Lara Aufranc em foto de Gal Oppido |
Muitos artistas se destacaram neste ano, mas foram tantos que sempre escapa um ou outro que não recebeu a devida atenção. A cantora paulistana Lara Aufranc certamente pode ser incluída neste rol.
Dona de uma voz arrepiante de tão bonita, Lara lançou em 2019 seu segundo álbum solo, Eu Você Um Nó. Muito elogiado pela crítica, este disco parece marcar uma virada criativa em sua carreira.
Mais introspectivo e reflexivo que os anteriores, Passagem (2017) e Em Boa Hora (2015) – este último lançado com sua antiga banda, Lara & Os Ultraleves –, Eu Você Um Nó é um pequeno-porém-precioso tratado sobre as difíceis relações humanas neste lugar e nesta época.
"É uma continuação natural. Eu Você Um Nó é um trabalho diferente, mais denso que o Passagem. Mas tem suas semelhanças, tanto que tenho tocado músicas dos dois discos nos shows e tá rolando super bem", afirma Lara, por email.
De fato, Eu Você Um Nó pode ser definido como um álbum sintético: tem apenas nove faixas e arranjos quase espartanos, só no baixo, guitarra, bateria e pouco mais.
"(Essa estética mais despojada) Foi uma escolha. Conseguimos aprovar o projeto do disco no Edital de Apoio à Criação Artística da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo – ou seja, dessa vez a gente tinha verba pra gravar. Eu quis fazer um disco cru, um som que funciona ao vivo, que não fica devendo nada pra gravação. Eu Você Um Nó é o resultado dessa escolha. Em paralelo, optei por remunerar muito bem a minha equipe, especialmente os músicos – que já foram parceiros em outros momentos, quando não tinha grana nem edital", conta.
Suas levadas são angulosas, secas às vezes, o que cria um contraste muito interessante com sua voz quente e sensual.
Em alguns momentos, lembra o que se fazia de melhor na cena paulistana dos anos 1980, entre a vanguarda paulista e o pós-punk.
“Eu gosto muito do Itamar (Assumpção) e do Jards (Macalé) – que não é paulista, mas tem a ver em loucura e criatividade. Tem um lance crítico nas letras, de contestação. Isso faz muito sentido pra mim, ainda mais nos dias de hoje”, observa.
“Talvez o momento histórico seja parecido. Tem uma desilusão, quase uma desesperança na humanidade. O som reflete essa angústia. Bowie, Iggy Pop, Nick Cave & The Bad Seeds, Portishead (já dos anos 1990). Tudo isso é muito atual”, acrescenta.
Cara, larguei o emprego
Lara. Foto Gal Oppido |
“O diretor artístico é um cara que pensa não só a parte musical, mas também estética (capa, conceito). Foi a primeira vez que tive essa figura na hora de construir um disco. Me ajudou com a escolha do repertório, participou de todos os ensaios, deu pitaco nos arranjos… Ele foi o nosso norte, meu e da banda”, conta Lara.
Antes de se jogar na carreira musical, Lara trabalhou como editora de vídeo. Largou tudo para se dedicar à sua paixão.
“Minha trajetória não foi linear. Estudei canto e piano, e tinha banda na época da faculdade. Mas era insegura, demorei pra me assumir compositora. A música é um universo masculino, isso me intimidava – e intimida até hoje. Eu estava saindo de uma adolescência difícil e o palco me dava muito medo. Me expor era um sofrimento. Trabalhar com audiovisual foi o jeito que eu encontrei pra levar uma vida tranquila. Eu sou viciada em cinema e era feliz na ilha de edição”, relata.
“Em 2012, eu comecei a pesquisar as origens do rock e descobri várias pérolas do blues. Música do começo do século 20, visceral, feita por descendentes de escravos. Me bateu forte e eu resolvi montar uma banda. Foi aí que surgiu Lara & Os Ultraleves. Pra mim foi importante parar de editar, foi o primeiro passo. O segundo foi assumir a minha identidade, meu nome e sobrenome. Passei a criar sem as amarras de um gênero musical, e sem me esconder atrás de uma banda. E no meio disso tudo, encontrei meu lugar no palco”, conta.
Ousada, Lara não hesita em se mostrar nua tanto na capa do disco novo quanto no clipe Llena de Agua, do álbum anterior. De fato, já passou da hora disso - um corpo nu à vista - ser algo que cause escândalo, quando há tanta coisa - essas sim, indecentes - nos estapeando na cara a todo momento.
"Sim, eu vejo dessa forma. A nudez é natural. Os defensores da moral e dos bons costumes tem o olhar deturpado. Enxergam pecado nos lugares mais absurdos. Um corpo é só um corpo, não tem nada demais. Em tempos de repressão e ignorância, não podemos retroceder", afirma.
Em plena atividade, evoluindo a cada álbum, Lara planeja agora levar seu show para outras plateias, fora de São Paulo.
"2019 foi um ano puxado pra mim. Além do disco e toda a burocracia do edital, eu fiz um curso técnico de teatro. Em 2020, quero gravar três videoclipes do Eu Você Um Nó, e também procurar outras oportunidades de atuar, especialmente no audiovisual. Gostei muito de sair de São Paulo com o disco novo, vou viajar mais no ano que vem. Tenho planos de ir para o Sul e Nordeste, talvez até uma pequena turnê na Europa. E tem outro lançamento previsto, mas ainda é surpresa!”, promete.
Então vem, Lara.
Eu você um nó / Lara Aufranc / YB Music / Disponível nas plataformas digitais
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