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segunda-feira, janeiro 17, 2005

Ainda sobre Armando Oliveira

Nosso companheiro e rockloquete honorário Franciel Cruz, jornalista de fina cepa e grande amigo, me enviou um sensível e belo obituário sobre Armando (que não, não era do rock, mas e daí?) que reproduzo sem cortes a seguir:

Ar-man-do Oliveeeira!

Logo após esta chamada acima, quem gostava de futebol costumava se ajeitar na poltrona para ouvir "o comentário abalizado do número 1 do Brasil", que começava sempre com o indefectível "meus amigos". A partir de então (desculpem-me, mas o chavão é inevitável), iniciava-se mais uma aula sobre a arte futebolística.Apesar de extremamente lúcido, quase cartesiano, o heptacampeão da Bola de Ouro guiava-se pela sábia e emocional sentença de Peter Shankley, técnico e escritor escocês: "O futebol não é uma questão de vida ou morte; é muito mais importante que isso". Armando falava sempre com difícil simplicidade, como só o fazem os grandes conhecedores.

Nunca houve na história do rádio da Bahia, e quiçá do Brasil, alguém com tanta intimidade para tratar dos acontecimentos nas quatro linhas. Possuia os segredos da clarividência. Em pouco menos de 15 minutos, era capaz de elaborar raciocínios cristalinos e convicentes sobre este algo tão inexato que é uma peleja de futebol. Sabia ver o jogo como ninguém, pois conhecia as manhas e tretas dos jogadores e técnicos. E dava pitos com uma elegância incomum, principalmente nesta raça de gente ruim, que é a cartolagem.

Ao contrário dos cientistas da bola que, a cada quatro anos, em época de Copa do Mundo, escrevem tratados antropológicos sobre a paixão nacional, Armando gostava de se ater à dramática batalha dos 90 minutos e das prorrogações diariamente. Mesmo extremamente inteligente, não era dado a estas firulas pseudo-intelectuais. Assim, para além de filosofices, fazia-se entender por qualquer um que verdadeiramente gostasse do esporte bretão.Em que pese trabalhar neste mar de lama que é o futebol brasileiro, jamais deixou-se cooptar pelo vil metal. Por tratar o futebol sem mistérios ou firulas, nunca se envolveu nos negócios enigmáticos, que tanto encantam os coleguinhas de profissão. O único mistério do qual se aproximava, e desvendava, era aquele relativo à disputa em campo.

O ex-torcedor do Colo-Colo também escrevia com correção. É uma pena, porém, que não conseguisse traduzir para o papel sua verve do rádio. Paciência. Cada um é para o que nasce. E elenasceu para ensinar futebol através das ondas radiofônicas ou da televisão. Era um homem da palavra falada.

E de palavra. Vítima de um câncer, decidiu, depois de ser destroçado por sessões de quimioterapia, que não mais faria o tratamento. "Vai morrer com a mesma dignidade com que viveu", confidenciou-me uma amiga, que privava da intimidade de Armando.E assim foi. Armando Oliveira, que não deixou sucessores, saiu de cena dignamente. Partiu um tanto quanto constrangido e indignado com a patifaria reinante no futebol baiano.

Fim de jogo.

P.S Em meados do último Campeonato Brasileiro, o atacante Obina deu uma entrevista reclamando que não balançava mais as redes "por encosto, trabalho da vizinhança". Sílvio Mendes perguntou a Armando se não seria um caso para o "departamento psicológico do Vitória". O comentarista, com sua habitual sabedoria e sarcasmo, sentenciou: "Nada de psicólogo, Sílvio. Vai confundir ainda mais a cabeça do rapaz. Deixa do jeito que tá".

Amém.

4 comentários:

  1. Um dos textos mais tocantes que já li, à altura do mestre Armando Oliveira.Pena que seja sobre a morte do nosso idolo Armando.Tem um dito popular que ironicamente afirma que o cemiterio tá cheio de gente insubstituivel, mas no caso de Armando Oliveira a ironia cessa.

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  2. Anônimo7:31 AM

    Porra...só soube agora que ele morreu.
    Ele merece as homenagens.
    Abraços
    Sid

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  3. Anônimo12:07 PM

    saudacoes ao velho sr. armando,pai do grande genio da guitarra baiana,e com isso volta a saudade do espetacular sr. cleo montalvao que nao era comentarista brilhante mas um grande narrador alem de sogro de bola ,pai de cleo.

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  4. Armando Oliveira foi o maior nome da crônica esportiva baiana. Inteligente e com uma perspicácia analítica rara, uma retórica segura e um nível de conhecimento das facetas do futebol espetacular. Quando Armando se foi, sentir a mesma coisa de ter perdido um parente ou "amigo do esporte" próximo. Armando foi para a crônica esportiva o que Florestan Fernandes foi para as Ciências Sociais Brasileiras, o que Milton Santos foi para a Geografia entre outros Mestres eternos...

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