Acima e abaixo: imagens do livro. Divulgação |
Em conjunto, talvez as tatuagens possam nos dizer algo sobre o próprio povo, sua história, seus costumes.
No livro Uma História da Tatuagem no Brasil - Do século XIX à década de 1970, a historiadora Silvana Jeha nos oferece justamente isso: um pouco da história social do Brasil a partir da tatuagem.
Amanhã, ela estará em Salvador para lançar seu livro, uma belíssima peça de história popular brasileira (em edição de luxo, com muitas imagens e capa dura), no Museu de Arte da Bahia.
Como tem feito nos lançamentos em outras praças, haverá uma roda de conversa com a autora e um tatuador veterano convidado.
“Em Salvador será o Bingha, tatuador pioneiro da cidade (desde 1980) que aprendeu a tatuar com um coreano no Rio de Janeiro”, conta Silvana.
Ela pretende juntar os depoimentos que vem colhendo desses tatuadores veteranos para produzir um outro documento e passar a sabedoria destes mestres adiante, para os artistas mais jovens.
“Há muitos e muitas que me escrevem, sedentos de informações dessa história que é difícil de pesquisar justamente por ser popular. E infelizmente, a maior parte da documentação está em arquivos judiciários e páginas policiais dos jornais”, conta.
“A tatuagem é uma arte e uma cultura muito diversa, merece um olhar mais atento dos pesquisadores da cultura. Merece um lugar mais nobre na história cultural do Brasil e do mundo”, afirma Silvana.
Religiosidade e afetos
No livro, a pesquisadora enfoca a tatuagem antes da massificação que ocorreu no Brasil (e no mundo) dos anos 1980 / 90 para cá.
Para os mais jovens, pode parecer inimaginável, mas até os anos 1980, a tatuagem não maculava as “carnes nobres” de moças e senhoras de família.
Tatuagem era coisa de trabalhador braçal, marinheiro, prostituta, soldado raso – além de costume entre alguns povos africanos, indígenas e asiáticos.
"Há muitas suposições para esse fenômeno de massa e realmente muito universalizado que é a tatuagem. Para o caso brasileiro, eu sempre faço uma correlação com o samba, a capoeira, o funk: antes fenômenos exclusivamente populares e criminalizados, sendo que o funk ainda é. No livro, as pessoas tatuadas são lavradores, pedreiros, prostitutas, lavadeiras, pescadores, barbeiros, operários etc. Como a cultura de baixo atrai as classes mais abastadas? Acho que tem um tanto de desejo de transgredir as normas burguesas que são muito opressoras e conservadoras. Não é só isso, mas passa por aí. Historicamente, no ocidente, a tatuagem começou a se espalhar em outros grupos nas décadas de 1960 e 1970. Época de revoluções comportamentais na sexualidade, na cultura. São os hippies, os punks, roqueiros, gangues variadas, surfistas urbanos, entre outros, que começam a se tatuar nesse período. Tribos urbanas que foram ditando comportamentos que se tornaram depois fenômenos de massa. Ao que parece que são eles em alguma medida que fazem essa passagem para a popularização. Mas esse é um tema muito vasto que merece mais pesquisa", observa.
“No livro não trato dessa passagem (para a massificação). O subtítulo é Do século XIX à década de 1970, quando a tatuagem era de fato uma cultura popular e também étnica. Não só indígenas e africanos se tatuavam – no caso dos africanos usa-se mais a palavra escarificação – mas também os imigrantes europeus, árabes e asiáticos que chegaram aos milhões na passagem do século 19 ao 20 trouxeram tanto a tatuagem dita ocidental quanto a de seus povos de origem”, pontua Silvana.
“Se você olhar o índice do livro verá a lista de seus personagens: marítimos, soldados, africanas e africanos, imigrantes, artistas, trabalhadores e trabalhadoras (principalmente prostitutas), prisioneiros. Acresci os dois motivos principais do uso da tatuagem: a religiosidade e os afetos. E por afetos entendo amor, ódio, paixão, desejo, virilidade, saudade”, detalha.
O curioso é que, na verdade, a história da tatuagem nem era a princípio, o objeto de estudo da autora. “Eu acabara de defender uma tese de doutorado sobre marinheiros da Marinha de Guerra no Brasil Imperial, onde havia uma pequena seção sobre tatuagem. Até hoje os registros mais antigos que encontrei da tatuagem dita ocidental foi em listas de navios da década de 1830”, conta Silvana.
“Enfim, parece que foram os marítimos os principais responsáveis por espalhar essa cultura no país. Como tatuagem era um assunto muito popular e sua história pouco pesquisada, quando acabei a tese, resolvi fazer um projeto sobre a história da tatuagem no Brasil e ganhei uma bolsa da Biblioteca Nacional”, relata.
Apesar de ser fruto de uma pesquisa acadêmica, é bom que se diga: Uma história da tatuagem no Brasil passa longe do hermetismo das academias. De fácil leitura, é acessível a qualquer pessoa alfabetizada.
“O livro pode ser lido como um mosaico de gentes, uma leitura da formação do povo brasileiro, uma história vista de baixo, onde homens e mulheres estão lutando pela sua sobrevivência em meio a suas paixões, desejos e fé. O livro tem dezenas ou mesmo centenas de histórias de pessoas que se tatuavam. Pus o título Uma história da tatuagem no Brasil pois toda história é parcial e incompleta. Infelizmente não deu para eu escrever o capítulo da tatuagem indígena, que é de fato a pioneira no território que hoje chamamos de Brasil. E vários povos ainda se tatuam, como os Ikpeng, Matis, Kaiabi. Korotowi Taffarel, Ikpeng, escreveu uma dissertação belíssima sobre o ritual da tatuagem de seu povo”, conta.
Nessa toada, Silvana acabou se surpreendendo com algumas de suas descobertas, até mesmo sobre suas próprias origens.
"Muita coisa me surpreendeu. Do ponto de vista pessoal, que a tatuagem era popular entre os imigrantes sírios e libaneses, dos quais eu descendo. Nunca ninguém na minha família tinha mencionado essa cultura. Eu atribuo ao fato de que como a tatuagem era marginalizada no Brasil da época que eles chegaram, foi uma memória apagada para se afastar do estigma. Isso não impediu que vários sirios e libaneses tenham se tornado tatuadores eventuais, como mostra a documentação. Outras novidades foram a tatuagem no mundo do samba, capoeira, a tatuagem patriótica entre soldados, a tatuagem religiosa", detalha.
"É muito difícil dirigir a leitura do que a gente escreve. Mas eu tenho sim uma intenção subjacente no livro: é 'popularizar a história popular' que a gente produz com todo o rigor na Universidade há décadas. É a história do povo brasileiro, sem folclorismo, mitos, bem documentada. É sobre sua diversidade, sensibilidade, originalidade. A gente pode se orgulhar da nossa diversidade e criatividade sem ser ufanista, produzindo e lendo história. No caso dos historiadores profissionais, uma história cheia de notas de rodapé, pra dizer de onde a gente tirou aquela informação. As pessoas que encontrei nos arquivos que pesquisei são pessoas comuns, mas também extraordinárias", afirma.
Agora, Silvana se dedica à pesquisar a vida e a memória na obra de dois artistas que produziram em manicômios: Arthur Bispo do Rosário e Aurora Cursino dos Santos.
"Bispo foi marinheiro e pugilista e Aurora, prostituta. Ambos versam sobre suas profissões nas suas obras. É isso que me interessa neles, além de grande artistas, produziram discurso e memória de si, documentos menos comuns da classe trabalhadora que viveu na primeira metade do século XX. Eles não só produziram bordados, esculturas e pinturas, como textos dentro da sua obra plástica. Estou fascinada pelo que dizem de si e do Brasil de sua época", conclui.
Que venha um novo livro.
Lançamento e roda de conversa com Silvana Jeha: Amanhã, 18h / Museu de Arte da Bahia (Corredor da Vitória) / Participação: Bingha
Uma História da Tatuagem no Brasil – Do Século XIX à Década de 1970 / Silvana Jeha / Veneta / 352 p. / R$ 109,90
https://www.metro1.com.br/noticias/bahia/82108,grupo-cristao-pede-oracoes-antes-de-atracar-navio-em-salvador-cidade-que-cre-em-demonios
ResponderExcluirTinham me falado que essa livraria era um embuste... só vendia livro evangélico... até aí tudo bem...direito de cada um...mas se diz a maior livraria flutuante do mundo... deveria então ser chamado a maior livraria evangélica flutuante... aí quem quisesse ia ou não...agora falar da crença de um povo, chegar numa cidade e fazer uma palhaçada dessas...vou boicotar e falar pra todo mundo boicotar e fazer o mesmo...e isso chegar nas autoridades locais...pode ser até um crime ... não sei como é na lei, mas intolerância religiosa é crime...divulguem isso para as pessoas NÃO irem...tem que respeitar a religião de cada um.