficar por lá. Assisti até a terceira banda, Rádio de Outono (Pe) - que achei muito parecido com a Penélope Charmosa - e pegamos a estrada de volta. Mas parece que a Sangria nem chegou a tocar, houve perna quebrada, ambulância etc.
ResponderExcluirSeguinte, queria postar mais um capítulo da novela "A ida de Setaro ao rockloco". Transcrevo abaixo e-mail recebido do nosso crítico predileto, o mesmo que que o quase milionário e celebridade Jean Wyllys uma vez descreveu como intolerante com os filmes da contemporaneidade.
ResponderExcluirÉ isso ai. Vamos torcer para que Setaro seja adepto da máxima Tom Zeana que afirma que palavra de homem racha mais não volta diferente, e finalmente nos dê o ar da graça nas vibrantes noites da Santa Cruz. Esclareço que como sempre creditei o trabalho sujo credor dos elogios do mestre aos de direito.
Abraços e porra como é que eu faço pra virar contributor galera? Vásifudêh! Na boa....
abraços
sora
"Constrangido, com o coração nas mãos, venho lhe dizer que também nesta quinta não poderei desfrutar do rock louco, pois é a semana do Seminário Internacional de Cinema e quinta, precisamente, é o dia da exibição de O cutelo (Le couperet), último filme de Costa-Gavras, de noite, no Teatro Castro Alves. Mas fique certa de uma coisa: quinta, dia 7 de abril de 2005, dou minha palavra de honra: estarei a posto no rock louco.
Acessei o blogspot do rock louco e gostei muito.
Um grande abraço e cheio de desculpas,
André Setaro"
É hoje Chicão,
ResponderExcluirpode botar a roupa de ver deus e pentear o cabelo que o homem disse sim. Com direito a mais elogios ao rockloco que mais uma vez aqui reproduzo. Valia um post, né não?
" Considerando que as faltas anteriores foram motivadas pela
impossibilidade de termos Franciel no evento radiofônico e pela
emergência do filme de Costa-Gavras, devo dizer, em alto e bom som,
que, sim, EU VOU AMANHÃ (07 de abril) AO ROCK LOUCO, esta loucura que se espraia
pela Bahia, provocando uma "debâcle" no "establishment", e, com isso,
o estabelecimento do caos. Caos, porém, necessário, apesar de
contrito. Poderia levar uma Ocridalina, amante e companheira? Esta, a
dolorosa e única interrogação.
Que a limousine esteja pronta e enfeitada na porta de meu prédio às 19 horas e 21 minutos.
André, Papa Setaro "