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terça-feira, maio 05, 2015

CHINA MIÈVILLE, O NOVO ESQUISITO, ESTREIA NO BRASIL COM A CIDADE & A CIDADE

China Mièville. Foto Emma Bircham
Foi com expectativa que os fãs de literatura fantástica e ficção científica aguardaram a publicação dos livros do autor inglês China Mièville no Brasil.

A espera acabou  com o recente lançamento de A cidade & a cidade, pela editora Boitempo.

Badalado, o londrino de 42 anos é volta e meia saudado por outros escritores de sucesso, como Neil Gaiman (Sandman) e Michael Moorcock (Elric de Melniboné) pelas inovações que tem trazido a chamada ficção especulativa.

Além disso, Mièville, um aguerrido ativista e acadêmico de esquerda (que engraçado: um esquerdista chamado China), já foi várias vezes agraciado com as maiores premiações da sua seara literária, como o World Fantasy Awards,  Arthur C. Clarke Award, Nebula, Hugo, Bram Stoker... Enfim: o homem passou o rodo.

Tudo isso mais do que justifica a expectativa da chegada do autor ao mercado brasileiro. E, em sua estreia por aqui, ele tanto agrada como decepciona. Explicações à frente.

Beszel e Ul Qoma

Em A cidade & a cidade, o autor narra um conto policial noir de tons políticos e fantasiosos em uma ambientação das mais estranhas. Uma garota é encontrada morta no rio de Beszel, uma cidade decadente nos cafundós do leste europeu.

Entra em cena o investigador Tyador Borlú, encarregado do caso.

Acontece que Beszel compartilha o mesmo espaço geográfico com outra cidade, chamada Ul Qoma.

Na verdade, trata-se da mesma cidade, mas com línguas e culturas diferentes. Seus habitantes são proibidos de interagir. Não podem sequer observar uns aos outros, praticando desde criança o ato de se “desver”.

Qualquer interação não autorizada entre os habitantes das duas cidades implica no crime de “brecha”, algo pior do que assassinato e severamente punido por um poder absoluto e secreto, denominado também de Brecha.

Nesse cenário complexo, Mièville, que se autodenomina “um  trotskista genuíno e atual”, se esbalda em longas, longas descrições do funcionamento das duas cidades, suas peculiaridades históricas, usos e costumes, correntes e dissidências políticas, arquitetura, paisagem, cheiros, sabores.

E aí está a decepção. As constantes descrições sem fim de Mièville, apesar de denotar toda a sua profundidade conceitual e criatividade ao conceber um cenário rico, travam, de certa forma, o desenvolvimento da trama, frustrando leitores menos pacientes (e mais afeitos ao aspecto aventuresco da literatura especulativa) com suas digressões descritivas.

Em suma: A cidade e a cidade é um livro para o qual é necessário certo esforço da parte do leitor para não larga-lo de mão ali pelo meio.

New Weird

O lado bom é que, apesar dessa mão pesada, Mièville recompensa os fortes que o seguem com uma trama que fica mais e mais estranha a medida que as páginas avançam, ganhando velocidade ali, a partir da ducentésima página.

Não a toa, próprio autor se diz integrante de um movimento literário chamado  New Weird (Novo Esquisito), um mash-up de literatura pulp, FC e horror – Lovecraft style.

Em suas investigações, Borlú, um decalque de Philip Marlowe (o detetive noir de Raymond Chandler) se depara com grupos subversivos que querem unir ou manter separadas as duas cidades, escavações arqueológicas misteriosas e outras esquisitices.

Mistura alucinada de romance noir, ficção especulativa, drama político a la 1984 e algum horror, A cidade e a cidade é uma opção interessante para quem procura algo radicalmente diferente nas prateleiras das livrarias, de um autor afeito a neologismos, como “desver” e “brutopicamente”.

E não, o fato do autor ser um declarado esquerdista, não “contamina” a obra com mensagens políticas subliminares. A não ser, claro, que o seu fundo humanista seja interpretado dessa forma. Tem paranoico pra tudo.

A cidade & a cidade / China Miéville / Tradução: Fábio Fernandes/ Boitempo/ 292 páginas/ R$ 45

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