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quinta-feira, abril 16, 2015

PAULO COSTA LIMA E SUA GAMELA MUSICAL NA SALA SÃO PAULO


Paulo: maior compositor erudito vivo e motivo de orgulho para a Bahia
Paulo Costa Lima segue amealhando cada vez mais reconhecimento.

Referência da música de concerto baiana, o professor da Universidade Federal da Bahia (Ufba)

Hoje, amanhã e depois, a Orquestra do Estado de São Paulo (Osesp) executa peça de sua autoria.

Intitulada Cabinda: Nós Somos Pretos, a obra foi encomendada a Lima pela própria Osesp e será executada na Sala São Paulo, uma das melhores salas de concerto do mundo, sob a regência da premiada nova-iorquina Marin Alsop, titular da Osesp desde 2012.

Membro da Academia Brasileira de Música, Paulo conta que recebeu a encomenda para a Osesp em abril de 2014.

“O convite foi do diretor artístico Arthur Nestrovski e da Marin Alsop. A demanda é que fosse uma obra ao mesmo tempo brasileira e contemporânea”.

“Mas não se trata de nacionalismo ou coisa do gênero, mas do lugar de fala, que deixa marcas no discurso”, diz.

A majestosa Sala São Paulo. Foto site Osesp
Requisitado, Paulo só pôde se dedicar à composição da encomenda meses depois do pedido, pois além dos afazeres usuais do professor, ainda teve de concluir outra obra para o Prêmio Funarte de Composição Clássica, a ser apresentada na XXI Bienal de Música Brasileira Contemporânea.

“Mas a partir de outubro do ano passado passei a trabalhar intensamente na encomenda da Osesp. Foram cinco meses de trabalho pesado”, afirma.

Tradição baiana

“Fazer uma obra sinfônica não é brincadeira, não. São 50 páginas de partitura, cada uma com 25 cliques (escolha de notas. No computador, cada nota é um clique). No total, são mais de dez mil cliques, ou seja, dez mil escolhas”, diz.

Esteticamente, Paulo segue a tradição da escola baiana estabelecida há mais de 50 anos na Ufba. 

“Sempre fui muito cativado pela economia de meios da tradição ocidental e africana, um tipo de minimalismo que está em Mozart e Brahms, mas também em Caymmi e nos ritmos africanos, no qual você desenvolve uma ideia ao máximo, com um mínimo de elementos”, explica.

“Mas nessa peça eu fiz isso de uma maneira torta. É um painel de referências negras. Já fiz outras obras em que ela vem toda de uma referência, como Pega Essa Nega e Cheira ou Bahia Concerto. No caso de Cabinda, o trabalho da peça é justamente entrelaçar essas referências de forma que não permita ao ouvinte dissocia-las, criar um todo no qual as referências acontecem de maneira orgânica. 
Usei uma técnica que é uma espécie de tecido conjuntivo, ligando uma ideia a outra em ciclos de intervalos crescentes e decrescentes”, explica.

Marin Alsop rege a Osesp. Foto site Osesp
"Acabei com uma ideia de gamela onde cabem muitas coisas, uma metáfora ou alegoria da sociedade brasileira. Você ouve com igual organicidade os ambientes e as texturas de referência, sem que soe como colagem. Isso é que é desafio e ontem no ensaio com a Osesp eu vi que funcionou, que tudo o que eu planejei, saiu como eu queria. E foi apenas o primeiro ensaio", comemora Paulo.

"Já o titulo vem do maculelê, do grito 'Nós somos pretos' da Cabinda de Luanda (capital da Angola). Vem de uma noção de que, na verdade, a África é que colonizou o Brasil. Tem um musicólogo amigo meu, Gerard Behague, já falecido, era professor da Universidade do Texas, ele uma vez disse que a África civilizou o Brasil pela ética e pela estética. Somos alfabetizados pela estética do ritmo. Quem não sabe ritmo na Bahia é uma espécie de analfabeto. E a ética é tao importante quanto, por que os dominadores não podem nos ensinar ética, e sim os dominados, é a ética através da construção de sua emancipação. Esse sentido dialético ressoou forte em mim e essa peça um reconhecimento disso. Está lá no Maculelê, que ocupa a parte central da obra", detalha.

“Os baianos eruditos trabalham muito com isso desde os anos 1960 até hoje, com o movimento da OCA (Oficina de Composição Agora). Aliás, a Bahia é o único lugar do Brasil que tem 50 anos de uma tradição erudita, um movimento contínuo, que passa de uma geração para outra”, afirma.

OCA: Paulo, Espinheira, Túlio, Joélio, Porchat, Guilherme, Lia e Paulo Rios
A má notícia é que ainda não se sabe quando os baianos poderão ouvir essa obra do seu maior compostor erudito vivo.

"Em Salvador ainda não temos convite, mas ainda ouviremos, assim que Osba puder superar alguns problemas, pois está faltando músico na Orquestra, o velho problema. O problema é os gestores públicos não entendem que isso não é gasto: é investimento. Nossas orquestras de referência, Osba e Osufba, vivem nessa luta", lamenta.

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