China Mièville. Foto Emma Bircham |
Foi com expectativa que os fãs de literatura fantástica e ficção
científica aguardaram a publicação dos livros do autor inglês China Mièville no
Brasil.
A espera acabou com o recente
lançamento de A cidade & a cidade, pela editora Boitempo.
Badalado, o londrino de 42 anos é volta e meia saudado por outros
escritores de sucesso, como Neil Gaiman (Sandman) e Michael Moorcock (Elric de
Melniboné) pelas inovações que tem trazido a chamada ficção especulativa.
Além disso, Mièville, um aguerrido ativista e acadêmico de esquerda (que
engraçado: um esquerdista chamado China), já foi várias vezes agraciado com as
maiores premiações da sua seara literária, como o World Fantasy Awards, Arthur C. Clarke Award, Nebula, Hugo, Bram
Stoker... Enfim: o homem passou o rodo.
Tudo isso mais do que justifica a expectativa da chegada do autor ao
mercado brasileiro. E, em sua estreia por aqui, ele tanto agrada como
decepciona. Explicações à frente.
Beszel e Ul Qoma
Em A cidade & a cidade, o autor
narra um conto policial noir de tons políticos e fantasiosos em uma ambientação
das mais estranhas. Uma garota é encontrada morta no rio de Beszel, uma cidade
decadente nos cafundós do leste europeu.
Entra em cena o investigador Tyador
Borlú, encarregado do caso.
Acontece que Beszel compartilha o mesmo espaço geográfico com outra
cidade, chamada Ul Qoma.
Na verdade, trata-se da mesma cidade, mas com línguas
e culturas diferentes. Seus habitantes são proibidos de interagir. Não podem
sequer observar uns aos outros, praticando desde criança o ato de se “desver”.
Qualquer interação não autorizada
entre os habitantes das duas cidades implica no crime de “brecha”, algo pior do
que assassinato e severamente punido por um poder absoluto e secreto,
denominado também de Brecha.
Nesse cenário complexo, Mièville,
que se autodenomina “um trotskista genuíno e atual”, se esbalda em
longas, longas descrições do funcionamento das duas cidades, suas
peculiaridades históricas, usos e costumes, correntes e dissidências políticas,
arquitetura, paisagem, cheiros, sabores.
E aí está a decepção. As
constantes descrições sem fim de Mièville, apesar de denotar toda a sua
profundidade conceitual e criatividade ao conceber um cenário rico, travam, de
certa forma, o desenvolvimento da trama, frustrando leitores menos pacientes (e
mais afeitos ao aspecto aventuresco da literatura especulativa) com suas digressões
descritivas.
Em suma: A cidade e a cidade é um livro para o qual é necessário certo
esforço da parte do leitor para não larga-lo de mão ali pelo meio.
New Weird
O lado bom é que, apesar dessa mão pesada, Mièville recompensa os fortes
que o seguem com uma trama que fica mais e mais estranha a medida que as
páginas avançam, ganhando velocidade ali, a partir da ducentésima página.
Não a toa, próprio autor se diz integrante de um movimento literário
chamado New Weird (Novo Esquisito), um
mash-up de literatura pulp, FC e horror – Lovecraft style.
Em suas investigações, Borlú, um decalque de Philip Marlowe (o detetive noir de Raymond
Chandler) se depara com grupos subversivos que querem unir ou manter separadas
as duas cidades, escavações arqueológicas misteriosas e outras esquisitices.
Mistura alucinada de romance noir, ficção especulativa, drama político a
la 1984 e algum horror, A cidade e a cidade é uma opção interessante para quem
procura algo radicalmente diferente nas prateleiras das livrarias, de um autor afeito a neologismos, como “desver” e “brutopicamente”.
E não, o fato do autor ser um declarado esquerdista, não “contamina” a
obra com mensagens políticas subliminares. A não ser, claro, que o seu fundo
humanista seja interpretado dessa forma. Tem paranoico pra tudo.
A cidade & a cidade / China Miéville / Tradução: Fábio Fernandes/
Boitempo/ 292 páginas/ R$ 45
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