Cannabis: A ilegalização da maconha nos Estados Unidos, de Box Brown, vai buscar o que está na origem da criminalização da erva: racismo e desprezo à ciência
El Paso, Texas, 2 de agosto último. Um supremacista branco de 21 anos abre fogo contra uma população majoritariamente composta de mexicanos e demais imigrantes latinos, matando 22 pessoas e ferindo outras tantas.
O fato não deixa de piscar na mente do leitor da HQ Cannabis: A ilegalização da maconha nos Estados Unidos, de Box Brown.
Está lá, na página 60: “El Paso, Texas, 1914. Uma briga entre texanos brancos e imigrantes mexicanos. Os policiais encontraram maconha com os imigrantes”.
“Os mexicanos estavam todos fumando esse negócio”, afirma um dos brancos envolvidos.
Imediatamente, polícia, políticos e imprensa local demonizam a erva: “Quando eles fumam a tal da marijuana, ela os deixa violentos”, afirma um guarda, enquanto um colega fardado esmurra a cabeça de um chicano.
A associação da maconha com os mexicanos foi a senha que os ianques precisavam para confirmar seu desprezo aos latinos.
“Está claro que as nações prósperas preferem o álcool, e as nações inferiores, a cannabis”, concluiu um jornal local.
O resultado foi um aumento na perseguição e detenção de latinos na cidade.
E assim, El Paso se tornou a primeira cidade norte-americana a ilegalizar a maconha.
Mais de 100 anos depois, mexicanos, preconceito e violência seguem sendo o “prato do dia” em El Paso – bem como no resto da Trumplândia e suas colônias submissas – Brasil incluído, claro.
Salvo a conexão com o massacre do dia 2 último, toda essa história é apenas uma das muitas que o quadrinista Box Brown conta nesta extraordinária reportagem em HQ que vai na origem da criminalização da maconha nos EUA e, depois, no resto do mundo.
Nepotismo e fake news
Com sua narrativa ágil e arte limpa, quase minimalista, Brown conduz o leitor por diversos ângulos da história da maconha e sua relação com os seres humanos – e até, porque não – com as divindades, buscando as raízes religiosas e culturais da maconha na Índia através da lenda do deus Shiva na mitologia hindu.
Mais próxima a nós, ele conta que a maconha chegou às Américas em 1518, quando a armada do conquistador espanhol Hernán Cortéz invadiu e reivindicou o México.
Na época, o cânhamo, fibra da cannabis, estava nas velas e cordas dos navios, e seu óleo era utilizado na tinta dos pintores.
Os índios maias, que já consumiam o cogumelo alucinógeno psilocibina, logo descobriram as propriedades psicoativas dos botões da planta.
Quando seu uso se alastrou, espalhou-se que eles a usavam para “entrar em contato com o mundo espiritual”.
A Igreja Católica, sempre ciosa de seu rebanho, claro, não gostou. Como se vê, tem sempre alguém pronto pra “cortar o barato” do cidadão.
Outro personagem fundamental em Cannabis é Harry J. Anslinger, o primeiro comissário do Departamento Federal de Narcóticos, cargo conseguido graças à influência de sua esposa junto ao tio desta, o político e diplomata Andrew W. Mellon.
Temente a Deus, Anslinger dedicou sua vida a criminalizar a erva e seus usuários, ignorando diversas pesquisas científicas cujas conclusões iam contra suas convicções – se parece familiar, é mesmo.
Anslinger encontrou um poderoso aliado em William Randolph Hearst, o maior magnata das comunicações da época. Logo, seus jornais de costa a costa publicavam fake news sensacionalistas sobre como a maconha enlouquecia os jovens e os induzia ao crime.
Não a toa, foram os jornais de Hearst que originaram o termo “imprensa marrom”, que designa periódicos sensacionalistas e não confiáveis.
Ainda que a posição do autor seja claramente pró-legalização da maconha, a leitura é válida para todos que desejam construir seu próprio ponto de vista sobre o polêmico assunto, já que seus fatos são todos verídicos e facilmente verificáveis, inclusive com referências bibliográficas.
Cannabis: A ilegalização da maconha nos Estados Unidos / Box Brown / Mino/ 256 p./ R$ 69,90
Blog (que, nos seus primórdios, entre 2004-05, foi de um programa de rádio) sobre rock e cultura pop. Hoje é o blog de Chico Castro Jr., jornalista formado pela Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia. Atualmente, é repórter do Caderno 2+ do jornal A Tarde, no qual algumas das matérias vistas aqui foram anteriormente publicadas. Assina a coluna Coletânea, dedicada à música independente baiana. Nossa base é Salvador, Bahia, a cidade do axé, a cidade do terror.
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