Da primeira vez em que colaborou com este blog, o companheiro Franciel Cruz não gostou da denominação rockloquete honorário, por acha-la um tanto... efeminada. Sugeriu, desta forma, que utilizássemos o termo rockloquista. De minha parte, nada tenho contra a primeira, cunhada, senão me engano, pela companheira rockloquete efetiva Sora Maia. Rockloquete ou rockloquista, o importante é que Franciel, cabeça pensante do jornalismo baiano, nos brinda com mais um belo texto de sua autoria, a propósito de um fantasma que assombra a inteligentzia nacional: Glauber Rocha. (Me lembrei até de um texto, o autor eu não lembro, que comparava Glauber e Buñuel, o estrago que ambos haviam involuntariamente causado à intelectualidade de seus países após suas mortes.) Leiam e vcs vão entender.
CANALHAS E FANTASMAS
Um espectro ronda de forma indelével a inteligentzia tropical - o espectro de Glauber Rocha. Desde que Dona Lúcia o pariu em Vitória da Conquista há pouco mais de 65 anos, no 14 de março de 1939, ele não pára de assombrar. Mas, sua figura fantasmagórica tornou-se mesmo insuportável depois de 22 de agosto de 1981, quando ele bateu as botas em um hospital do Rio de Janeiro. Definitivamente, este é um dia que nunca termina. A partir de então, é só choro e ranger de dentes. Viúvas verdadeiras, falsas e outras maizomenos protagonizam uma ladainha sem fim. Agora mesmo o cineasta entrou novamente na roda pelas mãos de Silvio Tendler com Glauber O Filme, Labirinto do Brasil.
Tento até ser compreensivo, mas meu maltratado saco transborda quando se descamba para o inevitável: "O que Glauber faria se estivesse vivo diante de...?". Caralho! Mandaria às favas os problemas de consciência, os culhões de Cristo, estas indagações impertinentes e continuaria com sua trajetória de loucas profecias e incoerências, ora... ou não? Como diria a vedete santamarense. Por falar nela, outro dia, em uma de suas chatas, inúteis e intermináveis polêmicas, contou que Glauber lhe confessara: "Meu candidato a presidente é ACM". Eta carai de asa. Viva a macumba transcendental! Aliás, nos apaixonados debates sobre arte, polititica, revolução e outros bichos afins, tão comuns em sua época, o conquistense guiava-se pela máxima do lírico Mário Quintana: "Que fique mal explicado. Não faço força para ser entendido. Quem faz sentido é o soldado".
E já que estamos no campo dos devaneios, Terra em Transe. O filme é, com perdão da má palavra, um oxímoro. Nele, Glauber expõe todas as suas dores, contradições e esperanças a partir de uma representação atemporal dos desmantelos e (im) possibilidades de grandezas de Pindorama. À parte eu apreciar muito os gritos lancinantes das óperas místicas de literatura de cordel e faroeste que são Deus e o Diabo e o Santo Guerreiro, acho Terra em Transe superior. E nem vou entrar nesta polêmica específica. É apenas minha mísera opinião.
Aliás, nem era só de Glauber que eu queria tratar quando comecei a digitar estas mal traçadas. Desejava também falar sobre o retrato do artista quando (se transforma em) canalha. Não, cambada, não é Glauber, mas sim Fagner. E onde é que a Bahia faz fronteira com o Ceará? Seguinte. Outro dia um amigo me contou que o Raimundo, nome que serviria para a rima drumondiana, transava nas escadarias do hospital em que o filho de Dona Lúcia padecia. Pensei: taí um cabra que era, novamente com o perdão da má palavra, tão iconoclasta quanto o Dragão da Maldade. Um homem que botava pra fuder, literalmente. Estreou em LP já furtando Cecília Meireles.
Porém, para além do amor ao alheio, Manera Fru Fru, Manera ou o Último Pau-de-Arara é uma pequena obra-prima. Entre outras malcriações, cometeu Orós, um disco absurdamente inquietante, com o auxílio luxuoso do bruxo Hermeto; no intermezzo, ainda gravou o bolachão que contém o biscoito finíssimo Sinal Fechado; produziu e incentivou artistas novos; apoiou talentos; jogou bola com Chico Buarque e... comeu gente na escada de hospital. Enfim, fez misera. Depois, todo o mundo já sabe o processo de vergonhosa patifaria a que este se submeteu. Abstenho-me de comentar. Só uma surra de cansanção e urtiga neste moleque, que hoje é filiado ao PSDB do Ceará e faz canções mela-cueca.
Tá tudo bem, tudo muito certo, mas cadê a moral da história? Sim, porque toda a fábula tem que ter uma. Se todos assim o fazem, não seria eu que desta lei da natureza deveria ter isenção. Vamos lá.
FANTASMAS: Gênios que morrem antes do tempo, como convém aos de boa cepa, e ficam perturbando mentes, corações e provocando desmantelos nos intestinos.
CANALHAS: Nós outros, gênios ou imbecis, que permanecemos vivos.
Franciel Cruz, o canalhinha-camarada.
Blog (que, nos seus primórdios, entre 2004-05, foi de um programa de rádio) sobre rock e cultura pop. Hoje é o blog de Chico Castro Jr., jornalista formado pela Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia. Atualmente, é repórter do Caderno 2+ do jornal A Tarde, no qual algumas das matérias vistas aqui foram anteriormente publicadas. Assina a coluna Coletânea, dedicada à música independente baiana. Nossa base é Salvador, Bahia, a cidade do axé, a cidade do terror.
2 comentários:
Sensacional o texto, o gosto musical não bate com o meu, mas faz sentido.Alias esse negocio de concordar com tudo ou discordar de tudo, não é comigo não.Concordo quando acho que devo, e vice-versa.O bom é puder ler textos inteligentes como este do Franciel.Chicão efetiva o homi!
pô, é só ele querer. e aí, Francis, vc tá na escuta? câmbio!
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