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terça-feira, setembro 30, 2014

MULTI-INSTRUMENTISTA E FUNDAMENTAL

Residente em São Paulo, o músico baiano Ordep (ex-Utopia e Lampirônicos) lança primeiro CD solo

Ordep Lemos em 2014. Foto Dadá Jaques
Para ser interessante e saudável, um bom cenário cultural se alimenta de gente criativa, inquieta, incansável e versátil.

O músico baiano Ordep Lemos reúne todas essas qualidades – e o fato dele viver em São Paulo desde 2006 nos diz muito sobre o cenário musical de Salvador.

Multi-instrumentista, Ordep é nome fundamental no desenvolvimento da cena roqueira local desde a década de 1980, quando foi um dos fundadores da banda Utopia, uma das melhores da cidade no período.

Entre os anos 1980 e 90, Ordep passou por bandas importantes para o rock baiano, como a própria Utopia, Treblinka, Saci Tric, Orelha de Van Gogh e, finalmente, Lampirônicos, com a qual atingiu notoriedade nacional e excursionou pelo Brasil e Europa em diversas ocasiões.

Agora, depois de oito anos morando e trabalhando em São Paulo – inclusive como baterista de Kiko Zambianchi por seis anos –, Ordep dá vazão ao material que veio criando durante todo esse período no seu primeiro álbum solo, autointitulado.

Ordep, o disco, é um prosseguimento fidelíssimo ao seu trabalho em suas bandas mais tardias, como Orelha de Van Gogh e Lampirônicos: pesado e sacudido, com o pé no terreiro e a cabeça no mundo, dialogando forte com a tradição afrobrasileira e o rock mais moderno.

Ordep ao vivo em SP. Foto por Ricardo Maizza
“Venho com esse trabalho desde 2006, quando  vim em definitivo para São Paulo. Já tinha umas três músicas, aí fui lapidando e compondo com Tony Alves, meu produtor”, conta Ordep.

“Olha, tô bem satisfeito e feliz, por que  não é fácil conseguir apoio para um trabalho como esse. Rolou  via edital do PROAC (Programa de Ação Cultural do Estado de São Paulo), com patrocínio da Ambev”, relata.

No disco, Ordep expressa sua visão do mundo, sua fé na religião de matriz afrobrasileira e também um pouco de sua vida em letras de teor autobiográfico.

“Falo um pouco de preconceito, e não só religioso. Falo de problemas sociais e da minha trajetória de vida, minha chegada em São Paulo“, conta.

"Comecei aqui em SP com o MATA (Música, Atitude e Arte), com Anderson Costa e Marcelo Magal, baixista do Biquíni Cavadão, que toca comigo desde o início do projeto. Já foram da banda Surto e do Rodox. Aí venho com essa galera fazendo alguma coisa desde ensaios e pré-produção de algumas musicas. Magal tem um estúdio em Perdizes e aí surgiu a oportunidade do edital. Só que eu nunca me imaginei mesmo fazendo todas essas músicas sozinho, eu nunca pensei em carreira solo, botar meu nome na frente. Mas aí apareceu essa oportunidade desse edital que exigia que o projeto fosse de artista solo. Aí eu assumi a frente do projeto", detalha.

"Eu sempre vivi de musica, tinha um estúdio em Ondina. Só que o que eu gosto mesmo é palco. Tocar, viajar, ensaiar, compor. Mas tava muito difícil de viver disso por aí", relata.

"Mesmo com os Lampirônicos, que teve uma projeção, fomos para grandes festivais na Europa, com todo muando ansioso com o sucesso da banda... e não aconteceu. Fiquei muito desgostoso de um cenário assim. Salvador não tem essa estrutura que SP tem, de poder viver de música. Tudo acontece aqui, tem tudo aqui. Salvador continua muito restrita para bandas que não são do circuito da axé music. Aqui, assim que cheguei, comecei a tocar com Kiko Zambianchi. Toquei sete anos com ele e há dois anos entrei nessa produtora de áudio, aonde tenho contato diário com todos os instrumentos que eu toco: bateria, baixo guitarra, violão, e já aprendi até o ukulele com os jobs (trabalhos) que aparecem", continua Ordep.

Ordep no Treblinka (2º à esq.). Fonte: bandatreblinka.blogspot.com.br
Desde criancinha

Nascido em 1971, este soteropolitano começou na música ainda menino.
“Desde criancinha, mesmo. Meu pai fala que desde os dois ou três anos eu já acompanhava qualquer música no ritmo certinho. Aí ele começou a me incentivar, me  dava tamborzinho, sabe?”, conta.

Aos cinco anos, ganhou seu primeiro violão. Como era muito pequeno, o pai lhe deu um cavaquinho.

Aos 11, começou a estudar em escolas de música e foi numa dessas que conheceu Robertinho Barreto, seu futuro parceiro nos Lampirônicos.

“Aí vi o AC/DC no primeiro Rock in Rio. Pirou o cabeção, né?”, ri.

Logo estava formando banda com amigos. “Peguei uma guitarra e uns amigos deixaram um baixo e uma bateria lá em casa por uns três anos. Aprendi tudo junto, ao mesmo tempo”, diz.

Já em 1986 formou a Utopia com o hoje professor de arquitetura André Lissonger. Em 1989, com a antológica coletânea em LP Rock Conexão Bahia lançada, a música Nosso Tempo tocou bastante em rádios.

"Comecei o Utopia com André Lissonger. A gente formou a banda em um show da Plebe Rude no Teatro Vila Velha, em 1986. Foi aquele papo: 'eu curto rock', 'eu toco guitarra', 'vamos fazer uma banda', 'vamos'. Uma semana depois começamos a compor junto. Eu com uns 14 para 15 anos. Gravei no Rock Conexão Bahia com uns 17 anos. Nessa época, o jabá não era tão forte, e tinha uma galera de rádio que ajudava. Na época, era uma emoção absurda ouvir sua música tocando na rádio”, conta.

“Era legal demais, a galera cantava as músicas, os shows lotavam, cara”, lembra.



"Mas gravei com um monte de gente, vivia tocando em gigs e gravando. Na verdade eu já tocava na Treblinka também. Gravei cinco musicas minhas no (clássico álbum em LP) Indução Hipnótica (1990) do Treblinka, que teve várias formações. Na última, eu cantava e tocava guitarra. Aí depois acabei a Treblinka e toquei na Orelha de Van Gogh com Dadá Jaques, Ricardo Fasani e Iuri Bonebreaker. Foi meu ultimo trabalho nesse período que eu encabeçei. Nesse meio tempo entrei no Saci Tric, que ensaiava no meu estúdio e gravei o disco Ao Vivo No Teatro XVIII. Ai veio Vince e me chamou para O Cumbuca eu entrei também. Era Orelha, Saci e Cumbuca, três bandas ao mesmo tempo. Foi quando Betinho e Bau me convidaram para fazer o projeto do Lampirônicos. O esqueleto foi todo projetado no meu estúdio", narra Ordep.

Lampirônicos original, com Ordep (1º esq.) e Roberto Barreto (penúltimo à dir.) 
"É estrada, né? Hoje vou muito pouco a Salvador, infelizmente. E quando vou, é na correria. Fico sabendo daí pelos amigos e redes sociais. Tem a Maglore, que tá aqui em SP. Gostei do trabalho deles e tudo, achei bem feito. Um pouco Los Hermanos e tal, mas é isso aí. A Cascadura veio pra cá há alguns anos, passou um tempo. Gosto bastante. Vejo que tem esses espaços novos aí, o Irish, o Portela, o Commons. Mas não sei como está a coisa do público, se a galera consegue viver disso. Acho que isso ainda não rola, né?", pergunta-se.

No fim da década de 1990, reuniu-se com o velho amigo Robertinho Barreto nos Lampirônicos, banda com a qual gravou dois álbuns em gravadora major (Sony) e rodou o mundo.

Infelizmente, nem com toda essa moral, Salvador foi capaz de absorver a banda.

“Foi basicamente desânimo”, conta Ordep. “A Sony também abriu mão da banda, alegando prejuízos com a pirataria, que era muito forte na época, mas o clima entre os membros também já não era bom”, lembra.

Depois de um ano em São Paulo, a banda volta a Salvador e toma um balde de água fria.

Lampirônicos com Vince à frente. Ordep é o penúltimo a esquerda
“Passamos um ano em SP. No fim desse ano, tava todo mundo doido para voltar pra Bahia. A banda não tava gerando tanta atividade assim. Começamos a ficar preocupados com a questão financeira, até por que era a Sony que bancava o aluguel. Como não aconteceu como achamos que ia acontecer, isso abalou o grupo. Aí a volta para Salvador deu uma esfriada. Niquima saiu, Vince entrou e ainda fizemos duas turnês pela Europa com ele. Deu uma levantada no astral, mas aí voltamos para Salvador e nos vimos tocando nos mesmos lugares, sem possibilidade de crescer. Sem querer voltar para o Rio e São Paulo, ficamos meio acomodados. Aquela vontade mesmo de botar para frente desanimou. Foi saindo um, depois outro, eu saí. Ainda durou um tempo com Roberto e Vince. Quando Robson (de Almeida, percussão) saiu, eu disse: 'Bicho, acaba logo isso aí'. Já não tem quase ninguém da formação original, a proposta já tinha acabado. Aí a banda finalmente acabou”, relata.

Hoje, Ordep é um músico muito bem sucedido: trabalha em uma das maiores produtoras de áudio de São Paulo. “Amo meu trabalho, mas o que eu gosto mesmo é de palco”, diz.

Em tempo: no dia 29 de novembro Ordep e sua banda aportam na city para um show de lançamento do seu álbum, no palco do Teatro Acbeu (Corredor da Vitória).


Experiência que faz a diferença

O baiano Ordep (Utopia, Lampirônicos) surpreende em belo álbum solo que soa coerente com sua trajetória e aponta novos caminhos entre o rock e as sonoridades afro brasileiras. Peso e suíngue (Eu Vou Pro Mato, Crer Para Ver), mas também belas melodias (Alafiá, E Você). Ordep / Ordep / Comando S / R$ 20,90. Link Tratore. Ouça no Deezer: http://www.deezer.com/album/8235662

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