Gregório em uma das ilustrações do livro |
Aposta da editora paulista Noir – de outro grande jornalista e escritor baiano, Gonçalo Júnior – Eu, Gregório, terá eventos de lançamento aqui em Salvador, São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Brasília e Porto Alegre.
Em Salvador o lançamento é hoje, no Palacete das Artes, com pompa e circunstância ao estilo irreverente do autor: com pocket show do grupo de jazz Geleia Solar (banda base da Jam no MAM), música ambiente do DJ Elettra (leia-se Professor Doutor Messias Guimarães Bandeira) e performances-surpresa.
Mais: ao chegar no Palacete, todos receberão máscaras de gato. Todo esse esquema é parte de um esforço particular de Raul, uma espécie de manifesto anti-caretice.
“Não tem coisa mais chata do que lançamento de livro, não é? No caso de Gregório, tenha certeza quem for que enfadonho não será, inclusive no que se refere ao autógrafo. O jazz da Geleia Solar e do DJ Eletra vão ajudar a levantar o nosso moral, sem falar das performances”, promete Raul.
“Sim, pretendo fazer um evento que, por via da literatura, canalize as forças reprimidas de uma cidade que parece desbotada, sem vida, aniquilada pela crise, pelo golpe”, avisa o autor.
Em um tempo onde escritores estreantes costumam encontrar as portas das editoras fechadas, recorrendo às campanhas de crowdfunding a fim de ver seus livros materializados, Raul até que não precisou gastar muita sola de sapato.
“Enviei o livro para a (editora) Boitempo, mas, depois, descobri que ele não caberia no perfil da editora. Acho que ‘dona’ Ivana Jinkings (da Boitempo) sequer o leu”, conta.
“Depois, o enviei a Noir, uma editora nova e com uma proposta arrojada. O editor, Gonçalo Jr., me ligou e, antes de terminar de lê-lo, mandou o contrato. Assinei. Agora, Gregório ganhou vida e vai seguir por aí, espero, de porto em porto”, relata.
De fato, Gregório parece que já nasceu de malas prontas: com o entusiasmo que a obra causou na editora, traduções para o espanhol, inglês, francês, italiano e alemão já estão sendo providenciadas.
Gato sapiens
Jornalista experiente, Raul Moreira cobria corridas de Fórmula 1 nos anos 90 |
Nas páginas de Eu, Gregório, o leitor vai se deparar justamente com o oposto: o fascínio exercido pelos seres humanos sobre os gatos.
Pet de uma intelectual acadêmica lésbica, Gregório, de alguma forma, absorveu toda a leitura e conhecimento de sua dona, Mimi.
Esta, contudo, está enfrentando seus últimos dias de vida, acometida por uma doença misteriosa e desenganada pelos médicos.
Narrado em primeira pessoa pelo próprio felis catus domestica, o texto é um primor de bem escrito, alternando entre os fatos que ocorreram – e seguem ocorrendo – com Mimi e as observações de Gregório.
“Bem, canalha, eu sempre gostei de gatos, tive gatos, aqui em Salvador, na Itália, na Irlanda, gatos frajolas, quase sempre. Sim, tenho um fraco por gatos, talvez pelas mesmas razões que todos se encantam: eles são assim, por demais.... A partir de um gato, o dúbio Gregório, resolvi construir uma história na qual especulo a respeito de uma questão crucial: o existir. Naturalmente que o ‘existir’ é pautado em cima da dicotomia entre a vida e a morte”, diz Raul.
“Eu, Gregório, no fundo, é uma espécie de tratado a respeito da dor da finitude. Ao lidar com tal questão, os dois personagens centrais expõem seus medos, angústias, desejos, os quais são ordenados dentro de uma narrativa que muitas vezes joga com o ‘ser e o não ser’: Gregório é vida e morte, felicidade e infelicidade, bem e mal. Gregório é foda”, entusiasma-se o autor.
Gregório, obviamente, está longe de ser o primeiro gato de ficção. A literatura infantil e os quadrinhos estão cheios de felinos das mais diversas espécies, cores e personalidades.
Mas em literatura adulta felinos – ou quaisquer outros animais – são mais raros enquanto protagonistas e narradores. Flush: Uma Biografia (1933), narrado pelo cão do título, da modernista Virginia Woolf, é um exemplo.
“Naturalmente que podemos pensar em Flush, o cão a partir do qual Virginia Woolf retrata o seu incômodo diante do seu mundo. Há, também, uma forte tradição ‘felina’ na literatura japonesa, a exemplo do clássico Eu Sou Um Gato, de Natsume Soseki, e tantos outros, tradição que se estende para os mangás, também”, lembra Raul.
"Em resumo, o gato foi, é e continuará a ser, por conta do seu fascínio e mistério, aquele bichano que alimenta a fantasia de artistas, de escritores, pois, são 'instrumentos' ideais para a condição de um tipo de narrativa que normalmente se faz sedutora a partir de sua condição, de como é visto. Os gatos têm mais chances do que bois, do que cobras, superando, também, os nossos 'queridinhos' cães", afirma.
Ex-dono de diversos gatos, Raul não esconde – agora sim – seu fascínio pelos bichanos. “Os gatos são fascinantes justamente pelo fato de que nós não somos capazes de capturá-los nas suas emoções, de domá-los, de nos tornarmos seus senhores, como conseguimos fazer com os cães”, diz.
“Gregório, na condição de narrador, se vale das ‘armas’ imputadas aos felinos pelos próprios humanos. E, de forma sarcástica e até cruel, brinca com essa ‘condição’. Ele se vinga em cima dos humanos, ainda que, em certo momentos se sinta um Homo Sapiens”, conclui Raul.
Lançamento: Eu Gregório, de Raul Moreira / Hoje, das 17h30 às 21h30 / Palacete das Artes (Graça) / Com banda Geleia Solar, DJ Elettra
Eu Gregório / Raul Moreira / Editora Noir/ 140 páginas/ R$ 44,90 / www.editoranoir.com
Trecho: “Sei que você, agora, deve estar se perguntando como sou capaz de possuir, na qualidade de um mísero gato, aparato cognitivo tão sofisticado, reconheçamos. Não sei a resposta. (...) Aliás, suspeito que há muito mais felinos por aí carregando esse intelecto surpreendente.”
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