Desde o clássico Maus, de Art Spiegelman, única HQ premiada com o cobiçado Pulitzer, relatos biográficos (ou autobiográficos) em HQ se tornaram uma espécie de tábua de salvação para quadrinistas que querem ser levados a sério enquanto artistas.
Assim, muitas vidas desimportantes acabaram ganhando relevo em HQs sensíveis e bonitas, enquanto o inverso também é verdadeiro: vidas importantes foram mal-retratadas em HQs irrelevantes.
Felizmente, Uma metamorfose iraniana pertence ao primeiro grupo: se não estivesse deitada em papel e nanquim, dificilmente os brasileiros teriam acesso a incrível história do cartunista persa Mana Neyestani.
Em 2006, Neyestani trabalhava no jornal iraniano Jomeh, cuidando da parte menos política do periódico: o suplemento infantil, quer circulava aos sábados.
Um belo dia, o cartunista criou uma pequena HQ, na qual seu personagem recorrente, um menino de dez anos chamado Soheil, encontrava uma barata, com a qual conversava.
A certa altura, a barata respondeu ao menino com apenas uma palavra: “Namana”.
O termo, que é de origem turca, denota um não-entendimento, como se dissesse: “Como assim?”, um termo coloquial comum no Irã.
Situação kafkiana
Infelizmente para Neyestani, no norte do Irã há duas províncias chamadas Tabriz e Ardabil, densamente povoadas pelos azeri, um povo de origem turca (e turcófono, ou seja, que fala turco) que se sentiu extremamente ofendida ao ler uma palavra de sua língua na “boca” de um inseto abjeto.
Como se sabe, os povos islâmicos não costumam precisar de muita ofensa para começar um banho de sangue.
No caso de Neyestani, não chegou a tanto, mas tão logo cópias xerocadas do cartum começaram a circular, multidões tomaram as ruas nos territórios azeri pedindo a cabeça do autor daquela agressão.
Junte-se a isto o fato de que os azeri sofrem muito preconceito junto aos persas (que falam a língua oficial do Irã, o farsi) e foi o bastante para o pobre cartunista ter sua vida virada do avesso.
A partir daí, Neyestani e seu editor, Mehrdad, se veem enredados em uma complicada situação jurídica e política digna dos romances de Franz Kafka (1883-1924).
Em diversas passagens, Neyestani faz referências explícitas ao romance mais conhecido do autor tcheco, A Metamorfose, no qual o personagem principal se vê transformado em uma barata.
Em Uma metamorfose iraniana, Neyestani se vê não como uma barata, mas perseguido pela barata “turca” do seu cartum.
Mas o paralelo kafkiano mais óbvio de sua desgraça está no romance O processo, no qual o personagem K. é levado a um severo julgamento sem saber a razão.
Nas profundezas
Leitura ágil de perder o fôlego, o relato de Neyestani traga o leitor para as profundezas das cadeias iranianas cheias de presos políticos, entre torturas, interrogatórios desumanos e outras práticas comuns aos regimes totalitários, seja no Irã ou em Guantánamo.
Narrador hábil, o iraniano conta, além da sua própria, as incríveis (e tristes) histórias de alguns companheiros de cela, como a de um senhor que só andava nu, agarrado a uma bolsa – e que defecava em qualquer lugar.
Da mesma forma arbitrária como foi preso, Neyestani foi libertado, mas de forma provisória. A partir daí, ele e sua mulher empreendem fuga cinematográfica do Irã. Mais detalhes, só lendo a HQ.
Uma metamorfose iraniana /Mana Neyestani/ Nemo/ 308 p./ R$ 39,90/ www.grupoautentica.com.br/nemo
Boa matéria sobre o re-re-retorno dos Retrofoguetes:
ResponderExcluirhttp://www.bahianoticias.com.br/cultura/noticia/21574-retrofoguetes-reativar-com-nova-formacao-e-3-disco-engatilhado-banda-retoma-atividades.html
Gente, queria mandar uma divulgação por e-mail, como faz?
ResponderExcluirPrezada, o blog não tem mais email há algum tempo.
ResponderExcluirMe procure no jornal A TARDE, onde trabalho, por telefone ou pessoalmente, que te atendo.