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quarta-feira, abril 06, 2016

INDIE ROCK BRAZUCA DOCUMENTADO

Documentário: Guitar Days - An Unlikely Story of Brazilian Music resgata geração de bandas do cenário alternativo entre os anos 1980 e 90

Messias a frente da brincando de deus, uma das bandas enfocadas no doc
Há muito tempo atrás, em uma galáxia muito distante,  jovens brasileiros de espírito cosmopolita, que não davam a mínima para o sol dos trópicos, sacaram suas guitarras plugadas em volume máximo, o inglês do Fisk e foram à luta.

Essa geração de bandas é agora revista no documentário Guitar Days – An Unlikely Story of Brazilian Music.

Em fase de finalização, o filme, cujo subtítulo traduzido é Uma História Improvável da Música Brasileira, conta, por meio de depoimentos e imagens de arquivo, a trajetória das bandas que surgiram entre o rescaldo do rock Brasil dos anos 1980 e a geração mais abrasileirada dos anos 1990, de Raimundos, Chico Science, Pato Fu e outros.

Entre seus principais nomes estavam bandas como Killing Chainsaw (de Piracicaba, SP), Pin-Ups (SP), Second Come (RJ), The Cigarettes (RJ), Low Dream (DF), Snooze (SE), PELVs (RJ) e, não menos importante, a baiana brincando de deus.

Para essa moçada, o que fazia a cabeça era o protopunk do Velvet Underground, The Stooges e bandas indie inglesas, como The Jesus and Mary Chain, The Smiths, Stone Roses e similares.

Por que cantavam em inglês e tinham fidelidade canina à proposta de fazer indie rock à moda original, essa geração de bandas é, ainda hoje, vista como algo menor por muitos críticos e músicos da cena alternativa.

“Não é porque tais bandas não dispunham da mesma logística de produção das bandas do mainstream nacional que elas não tinham sua importância”, rebate Caio Augusto Braga, diretor do documentário.

“Além disso, relegá-las a um patamar secundário só reforça a tentativa do mercado musical – fonográfico e mídia especializada –, em não promover o rock cantado em inglês produzido no país naquela época por puro preconceito ou falta de jabá. Historicamente, sempre promovemos a música estrangeira nas rádios. Por que foi diferente com essas bandas?”, pergunta.

Pioneiras em sua época, essas bandas deixaram uma produção fonográfica adorável e importante, que não apenas faz essa ponte entre as décadas, mas também atesta sua vocação nata para dialogar com o que estava sendo produzido de mais interessante no rock de então.

“Tivemos uma infinidade de registros importantíssimos nessa época, apesar das dificuldades técnicas”, afirma Caio.

“Produzimos preciosidades como Bingo (The Cigarettes - Midsummer Madness, 1994), You (Second Come - Rock it, 1992),  Slim Fast Formula (Killing Chainsaw - Roadrunner, 1994), dentre muitos outros que são verdadeiras obras de arte lo-fi dentro dessa estética proposta pelo movimento: dissonância, inglês em vocal embutido e protagonismo das guitarras”, diz.

Pioneirismo baiano

Galera da Killing Chainsaw hoje em dia, foto de Caio Augusto Braga
No momento, falta pouco para o filme ser concluído. Em fase de montagem (foram  mais de 70 horas de entrevistas), Caio e seus parceiros estão promovendo alguns shows de revival de bandas vistas no filme para levantar a grana que falta para concluí-lo.

“O filme é independente e tem sido realizado com verba dos próprios produtores. Estamos buscando alternativas de financiamento e patrocínio para finalizá-lo. Finalizado, pretendemos inscrevê-lo em festivais, antes do lançamento”, afirma.

Para os baianos, Guitar Days tem um atrativo a mais, já que a brincando de deus, liderada por Messias Bandeira, era a ponta de lança do movimento no Nordeste. “Não tenho dúvida de que a brincando de deus era um dos pioneiros no cenário, diz Caio.

“A banda de Messias e cia. tinha uma missão além da sua própria produção artística, que era liderar a resistência do rock independente na região, que tinha acabado de virar capital do mercado fonográfico brasileiro com a axé music”, lembra.

Além disso, a brincando de deus teve um papel importante ao aglutinar ao seu redor muitas das bandas da cena alternativa local dos anos 1990 em festivais, como as duas históricas edições do Boom Bahia (1997 e 98).

“Foi uma das bandas mais relevantes do período, sobretudo no que tange a tentativa de criar um mercado independente sustentável. Criaram o Boom Bahia, isso diz muito sobre a intenção deles. Ainda sobre pioneirismo, também há uma curiosidade sobre a banda: eles disponibilizaram um site na web em (pasmem!) 1993”, conclui Caio.


GUITAR DAYS - AN UNLIKELY STORY OF BRAZILIAN MUSIC (O FILME) | TEASER from Estúdio Dead Pixel on Vimeo.

Entrevista completa: Caio Augusto Braga

Já vi (li, ouvi) dizerem que essa geração de guitar bands que surgiu no Brasil entre o fim dos anos 80 e o início dos anos 90 teve como função preencher uma lacuna, pavimentar a transição entre as cenas dessas duas décadas. Mas isso é meio que diminuir, subestimar essas bandas, não? Qual foi a real contribuição dessa geração ao rock no Brasil?

Caio Augusto Braga: Sem dúvida. Não é porque tais bandas não dispunham da mesma logística de produção das bandas do mainstream nacional que elas não tinham sua importância. Além disso, relegá-las a um patamar secundário só reforça a tentativa do mercado musical - fonográfico e mídia especializada -, em não promover o rock cantado em inglês produzido no país naquela época por puro preconceito ou falta de jabá. Historicamente, sempre promovemos a música estrangeira nas rádios. Por que foi diferente com essas bandas? Tivemos uma infinidade de registros importantíssimos nessa época, apesar das dificuldades técnicas. Produzimos preciosidades como o Bingo (The Cigarettes - Midsummer Madness, 1994), You (Second Come - Rock it, 1992), o Slim Fast Formula (Killing Chainsaw - Roadrunner, 1994), dentre muitos outros que são verdadeiras obras de arte lo-fi dentro dessa estética proposta por esse movimento: dissonância, inglês em um vocal embutido e o protagonismo das guitarras.

O que te levou a realização desse documentário?

Tirem as crianças da sala: Reverendo Fabio Massari em cena. Foto: CAB 
CAB: Não haver registro de uma cena musical tão relevante e prolífica foi, definitivamente, a motivação principal para realizá-lo. Mas o recorte não foi definido de imediato, minha intenção inicial era gravar um curta-metragem sobre a ocupação do espaço público pelos músicos independentes em São Paulo. Durante as pré-entrevistas para o curta, notei que os entrevistados faziam um prólogo longo antes de entrar no tema proposto. Como se houvesse a necessidade de apresentar ao interlocutor uma história que ele pudesse não conhecer. Essa constância nos discursos me fez querer entender que peça estava faltando. Basicamente fui dragado e conduzido pelas próprias pré-entrevistas a contar essa história.

Em que ponto vocês se encontram na produção do filme, neste momento? O que falta para conseguir conclui-lo e lança-lo?

CAB: Estamos na montagem do filme. Mas um documentário toma vida própria depois de um tempo, você querendo ou não. Coletamos mais de 70 horas de entrevistas e, se aproximando do corte final na montagem, vamos percebendo que alguns personagens ainda precisam ser inseridos para dar o ajuste fino que a história merece. O importante é que o recorte saia fiel, no final das contas. O filme é independente e tem sido realizado com verba dos próprios produtores até então. Estamos buscando alternativas de financiamento e patrocínio para finalizá-lo. Uma vez finalizado, pretendemos inscrevê-lo em festivais sobre o tema, antes de promover seu lançamento.

Pode contar um pouco do seu envolvimento com essa cena na época? Como conheceu essas bandas, quais vc costumava ir ao show etc?

Alé Briganti e Zé Antonio Algodoal, da Pin Ups e da MTV Brasil. Foto CAB
CAB: Tive banda exatamente na época deste boom de bandas independentes que cantavam em inglês. Tocava nas mesmas casas, mas não nos mesmos dias. O estilo era outro, mais pós-punk. Nos encaixávamos mais nas noites góticas de sextas-feiras do que nas noites guitar de sábado. Como a grande maioria das bandas deste período, paramos para assumir responsabilidades da vida adulta. De qualquer forma, meu contato com a música nunca parou. Tinha um home studio rudimentar em casa e sempre quando me afastava da minha batera, meu irmão caçula, Leonardo, aproveitava a brecha. Hoje, ele trocou a batera pela guitarra e segue na luta independente com suas bandas Twinpine(s) e The Hexx.

Aqui em Salvador temos (tivemos) como representante principal dessa cena a brincando de deus (sim, até havia outras nessa linha). Me dimensione, de acordo com sua concepção, a importância da brincando de deus nesse contexto?

CAB: Não tenho dúvida de que o brincando de deus era um dos pioneiros neste cenário e um dos que tinham mais claro o papel do músico independente no período. Além do quê, a banda de Messias e cia. tinha uma missão além da sua própria produção artística, que era liderar a resistência do rock independente na região, que tinha acabado de virar capital do mercado fonográfico brasileiro com as bandas de axé music. Se era difícil ser uma banda de rock naquele momento, ser uma banda em Salvador era quase uma insanidade. O próprio Messias Bandeira, vocalista do bdd e hoje professor-diretor do IHAC da UFBA, dizia que havia convites para a banda se mudar para o eixo Rio-SP, mas por que eles estariam interessados em se mudar para um circuito do qual já faziam parte, sendo que havia uma necessidade de se estabelecer em sua própria região? Por essas e outras, o brincando de deus (com essa grafia mesmo, sem maiúsculas) foi uma das bandas mais relevantes do período, sobretudo no que tange a tentativa de criar um mercado independente sustentável. Foram responsáveis pelo Boom-Bahia, isso diz muito sobre a intenção deles. Ainda sobre pioneirismo, também há uma curiosidade sobre a banda: eles disponibilizaram um site na web em (pasmem!) em 1993!

Uma das principais características dessas bandas era a absoluta independência estética em relação à música / cultura brasileira, algo que parece ter se tornado um sacrilégio hoje em dia. Por que não parece mais possível fazer rock sem prestrar tributo pra Caetano e Los Hermanos no Brasil hoje? Os universitários venceram?

Second Come now. Foto CAB
CAB: Hahahaha... excelente pergunta! Depende da intenção da banda. Uma coisa que não se alterou nesses últimos 25 anos foi o interesse da mídia especializada. Você precisa apresentar elementos nacionais, sobretudo o idioma, caso tenha intenção de viver de música ou "fazer sucesso" nos moldes comerciais. Hoje, temos bandas cantando em inglês como o Câmera (de Belo Horizonte) que gravou um CD finíssimo (Mountain Tops - Balaclava, 2014), o The Soundscapes de São Paulo (A Lifetime In A Minute - Balaclava, 2014), o Loomer de Porto Alegre (You Wouldn't Anyway - Midsummer Madness, 2013), e mais uma infinidade que você não vê nas rádios ou nos grandes festivais de rock do país. Existe ainda a velha e perniciosa síndrome de vira-lata para aquilo que será consumido no Brasil. Se você foi aceito lá fora, a gente fala de você aqui. A Debbie Cassano, da Ordinary Recordings (Thee Butchers Orchestra, The Boom Boom Chicks, Grenade, etc.) diz, em seu depoimento, que antes de fazer um lançamento no Brasil, ela enviava músicas para jornalistas na Inglaterra. Eles escreviam reviews em fanzines, ela os reproduzia em seus releases e a partir daí eles ganhavam espaço. O CSS (Cansei de Ser Sexy) hypou aqui nessa mecânica. Mas veja bem, estamos falando de espaço e não se uma banda é boa ou não. Você ainda vai ter que provar seu valor para o público, e aí são outros quinhentos. Você me pergunta se os universitários venceram. Acho que essa não tá na conta deles. Isso é um problema estrutural de mercado viciado. Compra quem ouve, vai tocar quem tem grana, e sabemos muito bem que o independente é duro e sempre será. Hoje, as rádios foram abandonadas como alternativa de divulgação. A internet se apresentou como opção natural para um nicho que não tinha opção de escoamento de produção. No ano passado não havia uma música sequer no Top 100 das mais tocadas nas rádios do país. Imagina um rock cantado em inglês. Não acho que as rádios virem alternativas para estas bandas, nem mesmo a longo prazo. Enquanto isso, as bandas precisam se virar nesse oceano ainda desorganizado da internet.

Reunir a incrível Killing Chainsaw para os shows de lançamento do documentário é uma cereja do bolo e tanto. Alguma chance de trazer esses meninos pros lados de cá? Nos bons tempos, eles nunca se apresentaram Salvador...

CAB: Eu vi o primeiro ensaio deles em Piracicaba para os shows de retorno. Te garanto que a parte deles destes bons tempos ainda está com eles. Uma banda que não tocava junta há 18 anos emendar uma música na outra sem errar uma nota é algo alucinante. Tem sido um grande prazer tê-los conosco nessa divulgação do Guitar Days, tenho certeza que a galera que comparecer nesses shows de abril ficará alucinada. Torço para que eles continuem. É uma banda incrível e segue com a mesma vibração noventista destruidora de palcos. Uma banda com essa sinergia e esse entusiasmo deveria engatar uma tour por todo esse Brasa. Seria uma bela demonstração de que esse rock sujeira noise cantado em inglês segue "alive and kicking"!

Entrevista: Messias Bandeira

Como representante de primeira hora dessa geração aqui na Bahia, como foi sua experiência em relação à recepção do público local? E fora da Bahia?

Messias e Cézar no histórico Juntatribo, meados dos anos 90
Messias Bandeira: À época, o que chamávamos de guitar band podia ser resumido no mantra da brincando de deus: uma mediação entre barulho e melodia, com paredes de guitarras afundadas em distorção, voz no mesmo volume dos instrumentos, sem qualquer hierarquização entre eles. Ajudamos a aproximar muita da gente de artistas que causavam este desconforto de microfonia e música, no volume máximo. Tocamos muito fora do estado, embalados pelo nosso primeiro álbum "better when you love(me)", o que, de certa forma, colocou Salvador no mapa do então designado "rock alternativo". Não era nada heroico. Era a subsistência artística com forte carga de militância independente.  

Já vi (li, ouvi) dizerem que essa geração de guitar bands que surgiu no Brasil entre o fim dos anos 80 e o início dos anos 90 teve como função preencher uma lacuna, pavimentar a transição entre as cenas "BRock" dessas duas décadas. Mas isso é meio que diminuir, subestimar essas bandas, não? Qual foi a real contribuição dessa geração ao rock no Brasil? 

MB: Creio que tivemos a oportunidade de criar um circuito próprio, não como uma negação ao chamado "rock nacional", mas como protagonistas de uma cena que buscava ter visibilidade internacional. A MPB, o Axé, o Sertanejo e até aquele rock nacional foram projetos hegemônicos de mercado, cujo esgotamento foi tão evidente quanto seus ciclos de êxito comercial. Essa geração de guitar bands estava na franja do mercado, sem concessões, o que significa, quase que por tautologia, resistir ao mercado. Muitas destas bandas provaram que a profissionalização era a tônica para fugir de um confinamento local.

Uma das principais características dessas bandas era a absoluta independência estética em relação à música / cultura brasileira, algo que parece ter se tornado um sacrilégio hoje em dia. Por que não parece mais possível fazer rock sem prestar tributo pra Caetano e Los Hermanos no Brasil hoje? 

MB: Esta independência estética era exatamente a resultante de uma sintonia com bandas e artistas em escala global. Muitas daquelas bandas poderiam ter participado de festivais internacionais, com distribuição por selos independentes. Mas a opção por uma música menos regionalizada não era programática. A música brasileira não deveria ser subsumida ao rótulo "MPB".  Nunca negamos sua importância. Mas preferimos ressignificá-la na relação Brasil-Mundo. Daí que estas guitar bands também dialogavam com o público brasileiro, considerando-o tão importante quanto os circuitos estrangeiros.

O diretor do documentário me lembrou que a bdd foi, provavelmente, a primeira banda brasileira com site na internet, lá em 1993. Qual o papel da internet naquele primeiro momento, em que a rede engatinhava?

MB: Sim, o site da brincando de deus for ao ar entre 1993 e 1994, antes mesmo da emergência da Internet comercial no Brasil. Além do site pioneiro, criamos a lista de discussão "Indie-Brasil", matriz para muitos artistas, jornalistas e produtores musicais. Entre 1998 e 1999, antes do Napster, já mandávamos nossas músicas no formato digital para muita gente. Num país de dimensões continentais, a rede potencializava as iniciativas de muitas bandas, mas ainda era algo de pequena escala. Não há mais dúvida de que a Internet se deslocou de uma posição alternativa para uma centralidade no que diz respeito à gestão de carreiras, à difusão de obras (discos, faixas, vídeos) e, sobretudo, ao empoderamento dos artistas frente ao que chamávamos de "mercado fonográfico", aquela indústria do passado. Viramos o jogo. Como falei há quinze anos: MP3 neles!

4 comentários:

  1. Caramba, ter um site no ar em 1993 é pioneirismo absoluto, realmente! Muito massa esse post, quero muito ver esse doc. E que massa que vc lembrou da anooze, espero que o doc. não tenha esquecido ...

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  2. Também quero ver, com certeza!

    Agora, falando francamente, quem fez questão de citar a Snooze no texto fui eu (por que amo a banda e sei da importância deles).

    Mas não sei se a banda está no filme - até por que ele ainda não saiu. Como eles parecem espertos, acredito que a Snooze apareça de alguma forma.

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  3. Tomara, pq para além de qq bairrismo - que não tenho, ou penso que não tenho, ou pretendo não ter, mas de repente tenho, não sei, rs - é uma banda importante para a época retratada no doc. E muito boa, evidentemente.

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  4. Assino embaixo, Adelvan.

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