Páginas

terça-feira, dezembro 01, 2015

"OS TEMPOS MUDARAM E O ROCK ACOMPANHOU"

ENTREVISTA: FÁBIO CASCADURA

Fábio Cascadura Magalhães. Foto Max Haack / Agecom 
Domingo, quando o último acorde do show da Cascadura soar no Largo Teresa Batista, o rock baiano estará órfão de uma de suas bandas mais importantes.

Capítulo final de uma história que ainda está por ser devidamente contada, o show encerra a carreira da banda fundada em 1992 por Fábio Cascadura Magalhães e que contou com um who’s who de grandes músicos locais em suas fileiras.

A banda vai, mas a obra, com cinco álbuns extraordinários, fica – e entra na história da música baiana como um exemplo de consistência e talento genuíno.

Em  breve, Fábio deixará o Brasil. Thiago Trad, Du Txai e Cadinho seguirão suas carreiras.

Aqui, Fábio fala da estrada percorrida, do fim e do começo.

Como vai ser o show final? Haverá convidados? Ex-membros?

Fábio Cascadura: Essa será nossa última apresentação como uma banda ativa. É um momento especial e foi pensado. Enquanto nós, da banda, conversávamos sobre a dissolução do Cascadura, o pessoal da Ruffo (produtora que cuida da nossa agenda) estava alinhavando novas datas, novos shows. Assim, ao decidirmos pelo fim, havia uma agenda acordada. Decidimos então juntar as duas coisas: encerrar a carreira com uma série de apresentações temáticas, que foram os shows homenageando os álbuns. Com isso, tivemos os momentos de carinho e reconhecimento com ex-membros e eles serão sempre lembrados: a obra é deles também. Algumas pessoas acham que esse será o “show do Aleluia”, seria a lógica. Mas, na verdade, pretendemos fazer uma apresentação tocando o máximo de coisas significativas da nossa obra e aproveitaremos para homenagear o rock na Bahia. Por isso convidamos dois caras que representam a ponta de lança disso: Teago, da Maglore e Jajá, da Vivendo do Ócio. Eles representam o nosso tempo atual e é isso que queremos celebrar.

A banda deixa um vácuo na cena? Certamente, muita gente se sentirá órfã quando soar o último acorde (esse repórter incluído)....

1994: Cândido, Toni, Alex Pochat, Jean Louis e Fábio
FC - É a hora da gente, mais que tudo, reconhecer que ainda existe “muita lenha pra queimar” nesse rock baiano. Estamos contentes em sair deixando um legado e sabendo que tem uma moçada afiada nos representando nacionalmente – é o caso desses dois convidados. E tem muita coisa legal acontecendo no rock da Bahia atualmente: Lo Han, Batrákia, pondo o hard rock de volta na roda, Irmão Carlos, Falsos Modernos, Semivelhos (Juazeiro), Circo de Marvin, Novelta (Feira), Ventura (Alagoinhas)... tanta coisa. Não temos do que nos queixar. Ainda tem o contexto de casas shows: Portela, Dubliners Irish Pub, Commons e outros espaços. Em 1992, quando começamos, era bem diferente. Esses espaços têm estrutura que não tínhamos. Há também uma comunidade em torno disso tudo, com designers, gente do audiovisual, fotógrafos, DJs, blogs, vlogs... Os tempos mudaram e o rock daqui acompanhou. Existem produtores e gente ligada a fazer o barco navegar mais longe. Salvador está conectada a um movimento maior, trazendo artistas e festivais para cá. Além disso, além da capital, o interior reflete estas transformações. Agora, o Cascadura deixa uma obra importante para a Bahia.

Você dedicou os últimos 23, 25 anos de sua vida a essa banda, contando Os Feios como seu embrião. Como é a sensação de fechar esse longo ciclo de sua vida? Passa um filme na sua cabeça?

FC – Posso dizer que estou muito tranquilo e feliz de chegar até aqui desse modo. Como disse, foi uma decisão bem pensada. Vários fatores pesaram. O principal é que tínhamos chegado a um ponto muito confortável: reconhecimento, obra, prêmios, história... Tem que saber a hora de parar também. Que mais poderíamos fazer? Outros discos? Ok! Semanas atrás, recuperei o HD do computador em que fiz a pré-produção do “Aleluia” – na verdade quem recuperou foi o Du Txai (guitarrista do Cascadura), durante o ano de 2010. Contei 47 esboços inacabados que não foram usados no disco! São esboços bem precários: sem letras, com trechos indefinidos. Poderia trabalhar esse material. Mas, o ciclo do Cascadura se fechou. E se fechou bem! Estamos terminando a banda num momento ótimo: ninguém brigou, não temos frustração alguma, sabemos quem somos! Daqui a dez anos vamos olhar pra cá e ver que o último álbum foi um disco duplo com 22 canções – que eu considero muito boas – falando da nossa terra. E de modo próprio, autoral e autentico. Mas, sobre esse anos de rock: eu estou realizado. Meu sonho de garoto tornou-se verdade!

Como você avaliaria os álbuns da banda hoje, descontadas possíveis deficiências de produção da época dos primeiros? Você tem um preferido, um que considere perfeito, um que gostaria de refazer se pudesse?

Fase Vivendo: Lefê Neto, Fábio, Thiago Trad e Martin Mendonça
FC- Pra mim é difícil fazer essa avaliação. Ainda mais nesse momento. Cada disco tem sua história, seu legado... São duas fases bem distintas: os dois primeiros discos, sob a produção e Nestor Madrid, foram uma escola e ele o mestre. Aprendi a cantar diante de um microfone, a respirar... Também aprendi a ouvir e a escrever melhor. Depois, entre 2002 e 2011, vieram os trabalhos com André T (e dois deles com a co-produção de Jô Estrada). Novo aprendizado e novos desafios. Não refaria nada, não. Tá tudo ali. Cada disco me traz orgulho por motivos particulares. Talvez eu devesse ter dado mais atenção aos momentos em que estes discos estavam sendo feitos. Eu (e de certo modo, eu e Thiago Trad) sempre tivemos um método pautado na obstinação: terminava uma produção, entravamos em outra. Praticamente não “curtíamos” ou comemorávamos aquilo que tínhamos acabado de realizar. Não tinha festinha e nem “champagne”! Era sempre “trabalho, trabalho, trabalho” e não podíamos “falhar”! Erámos muito cruéis conosco... E acho que tenho a maior parte da responsabilidade nisso. Eu via tudo como uma obrigação e acabava pressionando Trad ao limite. Com o tempo isso virou uma característica nossa. Hoje, eu certamente curtiria mais o momento, se pudesse voltar no tempo.

E quanto às várias formações da banda? Qual você destacaria como a mais significativa, aquela que resume a Cascadura? Qual o valor das contribuições de cada uma delas?

FC – Essa coisa de “banda mutante” foi louco e foi bacana! Pela banda passo gente muito boa. Posso dizer que só passou músico de primeira. Foram fases e transformações. Tive vários parceiros notáveis. Paulinho, Flash, Pochat, Toni Oliveira, Martin... Mas, sem Thiago Trad a trajetória do Cascadura teria sido bem mais breve. Por isso, acho que essa dupla – eu e Trad – marca a mais produtiva formação da história da banda. Seja em parceria com Martin e LF, com Jô e André, com Dimitri (produtor) ou junto com Cadinho e Du Txai, com quem temos tido bons momentos. Acho que é o esquema mais marcante.

Você sempre foi um grande compositor de canções, de singles. Mas, até por serem de um mesmo autor, elas acabavam fechando álbuns muito coesos (exceção ao Aleluia, pensado desde o início como álbum conceitual). Olhando para trás agora, qual você diria que foi o grande tema da Cascadura? Amor, amizade, o rock 'n' roll em si, Salvador? Ou tudo isso junto?

Fase Bogary: Cândido, Fábio, Tiaguinho Aziz e Thiago. Foto Ricardo Prado
FC- Me honra ser reconhecido por isso. O exercício da canção está em mim desde os 13 anos de idade. Com quatorze, formei a primeira banda (valendo!). Ao longo do tempo fui aprendendo sobre isso: contar histórias por meio da música. Veja: em “Caim” (do Bogary) eu trato da inveja, me colocando no lugar do personagem título. A inveja é algo muito humano e todo mundo de diz que não tem. Quando alguém assume que tem, vem com aquele papo de “inveja boa”... “Inveja boa” é cacete! Hahahahaha!!! Dê outro nome. Pois acho que fazer música é muito uma análise de si próprio. Quando fiz essa canção, acho que estava me sentindo injustiçado pelo “Vivendo em Grande Estilo” não ter atingido o sucesso que (eu achava que) merecia. Hoje vejo que isso não foi necessário para ele deixar a marca como um grande disco. Ele é um grande disco! Talvez não exista um grande tema, na obra do Cascadura. Ao menos, não consigo identificar. Acho que talvez a natureza do que somos permeei o conjunto das canções. Por isso, nós mesmos somos a matéria prima das narrativas. Como somos iguais a todo mundo, todo mundo acaba se identificando com essa ou aquela canção.

Ao contrário de Raul Seixas, Camisa de Vênus e Pitty, que se estabeleceram no eixo Rio-SP, lá ficaram e tiveram sucesso assim, a Cascadura foi e voltou. A banda precisava de Salvador para manter (e desenvolver) sua identidade? É bom lembrar que foi na volta que vocês fizeram o baianíssimo (e portanto universal) Bogary.

Cascadura final: Cadinho, Thiago, Fábio e Du Txai. Foto Giva's Santiago
FC – Se não fossemos da Bahia, não seriamos o Cascadura. O lance de termos ido (morar e São Paulo) e voltado, como disse em um texto, “foi o cadafalso das ilusões” para nós. Foi importante, sim. Mas foi mais pela oportunidade de nos conhecermos e nos reconhecermos como soteropolitanos e baianos que qualquer outra coisa. Sou grato a Sampa por isso! Até ali, queríamos ser universais. Acho que já erámos. Porém, foi a perspectiva que tivemos da cidade, estando fora e dela, que passou a nos valorizar mais por estarmos lá, que consolidou esse processo de afirmação da nossa construção. Você pode nascer aqui e não ser ou nãos e sentir baiano. Isso é uma construção que fazemos ao longo da nossa trajetória. O mesmo vale para qualquer pessoa de qualquer lugar. No entanto, não é possível negar aquilo que você traz intimamente consigo. O “Bogary” foi a etapa fundamental desse exercício. Ali abrimos nosso alçapão interno. Saiu a saudade, a frustração, a inveja, os medos... Mais que um disco corajoso, foi um desabafo da zorra! Hahahahahaha!!!! E foi tenso, doloroso compor isso tudo. Mas enquanto gravávamos, com André T e Jô amparando tudo isso com bom humor e amizade e ao mesmo tempo, com Thiago reafirmando sua disposição em dividir aquele peso todo, a poeira foi baixando e me senti confiantemente baiano. O passo seguinte seria discutir e entender as contradições e os contrastes inerentes à Bahia. Foi o que tentamos fazer no Aleluia. Eu adorei o resultado.

É verdade que você vai embora do Brasil? Pretende continuar fazendo música? Pode falar um pouquinho de seus planos?

FC – É verdade, sim. Isso faz parte de um processo na minha vida. Era um projeto antigo de Tici (com quem Fábio é casado), de antes de nos conhecermos e que foi ganhando força por uma série de circunstancias. Eu entrei no relacionamento sabendo desse desejo dela, acabei aderindo e estou contente por tê-lo feito. Sempre estarei aberto às possibilidades no meio das artes. Tenho me mantido em contato com algumas pessoas lá fora. Mas tenho que chegar e ver o que vai acontecer. A vida de imigrante é difícil. Existe um processo de adaptação. Quero poder seguir nos estudos da História, que tem sido o rock’n roll dessa fase da minha vida. Um grande amigo meu, de Nova Yorke, e que morou aqui na Bahia por algum tempo, Bob Gaulke, diz que “ser músico brasileiro no exterior é melhor que ter um ‘green card’”. Hahahaha!!! Tomara!

O que você gostaria de dizer neste momento aos fãs que acompanharam a banda - sejam velhos fãs do início, sejam os fãs mais recentes? O que você gostaria que eles soubessem, mas nunca falou?

FC – Não existe um epitáfio para a banda. Foi um processo muito rico. Devo tudo que sei a essa experiência mágica de viver na música. Minhas amizades, meu relacionamento com minha amada, minha história... Tudo é fruto do Cascadura. Toquei nos maiores e melhores palcos do Brasil e nos menores e mais animados também. Nada mal para um garoto pardo, surdo de um ouvido, que enquanto crescia no Largo do Tanque, que passou a sonhar em ter uma banda de rock depois de ter escutado “A Collection of The Beatles Oldies”. Acho que ofereci o melhor que tinha em mim para que a música ficasse bonita. E contei com o apoio e a imprescindível colaboração de pessoas generosas, sem as quase isso não seria possível. Bem, já disse o que tinha que dizer com a banda. Mas, agora, um “Muito obrigado!” vai bem!

9 comentários:

  1. RIP Cosac Naify.

    http://cultura.estadao.com.br/noticias/literatura,referencia-no-mercado-por-livros-de-arte-de-luxo--cosac-naify-fecha-as-portas,10000003450

    Melhor editora de livros de arte do Brasil.

    ResponderExcluir
  2. carajo...a cosac era foda mesmo...mas carinha...vou ver se aproveito na "festa do defunto" e ver se vão soltar as coisas baratas...

    ps.: Tantas outras bandas boas além dessas excelentes que Fábio citou...precisa se atualizar na cena...

    ResponderExcluir
  3. Bela entrevista, Chico! Só pensei que Candido tinha tido alguma importância e merecesse ser citado por Fábio...Enfim, vai ver é só porque sou irmão mesmo.

    ResponderExcluir
  4. Cebola, a entrevista foi por email e está aqui ipsis literis. De fato, ele não citou. Tb acho uma pena, até por que nosso menino de ouro Nariga participou não apenas de uma, mas de DUAS fases importantíssimas da banda. Mas enfim....

    ResponderExcluir
  5. ENFIM: Cacadura tem um probleminha contra nosso amigo, ou numa hipótese otimista, estava com a mente focada somente nos integrantes da formação final. Ou talvez porque... ah, foda-se. Vocês que são músicos que se desentendam. Eu sou só filósofo.


    Boa entrevista, bom entrevistador, bom entrevistado.


    Boa sorte na Gringolândia, professor Fábio, e mande um abraço ao nosso amigo Bob Gaulke.

    ResponderExcluir
  6. Mestre Cebola, só estou esperando você me informar por e-mail o seu CEP aí em P.A. para eu lhe mandar por SEDEX aquele material que acertamos, OK?

    ResponderExcluir
  7. Formação final? Pochat, Paulinto, Toni...Se chama falta de consideração, man. E na hipótese mais otimista.

    ResponderExcluir
  8. Tem razão, mestre. Totalmente.


    Este ano, na saída do último show do Camisa de Vênus no Dubliner's, encontramos nosso heróico Candido e conversamos sobre as experiências dele em diversas bandas.


    Sobre o Cascadura, ele apenas manifestou alívio por ter virado esta página da história dele. E não quis entrar em detalhes.


    Mesma coisa foi Jerry Marlon:

    "A melhor coisa que eu fiz na minha carreira foi sair do Camisa!"



    Eu simplesmente NÃO acompanho as notícias sobre as diferentes formações do Cascadura desde a saída de Candido --- e nem de nenhuma banda de rock baiano.


    Eu só lia sobre o Camisa de Vênus e os Dead Billies, Shes, Lilith e Cox de Pandora.


    Enfim: sou leigo no assunto. Estas idiossincrasias são um tema impenetrável e incompreensível para mim.

    ResponderExcluir
  9. Está certíssimo. Errado sou eu em me entristecer com falta de consideração alheia. Algo a ver com apreço.

    ResponderExcluir

Tá loco aí? Então comenta!