Os jovens Smiths, circa 1984, quando ainda era só amorzinho. Foto: Paul Slattery |
Primeiro foi a Mozipedia - A Enciclopédia de Morrissey e dos Smiths (de Simon Goddard, editora LeYa), lançada em 2013.
Ainda este ano, a Globo lança Autobiografia, de Morrissey, título arrematado por 100 mil dólares em disputado leilão com outras seis editoras brasileiras.
Entre um e outro, chegou recentemente às livrarias The Smiths - A Light That Never Goes Out, biografia do inglês Tony Fletcher, que saiu pelo selo BestSeller, da editora Record.
Como tudo o que se refere aos Smiths, A Light That Never Goes Out é uma investigação caudalosa. Em suas 630 páginas, o autor não se limita a contar a história da banda.
Fletcher, biógrafo respeitado do REM e Echo & The Bunnymen, vai fundo na história da cidade dos Smiths – a industrial Manchester –, na riquíssima cena musical e artística que lá floresceu e até no estabelecimento do tal “indie rock”, com toda a movimentação de bandas, selos, empresários e jornalistas que povoam este universo.
E é justamente por conta do seu amplo papel no estabelecimento dessa nova estética musical roqueira que os Smiths, não raro, foi apontada como “a última banda de rock original” – título que Fletcher vê como merecido até certo ponto.
“Há um forte argumento para afirmar, ao menos, que os Smiths foram a última banda original de baixo-guitarra-bateria”, aposta o autor, em entrevista por email.
“A combinação das letras únicas com o estilo vocal de Morrissey, aliada à musicalidade inventiva de Johnny Marr (guitarrista), além das influências claramente afirmadas, resultaram em algo que soava familiar (como uma ‘banda de rock’) – e, ainda assim, verdadeiramente novo (no sentido de 'original'). Não houve muito disso desde então”, afirma.
“Mas eu hesito em chama-los de última banda verdadeiramente original, por que eu acho que o rock mudou para algo que passou a abraçar instrumentos e influências eletrônicas. Acho bandas como Arcade Fire e LCD Soundsystem perfeitamente originais. Mas de novo, elas usam muito mais do que a instrumentação convencional dos Smiths”, considera Fletcher.
Manchester City
Manchester em tempos idos, berço da Revolução Industrial |
Porém, para um entendimento mais profundo sobre as origens dos Smiths e a realidade que os cercava em Manchester, a recomendação é ler atentamente cada página.
Até por que, felizmente, Fletcher é um craque – escreve com objetividade, agilidade e total conhecimento de causa, tornando a leitura uma experiência interessante e bem agradável.
Assim ficamos sabendo que Manchester, um centro de produção têxtil desde o século 12, foi um dos berços da Revolução Industrial no século 19, quando começou a receber levas de imigrantes irlandeses – os quais, além de serem considerados uma espécie de sub-raça entre os britânicos, ainda foram devidamente passados no moedor de carne do regime de trabalho pré-sindicalizado da época.
Foi lá que um dos criadores do socialismo, o alemão Friederich Engels (1820-1895), enviado por seus pais à cidade em 1842 para supervisionar o moinho de algodão da família, começou a delinear as bases do seu pensamento, escrevendo o livro A Situação da Classe Trabalhadora na Inglaterra (1854).
Isso, nota Fletcher, tornou Manchester cidade-berço não apenas do capitalismo moderno, como também do socialismo.
“Costumo pensar que a pesquisa levou algo entre dois anos e uma vida”, reflete o autor.
“Trabalhei muito duro para coletar as informações necessárias, passei um monte de tempo nas bibliotecas de Manchester e li muitos livros”, conta.
Para Fletcher, que é muito interessado em história política, saber de tudo isso “é importante para a história (dos Smiths)”.
"Mas claro, fui criado na Inglaterra, tenho um interesse em história política, e um pouco disso é absorvido por qualquer um de nós que se importa com o passado. Claro que eu conheço a cena musical de alto a baixo. Acho que é importante para a história", acrescenta.
“E eu descobri, desde a publicação, que muitos leitores norte-americanos (e talvez brasileiros) só conheciam a história musical de Manchester, sem o entendimento de sua importância na Revolução Industrial ou os padrões da imigração irlandesa. Quando você entende isto, eu acho que a trajetória dos Smiths faz muito mais sentido”, diz.
O pesadelo dos empresários
Andy e Mike eram mal pagos. Morrissey não queria empresário. Foto: Andre Csillag |
Período especialmente difícil para Morrissey, que desde tenra idade demonstrou ser um rapaz muito diferente dos de sua vizinhança – que aliás estava em pleno período de mutação, devido a um polêmico programa de “eliminação de cortiços” da prefeitura.
Hoje, as vizinhanças em que Morrissey & Marr foram criados não existem mais.
Quando Marr finalmente bate na porta da casa de Morrissey e o chama para formar uma banda, o último, aos 23 anos, estava em profunda depressão há uns cinco e quase não saía do quarto.
Salvo pelo descoladíssimo Marr, os dois formaram uma das duplas de composição mais bem-sucedidas da história do rock.
Após convocarem o pacato Andy Rourke (baixo), amigo dos tempos de escola de Marr e o ex-punk e meio brigão Mike Joyce (bateria), estava formada a banda The Smiths.
Entre outros detalhes, Fletcher revela que os Smiths nunca conseguiram ter um empresário fixo por muito tempo.
“Joe Moss (o primeiro) caiu fora no fim de 1983 por várias razões, e depois disso, Morrissey jamais confiou em um empresário o bastante para que eles ficassem nesta posição. Neste meio tempo, em parte por conta da velocidade com que as coisas estavam acontecendo, em parte por que ele queria manter seu parceiro (Morrissey) feliz, Johnny Marr se juntou à indecisão de Morrissey.”, conta Fletcher.
“Quando Johnny tentou insistir em manter alguém, próximo do fim, e Morrissey insistia em demitir aquela pessoa, foi para Johnny a gota d'água. O arrependimento de Johnny sobre tudo isto é claro no livro, ainda que ele pudesse ter batido o pé com um pouco mais de firmeza. Johnny acabou voltando para Joe Moss, que tem sido seu empresário por muitos anos. Já Morrissey já passou por, literalmente, dúzias de empresários”, observa.
Perguntado se ele acha que algum dia os Smiths se reunirão - nem que seja para um show só, como o Led Zeppelin, Fletcher é curto e grosso: "Não".
Sobre sua visão a respeito da Autobiografia de Morissey, ele nos indica sua extensa resenha disponível no próprio site: www.ijamming.net.
E agora? O que este intrépido jornalista musical está preparando? "No verão passado eu publiquei minhas memórias, Boy About Town, sobre minha juventude ao redor das cenas punk e pós-punk em Londres nos anos 1970, quando eu tinha um fanzine e uma banda e um assento no carona em um período incrivelmente criativo. Espero realizar uma sequência", conta.
"Também estou preparando uma proposta para um livro sobre o órgão Hammond, que foi o primeiro instrumento elétrico e que verdadeiramente revolucionou a forma como abordamos a música. Estou buscando uma editora no momento. Tendo escrito biografias para The Smiths. R.E.M., e Echo & The Bunnymen, sinto que fechei minha viagem pela cena musical pós-punk dos anos 1980 - pelo menos, por enquanto. Tudo de bom e muito obrigado pelo interesse", despede-se Tony Fletcher.
The Smiths - A light that never goes out / Tony Fletcher / Tradução: Rodrigo Abreu / Editora BestSeller / 630 p. / R$ 70
EXTRA:
JOVEM ESCRITOR PAULISTA ESTREIA COM ROMANCE "QUEM VAI FICAR COM MORRISSEY?"
Além dos livros que tratam de Morrissey e dos Smiths em si, há outra vertente literária surgindo a partir deles: romances de autores fãs e que se inspiram na obra do grupo – e como esta influi em suas vidas. Ano passado saiu Caro Morrissey... (Ed. Nossa Cultura), de Willy Russell. Agora é a vez de Quem Vai Ficar com Morrissey, do paulista Leandro Leal. Típico romance indie pós-Alta Fidelidade, (Nick Hornby), trata da separação de um jovem casal. Só que agora ele não “permite” mais que ela siga ouvindo Smiths e Morrissey, por que afinal, foi ele quem os apresentou a ela. Morrissey “é dele”. Ou não? Quem Vai Ficar Com Morrissey? / Leandro Leal / Edições Ideal / 272 p. / R$39,90 / www.edicoesideal.com
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