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quarta-feira, abril 17, 2019

UMA CANTORA EM BUSCA DA PRÓPRIA VOZ

Apaixonada pesquisadora e belíssima cantora, Alissa Sanders e banda fazem show sábado, no Tamar

Alissa, fotos Thamires Mulatinho
Se tem alguém cuja opinião o colunista leva em alta consideração, este alguém é Ronnie Von. Há alguns anos, o Príncipe da Jovem Guarda recebeu em seu programa  de TV, o Todo Seu, a cantora norte-americana Alissa Sanders. O homem só faltou beijar os pés da moça, tamanha sua admiração pelo seu talento.

Residente em Salvador já há alguns anos, Alissa volta e meia faz shows em palcos amigáveis ao jazz vocal da cidade. E neste sábado, o feriadão em Praia do Forte vai ficar ainda melhor com seu show no Projeto Tamar.

No palco, ela e sua banda, formada por Márcio Pereira (guitarra), Giroux Wanziler (baixo) e Laurent Rivemales (bateria) apresentarão standards do jazz e da MPB.

Acontece que Alissa, felizmente, não é só uma cantora de velhos (ainda que maravilhosos e eternos)  standards. Ela é uma apaixonada pesquisadora dos caminhos que a música oriunda da diáspora africana faz pelo mundo, incluindo Brasil, Estados Unidos, Venezuela, Oriente Médio.

“Meu universo é jazz, apesar de eu não me considerar uma cantora de jazz tradicional.  Eu não escuto jazz o dia todo e nunca estudei de forma formal.  Eu canto jazz porque é algo que sinto no corpo, quando sai minha voz, sai soando como uma voz de jazz, com os ritmos e sotaques do jazz e é parte da minha história, minha herança”, afirma.

“Então no show  você vai ouvir standards como My Funny Valentine, Body and Soul, Social Call, All the Things You Are, etc.  De brasileiro, algumas coisas de bossa nova, porque é a forma de música brasileira que de certa forma mais facilmente ‘casa’ com o jazz”, conta.

"Porém, meus novos trabalhos e o show que estou desenvolvendo atualmente com músicos em São Paulo e Etiópia traz musicas populares de vários gêneros brasileiros e americanos, ingleses e até israelenses para o universo do jazz. As vezes esquecemos que os standards de jazz e bossa nova foram músicas populares dos tempos passados. Acho que o repertório de jazz pode e deve incluir musicas contemporâneas também. Em meu próximo show, Playlist, que estou produzindo com pianista e diretor musical Marcos Romera (em São Paulo) você vai ouvir músicas de Radiohead, Björk, Idan Raichel (de Israel) e outros. Música autoral está a vir também, mas isto é um processo um pouco mais lento para mim. Me considero uma intérprete mais do que uma compositora. Mas tenho muitas histórias para contar e só eu conheço elas. Aí vou ter que desenvolver a habilidade de fazer composições autorais. (Me) Vejo fazendo isto em parceria com outros músicos. Estou muito na onda da colaboração", detalha Alissa.

Mas vamos por partes. Olha só que bonito o relato de sua chegada à Salvador, há alguns atrás: “Sem duvida, foi a espiritualidade e uma chamada de meus ancestrais que me trouxe para Bahia.  Quando era adolescente, vi uma reportagem numa revista negra muito importante nos EUA, chamada Essence.  A reportagem mostrou a Festa de Boa Morte e falou da Irmandade (em Cachoeira).  Nesta época, não chegava muitas informações sobre outras culturas negras, a não ser as da África. Fiquei fascinada e pensei na hora que um dia iria conhecer este lugar com pessoas que parecia comigo”, conta.

“Dez anos depois eu estava na Venezuela, lembrei da reportagem e resolvi ir para a Bahia.  Peguei um voo de Caracas para Manaus e depois para Belém, e de Belém para Salvador de ônibus: 33 horas!  Quando cheguei em Salvador e desci na rodoviária, lembro do cheiro que meu nariz encontrou. Foi minha primeira vez em Salvador, mas o cheiro que encontrei foi familiar, conhecido. Não entendi porque.  Busquei na memória um imagem ou lembrança do cheiro. Na casa de alguém: uma tia, minha avó?  Mas não encontrei a memória nesta vida. Tenho certeza que o cheiro de Salvador despertou uma memória de vidas passadas - minhas ou do meus ancestrais.  Minha conexão com essa terra é forte”, afirma.

"O que mais me atrai na música baiana é na verdade a música tradicional: samba de roda, samba chula, as manifestações musicais do Recôncavo da Bahia. Como minha experiência com o cheiro de Salvador, encontro em Samba de Roda, Samba Chula uma reconhecimento profundo, mesmo que estou ainda conhecendo e agora começando a estudar mesmo com músicos no Recôncavo. Quando escuto, parece que minha alma reconhece os sons, os ritmos e que meu processo de escutar e aprender a tocar e cantar é apenas uma processo de relembrar algo que está já dentro de mim. Uma coisa ancestral sem duvida", acrescenta.

"Mas os estilos populares que curto são muitos!  Mais fácil dizer o que não curto: sertaneja, arrocha, Axé music, 'pagode da baixaria', como se referem meus amigos às músicas com uma palavra no verso e dois acordes para acompanhar a melodia de uma nota só", conta.

Cachoeira, Mali

Comissária de bordo da American Airlines, Alissa morou 12 anos em São Paulo, mas agora fixou residência em Salvador, de onde parte para shows e pesquisas musicais pelo Brasil e o mundo.

"Gostei de (morar em) São Paulo, mas nunca senti a mesma familiaridade - nunca me senti em casa, do jeito que me sinto na Bahia. Depois de 12 anos de vai e volta entre os EUA e SP, mudei minha residência para a Bahia de novo. Agora tenho uma residência em Salvador, porém estou viajando muito no exterior", conta.

Em maio, ela viaja para Israel e Etiópia: “Ano passado comecei um projeto chamado Finding My Voice (Encontrando Minha Voz).  O projeto é tanto uma busca de identidade sonora e artística, quanto uma busca para minha voz como uma artista no mundo. Qual mensagem tenho para compartilhar, quais histórias posso contar”.

"Intuitivamente, entendi que colaborar com outros artistas fará parte do processo e que precisava viajar como parte desta busca. Me inspirei no trabalho do Idan Raichel e seu projeto de montar uma banda com pessoas de varias países do mundo, cantando vários estilos em várias línguas e também com seus trabalhos em parceria com Vieux Farka Touré. Senti que a trajetória dela poderia me apontar no meu caminho. Resolvi ir para Israel para encontra-lo. Ai fui! Não sabia que lá ele é TÃO famoso. Ele é como a Ivete Sangalo de Israel, só que é homem (rsrsrs). Mas é deste nível de fama.  E fui tão empolgada que consegui conhece-lo! Me deu muitos conselhos bons e falou do seu processo de criação e várias ideias. Passei dois meses em Israel e neste tempo também procurei conhecer a cena de música lá para entender o que deu inspiração ao projeto do Raichel. Vi que lá em Israel musica pop inclui música em várias línguas culturas. Isto é algo que jamais ocorreria nos EUA e que não vemos no Brasil. Tem cantores de pop de origem da Etiópia cantando em sua língua-mãe, tem musica árabe de vários países, tem estilos que tem raízes em culturas do leste europeu, tem tantas sabores bons na sopa de musica que é o pop israelense. Me inspirei muito nisto e tive a oportunidade de fazer dois shows lá com músicos israelenses tocando músicas brasileiros! Olha só. Uma americana em Israel cantando musica brasileira. Isto é minha vida! Etiopia eu passei no caminho para Israel.  Sempre quis visitar e é tão perto que resolvi dar um pulo lá. Minha cidade natal, Los Angeles, tem muita gente de Etiópia e Eritreia e sempre as pessoas acharam que eu vim destes países. Fiquei três semanas em Addis Abeba bebendo da fonte de EthioJazz e conhecendo vários músicos que tocam este gênero, inclusive uns americanos. Também tive a oportunidade de conhecer estilos tradicionais da Etiopia. O país tem mais de 80 grupos étnicos e o povo fala mais de 80 línguas. Cada região tem sua dança, seus ritmos e cantos. Foi fascinante poder beber desta fonte de cultura profunda e milenar.  Um dos músicos que conheci lá foi oHaddis Alemayehu, conhecido como HaddinQo, que veio para o Brasil a meu convite e passou o Carnaval aqui na Bahia. Nesta troca realizei meu sonho de colaboração e foi incrível ver a troca entre Haddis e os músicos brasileiros.  Ele não conhecia nada sobre música brasileira quando chegou aqui. Mas conseguiu entender na linguagem de música brasileira coisas que podia conectar com a linguagem da música dele. As colaborações que fizemos foram inspiradoras e lindas.  Foi embora da Bahia apaixonado pelas músicas e pela cultura e as pessoas daqui e temos planos para desenvolver mais colaborações e intercâmbios entre músicos e a musica do Etiópia e do Brasil. Volto agora para participar numa oficina de canto sagrado em Israel e de fazer uma apresentação, fortalecer os laços com os músicos e amigos em ambos países e de dar continuação ao processo de Finding My Voice que iniciei em 2018. Na Etiópia vou poder viajar um pouco pelo pais também", detalha.

E assim ela vai fazendo conexões entre a música que se faz aqui e em outras partes do mundo. No Recôncavo, por exemplo, ela descobriu conexões entre o som regional da viola machete com a música do Mali, norte da África.

“Fui numa apresentação de lançamento da Cartilha de Samba Chula, uma obra-prima produzida por Katharina Doring (pesquisadora e professora na UFBA e UNEB) e Sinésio Góes (um artista e educador que nasceu nas tradições de música e dança de matriz africana no Recôncavo e viaja o mundo todo para mostrar, ensinar e ajudar preservar as tradições). Teve um senhor, chamado Aurélio, tocando viola machete. Só ele, tocando e cantando.  Me arrepiei.  Fiquei quase em transe”, relata.

“Ouvi nas melodias, nas escalas, no jeito de tocar e no estilo de cantar a ligação entre essa música e a de Ali Farka Touré, (o músico mais popular) do Mali.  As notas parecem contar a história de como o povo negro chegou nas terras americanas e de tudo que deixou para trás. Sento e ouço a mesma conexão e ligação entre o blues dos EUA e a música de Ali Farka Touré. Como que vejo essa similaridade?  O povo africano que chegou nas Américas perdeu seus parentes, seus bens, seus nomes, suas línguas, suas identidades, por conta do processo de ser escravizado. Porém, o processo da escravidão não podia apagar a memória e a cultura desse povo completamente. A música é um alimento para a alma do ser humano. Claro que os africanos nas Américas tocaram e cantaram as músicas de suas terras e foram passando a memória das músicas de geração em geração - sempre mudando por conta das influências novas, experiências novas, o próprio processo de evolução e transformação. Mas a raiz permanece e é esta raiz que forma a ligação, ou seja a similaridade entre o blues nos e EUA e o samba no Brasil”, conclui.

Alissa Sanders (EUA) / sábado, 19 horas /  Projeto TAMAR (Praia do Forte) / R$ 60 e R$ 30



NUETAS

A Flauta Porn no BB

Amanhã tem o indie eletrônico do Soft Porn no Bardos Bardos. 20 horas, pague quanto puder.  E na quinta-feira, véspera de feriado, a banda A Flauta Vértebra, da ótima cantora Sohl, se apresenta no mesmo bat-local e esquema.

Quinta de blues

Na quinta-feira também tem Julio Caldas e Cássio Nobre fazendo Blues Sessions no Solar Gastronomia (Rio Vermelho). 20h30, R$ 15. Mas tem mais blues nesta quinta, com a banda Restgate Blues no Lebowski Pub. 20 horas, R$ 10 (antecipado) e R$ 15.

Maragogipe rocks

Essa é pra quem já está ou vai para o Recôncavo no feriadão. Sábado rola a 4ª edição do Festival Aleluia Rock, com Duda Spínola, Vovó do Mangue e Jack Doido. A partir das 20 horas, na Fundação Vovó do Mangue, em Maragojipe, entrada gratuita.

Páscoa Sonora

E depois de todo o chocolate do domingo de páscoa, sue um pouco com a Sonora Amaralina no Mercadão.cc. Baita som às 19 horas, R$ 10.

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