PERDA: Guido
Araújo, ícone
baiano do
chamado “cinema
de resistência”,
morre aos 83 anos.
A TARDE relembra
trajetória marcante
Um dos maiores guerreiros do cinema baiano se foi na manhã de ontem: Guido Araújo, idealizador das Jornadas Internacionais de Cinema da Bahia e documentarista, morreu internado no Hospital Português, de causas não reveladas.
Um dos últimos remanescentes de sua geração, Guido tinha 83 anos e foi de importância fundamental para o cinema não apenas baiano, mas também brasileiro.
Em 1972, em plena vigência do famigerado AI-5, Guido realizou a primeira Jornada de Cinema da Bahia, que ainda não era “Internacional”, mas tinha perfil francamente de esquerda – ele chegou mesmo a ser membro do Partido Comunista –, trazendo sempre filmes de conteúdo social e humanista, documentários, muitos deles de países do bloco socialista ou de países do Terceiro Mundo – América do Sul e África, principalmente.
“Guido era uma figura emblemática. Saiu da Bahia antes do golpe (de 1964) e voltou no periodo do AI-5, mesmo sendo do Partidão. E certamente sabia negociar, por que a ditadura aceitou ele fazendo a Jornada todo ano”, observa o jornalista e articulista de A TARDE Raul Moreira, que também milita na seara cinematográfica.
“Ele foi um lutador para que a sétima arte se desenvolvesse no Brasil. Trabalhou muito pela Jornada, trabalhou no Rio de Janeiro, no primeiro filme do Nélson Pereira dos Santos, o clássico Rio 40 Graus, estudou fora do pais (na então Tchecoslováquia), voltou, aplicou o que aprendeu aqui. Sempre lutou pelo cinema, foi um cara que fez tudo mesmo pelo cinema”, afirma Roque Araújo, cineasta contemporâneo de Guido, cameraman dos primeiros filmes de Glauber Rocha.
Sua menina dos olhos, a Jornada, com os anos acabou se tornando cada vez mais difícil de ser realizada, pela falta de recursos.
“Guido usava o cinema com instrumento de combate, e a Jornada era isso. Então ele se apegou muito. Apesar de todos os problemas, aquilo era a vida dele, então ele sofreu muito por isso no fim da vida, se sentiu abandonado”, relata Raul.
“Ele lutou pela redemocratização e, quando chegou um governo de esquerda na Bahia (Jaques Wagner, em 2006) a Jornada foi deixada de lado. Muita gente alegava que estava obsoleta, que era coisa do passado. Mas Guido foi um cara importante como Walter da Silveira, ele elevou a Bahia. A respeitabilidade dele lá fora, no meio dos cineastas alternativos, era enorme. O Brasil vai chorar por Guido”, diz .
“Você conseguir fazer um festival de cinema de esquerda em plena ditadura não era para qualquer um. Mas ele tinha isso, era um conciliador. Quando ele fazia a Jornada no início dos anos 70, aquele galera do movimento do Super 8 (Edgar Navarro, Pola Ribeiro) ele achava que não tinha relevância, mas exibia os trabalhos deles assim mesmo. E esse pessoal achava ele um caretão que usava bigode, meio que se batiam de frente, mas depois, com o tempo, foram se aproximando. Acho que seu único desafeto era (o crítico de cinema) André Setaro (morto em 2014), a quem ele chamava de ‘agente do cinema americano’. E Setaro dizia que ele era um intransigente, um radical”, diverte-se Raul.
Guido em série
Cineasta premiado nacionalmente pelo documentário Samba Riachão (2001), Jorge Alfredo conhecia Guido de longa data, mas não era próximo dele até a premiação do próprio filme no Festival de Brasília.
“Guido era aquela figura que estava em todo canto: nos bastidores, na plateia. Era a força da Bahia, vibrando, torcendo pela Bahia. Achei tao bonito, ‘poxa, que figura’. Me chamou a atenção”, lembra.
Mas ainda não foi ali que ficaram amigos. Editor da revista on line Caderno de Cinema (www.cadernodecinema.com.br), Jorge chamou Guido para escrever um artigo em 2013.
“Foi aí que ele veio com o choque sobre o final da Jornada de Cinema. Todos ficaram perplexos, não podemos nos dar ao luxo de jogar para escanteio um evento de quarenta anos. Procurei Guido para saber mais, aí vi que não tinha mais condição nenhuma mesmo”, lamenta Jorge.
"A Jornada sempre foi muito acanhada, sem luxos, e ficava achando estranho, 'como não tem recurso?' Fui entender que ele era de outra época, era um ponto fora da curva, ele não coube mais (nos novos tempos), tiraram os recursos, e ainda disseram que foi culpa dele perder a Petrobras )(patrocinadora da Jornada por anos", reflete.
Jorge ficou incomodado com aquilo, remoendo, quando resolveu fazer um documentário sobre o próprio Guido.
“Eu disse: ‘topa fazer um doc?’. Ele topou na hora. Aí começamos um namoro: toda sexta de manhã eu ia lá e ele vinha cheio de papel, documentos, fotos fitas Betacam. Percebi que mais do esse agitador cultural, ele era também um puta cineasta, mas que deixou sua obra em terceiro, quarto plano. Era tudo em prol da jornada”, relata.
Inscrito em editais da SecultBA, Jorge acabou conseguindo duas belas realizações com Guido. A primeira foi a Mostra Guido Araújo em 2015, que exibiu seus documentários em Salvador, Cachoeira, Ilhéus, Mucuri e Inhambupe.
A segunda e maior realização foi a minissérie em cinco capítulos para a TVE Bahia O Senhor das Jornadas, exibida em junho último.
“Nesse processo todo, passou muito afeto. Aprendi muito com ele. Guido tinha um abraço muito largo, foi importante pra muita gente, para a animação, para os curta-metragens e documentários”, afirma Jorge.
"Aí quando fomos ao Rio, a convite de Nélson (Pereira dos Santos), em 2015, quando ele comemorou os 50 anos de Rio 40 Graus, ele (Guido) lutou muito pela liberação do filme, que chegou a ser proibido na época, foi um bafafá com direito a carta de Jorge Amado. Aí no (filme seguinte de Nelson) Rio Zona Norte, ele já teve uma participação mais forte. Esse encontro no Rio foi genial. Depois a verba (para a série) saiu, mas não foi tão fácil, a verba saía um pedaço aqui, outro ali, e nisso Guido começou a ir definhando, o pique que ele tinha dado (no início do processo) tinha acabado com essas demoras todas. Aí ele começou a usar bengala, lembrei de Carlitos e fiz com que a bengala fosse um personagem, com ele percorrendo os lugares todos que ele filmou", descreve Jorge Alfredo.
“De Sílvio Tendler a Edgar Navarro, Nélson, todo mundo fala que ele foi exemplo mesmo. Era muito personalista também. Isso aos olhos da nova geração era um defeito, porque ele sempre quis fazer a Jornada daquele jeito e pronto. Mas isso é que era genial: era um espaço diferenciado. Gostaria de ter tido mais tempo com ele. Nossos planos eram muito bons ”, afirma.
Professor
Cineasta diretor de filmes como
o documentário Rogério
Duarte, o Tropikaoslista, Walter
Lima também lamentou a
saída de cena de Guido.
“É uma perda enorme para a Bahia e o cinema brasileiro. Guido foi uma pessoa muito importante para o cinema baiano ao dar prosseguimento ao trabalho de Walter da Silveira com a Jornada e os cursos de cinema”, afirma.
“Ele teve um papel muito importante para a formação de uma geração: Edgar Navarro, Pola Ribeiro, esse pessoal todo que veio depois da morte do Walter (em 1970). Como realizador, diria que deixou uma obra pequena, mas como professor e animador cultural foi importantíssimo”, afirma.
A cerimônia de cremação será hoje, no Cemitério Jardim da Saudade (Brotas), às 10 horas.
Blog (que, nos seus primórdios, entre 2004-05, foi de um programa de rádio) sobre rock e cultura pop. Hoje é o blog de Chico Castro Jr., jornalista formado pela Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia. Atualmente, é repórter do Caderno 2+ do jornal A Tarde, no qual algumas das matérias vistas aqui foram anteriormente publicadas. Assina a coluna Coletânea, dedicada à música independente baiana. Nossa base é Salvador, Bahia, a cidade do axé, a cidade do terror.
3 comentários:
um relançamento que o new albuns releases deixou de fora:
http://omnivorerecordings.com/music/arthur-alexander/
quem me falou da morte de Guido foi Roque (outra lenda viva do cinema nacional, quiça mundial)...não saia dessa treta de Guido com Setaro...curioso..."faz sentido" o que ambos disseram um do outro...mas Setaro gostava muito de cinema no geral...é um ABSURDO achar que uma jornada tá fora de moda...talvez estea no formato, que nem sei se tá, mas um festival, uma jornada, de cinema local e mundial é muito mais que importante...e logo um "comuna" perder força na época do que ele lutou pra cheguar ao poder chegar...época da galera local mamar no estado e superfaturar em edital...mas em compensação vi a exibição dos filmes deles na walter, na época do lançamento...ainda peguei uma cópia do dvd pra mim e pra minha sogra, creio que ela também foi, pois ela ama saveiros...ficou muito feliz por tê-la chamado pra ir a sessão...gostou muito do que viu...eu também...já vi até com minha mãe...conheci ele no dia...gostei dele, mas foi muito pouco tempo falando com ele...como cheguei cedo deu pra trocar uma idéia...lembrei agora de um coxinha que estudou na ufba, que disse odiar guido com todas as forças por ele ser um comuna e odiar as aulas dele na época em que estudou lá...por mais que fosse comunista, creio que as aulas de guido deveriam falar de cinema...ou no que ele falasse, não sei sobre o q era a aula, mas tenho certeza que embora tenha sua idelogia forte, deveria dar uma boa aula...esses coxinhas são fora...isso o cara estudou nos anos 90/00 com o cara e amava as aulas e agora vem com essa...ele foi seu professor né Chico?
onde vejo essa série sobre ele? tem online?
Coxinha é tudo cuzão, né Sputter? Essa gentalha só sabe odiar, odiar, odiar. E nem sei nem quero saber quem é esse otário.
Ele foi professor na época que estudei lá, mas não cheguei a ser aluno dele. Fui de Setaro, ainda que por pouco tempo (tive que abandonar porque arrumei um estágio na época).
Não sei se a TVE já liberou a série no You Tube não. Acho que não. Procurei para postar aqui mas também não achei. Pena.
vou procurar saber...talvez zeca forehead saiba...o cara era uma lenda do cinema local (pra ficar só aqui) e não aproveitar disso dele como professor é uma pena...duvido que na época o cara soubesse o que era marxismo...agora tá pagando disso...de anti-marxista...Guido era professor de q?? sabes?
curioso é que tive com uma menina aqui na cidade, apresentando Salvador pra ela, a pedido de uma amigona minha, ela me disse que é formada em economia, em algum lugar da inglaterra, disse que não estudou marx...fiquei perplexo...pois até onde sabia, marx era estudado em todo mundo...goste dele ou não...assim como outros pensadores liberais e de direita tb deveriam ser estudados, goste deles ou não...um estudante/estudioso que só conhece um lado, vai estar fraco pra um debate...é preciso saber o pensamento dos outros...mas perder tempo com olavitcho tb é demais-ehehehhehe
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