Jessica Valenti. Foto Leslie Hassler / divulgação |
Colunista da edição on line do tradicional jornal britânico The Guardian, Jessica teve seu livro de memórias recentemente lançado no Brasil, via editora Cultrix: Objeto Sexual: Memórias de uma Feminista.
Ousado, o livro traz um relato em primeira pessoa sem amarras: Jessica conta sobre as (várias) vezes em que foi assediada ou abusada – um homem ejaculou em sua calça no metrô quando era adolescente –, sobre abortos, sobre os namorados que teve e também uma fase mais farrista, em que curtiu usar drogas.
Desta forma, este é, como o título já deixa claro, rigorosamente um livro de memórias. Portanto não é o caso de se procurar aqui as ideias e teorias acerca do feminismo desenvolvidas por Jessica.
Suas ideias podem ser encontradas nos livros em que escreveu, como Full Frontal Feminism: A Young Woman's Guide to Why Feminism Matters (Feminismo Total: O Guia de Uma Jovem Mulher Sobre Porque o Feminismo Importa), He's a Stud, She's a Slut, and 49 Other Double Standards Every Woman Should Know (Ele é Pegador, Ela é Vadia e Outros 49 Casos de Dois Pesos e Duas Medidas que Toda Mulher Deveria Conhecer) e The Purity Myth: How America's Obsession with Virginity Is Hurting Young Women (O Mito da Pureza: Como a Obsessão da América pela Virgindade Está Ferindo as Jovens), entre outros – além dos seus artigos.
Linhagem de vítimas
Filha de um casal de comerciantes de roupas de Nova York, Jessica descobriu bem cedo que, para muitos homens, ela não passava de um “objeto sexual”.
Aos doze anos, um homem lhe exibiu o pênis em um vagão de metrô.
Ao contar o fato em casa, soube de sua mãe que, tanto ela quanto sua avó e suas tias já haviam passado por episódios semelhantes, alguns mais ou menos graves.
Conclusão: as mulheres formam uma linhagem de vítimas de violências – grandes ou pequenas – que se sucedem, geração após geração.
“Mas pior do que o abuso em si era a aterradora compreensão do que significava ser do sexo feminino: não era uma questão de se algo ruim aconteceria, mas de quando e de quão ruim seria”, escreve.
“A frequência com que as mulheres da minha família sofreram abuso ou foram agredidas sexualmente tornou-se uma mensagem com luzes piscantes codificada em nosso DNA: Me. Machuque”, percebe a escritora.
Nos anos seguintes, Jessica apenas viu aumentar a frequência com que era ofendida e humilhada, especialmente por ser uma mulher sexualmente ativa e envolvida no movimento feminista.
Já na faculdade, após dormir com um rapaz, um preservativo usado foi pregado à porta do seu dormitório, acima da palavra “vadia” rabiscada.
Foi o primeiro de muitos.
Já atuando no movimento feminista, um (supostamente) conceituado repórter político escreveu e publicou um artigo inteiro apenas sobre seus seios, a partir de uma foto sua ao lado de Bill Clinton.
Depois de fundar, com uma amiga, o site Feministing, foi que a coisa piorou de vez. Passou a receber constantes ameaças de morte e estupro – ameaças estas que foram estendidas à sua filha, Layla (hoje com sete anos) mal ela havia nascido.
Ainda hoje, Jessica recebe ofensas e ameaças em ritmo diário, conforme ela mesma nos conta nesta entrevista exclusiva, concedida por email, ao Caderno 2+.
ENTREVISTA COMPLETA: JESSICA VALENTI: “Não há nenhuma boa razão para não abraçar a igualdade entre homens e mulheres”
Porque a senhora acha que algumas pessoas tem tanta raiva do feminismo?
Jessica. Ft Brendan Bush (Roanoke College Wikicommons) |
Como é ser uma feminista no governo Trump? Pior do que no governo Obama?
Muito pior, porque tudo se tornou muito mais urgente e muitos avanços que tivemos no governo Obama foram anulados. Fora da política, também tem a incrível mudança cultural que tem sido tão anti-mulheres – toda essa gente sexista e racista que estava calada até alguns anos atrás se tornou muito mais ousada.
Você não se preocupou em falar tão abertamente (no seu livro) sobre sexo e drogas em uma época tão (falsamente) moralista? Ou devemos falar mais sobre sexo e drogas justamente por vivermos nesta época?
Não me preocupei muito - era apenas a verdade. Também acho que existe uma preocupação a mais quando mulheres escrevem sobre esses temas. Homens tem escrito sobre sexo e drogas desde sempre, e isso jamais foi considerado controverso.
Quais são as maiores mentiras (ou fake news) sobre o feminismo que acabam servindo para voltar as Pessoas contra a causa?
Acho que um dos maiores mitos sobre o feminismo é que odiamos os homens, ou que queremos destruir a família. A verdade é que os homens se beneficiariam do feminismo em suas vidas.
O que você diria às mulheres que não se identificam com o feminismo?
Não acho que todo mundo é, ou deva ser, feminista. A mim parece um pouco derrotista não se envolver com o feminismo, mas a verdade é que precisamos de pessoas apaixonadas e seguras de si no movimento.
A senhora ainda recebe ameaças e insultos? Já processou alguém?
Não processei ninguém, mas obrigada pela ideia. Recebo ameaças e assédio todos os dias, isso se tornou parte de minha vida, o que é bem triste.
O feminismo teve muitas vitórias no século passado, desde o direito ao voto. Qual você diria ser a próxima grande conquista do movimento no século 21?
Ótima pergunta! Acho que a próxima batalha é garantir que meninos não cresçam como sexistas. Já fizemos um desserviço à inúmeros jovens permitindo que fossem doutrinados pela misoginia.
Seria lícito acreditar que o feminismo beneficiaria não apenas às mulheres, mas também aos homens, ao livra-los de tantos papeis pré-determinados?
Exatamente. Existem tantas possibilidades para os homens, mas eles não acham que o movimento lhes diz respeito. Essa é uma das maiores mudanças que precisamos fazer.
Objeto Sexual: Memórias de uma Feminista / Jessica Valenti / Cultrix/ Trad.: Jacqueline D. Valpassos/ 232 p./ R$ 37
https://www.youtube.com/watch?v=ZrUCa2Bpkso
ResponderExcluirvi esse doc hoje, na walter, faltou vc...tu ia gostar...bacana...deu uma saudade dos anos 90 da porra...